ESPECIALISTAS CRITICAM DECISÃO DO CARF SOBRE BITRIBUTAÇÃO DE CONTROLADAS

A recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) de manter uma autuação fiscal de R$ 1,7 bilhão contra a Petrobras por bitributação não foi bem recebida pela comunidade jurídica tributária. Especialistas ouvidos pela ConJur foram unânimes na avaliação de que o entendimento do conselho, apesar de recorrente, é equivocado e viola a lei.

A decisão manteve autuação por falta de pagamento de Imposto de Renda e CSLL referentes a empresas controladas com sede na Holanda. O conselho entendeu que o artigo 74 da Medida Provisória 2.158, de 2001, sobre tributação de lucros de controladas e coligadas, se sobrepõe ao tratado, mesmo que acabe gerando bitributação.

Em 2013, o Supremo Tribunal Federal decidiu ser inconstitucional a tributação de lucros auferidos por controladas ou coligadas no exterior que não estejam em paraísos fiscais. E definiu que a tributação só poderia acontecer depois da distribuição dos lucros aos acionistas. Nos casos de controladas ou coligadas em paraísos fiscais, aplica-se o artigo 74 da MP 2.158, conforme ficou definido no “voto médio” apresentado pelo STF na época.

Já em 2014, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.325.709/RJ, decidiu que, nos termos dos tratados, os lucros auferidos por controladas somente podem ser tributados pelo IRPJ/CSLL no país de domicílio daquela controlada, sendo a sistemática de tributação antecipada prevista no artigo 74 MP 2.158-35/2001 incompatível diante das normas dos tratados firmados pelo Brasil, levando em consideração o artigo 98 do CTN, que afirma a prevalência dos tratados sobre lei tributária interna.

Veja a opinião de especialistas:

 

Allan Fallet, sócio do Amaral Veiga Advogados Associados
“Como podemos observar, o Carf vem decidindo em casos da Petrobras no sentido de que a norma contida no artigo 74 da MP 2.158-35/01 não incidiria sobre o lucro da entidade estrangeira. Levando em consideração a peculiaridade e o alcance do chamado regime brasileiro de tributação de lucros quando se tem origem em empresas controladas e domiciliadas no exterior, esse ponto de sua incompatibilidade com os acordos de bitributação celebrados pelo Brasil vem sendo discutido de forma crescente no Carf e no âmbito judicial. Ao meu ver, essa matéria encontra-se longe de obter um posicionamento pacífico quando analisamos em conjunto as regras de tributação (CFC) domésticas, entendimentos no âmbito do Base Erosion and Profit Shifting (Beps), Instrução Normativa 1.520/15 e o famoso artigo 7º.”

Daniel Szelbracikowski, sócio do Dias de Souza Advogados Associados
“Essa decisão contraria o entendimento do STJ sobre o tema. Houve um caso da Vale julgado no STJ, e ficou definido, nos casos em que houvesse tratado para evitar bitributação, que não seria possível a incidência desse dispositivo da MP 2158, que antecipa a disponibilização de lucros das empresas controladas ou coligadas no exterior. Essa jurisprudência do STJ nada mais fez do que aplicar corretamente o artigo 98 do Código Tributário Nacional. Este artigo é bastante claro no sentido da prevalência do tratado internacional sobre a legislação interna. Então, parece complicada essa decisão do Carf e é possível que esse tema eventualmente seja levado ao Judiciário. Agora, em relação ao próprio Carf, acredito que não houve modificação de jurisprudência, porque o entendimento deste assunto é antigo. Resta ao contribuinte buscar o Judiciário.”

