O entendimento firmado pela Receita Federal revela um posicionamento fiscal equivocado, incompatível com o intuito do legislador ao instituir a desoneração da folha salarial e com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Em agosto de 2011, o Governo Federal editou a medida provisória 540, como parte de um pacote de medidas de estímulo à indústria denominado “Plano Brasil Maior”, a qual trouxe diversas alterações na legislação tributária, dentre elas a instituição de uma nova “contribuição social” incidente sobre a receita bruta das empresas de alguns setores estratégicos da economia, em substituição à contribuição social incidente sobre a folha de salários (“contribuição previdenciária patronal”). A adoção da nova Contribuição sobre a Receita Bruta (CPRB) passou a ser compulsória para os setores abrangidos.
A partir do ano de 2016, com as alterações promovidas na lei 12.546/11, passou a ser facultado aos contribuintes dos setores abrangidos a opção pelo recolhimento da Contribuição Previdenciária Patronal incidente sobre a folha de salários ou da Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta – CPRB.
A controvérsia que será abaixo analisada teve início com a redação do art. 9º, §13, da lei 12.546/11 que passou a prever que “a opção pela tributação substitutiva prevista nos arts. 7º e 8º será manifestada mediante o pagamento da contribuição incidente sobre a receita bruta relativa a janeiro de cada ano, ou à primeira competência subsequente para a qual haja receita bruta apurada, e será irretratável para todo o ano calendário”.
Analisando a referida previsão legal quanto a interpretação a ser dada por parte dos órgãos fiscalizatórios, foi publicada a solução de consulta interna COSIT 14/18. Em resumo, a Receita Federal do Brasil concluiu que “a opção pelo regime da CPRB para os anos de 2016 e seguintes deve ocorrer por meio de pagamento, realizado no prazo de vencimento, da contribuição relativa a janeiro de cada ano, ou à primeira competência subsequente para a qual haja receita bruta apurada”, completando que “não é admitido recolhimento em atraso para fins de opção pelo regime substitutivo ao de incidência sobre a remuneração dos segurados contratados”.
Pelo entendimento fazendário, a opção pela CPRB apenas é efetivamente exercida se o contribuinte realizar, simultaneamente, a opção pela CPRB em suas obrigações acessórias, a declaração do valor devido a tal título, e o pagamento integral, tempestivo e em espécie, dos valores devidos.
Com base neste entendimento, uma série de procedimentos de fiscalização estão sendo instaurados no país com o objetivo de verificar o efetivo e tempestivo “pagamento” da parcela inicial da CPRB pelos contribuintes optantes nos anos de 2016 a 2019 (o mesmo deve ocorrer em 2020).
Na prática, nas situações em que os contribuintes, apesar de exercem a opção anual tempestiva da CPRB, (I) quitaram o valor de janeiro em atraso; (II) realizaram o parcelamento dos valores de janeiro; ou, ainda, (III) quitaram o débito de janeiro por meio de compensação com créditos existentes, a Receita Federal do Brasil vem lavrando autos de infração, por não reconhecer a opção pelo regime substitutivo, exigindo o recolhimento da contribuição previdenciária sobre a folha de salários de todo o ano-calendário, acrescida de multa de ofício e juros de mora.
O entendimento firmado pela Receita Federal revela um posicionamento fiscal equivocado, incompatível com o intuito do legislador ao instituir a desoneração da folha salarial e com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Primeiramente, o termo “pagamento” utilizado pelo art. 9º, §13, da lei 12.546/11 deve ser interpretado como o exercício, pelo contribuinte, dos atos para constituir o tributo em janeiro de cada ano (ou no primeiro mês a partir de quando houver apuração de receita bruta) e realizar sua posterior quitação pelas formas previstas na legislação para extinção do crédito tributário.
As contribuições previdenciárias, sejam elas a patronal ou suas substitutivas, são tributos sujeitos à sistemática de lançamento por homologação. Desta maneira, cabe ao contribuinte realizar a sua apuração e declaração, constituindo o crédito tributário por meio da transmissão das respectivas obrigações acessórias. A transmissão da DCTF/DCTF web/EFD-Contribuições/GFIP com a manifesta indicação da opção pelo recolhimento da CPRB, bem como a informação dos valores devidos e a posterior quitação pelas formas legalmente previstas, tem como efeito o efetivo exercício da opção anual e a constituição do crédito tributário.
Ora, impedir que o contribuinte se valha do regime beneficiado de recolhimento da CPRB unicamente em razão do atraso no pagamento do mês de janeiro ou de sua quitação por meio de parcelamento ou compensação, representa restrição manifestamente incompatível com a própria finalidade da lei 12.546/11, qual seja, a de desonerar a folha de pagamento dos setores econômicos selecionados, para fomentar o desenvolvimento econômico de setores estratégicos.
Em última análise, o entendimento do Fisco acaba por criar meio coercitivo não previsto pela legislação para obter o recolhimento em espécie da contribuição, o que é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio.
A discussão foi objeto de análise pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região1, que em julgamento realizado pela 2ª Turma de Direito Tributário, reconheceu que descabe a administração condicionar a opção pela tributação substitutiva ao “pagamento” da contribuição, além de ser vedado à Administração Pública condicionar a opção pelo recolhimento da CPRB ao efetivo pagamento em dinheiro da parcela inicial.
Mesmo com o posicionamento do judiciário de maneira favorável aos contribuintes, vislumbramos um cenário de insegurança jurídica acarretada pela indevida e restritiva interpretação da Receita Federal quanto a efetividade da opção anual da CPRB, interpretação esta que deve ser questionada administrativamente e judicialmente, uma vez que fere a finalidade do instituto da desoneração da folha de salários e diversos princípios legais e constitucionais.
*Artigo originalmente postado no Migalhas