TRF4 afasta contribuição previdenciária sobre gratificação por tempo de serviço

Em entendimento pouco comum, tribunal afastou a Súmula 203 do TST e concluiu que o adicional, pago a cada cinco anos, não compõe o salário dos empregados

Uma empresa exportadora de café solúvel conseguiu, na Justiça, afastar a contribuição previdenciária sobre a gratificação por tempo de serviço paga aos seus funcionários. Os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) concluíram que a gratificação não é habitual e, portanto, não integra o salário dos empregados. A causa envolve um valor de R$ 1,5 milhão a título de contribuição previdenciária.

A decisão foi tomada na Apelação 5013676-89.2021.4.04.7001, julgada em 27 de junho pela 2ª Turma do TRF4.

O entendimento é pouco comum na jurisprudência. Pesquisa do JOTA encontrou 26 acórdãos nos tribunais regionais federais versando sobre esse tema desde 2020. Do total, 23 foram contrários aos contribuintes, ou seja, determinaram a incidência da contribuição previdenciária sobre a gratificação por tempo de serviço. Apenas três foram favoráveis aos contribuintes, sendo um deles a decisão do TRF4 que beneficiou a empresa de café solúvel. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a jurisprudência é de anos anteriores. A pesquisa encontrou 10 casos sobre o tema desde 2008 no tribunal superior, todos contrários aos contribuintes.

Pagamento eventual

Representante da empresa de café solúvel, o advogado Marcelo dos Santos Scalambrini, da Advocacia Lunardelli, explica que, no caso concreto, o contribuinte paga a gratificação a cada cinco anos. Os desembargadores do TRF4 analisaram individualmente o pagamento do adicional e concluíram que não há uma habitualidade na sua concessão. O entendimento é que o trabalhador completa cinco anos de empresa apenas uma vez, depois 10 anos apenas uma vez e assim por diante.

“O que defendemos é que cada gratificação deve ser considerada isoladamente. O empregado pode receber a de cinco anos e, na de 10 anos, pode ser que nem esteja mais na empresa. E a gratificação de 10 anos é paga em outro contexto e, inclusive, com um valor diferente”, afirmou o advogado.

Em seu voto, o presidente da 2ª Turma do TRF4 e relator do caso, desembargador federal Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia, afirmou que a verba, “ao contrário do que ordinariamente se observa em relação a rubricas da mesma natureza, é paga em uma única ocasião, na forma de prêmio, como bonificação ao empregado pelo tempo de serviço prestado”. Com base no entendimento do relator, o TRF4 afastou a aplicação da Súmula 203 do TST no caso concreto e, com isso, derrubou a cobrança da contribuição previdenciária sobre a gratificação por tempo de serviço.

A Súmula 203 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) define que “a gratificação por tempo de serviço integra o salário para todos os efeitos legais”. Geralmente, para validar a tributação do adicional por tempo de serviço, essa súmula é aplicada em conjunto com o precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 565160 (Tema 20 da repercussão geral). Neste caso, o STF decidiu que “a contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional 20/1998”.

Para Scalambrini, o TRF4 analisou corretamente os fatos. A seu ver, algumas decisões, em que não é analisado pormenorizadamente o caso concreto, podem resultar em uma cobrança indevida da contribuição previdenciária sobre verbas que, na verdade, são eventuais.

“Há decisões rasas e que não entram especificamente no caso concreto. Este precedente do TRF4 é importante para o tema”, diz o advogado.

Para a tributarista Anete Mair Maciel Medeiros, sócia do Gaia Silva Gaede Advogados, a decisão do TRF4 não representa alteração de jurisprudência, uma vez que, no caso concreto, conclui que o pagamento não é habitual. Mas o entendimento do TRF4 chama a atenção para a importância da análise detalhada dos casos concretos. “Esse julgamento evidencia a necessidade de os tribunais analisarem caso a caso para saber se os pagamentos integram ou não o salário dos trabalhadores”, afirma.

