Direito das agroindústrias aos incentivos fiscais de IRPJ

Conceito legal de atividade rural suscita teses jurídico-tributárias ainda pouco exploradas pelo Judiciário

O conceito legal de atividade rural suscita teses jurídico-tributárias ainda pouco exploradas pelo Poder Judiciário.

A discussão se origina da profunda transformação pela qual a atividade rural passou nas últimas décadas, em que houve profunda mecanização e integração de processos, acarretando o surgimento de complexos agroindustriais.

Tais avanços ocasionaram uma certa obsolescência das definições legais, o que afeta diretamente a interpretação de benefícios e tratamentos tributários específicos. Vale lembrar que a realidade da integração entre campo e indústria, contudo, já era presumida desde o estatuto da terra (Lei 4.504/64, art. 14), tendo sido reconhecida pelo próprio legislador constituinte, que equiparou, expressamente, as atividades agrícolas, agropecuárias e agroindustriais para fins de política agrícola nacional. E isso, inclusive, no que se refere aos instrumentos creditícios e fiscais (art. 187, I, §1º).

Tendo por pano de fundo este quadro, discute-se a possibilidade de compensação integral, pelas agroindústrias, de prejuízos fiscais (prevista pelo art. 14 da Lei 8.023/1990), bem como o uso do mecanismo da depreciação acelerada de bens do ativo imobilizado (prevista pelo art. 6º da MP 2.159-70/01).

Nota-se que o art. 2º da Lei 8.023/1990 conceituou atividade rural pela positiva, incluindo a agricultura, pecuária e a extração e exploração vegetal e animal.

No inciso V foi incluído no conceito a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem alteração da composição e características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando-se exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada.

Receita Federal, por sua vez, restringiu ainda mais o conceito por meio da IN SRF 257/2002, ao trazer um rol de atividades que descaracterizariam a atividade rural, incluindo a industrialização de produtos (art. 3º, I).

Como consequência, contribuintes que claramente exercem atividades rurais, mas que integram tais atividades à industrialização, ficariam, do ponto de vista da RFB, impedidos compensarem integralmente prejuízos fiscais (i.e., sem a trava de 30%) e de se valerem da depreciação incentivada.

A interpretação restritiva defendida pela RFB baseia-se num literalismo: impõe que apenas a transformação implementada por equipamentos e utensílios usualmente utilizados na atividade rural não descaracterizariam a atividade rural.

Contudo, tal interpretação não mais se coaduna com a realidade fática, dada a disseminação do complexo agroindustrial. O art. 2º, V, da Lei 8.023/90 contém, por sinal, uma atecnia, ao prever que apenas se enquadra no conceito de atividade rural a transformação de “matérias-primas” produzidas pelo produtor rural. Há, em tal frase, uma contradição em termos, pois se não há industrialização, não faz o menor sentido falar-se em matéria-prima, termo ligado à produção industrial.

Numa interpretação teleológica, não há sentido em se segregar as atividades agroindustriais para efeito de impedir a fruição de benefícios como a compensação integral de prejuízos ou depreciação incentivada, uma vez que tal segregação – para fins de interpretação de instrumentos creditícios e fiscais – viola ao art. 187, I, §1º, da CF-88.

Acrescenta-se que a própria literalidade do art. 14 da Lei 8.023/90 não exige que a atividade rural seja “pura” para fins de fruição do benefício da compensação integral de prejuízos fiscais. A propósito, a própria redação do art. 18 da lei parece presumir a existência de contribuintes com atividade industrial paralela à atividade rural, conduzindo, assim, por uma interpretação sistemática, a que contribuintes que exerçam atividades agroindustriais não estejam alijados do tratamento fiscal mais benéfico instituído pelo legislador.

Quando se trata da questão atinente ao aproveitamento do benefício da depreciação incentivada por empresas agroindustriais, há diversos precedentes do Carf favoráveis aos contribuintes. Em um destes casos (Acórdão 1402-004.538), o Carf chegou a considerar ilegal a IN SRF 257/02, por restringir excessivamente o conceito de atividade rural, limitando-o às atividades puramente rurais.

