Possibilidade de substituição de depósitos judiciais por seguro garantia/carta de fiança bancária

O oferecimento de seguro garantia/fiança bancária em substituição ao depósito judicial demonstra boa-fé e reforça o princípio processual da cooperação, de forma que deveria ser prontamente reconhecida.

Com o agravamento da atual situação econômica, especialmente pelo avanço da pandemia de covid-19, várias empresas tentaram levantar e/ou substituir depósitos judiciais realizados em demandas tributárias.

Em se tratando de ações de conhecimento (ações declaratórias, anulatórias e mandado de segurança), verificamos que recentes decisões do STJ1 indeferiram o levantamento/substituição dos depósitos judiciais. Entretanto, data venia, essas decisões partiram de premissas equivocadas, as quais precisam ser devidamente esclarecidas.

Levantamento de depósitos judiciais antes do trânsito em julgado. Necessidade de interpretação da lei 9.703/98 em harmonia com a EC 45/04

A lei 9.703/98, que condiciona o levantamento dos depósitos judiciais ao trânsito em julgado dos autos, é anterior à EC 45/04, que previu a figura da repercussão geral (art. 102, § 3º, da CF) e inseriu o princípio da celeridade processual no rol dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, LXXVIII, da CF).

Posteriormente, (I) com a regulamentação legal da figura da repercussão geral, (II) com a previsão dos recursos repetitivos no STJ e, mais recentemente, (III) com a consolidação da matéria no CPC/15 – o qual positivou um sistema de precedentes vinculantes (art. 927 do CPC/15) -, não há mais sentido em se aguardar o trânsito em julgado para se ter a “certeza” quanto ao êxito da tese do contribuinte.

Na verdade, especialmente quando já há o julgamento da tese de repercussão geral/recurso repetitivo em favor dos contribuintes, mas os processos na origem ainda não transitaram em julgado (após a aplicação do precedente), isso provavelmente ocorreu porque a Fazenda Pública abusou do seu direito de recorrer, desvirtuando o objetivo do legislador ao criar o sistema de precedentes vinculantes.

Portanto, é necessário fazer uma interpretação evolutiva para se reconhecer que a exigência do trânsito em julgado do processo é dispensada quando a matéria em debate já foi julgada pela sistemática da repercussão geral/recursos repetitivos, notadamente quando a Fazenda Pública lança mão de recursos protelatórios e infundados.

Ocorrendo a aplicação de uma tese firmada em sede de repercussão geral/recursos repetitivos, por exemplo, os valores depositados em juízo já não podem ser considerados “recursos públicos”. Se tais valores ainda não foram devolvidos, isso se dá pelo fato de que a Fazenda Pública desvirtua o sistema de precedentes e abusa do seu direito de recorrer. Sua torpeza não pode ser defendida com base na aplicação cega da literalidade da lei 9.703/98 – não, pelo menos, num Estado Democrático de Direito (art. 1º da CF).

Tutela provisória como modalidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, IV e V, do CTN)

Há ainda uma outra questão importante que merece ser destacada: o depósito judicial não é a única modalidade de suspensão da exigibilidade prevista no CTN. Nos termos do art. 151, IV e V, do CTN, a exigibilidade do crédito tributário também é suspensa pela (I) “concessão de medida liminar em mandado de segurança”; e (II) “a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial”.

Realizado o depósito judicial, portanto, nada impede que o contribuinte pleiteie a alteração da modalidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, caso presentes – evidentemente – os requisitos legais da tutela provisória.

O art. 294 do CPC dispôs que a tutela provisória poderá se fundar em urgência e/ou evidência. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e também o perigo de dano (art. 300 do CPC/15). A de evidência será concedida quando as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos (art. 311, II, do CPC/15). É também possível quando ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte (art. 311, I, do CPC/15).

Assim, tratando-se de matéria já julgada em sede de repercussão geral/recursos repetitivos, onde a evidência do direito já estaria reconhecida, sequer seria necessário demonstrar o perigo de dano, pois estaríamos diante de uma hipótese autorizadora da tutela provisória de evidência.

Logo, nessas situações, eventual oferecimento de seguro garantia/fiança bancária pelo contribuinte em substituição ao depósito judicial somente demonstraria a sua boa-fé e reforçaria o princípio processual da cooperação (art. 6º do CPC/15), de forma que a procedência do pedido de substituição deveria ser prontamente reconhecida.

Por fim, apenas para não restar dúvidas, cabe uma importante ponderação adicional a respeito de mais um erro que vem sendo cometido: não é requisito para a suspensão da exigibilidade, nos termos do art. 151, IV e V, do CTN, a “garantia do crédito tributário”, sendo inaplicável, portanto, a súmula 112 do STJ e o tema STJ 378.

Assim, por qualquer ângulo que se analise a situação, não há como fugir da necessária conclusão de que é sim possível substituir os depósitos judiciais pelo seguro garantia/carta de fiança, especialmente nos casos onde já há tese julgada em repercussão geral/recurso repetitivo.

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1 TP 2.693, TP em AREsp 1525342, PET em REsp 1.706.203, REsp 1.698.164, AREsp 1.475.786 e AREsp 1.525.342, dentre outros.

 

*Artigo postado originalmente no Migalhas.

