“Recomeça Minas” – Programa Especial de Regularização de Débitos Tributários

Em 22/05/21, o Governo de Minas Gerais disponibilizou no Diário Oficial Eletrônico a Lei nº 23.801/21, que institui o Plano de Regularização e Incentivo para a Retomada da Atividade Econômica no Estado de Minas Gerais – Recomeça Minas.

O “Recomeça Minas” trata-se de i) programa especial de pagamento à vista/parcelamento (art. 1º ao art. 8º) de débitos tributários de ICMS (autorizadas pelo Convênio CONFAZ ICMS nº 17/21, objeto do nosso Informe de 04 de março de 2021), IPVA, ITCD, Taxas, cujos fatos geradores tenham ocorrido até 31/12/20, com benefícios especiais de redução de multas e juros; e ii) concessão de benefícios (tais como isenção, redução de carga tributária, suspensão de exigências documentais específicas, dentre outros), que abordaremos em Informe Específico (art. 9º ao art. 34), visando propiciar condições para retomada das atividades sociais e econômicas impactadas pela Pandemia do COVID-19.

No que tange ao Parcelamento Especial (art. 1º ao art. 8º), o programa depende de regulamentação acerca da forma e prazo para adesão, bem como os valores mínimos de cada parcela e outras condições para a concessão dos benefícios.

Abaixo, segue consolidação dos principais pontos relacionados ao Parcelamento Especial, já antecipados quanto ao ICMS em nosso Informe anterior e, agora, aqui ratificados e complementados nos termos da Lei:

Outrossim, em seu art. 34, a Lei nº 23.801/21 acrescentou nova disposição concessiva de parcelamento de débitos de ICMS ao já existente Programa de Parcelamento REGULARIZE (Lei nº 15.273/04), relativamente aos mesmos fatos geradores ocorridos até 31/12/2020, porém com condições específicas do REGULARIZE (tais como quantitativos de parcelas até 180 e pagamento de forma escalonada) previstas no novo art. 20-A da Lei do REGULARIZE.

Ante à necessidade de regulamentação do programa “Recomeça Minas” para viabilizar a adesão, o que deverá ocorrer em breve, recomenda-se aos contribuintes mineiros desde já avaliarem as regras e condições para melhor definir pela viabilidade de ingresso no referido programa.

 

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Aplicação retroativa dos recentes benefícios tributários à recuperação judicial

Uma empresa que registrou deságio decorrente da renegociação de dívidas em processo de recuperação judicial, antes da vigência da lei 14.112/20, pode reclamar a aplicação do tratamento diferenciado trazido pela norma?

 

O Congresso Nacional aprovou, no fim de 2020, diversas alterações na lei de Falências e Recuperações Empresariais (lei 11.101/05). Contudo, ao sancionar o texto que foi publicado como lei 14.112, o Presidente da República vetou alguns dispositivos.

Quase três meses depois, o Congresso derrubou parte dos vetos e a lei 14.112/20 foi novamente publicada em 26/3/21. Com isto, as empresas em processo de recuperação judicial passaram a ter os seguintes benefícios tributários:

  • Não tributação por PIS e COFINS da receita decorrente da renegociação de dívidas, conhecida como deságio; e
  • Compensação do ganho oriundo do deságio ou da alienação judicial de bens e direitos, com prejuízos fiscais de períodos anteriores, sem o limite de 30%.

Os benefícios não são aplicáveis às operações realizadas entre pessoas, físicas ou jurídicas, consideradas vinculadas nos termos da lei.

Além disso, com a derrubada dos vetos, a dedutibilidade, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, das despesas geradas pela execução do plano de recuperação judicial, passou a constar expressamente da lei.

Importante também mencionar que, já em sua redação original, a lei 14.112/20 alterou a lei 10.522/02 para prever condições especiais de parcelamento e de transação de débitos tributários de empresas em recuperação judicial, inclusive com a utilização de prejuízo fiscal.

Introduzido o assunto, apresenta-se a seguinte questão: uma empresa que registrou deságio decorrente da renegociação de dívidas em processo de recuperação judicial, antes da vigência da lei 14.112/20, pode reclamar a aplicação do tratamento diferenciado trazido pela norma?