Semelhante linha de entendimento foi adotada pela 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Neste precedente, o TRF3 se valeu de uma interpretação teleológica, ao defender que impedir o benefício fiscal da depreciação incentivada às empresas agroindustriais significaria restringir, excessivamente, o conceito de atividade rural, o que não condiz com o programa constitucional representado pela política agrícola. A interpretação do TRF3 foi de que o conceito de “atividade rural” previsto pelo legislador deve, sob pena de inconstitucionalidade, abranger aquela que se aperfeiçoa com técnicas da agroindústria.

Nota-se que a mesma linha de argumentação serviria, perfeitamente, para permitir a compensação integral de prejuízos por parte das empresas agroindustriais – ou, no mínimo, a compensação de prejuízos para além da trava de 30% na proporção representada pelos custos da atividade tida por estritamente agrícola. Isso, considerando que não há dúvidas de que tais empresas agroindustriais exercem, ao menos em certa medida, atividade rural contemplada pelo tratamento incentivado conferido pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Portanto, os fundamentos jurídicos e econômicos da tese recomendam que as agroindústrias busquem, no Poder Judiciário, o seu direito de se valer da compensação integral de prejuízos (i.e. além da trava de 30%) e depreciação incentivada de equipamentos destinados ao seu ativo imobilizado.

*Artigo publicado originalmente no JOTA.

Boletim Semanal: Direto de Brasília

1. PODER EXECUTIVO

1.1 Norma publicada:

1.1.1 Medida Provisória nº 1.208, de 27 de fevereiro de 2024, que revoga dispositivos da MP nº 1.202/2023, a qual dispõe sobre a revogação de benefícios fiscais, desonera parcialmente a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento, revoga a alíquota reduzida da contribuição previdenciária aplicável a determinados Municípios e limita a compensação de créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado.

 

2. PODER JUDICIÁRIO

2.1 Nesta quarta-feira, dia 28/02, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça finalizou o julgamento do seguinte caso relevante:

2.1.1 EREsp 1691475 – Seção reconhece a impossibilidade do creditamento de frete sobre veículos destinados a revenda.

O caso discutia a possibilidade de o contribuinte poder aproveitar créditos de PIS/Cofins sobre despesa com frete quando o veículo é adquirido na fábrica e transportado para a concessionária com o propósito de ser posteriormente revendido.

O relator, Min. Francisco Falcão, entendeu pela impossibilidade de aplicação do entendimento firmado no bojo do REsp 1215773/RS, em que se firmou paradigma reconhecedor da possibilidade do creditamento do frete. Por outro lado, o Relator defendeu a aplicação do Tema Repetitivo nº 1093, que estabeleceu a “vedação à constituição de créditos da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS sobre os componentes do custo de aquisição de bens sujeitos à tributação monofásica”, razão pela qual deu provimento aos embargos de divergência da Fazenda, para prover seu recurso especial, reconhecendo a impossibilidade do creditamento do frete.

Resultado: A Seção, à unanimidade, acompanhou o voto do relator para dar provimento aos Embargos de Divergência e ao Recurso Especial da Fazenda Nacional.

ANP permite lastro para emissão de CBIOs por meio da venda de biocombustíveis por terceiros

A diretoria colegiada da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) aprovou na última semana, por meio da Resolução ANP nº 965, de 23.02.2024 (Resolução ANP 965/24), uma alteração na Resolução ANP nº 802, de 05.12.2019 (Resolução ANP 802/19), que estabelece os procedimentos necessários à emissão primária de “Créditos de Descarbonização” (CBIOs) no âmbito da “Política Nacional de Biocombustíveis” (RenovaBio), para incluir Códigos Fiscais de Operações e Prestações (CFOPs) em transações de venda à ordem de biocombustíveis no quadro de operações aptas a gerar lastro para emissão de CBIOs.

Os CBIOs são ativos financeiros negociáveis em bolsa, derivados da certificação do processo produtivo de biocombustíveis com base nos respectivos níveis de eficiência alcançados em relação a suas emissões.

Com a alteração da Resolução ANP 802/19, as transações de venda à ordem de biocombustíveis – ou seja, as operações triangulares onde uma empresa vende determinado produto a outra e o entrega a empresa terceira – que até então não geravam lastro para a emissão de CBIOs, poderão fazê-lo após sua identificação via CFOPs no momento da emissão da nota fiscal.