Andamento das atividades nos Tribunais – STJ e TRF

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região publicou a Resolução PRESI 10468182, que dispõe sobre a retomada dos prazos dos processos que tramitam em meio físico. Dentre outras, foram estabelecidas as seguintes diretrizes:

  • A suspensão de prazos de processos físicos e do atendimento presencial no tribunal ficou prorrogada para o dia 02/08/2020.
  • A retomada do atendimento presencial deverá ocorrer de forma gradual e sistematizada, de acordo com a condição sanitária da localidade. Serão 3 etapas de retomada, que encerrarão no dia 13/09/2020.
  • O atendimento presencial será de 13:00 às 18:00, porém, o tribunal orienta que deve ser dada preferência ao atendimento virtual.
  • Os órgãos públicos realizarão a carga de processos físicos quinzenalmente, e mediante rodízio entre eles.
  • O tribunal autorizou o protocolo eletrônico em processos físicos, mas será editada uma nova portaria para regulamentar esse procedimento.
  • As expedições de alvará também serão restritas, o tribunal orienta as partes a peticionarem informando conta bancária para transferência.

Relembramos que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça ainda não publicaram norma a respeito da retomada dos prazos dos processos físicos, mas foram publicadas portarias suspendendo os prazos durante o recesso do mês de Julho (STF – Resolução 687/2020; STJ – Portaria STJ/GP 210/2020).

O Superior Tribunal de Justiça prorrogou a realização das sessões de julgamento por videoconferência até o dia 31/08/2020 (IN 11/2020).

 

 

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Boletim Semanal COVID-19: Direto de Brasília

1. PODER EXECUTIVO FEDERAL

1.1 A RFB publicou a Instrução Normativa nº 1.965/2020 que estipulou novo prazo para apresentação da Escrituração Contábil Fiscal (ECF) referente ao ano-calendário de 2019, bem como o prazo referente aos casos de extinção, cisão parcial, cisão total, fusão ou incorporação ocorridos no período entre janeiro e abril do ano-calendário de 2020. O prazo anteriormente fixado para o dia 31/07/2020 ficou prorrogado para o dia 30/09/2020.

1.2 A Portaria Conjunta RFB/PGFN nº 1.178/2020 também prorrogou o prazo de validade das Certidões Negativas de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União (CND) e das Certidões Positivas com Efeitos de Negativas de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União (CPEND) por mais 30 dias contados da publicação do ato, ocorrida no dia 14/07/2020.

1.3 A Medida Provisória nº 992/2020, publicada em edição extra do DOU no dia 16/07/2020, disciplina a concessão de créditos a microempresas e empresas de pequeno e médio porte, e cria o Programa de Capital de Giro para Preservação de Empresas (CGPE). Também ficou dispensado o cumprimento de exigências de demonstração de regularidade fiscal nas operações praticadas pelo Banco Central do Brasil. A MP prevê a possibilidade de apuração de crédito presumido apurado com base em créditos decorrentes de diferenças temporárias por instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BC (exceto cooperativas e administradoras de consórcio) que aderirem ao CGPE. Por fim, a MP permite o compartilhamento de alienação fiduciária de imóveis, desde que a operação seja contratada com o mesmo credor da primeira operação.

1.4 O CARF aplicou, em julgamento proferido pela 1ª Turma da 3ª Câmara da 2ª Seção, entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 759.244, que não incide contribuição previdenciária sobre a receita da venda de produtos ao exterior por meio de uma trading company.

 

2. PODER LEGISLATIVO

2.1 O Senado Federal encaminhou para sanção o PLP 9/2020, que permite que as empresas optantes do SIMPLES NACIONAL possam aderir à transação tributária para quitação dos débitos tributários federais, nos termos da Lei 13.988/2020. A PLP também prevê que as empresas que se inscreverem no CNPJ terão o prazo de até 180 dias contados da inscrição para optar ou não pela inclusão no SIMPLES NACIONAL.

2.2 Também foi encaminha para sanção presidencial, o texto do PLC 25/2020, em substituição à MPV 926, que dispõe sobre a aquisição de bens e produtos utilizados no enfrentamento da pandemia. O texto prevê a isenção de tributos sobre a industrialização, venda e prestação de serviços necessários ao combate da pandemia. A lei também prevê a dispensa de licitação para a contratação de serviços ou a aquisição de bens e insumos com a mesma destinação e, nos casos de licitação na modalidade pregão, eletrônico ou presencial em que o valor ultrapasse R$ 150 milhões, a lei encaminhada para sanção dispensa a realização de audiência pública.

Prorrogação do prazo de entrega da ECF 2020

A Instrução Normativa RFB nº 1.965, publicada em 15 de julho de 2020, prorroga, em caráter excepcional, o prazo de entrega da Escrituração Contábil-Fiscal (ECF) 2020, relativa ao ano-base de 2019, por força dos desafios e dificuldades gerados pela atual pandemia do novo coronavírus.

O prazo de entrega original, que era o último dia útil do mês de julho de 2020, foi adiado para o último dia útil do mês de setembro de 2020.

Contudo, para as empresas que possuem saldos negativos de IRPJ e CSLL originados em 2019, recomenda-se a transmissão da ECF 2020 o quanto antes, mesmo com a prorrogação do prazo em questão, a fim de se compensar referido crédito tributário sem risco de questionamento pelas autoridades fiscais, que entendem, sem base legal, que a compensação em questão somente se torna possível com a transmissão de referida obrigação acessória.