Jurisprudência desfavorável

A jurisprudência sobre o tema nos TRFs e no STJ é desfavorável aos contribuintes em relação ao tema, segundo levantamento feito pelo JOTA.

No caso dos tribunais regionais federais, a pesquisa reportou um caso no TRF1; 10 no TRF3; seis no TRF4; e nove no TRF5. O TRF6 ainda não oferece a pesquisa de jurisprudência. Além do caso da empresa de café solúvel no TRF4, foram registradas duas decisões favoráveis aos contribuintes no TRF5. A primeira afasta a contribuição, mas com uma decisão genérica, sem explicar o fundamento (processo 08100444320194058200). A segunda reconhece que a gratificação é eventual, o que não enseja a tributação (processo 08058257520194058300).

O STJ, por sua vez, possui jurisprudência pacífica de que a contribuição previdenciária deve incidir sobre a gratificação por tempo de serviço quando configurado o caráter permanente ou a habitualidade da verba recebida. Esse entendimento consta, por exemplo, do agravo interno no AREsp 1380226/RJ, julgado em 2019 pela 2ª Turma do STJ.

 

FONTE: JOTA PRO – 21/07/2023

Tribunais mantêm cobranças milionárias sobre adicional do RAT

Autuações fiscais aplicadas pela Receita Federal têm como base decisão do Supremo de 2015

A Justiça tem mantido cobranças milionárias da Receita Federal contra grandes indústrias e o agronegócio pelo não recolhimento do adicional da contribuição aos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), pago quando há empregados com direito à aposentadoria especial. Os valores são referentes a trabalhadores expostos a ruídos e tem como base decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2015.

Os ministros entenderam, em repercussão geral, que se a empresa fornece equipamento de proteção individual (EPI) eficaz, o empregado não tem direito a se aposentar com menos tempo de serviço – e, nesse caso, o contribuinte está livre do adicional. Abriram uma exceção, porém, aos casos de funcionários expostos a ruídos (ARE 664335).

Com base nessa exceção, a Receita editou norma e passou a cobrar os contribuintes, inclusive de forma retroativa. Pelo Ato Declaratório Interpretativo nº 2, de 2019, mesmo que sejam adotadas medidas de proteção que neutralizem o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância, o adicional do RAT é devido nos casos em que não puder ser afastada a concessão de aposentadoria especial.

Com as autuações, muitos contribuintes foram ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Mas as decisões foram desfavoráveis. Agora, a questão começa a ser discutida na Justiça e há posicionamentos contrários às empresas em três Tribunais Regionais Federais (TRFs) – 1ª, 4ª e 5ª Regiões -, segundo balanço realizado pelo escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados.

Nas ações, os contribuintes alegam que, com base na Lei nº 8.213, de 1991, estão liberados do pagamento quando adotam medidas de proteção aos funcionários e que os ministros, no julgamento, não trataram do adicional do RAT.

A conta é pesada. As empresas pagam o adicional conforme o tempo de aposentadoria a que o seu funcionário tem direito – 15, 20 ou 25 anos. Se o empregado precisar trabalhar só 15 anos, o empregador terá de recolher o percentual máximo de 12%, o que pode totalizar 15% (1%, 2% ou 3% da alíquota básica do RAT mais 12% do adicional) sobre a remuneração daquele funcionário. Se forem necessários 20 anos para o empregado requerer a aposentadoria, a alíquota adicional será de 9%. No caso de 25 anos, o acréscimo será de 6%.

Por isso, os contribuintes contestam as cobranças. Porém, no TRF da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, uma indústria não conseguiu anular um auto de infração. A decisão, da 2ª Turma, foi unânime (processo nº 5062852-74.2020.4.04.7000).

O relator no TRF, juiz federal convocado Alexandre Rossato da Silva Ávila, diz na decisão que desde 2015 está definido pelo Supremo que a exposição ao ruído acima dos limites legais de tolerância “assegura direito à aposentadoria especial, desimportando declaração do empregador sobre eficácia do equipamento de proteção individual” e que, nessa situação, “é inquestionável que a contribuição sobre a remuneração paga a trabalhadores a ele submetidos deve ser recolhida com o adicional.”