Além de trazer mais possibilidades no âmbito do RenovaBio, trata-se de mais um benefício aos produtores e importadores de biocombustíveis, assim como aos distribuidores e agentes regulados conforme previsto no RenovaBio, de acordo com a Lei nº 13.576, de 26 de dezembro de 2017, a comprovar, via compra de CBIOs, o cumprimento de metas anuais de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa proporcionais à respectiva participação de mercado na comercialização de combustíveis fósseis.

Para mais informações, consulte os profissionais da área de Sustentabilidade Corporativa do GSGA.

CNJ cria o Domicílio Judicial Eletrônico e estabelece prazo para as empresas se cadastrarem

Conforme tratado no Informativo veiculado por este Escritório no ano de 2021, o Código de Processo Civil foi alterado para estabelecer que as citações e intimações pessoais destinadas às pessoas jurídicas sejam enviadas preferencialmente por meio eletrônico.

Todavia, a operacionalização robusta dessa sistemática, exceto para alguns Tribunais que já tinham colocado em prática, ainda dependia da criação e regulamentação, por parte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de “banco de dados do Poder Judiciário”, via sistema unificado para todos os Tribunais do país.

Assim, em 20/02/2024, o CNJ anunciou a criação do sistema “Domicílio Judicial Eletrônico”, com o objetivo de concentrar, em um único local, comunicações e informações processuais de todos os Tribunais Brasileiros – e, noutros termos, viabilizar a operacionalização das citações por meio eletrônico.

Nesse contexto, foi estabelecido prazo para que, a partir de 01/03/2024, via acesso ao link disponível no site do CNJ, as empresas privadas de porte médio e grande (exceto MEI e ME, cujo cadastro não é obrigatório), façam seu cadastro no sistema até o prazo final de 30/05/2024.

A partir dessa data, no caso de ausência de cadastro voluntário, esse será concretizado de forma automática, com os dados da empresa registrados perante a Receita Federal do Brasil.

É importante destacar que as pessoas jurídicas obrigadas a aderir ao Domicílio Judicial Eletrônico deverão fazê-lo dentro do prazo, indicando um e-mail específico para acompanhamento e controle, sob pena de sofrerem as negativas consequências do cadastro compulsório, como o risco de aplicação de multa de até 5% sobre o valor da causa nas ações em que frustrada sua citação eletrônica.

Essa nova sistemática certamente impactará nos procedimentos internos das empresas e na sua comunicação com os respectivos advogados/escritórios jurídicos. Como o sistema é recente, detalhes sobre seu acesso, ferramentas, extensão e controle, serão tratados em comunicações futuras.

Sem prejuízo, outros detalhes sobre o procedimento processual relativo às citações/intimações eletrônicas e suas consequências, poderão ser consultados no Informativo já publicado anteriormente.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Cível do GSGA.

Reforma Tributária – Uma Longa Jornada

Como tive a oportunidade de mencionar em artigo que escrevi no LinkedIn em 09/11/2023, desde os meus tempos na faculdade de direito, há mais de 30 anos, escuto, pesquiso e debato a tão esperada, e porque não dizer sonhada, reforma tributária. E parece que estamos chegando ao fim dessa novela, pois tudo leva a crer que, após a devida regulamentação por lei complementar pelo Congresso Nacional, teremos, para os tributos sobre o consumo, um sistema verdadeiramente não-cumulativo, gerando importante simplificação tributária, reduzindo riscos fiscais e, também, reduzindo conflitos entre fisco e contribuinte; tudo isso sob a promessa de não haver elevação da carga tributária!

Desde já, podemos dizer que nós, do setor elétrico, tivemos um papel muito importante em todo o processo legislativo. Mesmo que infelizmente não tenhamos conseguido um tratamento específico para o setor, tal como foi concedido para as instituições financeiras, bares, restaurantes, entre tantos outros, conseguimos, já no novo texto da Constituição Federal, (i) deixar claro que o imposto seletivo não incidirá sobre operações de energia elétrica, (ii) a aprovação de um sistema de desoneração tributária na aquisição de bens de capital, para fins de substituir o REIDI, tão importante para as empresas do setor elétrico, e (iii) a previsão de criação de mecanismos de ajustes em contratos vigentes, a serem estabelecidos por lei complementar, visando ao reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos precificados com base nos tributos que serão extintos.