Por outro lado, para aqueles contribuintes que não possuem os saldos negativos comentados acima, houve um ganho de 2 meses, em que se poderá efetuar uma revisão mais aprofundada das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL e eventualmente de outras apurações complexas como, por exemplo, preços de transferência e lucros no exterior, além de se ter mais tempo para levantar toda a documentação necessária bem como preencher com mais critério os blocos e registros desta obrigação acessória, evitando-se eventual divergência de cruzamentos internos e com outras obrigações.

 

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Digital Services Tax à brasileira

10 razões porque a CIDE-Digital não deve ser aprovada pelo Congresso Nacional

Tramita no Congresso Nacional o PL 2358/2020, do deputado João Maia, que pretende instituir um digital services tax (DST) no Brasil, a exemplo de tributos semelhantes instituídos por alguns países europeus (Itália e França, conforme aponta o projeto). O PL pretende instituir uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, chamada de CIDE-Digital pelo projeto, que incidiria sobre a receita bruta de serviços digitais prestados por “grandes empresas de tecnologia” e cujo produto da arrecadação seria destinado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Seu fato gerador ocorreria no recebimento de receita bruta decorrente de três atividades: (i) publicidade on-line, (ii) disponibilização de plataformas digitais de intermediação de venda de mercadorias e serviços, e (iii) venda de dados de usuários localizados no Brasil.

O projeto, contudo, apresenta uma série de inconsistências, a saber:

1. Contexto diferente dos países europeus: a exploração do mercado europeu a partir de uma presença somente digital no país de destino impossibilita retenções na fonte sobre pagamento oriundo do país consumidor, considerando que a rede de tratados desses países impede retenções e a tributação local só poderia alcança restabelecimentos permanentes físicos. Por isso, alguns países adotaram medidas unilaterais para tributar as receitas das grandes multinacionais de tecnologia pelo valor gerado em seus territórios.

Diversa é a situação do Brasil, país que mais tributa as remessas internacionais (sobretudo por intangíveis). Para PJs, as remessas podem estar sujeitas a IRRF (15%), ISS (2% a 5%), ICMS (discutível), PIS/Cofins (9,25%), IOF (0,38%) e CIDE (10%). Já no caso das PFs, incide o IOF crédito, cuja alíquota (6,38%) é maior do que as da CIDE-Digital (1% a 5%).

2. Inconformidade com requisitos constitucionais das contribuições interventivas: as CIDEs têm dois pressupostos: (i) identificação de um domínio econômico específico para a intervenção estatal; (ii) referibilidade entre o valor pago e a atuação estatal interventiva. No caso da CIDE-Digital, (i) a concepção de um “domínio econômico” digital já foi rechaçada pela OCDE, que concluiu pela impossibilidade de se isolar (“Ring Fence”) a Economia Digital para tributá-la como um campo de incidência destacado. O que ocorre é um fenômeno de digitalização que abrange a economia de forma difusa em seus mais variados aspectos, tais como financeiro (bancos digitais), hospedagem e hotelaria, transporte etc. Não há um “domínio econômico digital” que requeira intervenção.

Já a referibilidade (ii) é à relação entre o valor arrecadado pelo tributo e a atuação estatal que possa beneficiar quem o recolhe. Não existe uma atuação estatal específica na CIDE-Digital, pois o desenvolvimento tecnológico nacional beneficiaria toda a economia de forma indistinta. A referibilidade é mais débil ao notar que o contribuinte pode ser PJ não residente no Brasil e, logo, não beneficiária de um fundo para desenvolvimento da tecnologia no país.

3. Ausência de competência tributária brasileira para tributar receitas de não residentes: o tributo também almeja alcançar receitas de entidades não estabelecidas no Brasil, sem qualquer elemento de conexão com o país, em clara ofensa ao princípio da territorialidade e com exacerbação da competência brasileira de tributar a renda mundial.

4. Indesejada pluritributação da receita: o PL menciona que são contribuintes empresas nacionais ou estrangeiras, e aponta que o tributo incidiria sobre receitas dos contribuintes com as atividades especificadas. Nesse ponto, salta aos olhos a pluritributação da receita das entidades estabelecidas no Brasil, pois, havendo presença física no Brasil, sua receita já seria sujeita a PIS/Cofins, ISS e/ou ICMS. Na dinâmica do PL, uma empresa nacional poderia ter uma receita estatutária regular para fins de PIS/Cofins, ISS e ICMS e outra receita para fins da CIDE-Digital, apurada de forma presumida segundo critérios do PL.

5. Problemáticos fatos geradores

5.1. Publicidade on-line: o PL pretende alcançar as receitas de publicidade on-line para “usuários localizados no Brasil”. A medida é complexa, pela pouca probabilidade de um efetivo controle de anúncios visualizados apenas por usuários no Brasil. Nem mesmo a previsão de proporcionalizar a base de cálculo, de modo que a CIDE-Digital incida apenas sobre a “parcela da receita bruta proporcional às exibições a usuários localizados no Brasil”, no caso de publicidade exibida em outros países, parece de fácil aplicação, considerando as dificuldades para se fazer essa quantificação.