Georgios Theodoros Anastassiadis, tributarista do Gaia, Silva, Gaede & Associados
“O Carf entendeu que essa norma interna brasileira não colide com o tratado. Simplesmente porque o artigo 7 do tratado, que trata de lucro, não se aplica a uma relação societária. Então, uma empresa controladora no Brasil e uma controlada na Holanda não devem ser enquadradas neste artigo. Isso porque, segundo o Fisco e o Carf, esse artigo só pode ser aplicado em relações comerciais entre duas empresas. Então, se uma empresa no Brasil, por exemplo, compra serviços ou bens de uma empresa na Holanda, o lucro está na Holanda, ela que vendeu. Se não tiver estabelecimento permanente no Brasil, só se tributaria lá na Holanda. Então, o Fisco entende que esse artigo só se aplica em relações comerciais e não relações societárias, como o caso de uma empresa controladora no Brasil e uma controlada na Holanda. Neste caso, uma não vende para a outra. A empresa brasileira controladora simplesmente reconhece a equivalência patrimonial e os lucros da controlada. Discordo desse posicionamento porque independentemente de ser decorrente de uma relação societária, o fato é que a equivalência patrimonial, o lucro reconhecido pela controladora no Brasil é lucro das empresas. Sendo assim, se aplica, sim, o artigo 7, logo não deveria ser tributado no Brasil.”

Luiz Paulo Romano, tributarista do Pinheiro Neto Advogados
“Esse assunto não é necessariamente uma novidade, a posição da Câmara Superior do Carf sobre lucro no exterior tem sido essa, inclusive em vários casos anteriores. Entretanto, é uma decisão ruim e viola os tratados de não bitributação por meio de uma interpretação muito forçada para atender ao interesse do Fisco.”

Bernardo Almeida, tributarista do SMV Advogados e Associados
“A decisão do Carf é altamente contestável, uma vez que faz prevalecer a aplicação do texto da MP frente ao acordo internacional que visa evitar bitributação. Trata-se uma tese, ao meu ver, temerária, ainda que o posicionamento do STF também não seja muito elucidativo. Evidentemente o STF será instado a se manifestar novamente sobre o tema, ainda mais em se tratando de matéria fiscal que envolve arrecadação vultosa. A decisão do Carf poderá trazer insegurança a empresas que possuam controladas e coligadas no exterior, e em um momento econômico de retomada de investimentos isso pode ser prejudicial. Tão importante quanto a judicialização do tema é a revisão por parte do governo, especialmente da PGFN, quanto à tese a ser defendida.”

Ricardo Vicente, sócio do Vicente de Paula Advogados
“Esta matéria vem sendo alvo de diversas controvérsias desde a promulgação da Lei 9.249/95. Em uma análise do histórico da legislação sobre o tema, já se pode verificar a falta de clareza sobre a matéria. Necessário reafirmar o próprio desentendimento interno no Carf, com linhas de pensamentos extremamente opostas, a um momento narrando que o artigo 74 da MP 2.158-35/01 é incompatível com tratados internacionais, a outro momento dissertando sobre a compatibilidade, determinando a tributação em casos específicos e a excluindo em outros. Enfim, esta recente decisão do Carf configura-se como sendo mais uma prova da extrema dificuldade na uniformização do tema, gerando sobremaneira a insegurança jurídica para os contribuintes.”

Igor Mauler, tributarista
“Existe uma interpretação criativa da Receita. Um entendimento que distorce o artigo 7º dos tratados. De que adianta assinar tratados internacionais se não cumpre? Para tributar o que não poderia. A posição da Receita é antiga e pode ser avaliada como um paradoxo insuperável: diz que o artigo 74 não tributa os lucros da empresa estrangeira, mas os da investidora brasileira. Só que a primeira ainda não os distribuiu à segunda, e o mero registro destes lucros pela investidora brasileira pelo método da equivalência patrimonial é expressamente exonerado de tributação pela lei.”

Dalton Miranda, especialista em Direito Tributário
“Entendo que o posicionamento do Carf não foi correto. Estamos diante de um caso claro de bitributação. O resultado alinhou-se ao entendimento da 1ª Turma da CSRF do Carf, sendo mais um gravoso revés sofrido pela companhia. Em parte, cremos, pelo confuso posicionamento firmado pelo Supremo, que, por certo, reclama revisão. E para a Petrobras resta judicializar o tema. Mas terá a empresa lastro para garantir o juízo? Eis uma importante decisão que certamente repousará à Mesa do governo recém-empossado, pois por derradeiro o prejuízo fiscal tornou-se assunto de Estado.”

Por Gabriela Coelho
Fonte: ConJur – 24/01/2019 às 12h01

 

Lucro Real Trimestral: Uma alternativa à restrição de compensação das estimativas de IRPJ e CSLL imposta pela Lei nº 13.670/18

Como já é de amplo conhecimento, a Lei nº 13.670/18 passou a vedar a compensação de débitos de estimativa mensal de IRPJ e CSLL (Lucro Real Anual).

