Uma empresa de navegação conseguiu afastar na Justiça a incidência de PIS e Cofins sobre os valores que recebe como sobre-estadia – a chamada demurrage. Essa quantia é paga por quem contrata o serviço de frete quando o navio excede o tempo da sua estadia no porto em razão de atrasos nas operações de carga e descarga das mercadorias.
A decisão, proferida pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, no Rio de Janeiro, é a primeira que se tem notícias nesse sentido. Os desembargadores se valeram da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a natureza jurídica desses valores. A demurrage, segundo reiteradas análises dos ministros, tem caráter indenizatório.
Sendo assim, interpretaram os desembargadores do Rio, não se deve cobrar PIS e Cofins. Esses tributos, afirma em seu voto o relator, desembargador Theophilo Antonio Miguel Filho, só incidem sobre o faturamento das empresas. E o conceito jurídico de faturamento, acrescenta, é caracterizado pela entrada de dinheiro que gera riqueza à companhia.
“A multa/indenização recebida não é uma entrada financeira capaz de integrar o seu patrimônio, pois revela-se como mera recomposição de uma perda”, afirma o relator. O entendimento foi seguido pelos demais desembargadores que julgaram a matéria (processo nº 0047773-52.2012.4.02.5101).
Esse caso foi levado ao Judiciário por uma empresa de cabotagem. Como está enquadrada no regime do lucro real – por faturar mais de R$ 78 milhões ao ano – ela deixará de aplicar a alíquota de 9,25% sobre os valores decorrentes da demurrage (1,65% de PIS e 7,6% de Cofins).
Representante da companhia no caso, o advogado Mauro Jacob, do escritório Gaia Silva Gaede, diz que os valores são usados pelas empresas para cobrir os gastos gerados pelo atraso nas operações. O operador de frete marítimo, contextualiza, vende espaço nos porões e conveses de seus navios para o transporte de mercadorias em contêineres.
No contrato firmado entre as partes, além do preço do frete, são estabelecidos os prazos para o serviço. Quando o navio atraca no porto existe, então, uma expectativa de tempo para o descarregamento das mercadorias. E isso impacta na liberação do navio – para receber os produtos de outro contratante e seguir viagem.
“Se a empresa não tiver o contêiner disponibilizado para o próximo carregamento, ela precisa contratar um outro contêiner, do mercado, para fazer essa operação subsequente”, detalha o advogado. “É um custo que ela tem que arcar e a demurrage visa cobrir justamente esses danos que são causados pelo atraso”, completa.
Os valores previstos nos contratos são geralmente fixados por hora ou dia de atraso. “Toda empresa que trabalha com transporte marítimo tem essa previsão. É praxe do mercado”, observa a advogada Bianca Xavier, sócia do Siqueira Castro. “Se tudo ocorrer dentro do prazo não há que se falar em demurrage. Só haverá o pagamento se o contêiner usado para o transporte não for esvaziado no prazo acordado entre as partes.”
Existe toda essa discussão, ela acrescenta, porque apesar de haver jurisprudência do STJ em relação à natureza jurídica da demurrage, o tema não foi enfrentado para fins tributários. Os julgamentos tratam, em sua maioria, sobre o prazo de prescrição para se discutir o pagamento desses valores.
A Receita Federal, além disso, já se manifestou em soluções de consulta de forma diferente ao Judiciário. Na de nº 108, de 2017, por exemplo, afirmou tratar-se da continuação da prestação do serviço e não de indenização. A norma, ainda assim, não abordava a incidência de PIS e Cofins. Informava sobre a necessidade de os contribuintes incluírem esses valores no Siscoserv, um sistema usado pelas empresas que atuam no comércio exterior.
“Mas, pela lógica, é muito provável que a Receita Federal autue as empresas que não recolhem PIS e Cofins sobre esses valores”, complementa a advogada.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou, por meio de nota, que “inúmeros contribuintes têm buscado excluir indevidamente as mais diversas receitas da base de cálculo de PIS e Cofins” e que “está atenta a essa estratégia”.
“O caso mencionado é mais dessas tentativas”, afirma sobre o julgamento do TRF-2. A Fazenda informa que já tomou conhecimento da decisão e apresentou o recurso cabível.
Por Joice Bacelo | De São Paulo
Fonte: Valor Econômico 17/09/2018 às 5h00