Decisão sobre financiamento fica para a próxima COP, no Azerbaijão

Desafio é desatar nó entre países ricos e emergentes e incluir iniciativa privada

A COP28, em Dubai, começou com uma boa notícia: a aprovação do Fundo de Perdas e Danos, que canalizará recursos de países desenvolvidos para nações emergentes atingidas de modo irreversível pelas mudanças climáticas. Especialistas que aguardavam avanços em relação ao tema, prenunciados pelo tom positivo do início das negociações, porém, se frustraram. A questão mais ampla entrou na pauta da próxima Conferência das Partes, em 2024, quando, segundo documento oficial, “os governos devem estabelecer novo objetivo de financiamento climático, que reflita a urgência do desafio”.

Até o momento, o que há de concreto é a promessa de aporte por parte dos governos de nações desenvolvidas de cerca de US$ 700 milhões para perdas e danos, o equivalente a menos de 0,2% das perdas irreversíveis sofridas pelo resto do planeta, decorrentes do aquecimento global.

“Os danos dos eventos climáticos extremos nos países em desenvolvimento já somam muito mais que bilhões de dólares anuais. Os países desenvolvidos não querem se comprometer com valores, só aceitaram contribuir para o fundo de maneira genérica”, lamenta o físico Paulo Artaxo, que fez parte do seleto grupo de cientistas globais que participaram da formulação de textos do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês) da ONU.

O Fundo de Perdas e Danos, a ser hospedado pelo Banco Mundial, demandaria mais de US$ 400 bilhões por ano para dar conta dos reparos necessários. Entre os aportes prometidos até agora estão os dos Estados Unidos, de US$ 17 milhões, menos de 5% dos recursos destinados pelo governo americano à Ucrânia para a guerra em curso, além dos de União Europeia (US$ 240 milhões), Japão (US$ 10 milhões), Reino Unido (US$ 75 milhões), Alemanha (US$ 100 milhões) e Emirados Árabes (US$ 100 milhões). Historicamente, segundo dados do WRI, EUA e UE, principais emissores, respondem por 37% do acumulado global de gases geradores do efeito estufa.

Já a meta coletiva de financiamento vem sendo discutida desde a COP de 2021, em Glasgow, e os países têm até a COP29, de 2024, para definir a nova meta. Até o momento, está em vigor acordo de 2009 no qual nações desenvolvidas se comprometeram a financiar as emergentes em US$ 100 bilhões por ano. “Esse valor é insuficiente e não foi cumprido. Existe desconfiança nas negociações porque os países em desenvolvimento argumentam que os desenvolvidos pedem mais esforços, mas sequer liberaram o prometido”, diz Stela Herschmann, consultora do Observatório do Clima. Estimativas de especialistas mostram necessidade de valores muito superiores.

Estudo lançado na COP28 calcula serem necessários investimentos de US$ 2,4 trilhões ao ano até 2030 em adaptação, transição energética e perdas e danos em países em desenvolvimento. Outro estudo, da Agência Internacional de Energia, estima em US$ 2 trilhões/ano o montante necessário apenas para mitigação em países emergentes, até 2030, para o planeta atingir emissões líquidas zero em 2050.

“Veremos os países desenvolvidos dizendo que não têm mais recursos públicos para o clima e tentando convencer os emergentes a buscar fontes alternativas via bancos multilaterais e iniciativa privada”, prevê Bruno Toledo Hisamoto, especialista em negociação climática do Instituto Climainfo.

Além das divergências em relação a valores, as negociações começam a trazer para o debate a necessidade da participação de empresas no financiamento climático. Rodrigo Sluminsky, diretor de captação da Laclima, associação de advogados de mudanças climáticas da América Latina, diz que, até o Acordo de Paris, as tratativas giravam em torno de crédito concedido por países desenvolvidos. “A tendência é trazer os recursos privados como essencial para o financiamento de clima”, afirma.

Economistas do FMI, em artigo recente intitulado “Emerging Economies Need Much More Private Financing for Climate Transition”, ressaltam que diante da limitação do investimento público, o setor privado precisará participar com 80% do montante necessário.

O físico Artaxo tem visão semelhante. “Há 50 anos o lucro das empresas de petróleo acumula várias centenas de trilhões de dólares. Agora, quem paga o prejuízo do dano das emissões é o poder público, o consumidor, e não as indústrias, que ficam com o lucro. Isso é correto? É ético?”, questiona. Tais questões animarão a COP29, no Azerbaijão, país onde um terço da economia depende do petróleo.

 

POR MÔNICA MAGNAVITA

FONTE: VALOR ECONÔMICO – 19/12/2023

Arcabouço jurídico consistente pauta atração de investimentos

Para advogados, regulação é urgente porque avanço de projetos verdes exige tempo e demanda estrutura de longo prazo

As discussões multilaterais durante a COP28 indicam que um arcabouço jurídico claro e consistente nos âmbitos nacional e global será fundamental para a atração de investimentos em meio ao cenário de emergência climática. Outros desafios serão a construção de pontes entre os países para viabilizar um mercado de carbono consistente e um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia que viabilize o avanço de atividades com baixa emissão de carbono com a participação da população local nas decisões.

A avaliação, feita ao Valor, é de advogados que participaram da conferência global realizada em Dubai, nos Emirados Árabes. “Do ponto de vista jurídico, a diferença é que agora os países precisam ter legislações próprias para definir questões relacionadas ao mercado de carbono. Ao mesmo tempo, têm compromissos e metas nacionais declarados, que impactam a esfera pública e o setor privado”, explica o advogado especialista em mercado de carbono, Ludovino Lopes.

Para o advogado, o investidor sabe lidar com risco financeiro, mas não gosta de lidar com o risco regulatório. “Sabemos que os projetos levam até 20 anos para serem implantados e é preciso uma estrutura de longo prazo. Por isso, é essencial que o país comece a trabalhar na regulação o quanto antes”, afirma Lopes.

Entre os temas de destaque estão as revisões das NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada, sigla em inglês) em 2025. São as metas estabelecidas por cada país com a avaliação dos objetivos alcançados a cada cinco anos. “Serão necessárias novas metas para a questão do metano e cadeias como a de proteína animal e agronegócio deverão sentir mais o impacto das mudanças”, explica o sócio do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, Rodrigo Sluminsky.