Embora haja a previsão de que se considere localizado no Brasil o usuário que acessar a plataforma digital em dispositivo localizado fisicamente no Brasil, conforme o endereço IP que acessar a plataforma, como aplicar essa métrica à quantificação da base de cálculo do tributo? Cada IP que acesse o anúncio será considerado? Cada acesso do mesmo usuário no mesmo dia? Acessos do mesmo usuário em um intervalo predeterminado de dias? Como computar plataformas de pesquisa que, eventualmente, também acessem esses anúncios via robôs?

5.2. Disponibilização de plataformas digitais: o PL pretende taxar plataformas digitais que permitam que usuários interajam entre si com o objetivo de venda de mercadorias ou de prestação de serviços, desde que um deles esteja no Brasil. Embora pretenda alcançar os marketplaces, ao apontar que a compra e venda e a prestação de serviços devem ocorrer “diretamente” entre os usuários, o PL atingiria quaisquer redes sociais por meio das quais vendedores/prestadores pudessem interagir com compradores/tomadores, mesmo as concluídas externamente à plataforma (checkout externo e mesmo no meio físico).

Como as redes sociais também faturam com publicidade, suas receitas poderiam ser indevidamente tributadas duas vezes: uma pela publicidade, outra pela plataforma.

Além disso, existe a dificuldade em separar as receitas tributáveis, considerando ao menos um usuário no Brasil, e as não tributáveis (usuários no exterior), pelas razões já apontadas e pela dificuldade em determinar “entrar em contato” e “interagir” no mundo digital: basta a visualização? Troca de mensagens? Fechamento de negócios? Em negócios fechados diretamente pelos usuários, como descobri-los e contabilizá-los para a proporcionalização?

5.3. Venda de dados: o PL pretende tributar receitas obtidas com a transmissão dedados de usuários no Brasil coletados durante o uso de uma plataforma digital ou gerados por esses usuários. Além da confusão com as receitas com publicidade dirigida, em sendo uma contribuição que tem a intenção de taxar grandes empresas multinacionais de tecnologia,fica a dúvida se a incidência não atingiria também contribuintes que nada têm com esse universo, pois as vendar de dados também ocorrem de formas simples do ponto de vista tecnológico, como a comercialização de mailing lists por restaurantes/bares ou de informações de compras por farmácias. Nada impediria, portanto, que enormes cadeias internacionais de restaurantes ou de drogarias fossem tributadas por atividades no Brasil…

6. Violação aos princípios da não discriminação e do desenvolvimento nacional: os contribuintes do novo tributo seriam as PJs, domiciliadas no Brasil ou exterior,que auferirem receita bruta em decorrência das atividades apontadas acima e que pertençam a grupo econômico que tenha, no ano-calendário anterior, (i) receita bruta global superior ao igual a R$ 3 bilhões; e (ii) receita bruta superior a R$ 100 milhões no Brasil.

A justificativa do PL aponta que apenas as empresas com presença no exterior seriam tributadas, pois não haveria “sentido em aplicá-la a uma empresa de tecnologia que só atue no Brasil, mesmo que seja grande, já que ela não terá como deslocar o lucro para filiais no exterior”. Isso mostra uma violação ao princípio da não discriminação e traz um enorme desincentivo ao tímido processo de internacionalização de empresas de capital nacional.

7. Violações à isonomia e à livre concorrência: o potencial novo tributo poderia desequilibrar a concorrência entre empresas multinacionais e nacionais, pois as empresas nacionais concorreriam com vantagem ao não serem oneradas com a CIDE-Digital.

8. Incidência sobre operações sujeitas à CIDE-Tecnologia: a CIDE-Tecnologia incide sobre remessas internacionais de transferência de tecnologia e importação de serviços técnicos, com o propósito de “estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo”. O produto de sua arrecadação também é destinado ao FNDCT. Nesse contexto, a CIDE-Digital poderia alcançar receitas já tributadas pela CIDE-Tecnologia e ter o produto da arrecadação destinada aos mesmos fins.

9. Problemas operacionais e violação à isonomia: o PL também alcança receitas integralmente auferidas no exterior e sem qualquer trânsito financeiro pelo Brasil. Nesse ponto, como garantir a efetividade de sua arrecadação, considerando que os DST são medidas unilaterais dos países de mercado que contam com reprovação dos países de residência das empresas? Muito provavelmente, não haveria colaboração entre esses países e as autoridades brasileiras, o que inviabilizaria a cobrança em muitos casos.

Assim, as empresas que operam exclusivamente a partir do exterior poderiam ter vantagens com relação a multinacionais brasileiras, com violações à livre concorrência e à isonomia. Isso também poderia levar a um movimento de fuga de multinacionais do território brasileiro.

10. Grandes multinacionais de tecnologia já são tributadas no Brasil: seja pela pesada carga tributária das remessas internacionais, seja por peculiaridades do mercado brasileiro (alto nível de desbancarização, instabilidade sazonal do câmbio,poucas pessoas com cartões internacionais etc.), grandes multinacionais de tecnologia estão constituídas no Brasil como entidades jurídicas brasileiras, razão pela qual já estão sujeitas a toda a pesada carga tributária do país. Logo, nada justifica a criação de mais um tributo para elas.