Mas, não podemos dizer que essa missão já está concluída. Teremos ainda um longo e importante processo legislativo na elaboração da lei complementar que regulamentará tudo o que falta ser regulamentado para tornarem reais e operacionais as mudanças trazidas pela Emenda Constitucional nº 132/2023.

Num rápido resumo do que nos trouxe a mencionada Emenda Constitucional, até mesmo pela brevidade necessária para um artigo como este, podemos dizer que a reforma tributária terá como resultado extinguir o ICMS, o ISSQN, o PIS, a COFINS e reduzirá bastante o campo de atuação do IPI (que ficará focado na proteção dos produtos produzidos na Zona Franca de Manaus), substituindo esses tributos antigos pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), pelo Imposto Seletivo, além de prever a criação de contribuições estaduais sobre produtos primários e semielaborados (em substituição às contribuições semelhantes atualmente existentes em alguns Estados da Federação), que terão sua vigência limitada a 2043.

Cabe aqui uma importante observação: se o objetivo da reforma era “observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente” (§ 3º do art. 145 da CF)não podemos deixar de registrar a nossa decepção pela manutenção do IPI como tributo escolhido para proteger os produtos produzidos na ZFMComo é de amplo conhecimento, o IPI é um tributo cuja não-cumulatividade é parcial, objeto de legislação confusa, e que gera, além de muita dúvida e insegurança aos contribuintes, bastante conflito com o fisco federal. Se a intenção era proteger a ZFM, o tributo escolhido deveria ter sido igualmente simples em sua aplicação.

Trata-se claramente de mais um retrato do nosso sistema tributário brasileiro: permaneceremos com um tributo confuso, complexo, que gera bastante conflito, tudo isso sob o manto de proteger a ZFM, mesmo havendo opções legislativas igualmente eficazes e menos dolorosas aos contribuintes, que permanecerão sujeitos ao pagamento do IPI (tal como a criação de uma CIDE, ou até mesmo o próprio Imposto Seletivo, como foi apresentado em algumas versões do texto da Emenda Constitucional, durante a tramitação no Congresso).

E, para evitar que outras infelizes surpresas como essa aconteçam, podemos afirmar que permaneceremos em nossa atuação próxima e direta junto ao Congresso Nacional durante o futuro processo legislativo, a exemplo do que a Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica – ABCE, por meio de seu Comitê Tributário, e outras entidades do setor elétrico fizeram durante a tramitação da Emenda Constitucional nº 132/2023.

Podemos garantir que o Setor Elétrico continuará atento e atuante, para evitar que haja qualquer retrocesso, especialmente diante da importância e essencialidade de sua atuação para todos os brasileiros e para toda a economia nacional.

 

*Artigo publicado originalmente no O Setor Elétrico.

Programa Retoma Paraná 2024 – Regularização de débitos para empresas em falência ou recuperação judicial

No dia 02/02/23, o Estado do Paraná editou o Decreto nº 4.768/24, que reabre o programa Retoma Paraná (Lei nº 20.634/21). Esse programa permite que empresas em recuperação judicial ou falência regularizem, com desconto, débitos de ICMS e ITCMD com fatos geradores até 31/06/2021.

As adesões podem ser feitas até o dia 25/03/24 para parcelamentos, ou até o dia 27/03/24 para pagamentos à vista. Os descontos vão de 85% a 95% dos juros e multa, e o parcelamento pode ser feito em até 180 meses.

Contribuintes que podem aderir

❯   Empresas em Recuperação Judicial cujo pedido (judicial ou extrajudicial) tenha sido deferido ou protocolado até 31/10/23 e que não tenham decisão judicial transitada em julgado até o momento da adesão ao Programa.

❯   Empresas com falência decretada até 31/10/23, desde que o processo de falência não tenha encerrado até a data da adesão;

❯   Contribuintes em situação de cancelamento ou baixa do Cadastro de Contribuintes do ICMS, desde que o pedido de baixa tenha sido apresentado até 31/10/23.