Segundo ele, a construção de uma legislação consistente é fundamental para a competitividade de países que querem estar na dianteira da atração de investimentos. “O Brasil já começou a fazer atualizações nas questões relacionadas às florestas, porque o governo sabe que será cobrado”, pondera Sluminski.

Para a advogada Ana Carolina Rocha, presidente da Rede Amazônidas Pelo Clima, o modelo necessário de desenvolvimento para a Amazônia, comunitário e com baixas emissões, procura corrigir os erros dos anteriores. “Os grandes projetos que foram pensados para a Amazônia por pessoas de fora não deram certo e acabaram por criar bolsões de pobreza”, afirma.

O Projeto de Lei 412/2022, que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), seria o primeiro passo para melhor definição das regras do mercado de carbono no país. “É o começo para criarmos as bases e iniciarmos a curva de aprendizagem em um campo complexo e sofisticado, de difícil implementação, mas que precisa ser feito. Para engajar outros atores, o governo brasileiro precisa ter essa governança bem montada”, avalia Caroline Prolo, sócia da Fama Recapital e cofundadora da Laclima, entidade que reúne advogados da América Latina em defesa do clima.

Ao mesmo tempo, pondera o advogado Ludovino Lopes, o Brasil precisa construir as pontes com os mercados internacionais de carbono, de créditos de água e serviços ambientais. “É importante avaliar como outros países estão se posicionando, olhar os exemplos a nossa volta porque vamos nos colocar em um mercado extremamente competitivo e essa é a economia do futuro.”

Para o setor privado, as questões relacionadas ao Global Stocktake – balanço das ações adotadas para mitigar o avanço do aquecimento global – irão definir as regras do jogo para os próximos anos. “É ali que estão as diretrizes do que as empresas precisarão ajustar”, explica Flávia Bellaguarda, presidente da Laclima

Com a proximidade da COP30, prevista para ser realizada em Belém (PA), em 2025, as atenções estão voltadas para o Brasil e abrem oportunidades para governos e empresas acessarem financiamentos. “Os setores estão na ânsia de ‘como é que eu surfo essa onda?’, mas é preciso ter uma estrutura preparada, que a lição de casa seja feita, e muitos ainda estão patinando nesse quesito”, avalia a advogada.

Na esfera pública, ela considera que poucos municípios possuem planos de ação climática estabelecidos, com análise de risco e vulnerabilidade. É o caso de Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte e Salvador. Bellaguarda explica que o calcanhar de Aquiles é sempre o financiamento, já que a maior parte dos municípios não tem estrutura para  desenvolver as ações. “Também existe muita dificuldade em entender como fazer essa conexão entre o que temos na COP e a realidade das cidades”, pondera.

Com o avanço das ações, Sluminsky acredita que possíveis disputas possam surgir, mas afirma ser pouco provável um conflito entre nações. Além disso, a tendência é de que as estruturas e discussões fiquem mais complexas e sofisticadas, o que, segundo Bellaguarda, trará a necessidade de estabelecer um novo foro para mediar a pauta climática. “Conforme o cenário global relacionado ao clima piore – e vai piorar -, seremos pressionados a encontrar outros mecanismos de governança global, além da COP, que tem suas limitações. Ainda não sabemos o que é, mas irá existir”, diz Bellaguarda.

 

POR JULIANA RIBEIRO

FONTE: VALOR ECONÔMICO – 19/12/2023

ALERJ aprova Projeto de Lei para instituir taxa de fiscalização sobre as atividades de petróleo e gás

O PL nº 1.473/2023 aprovado em 13/12/2023 pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) prevê a instituição da Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Exploração e Produção de Petróleo e Gás –TFPG

De acordo com a proposta legislativa, a incidência da taxa se justificaria pelo poder de polícia exercido pelo Instituto Estadual do Ambiente – INEA na fiscalização das atividades de exploração e produção de petróleo e gás realizadas no Estado do Rio de Janeiro.

Se aprovado, as operadoras deverão recolher mensalmente por cada ‘área sob contrato’ de Concessão, Partilha ou Cessão Onerosa, o montante equivalente a 10.000 (dez mil) UFIR-RJ, o que corresponde em 2023 a R$ 43.329,00.

Vale destacar que essa é mais uma tentativa do legislativo fluminense de instituir a taxa, que já foi objeto da Lei nº 7.182/2015, considerada em 2020 pelo Supremo Tribunal Federal inconstitucional por ocasião do julgamento da ADI 5480.

Naquela ocasião, em linhas gerais, a decisão judicial consignou que a base de cálculo da taxa não era proporcional ao custo das atividades de fiscalização exercidas pelo INEA, caracterizando uma excessiva onerosidade, uma vez que as taxas de acordo com a jurisprudência do próprio STF, pela sua natureza contraprestacional, devem se relacionar aos custos da entidade fiscalizadora.

Em 2021, a ALERJ já havia feito uma nova tentativa de instituir a TFPG, mas o PL nº 5.190/2023 foi vetado em sua integralidade pelo atual governador do Estado do Rio de Janeiro no começo de 2022, que adotou como justificativas a ausência de proporcionalidade entre o valor a ser arrecadado e o orçamento do INEA no ano, bem como a inconstitucionalidade material da cobrança da taxa.

Em que pese o montante arrecadado proposto no PL nº 1.473/2023 seja inferior àqueles previstos nas propostas legislativas anteriores, a discussão jurídica em torno da proporcionalidade da cobrança ainda restaria possível, considerando a abrangência das atividades de fiscalização sobre o setor.

Ademais, a proposta prejudica a segurança jurídica dos investimentos em petróleo e gás no território fluminense, adicionando um novo custo e controle para as sociedades, que desempenham atividade bastante representativa para a economia do Estado, e por conseguinte, arrecadação dos tributos estaduais.

O Projeto de Lei nº 1.473/2023 foi encaminhado para que o Governador do Estado do Rio de Janeiro se manifeste em até quinze dias úteis pela sanção ou veto da proposta, conforme art. 155 da Constituição Estadual. Se aprovado, a nova legislação estará em vigor a partir de 01/04/2024.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Aduaneira do GSGA.

 

Publicada Lei que trata da tributação das pessoas físicas detentoras de investimento no exterior

Em 13/12/23 foi publicada a Lei nº 14.754/23 que trata da tributação dos rendimentos obtidos por pessoas físicas residentes no país, detentoras de aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior. A Lei também promove alterações no regime tributário dos fundos de investimento exclusivos no Brasil.