Por tudo isso, o PL 2358/2020 deve ser rechaçado pelo Congresso Nacional.

 

*Artigo postado originalmente no Jota.

O impacto da Lei Geral de Proteção de Dados nas relações de consumo

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é norteada por princípios (artigo 6º) que coincidem com aqueles aplicáveis às relações de consumo, tais como transparência, livre acesso, prevenção e responsabilização, e a defesa do consumidor é mencionada expressamente (artigo 2º, VI) como um dos fundamentos que regem essa lei. E, considerando que grande parte dos dados a serem tratados pelas empresas decorrem da relação de consumo, é importante entender, sob o ponto de vista dessa lei especial, como se dará a responsabilização daqueles envolvidos no tratamento dos dados e assim tomar as devidas cautelas com o objetivo de evitar um aumento desse tipo de contingência.

Inicialmente, para melhor compreensão do tema, cabe esclarecer os personagens envolvidos no tratamento de dados de acordo com a nomenclatura definida pela própria LGPD: os agentes de tratamento são o controlador e o operador, sendo que este é quem efetivamente realiza o tratamento e processamento dos dados e o controlador é o responsável pela sua coleta. O titular é a pessoa natural cujos dados serão tratados.

O artigo 42 da LGPD estabelece que o controlador ou operador que causar dano material ou moral, individual ou coletivo, decorrente da violação das suas normas, será obrigado a repará-lo. Assim, a regra geral é a responsabilização individual de cada agente, na medida e proporção em que os atos praticados em contrariedade à lei tenham nexo com o dano efetivamente causado ao titular.

Mas o legislador também estabeleceu duas hipóteses para a responsabilização solidária dos agentes pelos danos causados ao titular: I) responsabilidade solidária do operador quando ele não tiver seguido as instruções lícitas do controlador; e II) solidariedade entre os controladores que estiverem diretamente envolvidos no tratamento. A implicação da solidariedade é que qualquer um desses agentes, isolada ou conjuntamente, poderá ser acionado para reparar o dano.

Além disso, muito embora todo ato praticado em desacordo com a LGDP seja considerado como irregular e seja passível de indenização, a segurança dos dados é tratada pela norma com destaque (artigo 44). Portanto, é essencial a adoção de medidas de segurança tais como implementação de parâmetros técnicos e administrativos aptos a proteger acessos não autorizados e situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito.

A exclusão da responsabilidade indenizatória dos agentes de tratamento só ocorrerá se provarem (ônus da prova integralmente destes) que: I) não realizaram o tratamento de dados que lhes é atribuído; II) embora tenham realizado o tratamento, não houve violação à LGPD; ou III) que o dano decorre de culpa exclusiva do titular ou de terceiros.

A LGPD estabeleceu regras específicas e o mais completas possível para balizar a responsabilização. Todavia, ao prever (no artigo 45) que a violação do direito do titular dos dados decorrente de uma relação de consumo estará sujeita às regras do CDC, os conceitos e hipóteses mencionados acima não mais prevalecerão e o titular consumidor será visto pelo Poder Judiciário necessariamente como parte hipossuficiente, o que lhe traz algumas vantagens.

E, ao se aplicar regras previstas no CDC, a reparação civil torna-se objetiva: exclui-se a necessidade de comprovação de culpa pelo fornecedor, bastando a simples comprovação do dano e nexo decorrentes da falha na prestação dos serviços/produto. A inversão do ônus da prova e solidariedade entre os fornecedores são também regras de aplicação automática nessa esfera.

Considerando que as figuras do controlador e do operador poderão ou não estar concentradas em uma mesma pessoa, e diante da complexidade estrutural e técnica necessárias à efetiva e segura proteção dos dados, é muito provável que as empresas não tenham condições técnicas ou financeiras de realizar internamente esse tratamento de dados. Portanto, vislumbra-se um cenário no qual a contratação de um operador será recorrente, assim como a responsabilidade solidária entre eles por eventuais danos.

Portanto, essa contratação deverá ser muito bem estruturada para garantir ao controlador auditar os trabalhos realizados pelo operador e que o operador tenha a exata e clara compreensão das instruções repassadas pelo controlador, não presumindo que o trabalho realizado esteja de acordo com a LGPD.

Tendo em vista que cabe ao controlador estabelecer quais são os dados mínimos e adequados à sua atividade, bem como suas especificidades de tratamento, ele não poderá contratar um operador de forma automática, sem lhe repassar de forma detalhada tais informações, sem ter o mínimo de compreensão sobre as técnicas que serão aplicadas e sem assegurar-se de que essas serão aptas a garantir a eficácia e segurança estabelecidas pela lei.

Caberá então ao controlador definir em contrato de forma clara e detalhada os deveres de cada uma das partes, garantindo que o operador demonstre a adequação e a segurança das técnicas que serão aplicadas, bem como o seu direito de, no curso da relação, ter acesso e/ou auditar o operador e solicitar adequações e atualizações das suas práticas.

A possibilidade de atualização dos procedimentos para o tratamento de dados deve estar prevista, uma vez que, as técnicas disponíveis à época em que o dado foi tratado serão levadas em consideração para fins de averiguar a regularidade ou não do tratamento.