Benefícios do programa

❯   Débitos de ICMS ou ITCMD: descontos de 95% de multa e juros, seja no pagamento à vista ou parcelamento em 180 meses;

❯   Multas por descumprimento de obrigações acessórias: descontos de 85% das penalidades, seja no pagamento à vista ou parcelamento em 180 meses (obs.: multas previstas nos incisos XIII a XXV do § 1º do art. 55 da Lei nº 11.580/96 e no inciso IV do art. 33 da Lei nº 18.573/15);

❯   No caso de débitos executados, possibilidade de parcelamento dos honorários advocatícios em até 180 vezes, com redução de 85%, respeitada a parcela mínima de R$ 5.000,00;

❯   Utilização de precatórios para quitação parcial dos débitos, por meio de duas opções: (i) pagamento de 0,5% do débito em moeda corrente, em até 6 parcelas, com a quitação dos 99,5% mediante precatório; (ii) pagamento em até 180 parcelas, com postergação de até 50% do total parcelado para a última parcela, que poderá ser objeto de quitação mediante acordo direto com precatórios.

Como aderir ao Retoma Paraná

Para simular ou aderir ao programa, o contribuinte deve realizar a solicitação por meio do portal ReceitaPR e selecionar a opção “Parcelamento ICMS – Programa Retoma Paraná”.

Caso o contribuinte não possua cadastro no portal, é possível realizar o procedimento no portal da Secretaria de Estado da Fazenda, com identificação autenticada do responsável legal da empresa.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Tributária do GSGA.

Boletim Semanal: Direto de Brasília

1. PODER EXECUTIVO

1.1 O Ministério da Fazenda publicou a Portaria COANA nº 149, de 21 de fevereiro de 2024 que altera disposições sobre o Programa Remessa Conforme (PRC).

1.2 A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Instrução Normativa RFB nº 2.175, de 21 de fevereiro de 2024 que altera a Instrução Normativa RFB nº 1.602, de 15 de dezembro de 2015, que dispõe sobre a aplicação do regime aduaneiro especial de admissão temporária e de exportação temporária aos bens de viajante. E altera também a Instrução Normativa RFB nº 2.160, de 30 de agosto de 2023, que dispõe sobre o início ou a retomada do despacho aduaneiro de importação de mercadorias consideradas abandonadas pelo decurso do prazo de permanência em recinto alfandegado ou por interrupção do respectivo despacho.

 

2. PODER JUDICIÁRIO

2.1 Nesta terça-feira, dia 20/02, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça finalizou o julgamento do seguinte caso relevante:

2.1.1 AgInt no AREsp 2310912 – Decidiu pela impossibilidade da liquidação antecipada do seguro-garantia antes do trânsito em julgado.

O relator, Min. Sérgio Kukina, em assentada anterior, entendeu que a jurisprudência da 1ª Seção se firmou no sentido da possibilidade da liquidação antecipada da garantia. Apesar disso, frisou que os valores ficariam em depósito judicial.

O Min. Gurgel de Faria, acompanhado pelo Min. Paulo Sérgio Domingues, votou por dar provimento ao recurso do contribuinte, a fim de reconhecer a impossibilidade de intimação da seguradora para depositar o valor do seguro garantia antes do trânsito em julgado da sentença extintiva.

O processo retornou para colheita de voto do Min. Benedito Gonçalves, o qual, em síntese, acompanhou o entendimento proposto pelo Min. Gurgel, destacando que o seguro garantia goza de mesma qualidade legal da fiança bancária, pelo que, a partir do previsto no art. 9º, II, da Lei de Execução Fiscal, deve ser aplicado de igual maneira o §2º art. 32, da LEF, porquanto o levantamento do valor importaria em conversão em renda em favor da Fazenda. Além disso, o Ministro ressaltou que o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial ao dispositivo recém inserido, que expressamente resguardou a possibilidade do levantamento somente após o trânsito em julgado.