As novas regras impõem significativa alteração do tratamento fiscal conferido às pessoas físicas, especialmente no que se refere aos ativos mantidos no exterior, cujas iniciativas já haviam sido objeto da MPV 1.171 e Projeto de Lei 4.173, ambos de 2023.

A definição sobre o que seriam aplicações financeiras no exterior é ampla, e engloba diversos tipos de operações desde títulos de renda fixa e de renda variável a ativos virtuais e carteiras digitais (cujo enquadramento será definido por regulamentação da RFB), apólices de seguro resgatáveis, fundos de aposentadoria ou pensão, operações de crédito, inclusive mútuo de recursos financeiros dentre outros instrumentos financeiros. Em qualquer dessas situações, havendo rendimento, incidirá a nova tributação.

Em relação à tributação das entidades controladas no exterior as novas regras previstas pela Lei são aplicáveis para entidades no exterior localizadas em países qualificados pela legislação brasileira como localidades de tributação favorecida ou que possuam renda passiva (royalties, juros, aluguéis, ganhos de capital, dividendos etc.) superior a 40% da renda total.

Em linhas gerais, as novas regras determinam o que se segue:

Além disso, a Lei nº 14.754/23 trata de forma inédita da tributação dos bens e direitos objeto de trust no exterior, e define que para fins fiscais os bens e direitos de trusts no exterior permanecerão sob titularidade do instituidor, que deverá efetuar a declaração dos ativos, bem como efetuar a tributação sobre os rendimentos percebidos na forma da nova Lei, se houver. Os bens e direitos do trust somente serão considerados transferidos quando houver a distribuição para os beneficiários ou falecimento do instituidor.

Considerando as mudanças na tributação, a legislação permite às pessoas físicas a possibilidade de atualizar o valor dos bens e direitos detidos no exterior para o valor de mercado em 31/12/23, e tributar a diferença encontrada pela alíquota de IR de 8%, que deverá ser recolhido até 31/05/24. Os valores decorrentes da atualização tributada serão considerados como acréscimo patrimonial na data em que houver o pagamento do imposto.

A nova lei revoga, a partir de 1º de janeiro de 2024, a isenção atribuída à variação cambial positiva decorrente de ganhos de capital na alienação de bens ou direitos e na liquidação ou resgate de aplicações financeiras adquiridos com rendimentos auferidos originariamente em moeda estrangeira e a isenção da variação cambial dos depósitos não remunerados.

As disposições da Lei nº 14.754/23 entraram em vigor a partir de sua publicação, 12/12/2023 em relação às regras dos fundos de investimento e a partir de 1º de janeiro de 2024 em relação à tributação dos rendimentos obtidos por pessoas físicas residentes no país em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Tributária do GSGA.

Dedutibilidade de multas fiscais da base de cálculo da CSLL e a ilegalidade do entendimento fiscal

A Receita Federal interpreta que a impossibilidade de dedução de despesas no IRPJ se estende à CSLL, incluindo multas fiscais, mas a jurisprudência ainda debate essa questão, já que as regras de adições e deduções são específicas para cada imposto, conforme diferentes legislações tributárias

Muito embora o art. 41, §5º, da lei 8.981/95 vede a dedução de determinadas despesas apenas da base de cálculo do IRPJ, a Receita Federal tem entendido que (1) tal premissa se aplica também à CSLL e que, por consequência, (2) o contribuinte está impossibilitado de deduzir da base de cálculo da CSLL as despesas relativas a multas fiscais (art. 132 da IN RFB 1.700/17). Mas, afinal, esse entendimento está correto? Como vem se posicionando a jurisprudência sobre essa matéria?

Ainda que tanto o IRPJ como a CSLL estejam ligados ao acréscimo patrimonial (lucro) recebido pelos contribuintes em determinado período, as adições e deduções previstas em lei são específicas para cada tributo, tornando-as essenciais para a sua diferenciação.

Em relação ao IRPJ, o art. 41 da lei 8.891/95 vedou o direito à dedução de determinadas despesas, dentre as quais se destacam as multas por infrações legais. Para a CSLL, essa vedação não está prevista no rol de sua legislação específica (art. 13 da lei 9.249/95).

Mesmo diante da ausência de previsão legal, a Receita Federal tem legitimado essa vedação com fundamento no art. 57 da lei 8.981/95 e no art. 132 da IN RFB 1.700/17.

Ao que parece, esse entendimento deve ser refutado, em especial, por dois motivos.

Primeiro porque o texto do art. 57 da lei 8.981/95 não leva à conclusão de que é vedada a dedução de multas originárias de infrações fiscais da base de cálculo da CSLL.

Ao estabelecer que “aplicam-se à Contribuição Social sobre o Lucro as mesmas normas de apuração e de pagamento estabelecidas para o imposto de renda das pessoas jurídicas, […] mantidas a base de cálculo e as alíquotas previstas na legislação em vigor”, o próprio artigo protege a manutenção da base de cálculo da CSLL, que difere da base do IRPJ justamente pelas diferentes deduções que ambos os tributos possuem.

Isso significa dizer que as vedações de dedutibilidade previstas para o IRPJ não podem ser aplicadas de forma reflexa à CSLL. Nesse sentido já se manifestou a Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF (Acórdão nº 9101-004.640, j. 15/1/20).

Segundo porque, em razão da ausência de previsão legal que vede a dedução das multas por infrações fiscais da base de cálculo da CSLL, a IN RFB 1.700/17, ao assim fazer, violou o Princípio da Legalidade.

Neste ponto, cabe comentar que a aplicação do Princípio da Legalidade, aos olhos da União, é costumeiramente contraditória: enquanto em algumas situações a União defende uma máxima de que “se está previsto em lei, deve ser cobrado”1, em outras (tais como a presente), permite-se uma relativização desse princípio ao concluir que a vedação deve ser aplicada mesmo que não esteja prevista em lei.

Quanto às decisões sobre o tema, cabe mencionar que a jurisprudência é escassa e os julgados existentes ora oscilam entre conclusões favoráveis aos contribuintes; ora entre conclusões favoráveis ao Fisco.