Vale ressaltar que este tema é especialmente relevante e importante para os contribuintes que discutem judicialmente a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, visto que, pelo atual panorama da jurisprudência, é grande a chance de que a maioria das ações que discutem este tema transite em julgado ainda durante o ano de 2019 e, neste caso, os créditos recuperados possivelmente serão tributados pelo PIS e pela COFINS (juros) e pelo IRPJ e pela CSLL (principal e juros), sendo que estes últimos tributos, se apurados pelo Lucro Real Anual, como já demonstrado, não poderão ser objeto de compensação da estimativa mensal.

Destaque-se que este mesmo racional vale para todos os casos que implicam reconhecimento de resultado tributável por parte de contribuinte sujeito ao Lucro Real Anual.

A partir deste contexto, para os contribuintes obrigados ao Lucro Real, é recomendável a análise da viabilidade de adoção, já para o ano de 2019, da sistemática de apuração trimestral, visto que, por este regime, os débitos de IRPJ e CSLL são apurados trimestralmente de forma definitiva, podendo, portanto, ser objeto de compensação, inclusive com os créditos eventualmente recuperados que forem reconhecidos no mesmo trimestre.

Vale lembrar, entretanto, que um reflexo negativo decorrente da opção pelo Lucro Real Trimestral é que o aproveitamento, nos trimestres subsequentes, do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da CSLL está limitado a 30% do lucro apurado nos trimestres subsequentes (arts. 15 e 16 da Lei nº 9.065/95), sendo que, pela sistemática de apuração anual, os prejuízos apurados durante o ano podem ser integralmente compensados com os lucros auferidos no mesmo período, de forma que esta limitação é aplicável apenas de um ano para o outro.

 

 

 

RECEITA AMPLIA PRAZO PARA EMPRESA INDICAR BENEFICIÁRIO FINAL

Suspensão de CNPJ também poderá ser aplicada a companhias nacionais

A Receita Federal ampliou em seis meses o prazo para que as empresas que realizam negócios no Brasil informem quem são os seus beneficiários finais, ou seja, a pessoa física que tem o controle do grupo econômico. O prazo, originalmente, encerraria-se no dia 31 de dezembro de 2018 e o não cumprimento poderia representar a suspensão do CNPJ no começo deste ano.

A alteração foi divulgada às vésperas do término do prazo estipulado inicialmente. Está na Instrução Normativa (IN) 1.863, que revoga a anterior que trata do tema, a de no 1634. O novo texto, além do prazo, mudou outros pontos.

Um dos mais importantes refere-se à possibilidade de suspensão do CNPJ. Pela IN antiga, a penalidade estava prevista somente para empresas e investidores estrangeiros que não cumprissem a determinação. Agora está expresso no artigo 9 que a regra vale também para as companhias nacionais.

A suspensão do CNPJ, na prática, inviabiliza as operações das companhias no Brasil. Sem o registro as empresas ficam impedidas de transacionar com os bancos, o que inclui movimentar conta corrente, realizar aplicações financeiras ou mesmo obter empréstimos, por exemplo.

“A gente não pode falar em homicídio da pessoa jurídica, mas, na prática, é o que acontece se a empresa tiver o seu CNP suspenso”, diz a advogada Bianca Xavier, do escritório Siqueira Castro.

Há mudanças ainda relacionadas à lista de empresas desobrigadas de apresentar o beneficiário final ao governo brasileiro. O texto antigo deixava de fora as companhias de capital aberto que tivessem os seus dados divulgados publicamente. A IN 1863, agora, impõe restrições.

Pelo texto não basta apenas que a informação seja pública. É preciso ser divulgada por uma entidade reconhecida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ou seja, se a controladora da empresa brasileira, que tem sede no exterior, não estiver em um dos países considerados pela CVM, terá que apresentar os dados à Receita Federal.

No site da CVM há a lista das entidades que são reconhecidas no país. “Um exemplo é a subsidiária brasileira de uma empresa negociada na bolsa de Israel. Na lista de órgãos reguladores reconhecidos pela CVM não há a bolsa de Israel. Essa empresa, portanto, não estará dispensada de informar o beneficiário final”, diz Luís Gustavo Bichada, sócio do Bichara Advogados.