A tentativa de resposta a esse questionamento passa, a nosso ver, pela análise da possibilidade (i) de considerar os dispositivos trazidos pela lei como sendo interpretativos e (ii) de pleitear a aplicação retroativa dos benefícios com base no princípio da isonomia tributária.

O Código Tributário Nacional prevê que a chamada retroatividade benigna da legislação tributária, cuja matéria não seja infração ou penalidade, é aplicável quando a lei for expressamente interpretativa, requisito que não está cumprido pela lei 14.112/20.

Os dispositivos que trazem os benefícios tributários às empresas em recuperação judicial instituíram tratamentos específicos que são exceções a regras tributárias há tempo vigentes, o que reforça a natureza modificativa da norma.

Poderia ser diferente, por exemplo, se em vez de a lei dizer que a receita do deságio não é tributável por PIS e COFINS, dissesse que o deságio não configuraria receita para fins de incidência das contribuições.

Vale lembrar que a concessão de benefício fiscal de forma retroativa pode ter implicações no âmbito da lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), primeiro por significar renúncia de receita (art. 14 da LRF) e também pelo fato de que os créditos tributários anteriores à lei 14.112/20 já estão constituídos (Súmula 436 do STJ) e possivelmente quitados ou parcelados.

Deste modo, não nos parece que os dispositivos que trouxeram benefícios tributários às empresas em processo de recuperação judicial possuem natureza interpretativa e que, por isso, deveriam ser aplicados retroativamente.

Embora a lei 14.112/20 seja um único ato legislativo, as disposições decorrentes da derrubada dos vetos possuem vigência a partir da nova publicação, ou seja, 30 dias após 26/3/21, conforme entendimento antigo, mas não modificado, do STF (RE 85.950/RS, DJ de 26/11/76).

Este fato é de extrema importância, principalmente para PIS e COFINS, cuja apuração é mensal, e para as empresas que utilizam o Lucro Real trimestral para tributação de IRPJ e CSLL. De modo que, num exemplo extremo, o deságio registrado em dezembro/20 pode ter um efeito tributário totalmente diverso daquele registrado em março/21.

Não obstante ser defensável que a vigência dos dispositivos que foram inicialmente vetados deve seguir a publicação original, a discussão que vem à tona, diante da irretroatividade da lei, trata da isonomia tributária para as empresas que registraram deságio antes que os benefícios entrassem em vigor.

Um dado interessante é que, uma das justificativas utilizadas pelo Presidente da República para vetar os dispositivos que traziam os benefícios, apesar de não detalhar o contexto do argumento, foi justamente a ofensa ao princípio da isonomia tributária.

Do ponto de vista da justiça tributária, principalmente quanto à capacidade contributiva, a tributação do deságio percebido pelas empresas em recuperação judicial já poderia ser questionada, pois dificulta o atingimento do objetivo do próprio instituto da recuperação, além de sobrecarregar os credores, já que os percentuais de redução negociados são naturalmente afetados pela tributação.

Um dos argumentos utilizados pelos contribuintes na defesa da não tributação do deságio era o de que a mera redução de passivo não configura receita tributável. Contudo a RFB sempre foi contrária a este entendimento e a pouca jurisprudência não é pacífica.

Essa discussão pode ser afetada negativamente pela lei 14.112/20, à medida que a norma, para instituir os benefícios, conceitua o deságio como “receita” para fins de incidência de PIS e COFINS e como “ganho” tributável por IRPJ e CSLL.

Independentemente disso, o argumento de lesão aos princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva é bastante coerente e deveria ser forte o suficiente para convencer o julgador de eventual demanda. Todavia, a natureza modificativa da lei e os seus reflexos na arrecadação tributária pode dificultar a vitória dos contribuintes.

Por fim, considerando a vigência prospectiva da lei 14.112/20, os benefícios tributários nela previstos podem ser aplicados, ao menos parcialmente, a recuperações judiciais em curso, caso seja possível defender, por exemplo, que o reconhecimento do deságio deve ser realizado apenas no cumprimento do plano de recuperação, assunto que merece outro artigo.

 

*Artigo postado originalmente no Migalhas.