Na esfera administrativa, além daquele já citado, há outros julgados cujas conclusões também são favoráveis aos fundamentos aqui destacados2, no sentido de que as vedações impostas ao IRPJ não se aplicam de forma reflexa e automática à CSLL.

Todavia, o CARF, inclusive sua CSRF, já refutaram tais conclusões ao pontuar que a “necessidade, usualidade e normalidade são conceitos que devem ser observados no registro contábil de despesas, evidenciando-se correta a interpretação de que multas por infrações são indedutíveis, também, na apuração da base de cálculo da CSLL” (CSRF, Acórdão nº 9101-003.002, j. 8/8/17).3

Partindo da mesma premissa, ao analisar a dedutibilidade de multa por descumprimento contratual da base de cálculo da CSLL, o TRF-2 entendeu que seria incabível considerá-la como despesa operacional “por não atender aos pressupostos legais da necessidade, normalidade e usualidade ao desenvolvimento das atividades da empresa” (023287-71.2010.4.02.5101, j. 16/08/19).

Esse entendimento pode ser questionado uma vez que, em razão da dificuldade de interpretação do sistema tributário brasileiro, são extremamente comuns os casos em que o contribuinte acaba por cometer erros na apuração da correta base de cálculo, na aplicação da alíquota do tributo, ou até mesmo no preenchimento das diversas obrigações acessórias exigidas, o que por diversas vezes acarreta a aplicação de multas fiscais.

Ainda na esfera judicial, vale destacar a sentença proferida pela 13ª Vara Federal de São Paulo em maio de 2022, que concedeu a segurança pleiteada no Mandado de Segurança nº 5026940-27.2020.4.03.6100 para reconhecer o direito à dedução dos valores pagos a título de multas fiscais da base de cálculo da CSLL.

Tal entendimento ainda não transitou em julgado (em virtude da pendência de julgamento do Recurso de Apelação interposto pela União), mas a decisão representa um importante precedente judicial para a discussão sobre a matéria.

Assim, considerando que (1) existem relevantes argumentos para justificar a dedutibilidade das multas fiscais da base de cálculo da CSLL, bem como que (2) não se tem um posicionamento consolidado da jurisprudência administrativa e judicial sobre o tema, há a possibilidade de os contribuintes obterem resultados favoráveis em discussões sobre essa matéria em ambas as esferas (administrativa e judicial).

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1 Cita-se aqui como exemplo o Tema 756/STF. Neste caso, os contribuintes tentavam reconhecer o seu direito de apropriar créditos de PIS/COFINS sobre quaisquer despesas e custos incorridos em suas atividades, mas a União defendeu assiduamente que, em razão do princípio da legalidade, todas as restrições ao direto de crédito previstas no art. 3º das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03 deveriam ser observadas.

2 CARF, 1ª Seção, 1ª Câmara, 2ª Turma, Acórdão nº 1102-001.223, Sessão de 21/10/14.

3 No mesmo sentido: CSRF, 1ª Turma, Acórdão nº 9101-004.428, Sessão de 8/10/19 e CARF, 1ª Seção, 4ª Câmara, 2ª Turma, Acórdão nº 1402-006.300, Sessão de 14/12/22.

 

*Artigo publicado originalmente no Migalhas.

Boletim Semanal: Direto de Brasília

1. PODER EXECUTIVO

1.1 A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Portaria Conjunta RFB nº 382, de 6 de dezembro de 2023 que dispõe sobre a administração e a destinação de mercadorias apreendidas.

 

2. PODER JUDICIÁRIO

2.1 Nesta sexta-feira, dia 08/12, o plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento do seguinte caso relevante:

2.1.1 RE 593544: Tema 504 – Discute a possibilidade de se excluir os créditos presumidos de IPI resultantes da aquisição, no mercado interno, de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem – quando utilizados na manufatura de produtos destinados à exportação – da base de cálculo das contribuições ao PIS e a Cofins.

O relator, Min. Roberto Barroso, em assentada anterior, apresentou voto no sentido de desprover o Recurso Extraordinário da Fazenda. O Ministro afastou a aplicação dos arts. 3° e 4° da Lei Complementar nº 118/2005 e reconheceu que os créditos presumidos de IPI (instituídos pela Lei nº 9.363/1996) não compõem a base de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS, sob a sistemática de apuração cumulativa (Lei nº 9.718/1998). O Min. Edson Fachin acompanhou o relator com ressalvas, para fazer constar na tese o alcance da imunidade tributária das “receitas decorrentes de exportação”.

O processo retornou com o voto-vista do Min. Dias Toffoli, o qual acompanhou o relator, com ressalvas. Para o Ministro, os créditos presumidos de IPI aos quais refere a Lei nº 9.363/96, só existem em função da exportação. A propósito, o art. 1º é claro ao prever que só faz jus a esses créditos a empresa produtora e exportadora. E, ainda, o art. 2º, ao tratar do dimensionamento do crédito, prevê a íntima relação entre tal crédito e a receita de exportação. Tais créditos, portanto, enquadram-se no conceito de “receitas decorrentes de exportação”, sendo imunes, na linha do art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal ao PIS/COFINS.

De acordo com o Ministro, caso prevalecesse a tese da União de que esses créditos consistiriam em simples receita interna, decorrente de uma comum subvenção, sendo tributados pelo PIS/COFINS internos, o resultado disso seria, propriamente, a exportação de resíduos tributários para o exterior, contrariando, assim, o princípio do destino. Por fim, o Ministro aderiu a tese proposta pelo Min. Edson Fachin.

Os demais Ministros ainda não se manifestaram.

Tese proposta pelo relator, Min. Roberto Barroso: “Os créditos presumidos de IPI, instituídos pela Lei nº 9.363/1996, não integram a base de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS, sob a sistemática de apuração cumulativa (Lei nº 9.718/1998), pois não se amoldam ao conceito constitucional de faturamento”.

Tese proposta pelo Min. Edson Fachin: “Os créditos presumidos de IPI, instituídos pela Lei nº 9.363/1996, não integram a base de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS vez que consubstanciam receitas decorrentes de exportações cuja tributação é vedada pela regra do art.149, § 2º, I, da Constituição Federal”.