Muito embora a LGPD já preveja (artigo 42, §4º) o direito de regresso entre os agentes, a delimitação dessa responsabilidade poderá ser de difícil comprovação. Portanto, o ideal é estabelecer no contrato exemplos concretos de eventuais falhas e definição do responsável. Alternativamente, quando não for possível individualizar dessa forma, recomenda-se estabelecer o percentual para responsabilização de cada um, evitando que apenas um arque com o prejuízo ou que fique à mercê do julgador estabelecer a extensão dessa responsabilidade.

Além dos benefícios que as práticas acima destacadas podem trazer à relação a ser pactuada entre os agentes e respectivas obrigações, também poderá ser útil para comprovar que todas as cautelas necessárias para cumprimento das normas da LGPD foram tomadas.

Portanto, a mitigação dos danos ocorrerá se houver sinergia entre o controlador e o operador para garantir o correto e seguro tratamento dos dados, uma vez que a chance de responsabilização solidária entre os agentes é muito grande nas relações gerais e certa nas de consumo.

 

*Artigo originalmente postado no Conjur.

Boletim Semanal COVID-19: Direto de Brasília

1. PODER EXECUTIVO FEDERAL

1.1 Conforme publicação no Diário Oficial da União em edição do dia 06/07/2020, o presidente da República sancionou a Lei nº 14.020/2020 (oriunda da Medida Provisória nº 936/2020) que, entre outros, institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. A referida Lei regulamenta a redução de salário proporcional à jornada de trabalho, bem como a suspensão temporária do contrato de trabalho e o pagamento do benefício emergencial. Entretanto, o presidente da República vetou, entre outros pontos, a prorrogação até 2021 da desoneração da folha de pagamento para empresas de 17 setores da economia, como construção civil, transporte coletivo de passageiros e prestadoras de serviços de tecnologia e informação. A prorrogação havia sido incluída no texto pelo Congresso e, na redação sancionada, o benefício será concedido somente até o fim de 2020.

1.2 A Presidência da República editou o Decreto nº 10.414/2020 que regulamenta o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF), isto para, entre outros, reduzir a zero a alíquota do referido imposto nas operações de crédito contratadas no período entre 3 de abril de 2020 e 2 de outubro de 2020.

1.3 O Ministério da Economia publicou, nesta segunda-feira dia 06/07/2020, o Despacho de 1º de julho de 2020 aprovando a interpretação de que o voto de qualidade com a metodologia favorável ao fisco ainda pode ser utilizado em algumas votações no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). O referido Despacho aprova um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) que serviu como base para a regulamentação das novas normas e parâmetros do uso do voto de qualidade nos julgamentos do CARF por meio da polêmica Portaria ME nº 260/2020.

 

2. PODER JUDICIÁRIO FEDERAL

2.1 Ao apreciar a Reclamação (RCL) nº 41.963, O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, restabeleceu decisão da 4ª Turma dos Juizados Especiais de Curitiba/PR, em caso que envolve a legislação da capital sobre serviços funerários, que havia sido suspensa pelo presidente do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). Segundo Toffoli, as decisões proferidas no âmbito dos Juizados Especiais, dependendo da matéria em discussão, são passíveis apenas de recurso extraordinário ao STF. Assim, eventual pedido de suspensão da decisão da Turma recursal deveria ter sido endereçado ao Supremo Tribunal Federal.

2.2 Nos autos da Suspensão de Liminar (SL) nº 1.349, ajuizada pelo Estado do Amazonas, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, suspendeu os efeitos de decisão do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) que havia afastado a majoração de alíquotas de contribuição previdenciária dos auditores fiscais de 11% para 14%.

2.3 Na Suspensão de Tutela Provisória (STP) nº 393, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, restabeleceu os efeitos de decreto do Município de Bom Jesus do Galho/MG que requisitou os bens de um hospital privado que havia sido desativado, para enfrentamento emergencial da pandemia da Covid-19. Ao reverter a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) que havia suspendido a eficácia do decreto, Toffoli considerou a existência de grave risco de danos à ordem e à saúde pública do município.

2.4 Ao julgar o Recurso Especial nº 1.402.138/RS, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o recurso da Fazenda Nacional por entender que o mero deslocamento do produto de uma localidade para outra, ou entre estabelecimentos da empresa, não justifica a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Para haver a tributação, é necessária a transferência de titularidade do produto industrializado.

 

3. PODER LEGISLATIVO

3.1 O Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em afirmação que repercutiu em diversos veículos de comunicação, afirmou que considera boa a ideia de desonerar a folha de pagamento por mais 1 ano. Esse trecho estava na Medida Provisória nº 936/2020 (convertida na Lei nº 14.020/2020), que permite a redução de salários na iniciativa privada em meio à pandemia, e foi vetado pelo Presidente da República. O referido veto ainda será apreciado pelo Congresso Nacional.

3.2 O Deputado Federal Marcelo Ramos (PL-AM) apresentou, no dia 07/07/2020, um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 316/2020 para suspender a Portaria nº 260/2020 do Ministério da Economia que permite o uso do voto de qualidade a favor do Fisco em votações do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

3.3 Também há expectativa de votação pela Câmara dos Deputados, entre outros, do Projeto de Lei (PL) nº 1.581/2020, que regulamenta o acordo direto para pagamento com desconto ou parcelado de precatórios federais, com a destinação dos descontos obtidos pela União Federal ao enfrentamento da situação de emergência de saúde pública de importância internacional relacionada ao coronavírus (Covid-19), ou ao pagamento de dívidas contraídas pela União Federal para fazer frente a tal situação emergencial.