Após o voto do Min. Benedito, a Min. Regina Helena modificou o seu voto proferido anteriormente, para acompanhar a maioria, especialmente em respeito ao fato de que, no interregno entre a sessão em que havia proferido seu primeiro voto e a reinclusão em pauta do feito, o congresso nacional havia superado o veto ao §7º do art. 9º da LEF, que dispõe que “as garantias apresentadas na forma do inciso II do caput deste artigo somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada”, na mesma linha do voto do Min. Benedito.

Resultado: A Turma, por maioria, entendeu pela impossibilidade da liquidação antecipada do seguro garantia, nos termos do voto-vista do Min. Gurgel de Faria.

2.2 Nesta quarta-feira, dia 21/02, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça finalizou o julgamento do seguinte caso relevante:

2.2.1 REsp 1660671 e REsp 1677144 – estendeu a impenhorabilidade da poupança para conta corrente e aplicações financeiras.

O relator, Min. Herman Benjamin, entendeu que: “A garantia da impenhorabilidade é aplicável automaticamente em relação ao montante de até 40 salários-mínimos ao valor depositado exclusivamente em caderneta de poupança. Caso a medida de bloqueio/penhora judicial por meio físico ou eletrônico (BACENJUD) atingir dinheiro mantido em conta corrente ou quaisquer outras aplicações financeiras, poderá, eventualmente, a garantia ser estendida ao investimento, respeitado o teto de 40 salários-mínimos, desde que comprovado pela parte processual atingida pelo ato constritivo que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial”.

Resultado: A Corte Especial, por unanimidade, acompanhando o voto do relator, entendeu por estender a impenhorabilidade da poupança para conta corrente e aplicações financeiras.

 

3. PODER LEGISLATIVO

3.1 O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), firmou nesta quarta-feira, dia 21/02, o acordo com o Executivo sobre a MP da reoneração da folha de pagamentos e revogação de outros benefícios fiscais (MP nº 1202/2023) para que eventuais alterações no programa não mais ocorram por meio de Medida Provisória. Ademais, conforme anunciado, a revisão do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) continuará valendo.

 

ICMS e a transferência de mercadoria entre filiais

Dentre os assuntos tributários objeto de medidas publicadas no fim do ano de 2023, são relevantes as questões envolvendo o ICMS nas transferências interestaduais de mercadorias entre filiais, que ganhou relevância com o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 49, em 2021.

A importância do tema ficou mais evidente com a recente publicação dos Convênios ICMS 178 e 225, de 2023, e da Lei Complementar (LC) nº 204/2023, que alterou a Lei Kandir. Essa legislação objetivou regulamentar a não incidência do ICMS sobre a transferência de mercadorias entre filiais, a forma como os contribuintes têm assegurados os créditos do imposto relativos às operações anteriores à transferência e a aplicação do regime de substituição tributária (ICMS/ST).

Vale lembrar que na ADC 49 o STF julgou inconstitucional a incidência do ICMS nas referidas transferências e garantiu a manutenção dos respectivos créditos das operações anteriores.

Contudo, dúvidas remanescem sobre a interpretação e a compatibilidade das novas regras com o decidido na ADC 49, especialmente em relação à obrigatoriedade da transferência de créditos e da aplicação do regime de ICMS/ST.

Em primeiro lugar, é inconstitucional a obrigatoriedade da transferência dos créditos prevista no Convênio 178 pois, ao tratar do tema na ADC 49, o STF definiu que a manutenção e aproveitamento dos créditos é um direito dos contribuintes e não uma obrigação. Isso fica evidente no voto do ministro Dias Toffoli, quando assevera que o STF deveria reconhecer que os sujeitos passivos têm o direito de transferir tais créditos caso não fosse publicada lei complementar.

Na mesma linha foi o entendimento do ministro Barroso, anotando que para a efetividade da não cumulatividade é necessário que “se faculte aos sujeitos passivos a transferência de créditos entre os estabelecimentos de mesmo titular”.

Sendo assim, o STF e, por consequência lógica, a própria Constituição Federal não vinculam a manutenção dos créditos das operações anteriores à obrigatoriedade de sua transferência ao estabelecimento que recebe mercadorias remetidas por filial.

Desse modo, não há espaço para interpretar as regras da LC 204 no sentido de que a transferência dos créditos é obrigatória, já que a ADC 49 dispôs de forma diversa e, nessa medida, não parece haver dúvidas de que o Convênio 178 é inconstitucional.