2.2 Nesta terça-feira, dia 05/12, a Primeira e a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) finalizaram os julgamentos dos seguintes casos relevantes:

2.2.1 REsp 1948478 – Discute a possibilidade de dedução da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e das gratificações pagas a diretores empregados da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

A relatora, Min. Regina Helena, votou em assentada anterior pelo provimento integral do Recurso Especial do contribuinte, por entender os valores distribuídos aos diretores e administradores devem ser considerados despesas e, portanto, podem ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

O processo retornou com o voto-vista do Min. Gurgel de Faria, o qual inaugurou a divergência. Apesar de concordar com a relatora sobre desnecessidade de a lei prever a dedutibilidade daquilo que aprioristicamente não se compatibiliza com a própria materialidade do tributo de fato, no caso em questão, a indedutibilidade está expressa na lei, em especial no art. 303 do Decreto 3.000/99 vigente à época da autuação.

Referido dispositivo prescrevia não serem “dedutíveis, como custos ou despesas operacionais, as gratificações ou participações no resultado, atribuídas aos dirigentes ou administradores da pessoa jurídica“.

Ademais, o Ministro mencionou os §2º e §3º da Lei 4.506/64 em que é expressa a vedação de dedutibilidade das “gratificações ou participações no resultado, atribuídas aos dirigentes ou administradores de pessoa jurídica, que não serão dedutíveis como custos ou despesas operacionais“.

O Ministro destacou também que desses dispositivos, é clara a determinação de que as gratificações ou participações nos lucros e resultados pagos a diretores, enquanto dirigentes de pessoa jurídica, devem ser adicionadas ao lucro líquido do exercício para efeitos de se estabelecer o lucro real, base imponível do IRPJ e da CSLL.

Por fim, afirmou que as normas são de inquestionável vigência e não há controvérsia sobre a constitucionalidade delas. Também não há distinção entre dirigentes ou administradores contratados sob o regime celetista ou estatutário. Dessa forma, votou pelo parcial provimento do Recurso Especial apenas para afastar a multa.

A Min. Regina Helena manteve suas razões de voto e apenas ponderou que as normas citadas pelo Min. Gurgel de Faria são anteriores à Constituição e ao CTN e devem ser interpretados à luz da Constituição e das normas gerais do CTN. E mais, segundo a Ministra, o que se revela autêntica despesa, não pode ser considerado acréscimo patrimonial.

Resultado: A Turma, por maioria, deu parcial provimento ao Recurso Especial do contribuinte apenas para afastar a multa. Vencida a Min. Regina Helena.

2.2.2 REsp 2104963 – Discute a possibilidade de aplicação, simultânea, das penalidades das multas isoladas e de ofício.

O relator, Min. Mauro Campbell, entendeu por aplicar às multas isolada e de ofício a teoria da consunção, segundo a qual deve ser aplicada apenas a multa de maior valor, qual seja: a multa de ofício.

Resultado: A Turma, à unanimidade, conheceu do Recurso Especial da Fazenda Nacional e negou provimento, nos termos do voto do relator.

2.2.3 REsp 2052215 – Discute a possibilidade de não recolher PIS e COFINS sobre reservas técnicas de seguradoras.

O relator, Min. Francisco Falcão, entendeu que, no julgamento do Tema 372/STF, no qual se discutiu a definição de receita bruta operacional das instituições financeiras, o Supremo não deixou dúvidas da incidência do PIS e da COFINS sobre as receitas financeiras advindas dos investimentos de recursos próprios.

Portanto, a incidência do PIS e da COFINS independe da caracterização do ingresso financeiro como especificamente representativo de uma contraprestação. Por fim, cabe mencionar que o Supremo, no julgamento do RE 400479, não se pronunciou acerca da tributação das receitas advindas das reservas técnicas, uma vez que a matéria não era objeto daqueles autos.

Outrossim, a matéria tem caráter infraconstitucional, conforme reconhecido no RE 1453882, cabendo ao STJ a sua apreciação. Neste diapasão, conclui-se que as receitas financeiras advindas dos investimentos das reservas técnicas são receitas operacionais, porquanto relacionadas ao conjunto dos negócios das empresas seguradoras, no empenho das atividades que lhes são próprias.

Resultado: A Turma, à unanimidade, negou provimento ao Recurso Especial do Contribuinte, nos termos do Voto do Relator, Min. Francisco Falcão.

 

3. PODER LEGISLATIVO

3.1 A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal agendou para quarta-feira, dia 13/12, a sabatina do procurador Paulo Gonet para a Procuradoria-Geral da República (PGR).

 

 

Convênio 178 e PLP 116: Cenário de insegurança na transferência de créditos de ICMS

Foi publicado em 1° de dezembro de 2023, em edição extra do DOU, o Convênio ICMS nº 178, que trouxe normas regulamentares sobre os créditos do ICMS, nas operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.

Vale lembrar que a tentativa de tal regulamentação já havia ocorrido por meio do Convênio ICMS nº 174, no início de novembro. Contudo, foi ele rejeitado após a não ratificação pelo estado do Rio de Janeiro, sob o argumento de que a ADC 49 garantiu o direito dos contribuintes de manter e transferir os créditos da entrada em razão das transferências, constituindo-se, portanto, em uma faculdade e não em uma obrigação. Ou seja, na visão do Estado, deveria ser facultativa a transferência dos créditos.

Nesse aspecto particular, cabe destacar que o Convênio ICMS nº 178 possui praticamente a mesma redação do anterior rejeitado, o que significa dizer que:

❯   Mantém-se a obrigatoriedade da transferência dos créditos e as demais regras de procedimento (clique aqui para ler nosso Informativo sobre o tema).

❯   Permanece a inexistência de previsão normativa em relação a aspectos relevantes, como, por exemplo, a (i) transferência de mercadorias submetidas à substituição tributária e a, em tese, impossibilidade de abatimento do “ICMS Próprio” da base de cálculo do imposto retido e (ii) as repercussões atreladas a operações com bens do ativo imobilizado.

A única alteração diz respeito a trecho suprimido que fazia menção expressa à Lei Complementar nº 24/75. Com essa supressão, os Estados pretendem afastar o argumento de que a ratificação do Convênio ICMS nº 178 depende de unanimidade na sua aprovação.

Com a manutenção das regras sobre o tema, entendemos que o Convênio ICMS nº 178 pode ser questionado, tal como seu antecessor, com base nos mesmos fundamentos que apontamos em nosso Informativo sobre o assunto, dentre os quais destacamos o fato de que a matéria prevista pelo CONFAZ é reservada à Lei Complementar (arts. 146, III, “b”, e 155, §2º, XII, “f”, da CF).