Um novo capítulo na exclusão do ICMS da base do PIS/Cofins: O STF passou a sobrestar os recursos?

O RE 1.224.210/PR foi interposto pelo contribuinte para afastar a limitação feita pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), o qual entendeu que o precedente vinculante do STF no tema 69 não teria alcançado as competências posteriores a janeiro/15, com a vigência da lei 12.973/14.

 

Recentemente noticiou-se, de forma equivocada, destaca-se desde já, que a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) teria decidido não julgar mais recursos sobre a exclusão do ICMS das bases de cálculo do PIS e da Cofins e esperar a conclusão do julgamento pelo Plenário. Isso teria ocorrido no julgamento do Agravo Interno no Recurso Extraordinário (RE) 1.224.210/PR, com acórdão publicado em 26/06/201.

Entretanto, é importante pontuar que esta decisão da 1ª turma do STF não se aplica à imensa maioria das situações envolvendo o julgamento do tema 69 de Repercussão Geral, além de que o sobrestamento dos recursos não seria nem mesmo um entendimento unívoco na turma.

Objeto do RE 1.224.210/PR: Limitação de efeitos da decisão até 2015 (lei 12.973/14)

O RE 1.224.210/PR foi interposto pelo contribuinte para afastar a limitação feita pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), o qual entendeu que o precedente vinculante do STF no tema 69 não teria alcançado as competências posteriores a janeiro/15, com a vigência da lei 12.973/14.

Este curioso entendimento vigorou por pouquíssimo tempo na 1ª turma do TRF4. Porém, quando a Corte Especial julgou a Arguição de Inconstitucionalidade 5051557-64.2015.4.04.0000, adotou-se a orientação no sentido de que a decisão proferida no RE 574.706 (tema 69) engloba também o período posterior à vigência da lei 12.943/14.

Por essa breve análise, fica evidente que os recursos extraordinários que estão chegando ao STF, relacionados a essa questão específica, dizem respeito a uma única “questão filhote” do tema 69, mas não propriamente ao “mérito” do julgamento realizado em março de 2017.

Há aqui um importante esclarecimento adicional a ser feito: a União não recorre das decisões que reconhecem expressamente a aplicabilidade do precedente para as competências posteriores a janeiro/15. Também para a União essa já é uma questão vencida. Os recursos que chegam a STF sobre esta matéria, portanto, são apenas dos contribuintes.

Por isso, é equivocado afirmar que a decisão proferida pela 1ª turma do STF no RE 1.224.210/PR terá o condão de paralisar os julgamentos dos recursos relativos à matéria tratada no RE 574.706 (tema 69). O objeto desse RE é bem específico e do interesse exclusivo dos contribuintes que sofreram a limitação temporal dos efeitos da decisão.

Reclamação 35.572: Imediata análise da discussão

Outro fato que demonstra o erro de se afirmar que o RE 1.224.210/PR paralisará os julgamentos dos recursos envolvendo a matéria é a existência de recente decisão proferida na reclamação 35.572, de relatoria do min. Luz Fux, ajuizada em face de acórdão da 1ª turma do TRF4 que também limitou os efeitos da retratação até o advento da lei 12.973/14.

Ao analisar o agravo regimental interposto pelo contribuinte na referida reclamação, o min. Luz Fux – em decisão monocrática datada de 07/04/20 – retratou a decisão de sua lavra que tinha rejeitado a reclamação por questões formais (cabimento), para avançar no mérito e determinar a cassação da decisão reclamada, determinando que o Tribunal de origem proferisse outra, com observância da tese vinculante fixada no RE 574.706 (tema 69).

No mês de junho de 2020, a 1ª turma do STF, por maioria, negou provimento ao agravo regimental interposto pela União, nos termos do voto do min. Luiz Fux, vencido o min. Alexandre de Moraes (Sessão Virtual de 12/06/20 a 19/06/20, acórdão ainda não disponível).

Portanto, a própria 1ª turma do STF, no julgamento da reclamação 35.572, posterior ao julgamento do RE 1.224.210/PR, determinou a imediata análise da matéria pelo Tribunal de origem, o que reforça que a tese do Tema 69 não deve ficar sobrestada no STF, como tem sido indevidamente noticiado.

Considerações finais

Por todo o exposto, concluímos que a decisão proferida no Agravo Interno no RE 1.224.210/PR não afetará o imediato julgamento dos recursos e processos que versarem sobre a discussão abrangida pelo RE 574.706 (tema 69). Nem mesmo a matéria objeto do RE 1.224.210/PR (recurso interposto pelo contribuinte versando sobre a limitação dos efeitos da retratação até a vigência da lei 12.973/14) deve ser afetada pelo julgamento, considerando que há reclamação (reclamação 35.572), julgada pela mesma 1ª Turma do STF, adentrando no mérito da discussão, para reconhecer que o precedente vinculante do STF também abrangeu a lei 12.973/14.