É válido observar também que, na prática, a sistemática prevista pelo Convênio 178 mantem tudo como era antes da decisão da ADC 49, já que permite a “tributação” da transferência de mercadorias se a alíquota dos créditos na entrada for menor do que a interestadual utilizada para cálculo do crédito a ser transferido. Isso acaba por gerar um valor a pagar na apuração do ICMS, com base em um fato (transferência de mercadorias) que não é hipótese de incidência do imposto.

A regra convenial também pode resultar na impossibilidade de que o crédito da entrada seja transferido integralmente ao estabelecimento recebedor das mercadorias, nos casos em que a alíquota na entrada for maior do que a interestadual utilizada para cálculo do crédito a ser transferido.

Essas hipóteses conflitam com a ADC 49 e com a própria LC 204, que não permitem tais situações, o que reforça a inconstitucionalidade e ilegalidade do convênio. Em vista disso, só é possível concluir que a transferência dos créditos, na movimentação de mercadorias entre filiais, não é obrigatória.

A não obrigatoriedade da transferência dos créditos resulta na conclusão de que ao contribuinte é permitido transferir o montante de crédito que lhe convier na movimentação de mercadorias entre filiais, limitado aos percentuais das alíquotas interestaduais, sendo garantido o aproveitamento da diferença de crédito no estabelecimento de origem. Essa é a única interpretação possível para as regras trazidas pela LC 204.

Ressalte-se ainda a impossibilidade de aplicação do regime de ICMS/ST nas transferências de mercadorias entre filiais, já que a Constituição Federal prevê que a condição de responsável pelo pagamento de imposto será atribuída a sujeito passivo de obrigação tributária.

No caso da transferência de mercadorias entre filiais não há obrigação tributária, de forma que o estabelecimento que transfere mercadorias não é sujeito passivo do ICMS; logo, por expressa vedação constitucional, tal estabelecimento não pode ser eleito como responsável pelo recolhimento de qualquer valor a título de ICMS/ST.

Além disso, a ausência de ICMS na transferência de mercadorias impossibilita a implementação da sistemática de cálculo do ICMS/ST, já que não haverá valor de ICMS próprio a ser deduzido daquele devido por substituição tributária.

Por essas razões, é inconstitucional e ilegal a norma do Convênio 225, determinando que o cálculo do ICMS/ST levará em conta o valor do crédito transferido: a uma, porque a Constituição Federal não autoriza a aplicação do regime de substituição tributária nesse caso; a duas, porque a Lei Kandir determina que o cálculo do ICMS/ST levará em conta o valor do imposto próprio do substituto, montante esse inexistente na transferência de mercadorias.

Os aspectos aqui trazidos demonstram que a obrigatoriedade dos créditos nas transferências de mercadorias entre filiais e a aplicação do ICMS/ST nesses eventos não traduzem, dos pontos de vista constitucional e legal, o quanto decidido pelo STF na ADC 49 e o previsto na LC 204. Tais fatos, além de não solucionarem a controvérsia em definitivo, ainda certamente gerarão mais discussões judiciais, adiando a definição de um tema que interessa a muitos contribuintes.

 

*Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.

STJ estende impenhorabilidade à poupança para conta corrente e aplicações financeiras

Em 21/02/2024, ao julgar os Recursos Especiais nº 1660671 e 1677144, a Corte Especial do STJ solucionou controvérsia envolvendo a extensão da impenhorabilidade legal garantida aos depósitos em conta poupança, para reconhecer que essa proteção também pode ser aplicada para valores depositados em conta corrente ou aplicações financeiras do devedor.

Nos termos da legislação vigente (art. 833, X, do CPC), como medida de garantia à proteção do mínimo existencial dos devedores, apenas a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 salários mínimos, é impenhorável para satisfazer as dívidas do titular.

Nesse cenário, a solução adotada pela Corte Especial do STJ, que veio ratificar e complementar o entendimento já adotado nas Turmas da Corte, ampliou os efeitos da proteção legal, para reconhecer que, desde que comprovado pelo devedor que a quantia penhorada representa reserva patrimonial para assegurar seu mínimo existencial, o dinheiro também estará protegido pela impenhorabilidade legal, mesmo que esteja depositado na conta corrente ou em qualquer espécie de aplicação financeira.