No TRF da 1ª Região, com sede em Brasília, em decisão monocrática, a relatora, juíza federal convocada Rosimayre Gonçalves de Carvalho, negou liminar a uma indústria que pedia para a Receita Federal se abster de cobrar o adicional do RAT. Em análise sumária, afirma que “não se pode olvidar que a tese consagrada pelo STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, de modo que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia-se o trabalho em condições especiais”.

De acordo com a juíza, a finalidade da alíquota adicional é exatamente o custeio da aposentadoria especial e a sua exigibilidade, “encontra amparo no ordenamento jurídico” (processo nº 1035016-32.2020.4.01.0000). Há também precedente nesse sentido da 1ª Turma do TRF da 5ª Região, com sede em Recife (processo nº 2005.80.00.008420-0).

Para o advogado Alessandro Mendes Cardoso, sócio do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, as decisões não aplicam a melhor solução jurídica. Primeiro porque, acrescenta, o acórdão do Supremo não abrange o custeio previdenciário.

“Inclusive houve manifestação de ministros no sentido de que o reconhecimento do direito à aposentadoria especial, no caso de exposição ao ruído, mesmo com fornecimento de EPI, não implicaria despesa sem fonte de custeio, já que o sistema a suportaria, com o recolhimento da alíquota básica do RAT pelo empregador”, diz o advogado.

As decisões também desconsideram, segundo Cardoso, o caráter extrafiscal do adicional do RAT, de induzir ao investimento em equipamentos e medidas de proteção ao trabalhador. “Isso fica prejudicado com a exigência do adicional do RAT, mesmo quando o empregador fornece o EPI.”

Cardoso destaca, contudo, que são ainda pouquíssimos precedentes de segunda instância a respeito. “O tema é muito preocupante, principalmente para grandes indústrias, tendo em vista o valor das autuações e o risco de contingências daquelas que ainda não foram autuadas”, afirma.

Frederico Pereira Rodrigues da Cunha, sócio da Gaia Silva Gaede Advogados, reforça que a discussão é nova e que ainda não existem decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do STF sobre o tema. Para ele, como o Supremo só tratou da discussão sobre aposentadoria, a Receita não poderia autuar os contribuintes de forma retroativa.

Somente no Ato Declaratório Interpretativo nº 2, de 2019, o órgão afirma que incide o adicional do RAT, segundo Cunha. Até então, estava em vigor a Instrução Normativa nº 971, de 2009, que isentava o contribuinte que fornecesse equipamento de proteção de recolher o tributo, mesmo no caso de ruído.

Ele assessora uma empresa que conseguiu sentença favorável, na 2ª Vara Federal de Criciúma (SC). A decisão, do juiz federal Marcelo Cardoso da Silva, afastou autuação fiscal que cobrava o adicional referente ao ano de 2016. A União recorreu e o caso está pendente de análise no TRF da 4ª Região (processo nº 5005082-93.2020.4.04.7204).

A questão constou do Plano Anual de Fiscalização de 2019, da Receita Federal. Pelo documento, o último divulgado pelo órgão, havia indícios de irregularidades em mais de 370 empresas e os valores estimados em arrecadação eram de R$ 946,5 milhões. Mas o valor dos lançamentos efetuados naquele ano correspondeu a R$ 347,4 milhões.

Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.

 

POR ADRIANA AGUIAR

FONTE: Valor Econômico – 27/05/2022

 

 

TRF do Rio exclui PIS e Cofins sobre indenização por quebra de contrato

Uma empresa de navegação conseguiu afastar na Justiça a incidência de PIS e Cofins sobre os valores que recebe como sobre-estadia – a chamada demurrage. Essa quantia é paga por quem contrata o serviço de frete quando o navio excede o tempo da sua estadia no porto em razão de atrasos nas operações de carga e descarga das mercadorias.