A determinação para que as empresas revelem os seus beneficiários finais havia sido imposta pela Receita, por meio da IN 1634 — agora revogada pela 1863 — em maio de 2016. Foi um dos movimentos do governo brasileiro para combater corrupção, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.

As empresas a partir da norma, foram obrigadas a apresentar toda a cadeia de participação societária até alcançar as pessoas físicas caracterizadas como beneficiárias finais. Se uma empresa limitada, por exemplo, com sede no Brasil, cuja estrutura tenha uma empresa operacional acima, localizada na França, e uma ou mais holdings no controle, precisaria demonstrar toda a estrutura e indicar pessoas físicas que estão no topo.

Para a Receita Federal, essas pessoas são aqueles com influência significativa no negócio — que tenham, direta ou indiretamente, mais de 25% do capital social da entidade ou que exerçam a preponderância nas deliberações sociais e tenham o poder de eleger a maioria dos administradores.

A Receita afirma em seu site que as mudanças no texto original, com a IN 1863, tornaram-se necessárias para dar “maior clareza ao cumprimento da obrigação” e a prorrogação do prazo teria como finalidade dar tempo de adaptação ao contribuinte.

A medida contradiz o que havia informado ao Valor em reportagem publicada no começo de dezembro. Na ocasião, a Receita afirmou, por meio de nota, que não havia previsão para a prorrogação do prazo de 31 de dezembro. “Uma porque está estabelecido com bastante antecedência. Duas porque os canais para a entrega digital e facilitada dos documentos foram estabelecidos, permitindo o cumprimento tempestivo da obrigação”, informava.

Circula entre advogados que o prazo foi dilatado porque o Fisco não estaria conseguindo atender a demanda gerada pela nova regra. Para conseguir anexar os documentos societários de forma eletrônica, os contribuintes devem agendar um atendimento presencial, em unidade do órgão, para que o fiscal crie o arquivo onde as informações serão armazenadas.

Segundo advogados, como muitas empresas deixaram para prestar as informações no fim do prazo, houve acúmulo de pedidos de atendimento e faltou horário. “O volume de informações foi grande e atrelado a isso teve o período de recesso. A Receita estava operando, no fim do ano, com 20% da sua capacidade”, diz um advogado que não quis se identificar.

Mauricio Chapinoti, do Tozzini&Freire, afirma que a extensão do prazo dá fôlego aos contribuintes. “Tenho um cliente, por exemplo, que só agora vai iniciar o processo de coleta de documentos e prestação das informações”, diz. Segundo ele, leva-se, em média, 30 dias para a conclusão do procedimento de uma empresa com matriz fora do Brasil.

“É preciso fazer uma análise de toda a cadeia societária. Isso depende da matriz e nem sempre é fácil de conseguir. Os documentos têm que ser registrados lá fora, trazidos para o Brasil, traduzidos e registrados no cartório de títulos e documentos. Depois ainda é preciso fazer a digitalização e o upload no sistema da Receita. Parece simples, mas é complexo”, detalha Chapinoti.

No fim do ano houve um corre-corre em razão da obrigação nos escritórios de advocacia. A principal demanda era de empresas com dificuldade em obter tais dados da matriz, sediada no exterior, e que, por esse motivo, temiam não conseguir atender a regra imposta no Brasil.

Havia dúvidas ainda em relação aos documentos que seriam necessários para comprovar as informações. “E a nova IN não esclarece isso. Melhorou alguns pontos, mas não resolveu tudo”, pondera Guilherme Roxo, do Gaia Silva Gaede Advogados.

Não está claro, segundo o advogado, se no caso das estrangeiras é preciso apresentar todos os documentos das empresas sobrepostas ou se bastaria os referentes à empresa brasileira e os correspondentes à última companhia da cadeia.

“Estamos trabalhando com um cenário mais conservador, mas isso é assustador em determinados casos. Temos no escritório, por exemplo, clientes com 25, 30 empresas na cadeia”, afirma Roxo.
A Receita, procurada pelo Valor, não retornou até o fechamento da reportagem.

POR JOICE BACELO
FONTE: VALOR ECONÔMICO – 01/01/2019 ÀS 21h17