Ao contrário do que ocorre com os valores penhorados em cadernetas de poupança, a extensão da impenhorabilidade legal para montantes depositados em conta corrente e aplicações financeiras não terá efeitos automáticos, devendo ser, nos termos do voto vencedor apresentado pelo Min. Herman Benjamin, “respeitado o teto de 40 salários-mínimos, desde que comprovado pela parte processual atingida pelo ato constritivo que o referido montante constitui reserva de patrimônio destinado a assegurar o mínimo existencial”.

Destaca-se que o acórdão está pendente de disponibilização pelo STJ. Portanto, ainda não é possível conhecer a integralidade da extensão dos efeitos do posicionamento adotado pela Corte Especial.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Cível do GSGA.

Lei nº 14.789/23 e os retrocessos na tributação dos benefícios fiscais de ICMS

Dentre as principais medidas tributárias do início de 2024, merece destaque a Lei nº 14.789/23. Aprovada sem muito alarde, esta lei pretende aumentar a arrecadação federal em R$ 35 bilhões neste ano, por meio da cobrança de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre benefícios fiscais apurados pelas empresas, especialmente incentivos de ICMS como isenções, créditos presumidos e outros.

O primeiro reflexo da nova lei será um aumento expressivo da carga tributária.

Pela legislação anterior, os benefícios fiscais de ICMS poderiam ser excluídos da apuração do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. Agora, a cobrança desses quatro tributos representará uma taxação de 43,25%. Em contrapartida, a nova Lei prevê que as empresas poderão apurar um crédito fiscal de 25% do valor dos benefícios fiscais.

A leitura inicial pode levar à impressão de que o verdadeiro ônus será de 18,25% (diferença entre o débito de 43,25 e o crédito de 25). Aqui, porém, vale a máxima de que nem tudo o que parece, de fato é.

Primeiro, porque pouquíssimas empresas conseguirão se habilitar no regime da Lei nº 14.789/23 para apurar esse crédito fiscal de 25%, já que o credenciamento será controlado pela Receita Federal, com a exigência de vários requisitos. Segundo, porque a base deste crédito fiscal será limitada ao valor das despesas de depreciação, amortização, exaustão, locação ou arrendamento de bens de capital – valor quase sempre muito menor do que o dos benefícios fiscais de ICMS recebidos pela empresa.

Ou seja, a Receita Federal pretende tributar todos os incentivos fiscais de ICMS, mas o crédito fiscal às empresas, em contrapartida, será muito limitado.

Outro retrocesso da Lei nº 14.789/23 é reacender um contencioso entre Fisco e contribuintes que estava praticamente consolidado há anos: a não tributação dos créditos presumidos de ICMS.

Desde 2017 o STJ entende que a União Federal não pode cobrar IRPJ e CSLL sobre os créditos presumidos de ICMS recebidos pelas empresas, por violação ao pacto federativo (intervenção da União na política fiscal dos Estados). Este entendimento prevalece até hoje no Tribunal, que já rejeitou diversas teses da Fazenda em sentido contrário.

Quanto ao PIS e à COFINS, o STJ também entende que essas contribuições não podem incidir sobre os créditos presumidos de ICMS – seja pelo mesmo argumento acima, seja porque os incentivos fiscais não constituem “receita” para fins tributários. O STF está próximo de chegar à mesma conclusão no Tema nº 843 de Repercussão Geral.

Agora, é provável que o Fisco veja a Lei nº 14.789/23 como uma nova forma de tentar cobrar IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre os créditos presumidos de ICMS; por outro lado, também é provável que os Tribunais mantenham seu entendimento anterior, já que a base dessa jurisprudência (proteção do pacto federativo) não se alterou. Isso, porém, pode exigir um novo contencioso entre empresas e a Receita Federal.

Em conclusão, a Lei nº 14.789/23 representa um retrocesso em diversos aspectos. Na contramão de diversas medidas que buscam aprimorar nosso sistema fiscal – como a Reforma Tributária –, a nova lei aumentará a carga tributária e reacenderá debates que estavam consolidados pelos Tribunais.