Sobre esse ponto em específico, cabe destacar que em 05/12/2023, foi aprovado o PLP 116, alterando a Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), de forma a regulamentar a transferência das mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular e a transferência dos créditos. O texto segue para sanção presidencial. De todo o modo, já é possível identificar inconsistências entre o texto aprovado e o Convênio ICMS nº 178, o que pode ser objeto de judicialização pelos Estados.

Verifica-se, portanto, que apesar da publicação do novo Convênio, as incertezas sobre o assunto permanecem, em vista da possibilidade de discussão judicial sobre o Convênio ICMS nº 178 e, sobretudo, pela recém aprovação do PLP 116.

Sendo assim, nesse cenário, permanece a recomendação de que as empresas avaliem as repercussões do novo regramento, que passará a vigorar a partir de 1º/01/2024, para as suas respectivas operações, sem perder de vista eventual questionamento do Convênio ICMS nº 178, principalmente porque, em determinados casos, a implementação da mecânica inaugurada pelo CONFAZ pode representar impactos significativos para os contribuintes, seja sob o ponto de vista de recolhimento do tributo, seja sob a ótica operacional atrelada não só às obrigações acessórias, como também às retaguardas em termos de sistema que eventualmente precisarão ser ajustadas ainda em 2023.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Tributária do GSGA.

Impactos da modulação de efeitos no Supremo

O Tribunal de Justiça de São Paulo e o do Mato Grosso possuem algumas decisões permitindo a cobrança de valores retroativos nos casos em que há modulação dos efeitos

Recentes decisões proferidas pelos nossos tribunais têm levantado algumas dúvidas relevantes a respeito dos impactos da modulação dos efeitos, especialmente nos casos em que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar um tema de repercussão geral ou ação de controle concentrado, não define todos os aspectos da modulação.

Em geral, as decisões do STF, que reconhecem a inconstitucionalidade de alguma exação em controle concentrado ou em regime de repercussão geral, determinam a modulação dos efeitos ressalvando as ações judiciais e processos administrativos em curso. O problema disso é que, ao fazer a referida ressalva, normalmente o STF não deixa claro o seu entendimento a respeito da possibilidade de o Fisco cobrar o tributo reconhecido como inconstitucional retroativamente, para os casos em que os contribuintes não propuseram ação judicial anteriormente ao julgamento do mérito da exação. Em outras palavras, a decisão proferida pelo STF que determina a modulação dos efeitos não deixa claro se ela se refere somente aos casos em que o contribuinte pretende a recuperação de valores ou não.

Nesse julgamento, o único ministro que tratou a respeito da impossibilidade de o Fisco cobrar retroativamente para aqueles que não propuseram ação antes do julgamento do mérito foi Alexandre de Moraes, mas nenhum outro o acompanhou nesse ponto e o seu entendimento não foi objeto da parte dispositiva da decisão.

Assim como ocorreu no julgamento do Tema 69, em diversos outros casos, o STF só ressalvou da modulação as ações ajuizadas e/ou os processos administrativos em curso, sem se pronunciar sobre a cobrança retroativa dos contribuintes que não propuseram medidas judiciais e não recolheram os tributos julgados inconstitucionais. A título de exemplo, citamos o Tema 745 (seletividade do ICMS-energia elétrica) e o Tema 825 (ITCMD – doação/herança de bens no exterior).

Em outros casos em que houve a modulação dos efeitos, o STF deixou clara a impossibilidade da referida cobrança retroativa, como ocorreu no Tema 962 (não incidência do IRPJ/CSLL sobre a Selic), em que foi dito expressamente que estavam ressalvados da modulação “os fatos geradores anteriores a 30/9/21 em relação aos quais não tenha havido o pagamento do IRPJ ou da CSLL a que se refere a tese de repercussão geral”. O problema é que, na maioria das decisões de modulação, o STF não faz essa ressalva, dando espaço para a interpretação de que o Fisco poderia cobrar os valores retroativos.

Essas dúvidas surgem aos poucos no Poder Judiciário. O Tribunal de Justiça de São Paulo e o do Mato Grosso, por exemplo, possuem algumas decisões bem recentes permitindo a cobrança de valores retroativos nos casos em que há modulação dos efeitos sem a ressalva específica para os contribuintes que não recolheram os valores e não propuseram medida judicial antes do julgamento do mérito pelo STF. Isso ocorreu, por exemplo, em casos envolvendo a cobrança da taxa municipal de fiscalização de torres e antenas de transmissão e recepção de dados e voz e em casos envolvendo a cobrança do ICMS em operações de transferência de mercadoria entre estabelecimentos.

A cobrança retroativa é bastante questionável e esbarra em inúmeros obstáculos, na medida em que a modulação dos efeitos não visa tornar válida a cobrança de um tributo considerado inconstitucional, mas sim evitar o ajuizamento de ações de repetição de indébito, que poderiam comprometer os cofres públicos. Admitir tal privilégio ao Fisco equivale, ainda, a aceitar que a modulação tenha efeitos não equitativos, ou seja, permite-se a cobrança de tributos inconstitucionais e, ao mesmo tempo, veda o direito de o contribuinte reaver os mesmos tributos.

O julgamento da ADC 49 evidencia a relevância e atualidade da dúvida. Na referida ação, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da incidência do ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte e modulou os efeitos da decisão ressalvando os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão. Como o STF não deixou expresso o seu entendimento de que o Fisco não poderia cobrar os valores retroativos para os contribuintes que não propuseram medidas judiciais e nem recolheram os valores, o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), na qualidade de amicus curiae, opôs embargos de declaração pedindo ao STF que deixasse expressa a impossibilidade da cobrança retroativa.

O resultado desse julgamento poderia ser extremamente relevante não somente para o mérito da cobrança discutida no âmbito da ADC 49, como para todos os casos em que o STF não delimitou todos os contornos da modulação dos efeitos. Poderíamos ter uma definição de como a nossa Corte Suprema entende os efeitos da modulação dos efeitos das suas decisões nos casos em que não é feita expressa ressalva a respeito da cobrança dos valores passados para quem não propôs a ação antes do julgamento do mérito. Todavia, como o STF não conheceu dos embargos por entender que o amicus curiae não tem legitimidade recursal, continuaremos sem saber quais são os efeitos da modulação dos efeitos nessas situações.

*Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.

Boletim Semanal: Direto de Brasília

1. PODER EXECUTIVO

1.1 Normas publicadas:

1.1.1 Lei nº 14.740, de 29 de novembro de 2023 que dispõe sobre a autorregularização incentivada de tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda.

 

2. PODER JUDICIÁRIO

2.1 Nesta quarta-feira, dia 29/11, a o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento dos seguintes casos relevantes:

2.1.1 ADI 7066, ADI 7070 e ADI 7078 – Aplicação ou não da anterioridade para a cobrança do Difal de ICMS em caso de consumidor final não contribuinte do imposto.

O relator, Min. Alexandre de Moraes, entendeu que no caso não se trata de instituição de novo tributo, já que houve apenas a ampliação da aplicabilidade da técnica fiscal de diferencial de alíquota por lei. Sendo assim, apenas alterou-se o sujeito ativo que receberá o tributo. Portanto, para o Ministro, o contribuinte não pagou mais, mas houve apenas nova distribuição entre entes federativos, sem aumento ao contribuinte, de modo que não deve incidir o princípio da anterioridade anual e o Estado tem direito de cobrar o imposto 90 dias após a publicação da lei, contada de janeiro de 2022. O Min. Dias Toffoli, Min. Nunes Marques, Min. Gilmar Mendes e Min. Luis Roberto Barroso acompanharam o relator, na integralidade.

Por outro lado, o Min. Edson Fachin defendeu que as duas regras de anterioridade devem ser aplicadas e não reconheceu que a LC 190/2022 tenha meramente repartido os valores entre sujeitos ativos. Acompanharam o voto divergente o Min. André Mendonça e a Min. Cármen Lúcia, bem como o Min. Lewandowski e a Min. Rosa Weber, que votaram em assentadas anteriores às suas respectivas aposentadorias.

Resultado: O Tribunal, por maioria, julgou improcedentes todos os pedidos reconhecendo como válido o artigo 3º da Lei Complementar 190/2022. Dessa forma, permitiu a cobrança do DIFAL/ICMS desde 2022, respeitada a anterioridade nonagesimal. Vencidos o Min. André Mendonça, Min. Cármen Lúcia, Min. Lewandowski e a Min. Rosa Weber.

2.2 Nesta sexta-feira, dia 01/12, a o Plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou/retomou o julgamento dos seguintes casos relevantes:

2.2.1 ADPF 1005 – Possibilidade do fisco paulista e o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) de São Paulo cancelar créditos de ICMS de empresas que compraram mercadorias do estado do Amazonas que foram contempladas com incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus.

O processo retornou com o voto vista do Min. Alexandre de Moraes que apenas acompanhou o Relator. O relator, Min. Luiz Fux, em assentada anterior, votou pela procedência da ADPF, a fim de vedar o fisco paulista e o TIT de cancelar os créditos de ICMS de empresas que compraram mercadorias do estado do Amazonas e foram contempladas com incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus.

Segundo o Ministro, o cerne da questão é saber se são válidos atos administrativos do Estado de São Paulo que não reconhecem a legitimidade de incentivos fiscais relativos ao ICMS concedidos pelo Estado do Amazonas às indústrias instaladas ou que vierem a se instalar na Zona Franca de Manaus sem amparo em convênio celebrado no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), considerado o disposto no artigo 15 da Lei Complementar federal 24/1975. O relator foi acompanhado pela Min. Cármen Lúcia, os demais ainda não se manifestaram.

Ou seja, a controvérsia passa pelo exame da compatibilidade do artigo 15 da Lei Complementar 24/1975 com a ordem constitucional vigente, consideradas as disposições dos artigos 151, III; 152; e 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal e do artigo 40 do ADCT.

O Ministro pontuou que, malgrado a CF/88 tenha mantido a exigência da necessidade de deliberação dos Estados e do Distrito Federal para a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS, manteve o regime tributário diferenciado da ZFM e segundo o Ministro, esse regime diferenciado, de acordo com o art. 40 da ADCT, não se limita a tributos federais.

Sendo assim, concluiu que houve a recepção do art. 15 Lei Complementar 24/1975 pela Constituição Federal de 1988 e a consequente possibilidade de o Estado do Amazonas, enquanto vigente o artigo 40 do ADCT, conceder incentivos fiscais relativos ao ICMS às industriais instaladas ou que vierem a se instalar na Zona Franca de Manaus, dispensada a anuência dos demais Estados e do Distrito Federal.

Considerando a recepção do art. 15 da LC 24/1975, o Ministro concluiu que os demais Estados da Federação, a pretexto de interpretar o referido dispositivo em cotejo com outras normas, não podem glosar créditos de ICMS relativos à aquisição de mercadorias provenientes da Zona Franca de Manaus contempladas com incentivos fiscais, invocando a ausência de prévia autorização em Convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ para a concessão do benefício.

Isto posto, o Ministro conheceu da ADPF, para declarar a inconstitucionalidade de quaisquer atos administrativos do Fisco paulista e do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo – TIT que determinem a supressão de créditos de ICMS relativos a mercadorias oriundas da Zona Franca de Manaus contempladas com incentivos fiscais concedidos às indústrias ali instaladas com fundamento no artigo 15 da Lei Complementar 24/1975.

2.2.2 ADI 4832 – Discute a constitucionalidade dos benefícios fiscais relativos ao ICMS pelo Estado do Amazonas à revelia do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).

O processo retornou com o voto vista do Min. Alexandre de Moraes que apenas acompanhou o Relator. O relator, Min. Luiz Fux, em assentada anterior, votou pela procedência parcial da ADI, para declarar a inconstitucionalidade das normas que concedem os incentivos fiscais sem a anuência das demais unidades da Federação, no caso das localidades do estado do Amazonas fora da Zona Franca de Manaus, e, também, para contribuintes que, ainda que instalados na região, não realizem atividade industrial.

Segundo o Ministro, discussão é saber se são válidos os incentivos fiscais relativos ao ICMS – denominados “crédito estímulo” e “corredor de importação” – concedidos pelo Estado do Amazonas sem anuência dos demais Estados e do Distrito Federal, considerado o regime jurídico excepcional da Zona Franca de Manaus.