A decisão, proferida pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, no Rio de Janeiro, é a primeira que se tem notícias nesse sentido. Os desembargadores se valeram da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a natureza jurídica desses valores. A demurrage, segundo reiteradas análises dos ministros, tem caráter indenizatório.

Sendo assim, interpretaram os desembargadores do Rio, não se deve cobrar PIS e Cofins. Esses tributos, afirma em seu voto o relator, desembargador Theophilo Antonio Miguel Filho, só incidem sobre o faturamento das empresas. E o conceito jurídico de faturamento, acrescenta, é caracterizado pela entrada de dinheiro que gera riqueza à companhia.

“A multa/indenização recebida não é uma entrada financeira capaz de integrar o seu patrimônio, pois revela-se como mera recomposição de uma perda”, afirma o relator. O entendimento foi seguido pelos demais desembargadores que julgaram a matéria (processo nº 0047773-52.2012.4.02.5101).

Esse caso foi levado ao Judiciário por uma empresa de cabotagem. Como está enquadrada no regime do lucro real – por faturar mais de R$ 78 milhões ao ano – ela deixará de aplicar a alíquota de 9,25% sobre os valores decorrentes da demurrage (1,65% de PIS e 7,6% de Cofins).

Representante da companhia no caso, o advogado Mauro Jacob, do escritório Gaia Silva Gaede, diz que os valores são usados pelas empresas para cobrir os gastos gerados pelo atraso nas operações. O operador de frete marítimo, contextualiza, vende espaço nos porões e conveses de seus navios para o transporte de mercadorias em contêineres.

No contrato firmado entre as partes, além do preço do frete, são estabelecidos os prazos para o serviço. Quando o navio atraca no porto existe, então, uma expectativa de tempo para o descarregamento das mercadorias. E isso impacta na liberação do navio – para receber os produtos de outro contratante e seguir viagem.

“Se a empresa não tiver o contêiner disponibilizado para o próximo carregamento, ela precisa contratar um outro contêiner, do mercado, para fazer essa operação subsequente”, detalha o advogado. “É um custo que ela tem que arcar e a demurrage visa cobrir justamente esses danos que são causados pelo atraso”, completa.

Os valores previstos nos contratos são geralmente fixados por hora ou dia de atraso. “Toda empresa que trabalha com transporte marítimo tem essa previsão. É praxe do mercado”, observa a advogada Bianca Xavier, sócia do Siqueira Castro. “Se tudo ocorrer dentro do prazo não há que se falar em demurrage. Só haverá o pagamento se o contêiner usado para o transporte não for esvaziado no prazo acordado entre as partes.”

Existe toda essa discussão, ela acrescenta, porque apesar de haver jurisprudência do STJ em relação à natureza jurídica da demurrage, o tema não foi enfrentado para fins tributários. Os julgamentos tratam, em sua maioria, sobre o prazo de prescrição para se discutir o pagamento desses valores.

A Receita Federal, além disso, já se manifestou em soluções de consulta de forma diferente ao Judiciário. Na de nº 108, de 2017, por exemplo, afirmou tratar-se da continuação da prestação do serviço e não de indenização. A norma, ainda assim, não abordava a incidência de PIS e Cofins. Informava sobre a necessidade de os contribuintes incluírem esses valores no Siscoserv, um sistema usado pelas empresas que atuam no comércio exterior.

“Mas, pela lógica, é muito provável que a Receita Federal autue as empresas que não recolhem PIS e Cofins sobre esses valores”, complementa a advogada.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou, por meio de nota, que “inúmeros contribuintes têm buscado excluir indevidamente as mais diversas receitas da base de cálculo de PIS e Cofins” e que “está atenta a essa estratégia”.

“O caso mencionado é mais dessas tentativas”, afirma sobre o julgamento do TRF-2. A Fazenda informa que já tomou conhecimento da decisão e apresentou o recurso cabível.

Por Joice Bacelo | De São Paulo

Fonte: Valor Econômico 17/09/2018 às 5h00