Isto é, a controvérsia passa pelo exame da compatibilidade do artigo 15 da Lei Complementar federal 24/1975 com a ordem constitucional vigente, consideradas as disposições dos artigos 151, III; 152; e 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal e do artigo 40 do ADCT. Nos moldes do voto da ADPF 1004, o Ministro concluiu que houve a recepção do art. 15 Lei Complementar 24/1975 pela Constituição Federal de 1988 e a consequente possibilidade do Estado do Amazonas, enquanto vigente o artigo 40 do ADCT, conceder incentivos fiscais relativos ao ICMS às industriais instaladas ou que vierem a se instalar na Zona Franca de Manaus, dispensada a anuência dos demais Estados e do Distrito Federal.

Considerando a recepção do art. 15 da LC 24/1975, o Ministro concluiu que os demais Estados da Federação, a pretexto de interpretar o referido dispositivo em cotejo com outras normas, não podem glosar créditos de ICMS relativos à aquisição de mercadorias provenientes da Zona Franca de Manaus contempladas com incentivos fiscais, invocando a ausência de prévia autorização em Convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ para a concessão do benefício.

Noutro giro, o Ministro afirma que a norma impugnada extrapolou a disposição constitucional, na medida em que concede o benefício para todo o Amazonas e não somente à ZFM, bem como concede benefício fiscal de ICMS às empresas comerciais, o que, segundo o Ministro, seria vedado, pois, o art. 15 da Lei Complementar 24/1975 excepciona da deliberação do CONFAZ apenas os incentivos fiscais relativos ao ICMS concedidos às “indústrias” instaladas ou que venham a se instalar no Zona Franca de Manaus, não alcançando os benefícios concedidos a empresas de natureza estritamente comercial.

Isto posto, votou pela procedência parcial da ADI, para declarar a inconstitucionalidade de parte da norma amazonense, a fim de que os benefícios instituídos pela lei sejam restritos às indústrias instaladas ou que venham a se instalar na Zona Franca de Manaus. Os demais Ministros ainda não se manifestaram.

2.2.3 RE 1317982: TEMA 1170 – Discute a validade dos juros moratórios aplicáveis nas condenações da Fazenda Pública, em virtude da tese firmada no RE 870947 (Tema 810), na execução de título judicial que tenha fixado expressamente índice diverso.

No RE 870947 (Tema 810), a Corte assentou a constitucionalidade do art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, na redação conferida pela de n. 11.960/2009, especificamente quanto à fixação de juros moratórios em condenações oriundas de relação jurídica não tributária. Ou seja, considerou válida a imposição dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança nas relações não tributárias.

Segundo o Ministro, a incidência do art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 deve dar-se de forma imediata, abrangendo processos em andamento, incluídos os em fase de execução. Ora, os juros, nos termos do art. 322, § 1º, do Código de Processo Civil, são consectários legais da obrigação a ser cumprida. Em virtude da natureza processual, devem ser regulados ante a observância da legislação vigente à época da incidência, o que decorre do princípio da aplicação geral e imediata das leis.

Isto posto, baseado em jurisprudência da corte, o Ministro afirma que o trânsito em julgado de sentença que tenha fixado determinado percentual de juros moratórios não impede posterior modificação, como no presente caso, em que se requer a aplicação da Lei n. 11.960/2009, objeto da tese firmada no âmbito do RE 870947 – Tema 810 da repercussão geral.

Nesse sentido, votou pelo provimento ao recurso extraordinário para reformar o acórdão recorrido, a fim de que seja aplicado o índice de juros moratórios estabelecido pelo art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, na redação dada pela de n. 11.960/2009.

Tese proposta: “É aplicável às condenações da Fazenda Pública envolvendo relações jurídicas não tributárias o índice de juros moratórios estabelecido no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, na redação dada pela Lei n. 11.960/2009, a partir da vigência da referida legislação, mesmo havendo previsão diversa em título executivo judicial transitado em julgado”.

 

3. PODER LEGISLATIVO

3.1 O Senado Federal recebeu as indicações feitas pelo Presidente da República de Flávio Dino para a vaga de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e do procurador Paulo Gonet para a Procuradoria-Geral da República (PGR). Há indicativo das sabatinas ocorrerem ainda em dezembro.

Lei 14.740/23: Regularização tributos federais com desconto de 100% em juros e multa

Foi publicada no Diário Oficial da União de 30/11/23 a Lei nº 14.740/23, que trata da autorregularização de débitos tributários administrados pela Receita Federal, com a possibilidade de desconto de 100% de juros e multa e utilização de créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL.

São passíveis de autorregularização os débitos tributários (i) que ainda não tenham sido constituídos até 30/11/23, inclusive com fiscalização já iniciada; e os (ii) que venham a ser constituídos entre 30/11/23 e a data final do prazo de adesão.

Referidos débitos poderão ser constituídos mediante retificação das obrigações acessórias pelo contribuinte, ou por meio de Auto de Infração e Notificação de Lançamento. Há previsão para a inclusão de débitos exigidos por meio de Despacho Decisório.

A adesão poderá ser realizada em até 90 dias após a regulamentação da lei pela Receita Federal do Brasil, ainda não ocorrida.

A lei prevê que, além da não incidência das multas de mora e de ofício sobre os débitos a serem constituídos, estes terão redução de 100% dos juros de mora, mediante o pagamento de:

(i) entrada, à vista, de no mínimo 50% do débito; e

(ii) do saldo remanescente em até 48 prestações mensais e sucessivas.

Para o pagamento da entrada, os contribuintes poderão utilizar (i) créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL (inclusive de controladas, controladoras e coligadas), limitados a 50% do valor total do débito a ser quitado, bem como (ii) precatórios federais próprios ou adquiridos de terceiros.

Na cessão de precatórios e créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL entre sociedades controladas e controladora, os ganhos e receitas decorrentes não ensejarão a incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS em face da empresa cedente, assim como as perdas registradas pela cedente em decorrente da cessão serão dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Da mesma forma, a parcela equivalente à redução das multas e juros não serão tributadas por IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.

O programa de autorregularização representa uma ótima oportunidade para regularização de débitos perante a Receita Federal, sobretudo em virtude dos descontos e condições oferecidas e a possibilidade de utilização de créditos de precatórios e de prejuízo fiscal.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Tributária do GSGA.