_________

1 Julgamento ocorreu na Sessão Virtual de 29/05/20 a 05/06/20.

 

*Artigo originalmente postado no Migalhas

Q&A – Relações Trabalhistas e o Coronavírus – 08/07/2020

Em 6 de julho de 2020, o presidente da república transformou em Lei a medida provisória nº 936, de 01 de abril 2020, que tratou das medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do corona vírus.

A lei 14.020 tem vigência imediata e valida o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.

Foram incluídas previsões sobre a (i) possibilidade prorrogação do período para suspensão do contrato de trabalho ou de redução de jornada e de salário mediante ato do Poder Executivo enquanto durar o estado de calamidade pública e (ii) alcance do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda a aprendizes, profissionais com jornada parcial, gestantes e empregados que adotem ou tenham guarda de crianças, (iii) foi estabelecido o regime de contribuição previdenciária facultativa e (iv) afastada a aplicação do disposto no artigo 486 da CLT, que tratava do pagamento de indenização pela rescisão do contrato de trabalho a cargo do governo, na hipótese de paralisação ou suspensão de atividades empresariais determinada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal para o enfrentamento do estado de calamidade pública.

Foram vetados os artigos 27 e 28 que tratavam do pagamento de benefício no valor de R$ 600,00, por 3 meses, para os profissionais dispensados durante o estado de calamidade pública não elegíveis ao recebimento do seguro desemprego ou para aqueles que terminaram de receber o seguro desemprego em março ou abril de 2020.

Confira abaixo, as principais perguntas sobre o atual formato do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.

1. O que é o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda?

É o programa instituído para (i) preservar o emprego e a renda; (ii) garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais; e (iii) reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública, com aplicação durante o estado de calamidade pública

2. Quais as medidas autorizadas pelo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda para enfrentamento do estado de calamidade pública?

O programa emergencial estabelece o (i) o pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (“BEPER”); (ii) a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários; e (iii) a suspensão temporária do contrato de trabalho.

3. A quem se aplica?

A todas as empresas e empregador doméstico. Não se aplica aos órgãos da administração pública direta e indireta, às empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive às suas subsidiárias, e aos organismos internacionais, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Ficam excluídos os estagiários e aqueles que não possuem vínculo de emprego regido pela CLT com a empresa.

4. Na vigência deste programa, pode haver redução de jornada e salário?

A lei autoriza a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário de seus empregados, por até 90 dias – prorrogáveis por ato do Poder Executivo durante o estado de calamidade pública – desde que haja (i) preservação do valor do salário-hora de trabalho; (ii) celebração de acordo coletivo ou individual escrito entre empregador e empregado, com antecedência mínima de 2 dias corridos; e (iii) redução nos limites de 25%; 50% ou 70%.

Para percentuais diferentes destes, é necessária negociação coletiva de trabalho.

A empresa deve comunicar a entidade sindical acerca da redução de jornada e salário no prazo de 10 dias corridos, contado da data da celebração do acordo individual.

Em resumo:


5. Na vigência deste programa, pode haver suspensão temporária do contrato de trabalho?

A lei autoriza a suspensão temporária do contrato de trabalho, pelo prazo máximo de 60 dias – prorrogáveis por ato do Poder Executivo durante o estado de calamidade pública – que poderá ser fracionado em até 2 períodos de 30 dias, através de acordo individual escrito entre empregador e empregado, com antecedência mínima de 2 dias corridos. A empresa deve comunicar a entidade sindical acerca da suspensão temporária do contrato de trabalho no prazo de 10 dias corridos, contado da data da celebração do acordo individual.

Em resumo:


6. Quais os benefícios devidos ao empregado durante a suspensão temporária do contrato de trabalho?

O empregado terá direito a todos os benefícios concedidos pelo empregador (exceto vale-transporte, se não houver deslocamento entra casa e trabalho) e ficará autorizado a recolher para o Regime Geral de Previdência Social na qualidade de segurado facultativo.

7. Qual a penalidade se houver trabalho durante o período de suspensão contratual?

Ficará descaracterizada a suspensão contratual e o empregador deverá pagar a remuneração e encargos sociais devidos no período, além de eventuais sanções previstas na lei ou em norma coletiva.

8. É obrigatório o pagamento de ajuda compensatória mensal de natureza?

Sim para as empresas que tiverem auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4,8 milhões, no valor de 30% do valor do salário do empregado, durante o período da suspensão temporária de trabalho pactuado.

Para os demais casos, o pagamento pode ser realizado por liberalidade do empregador.

9. A ajuda compensatória tem natureza salarial?

Não. A natureza é indenizatória. Não integrará o salário, nem a base de cálculo do IRRF, da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salário e do FGTS. Também poderá ser considerada despesa operacional dedutível na determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real.

10. Pode haver rescisão contratual sem justa causa no período de redução de jornada e salário ou de suspensão contratual?

Não. A lei estabelece a garantia provisória no emprego durante período acordado de redução da jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho e, após o restabelecimento das condições normais de trabalho, por período equivalente ao acordado para a redução ou a suspensão.

A não observância do período de estabilidade provisória ao emprego, obriga o empregador ao pagamento de indenização em percentual proporcional ao da redução de jornada e de salário.

A lei proibiu a dispensa do empregado portador de deficiência durante o período da calamidade pública.

11. O período de redução de jornada e de salário pode ser cumulado com o período de suspensão contratual?

Sim, desde que o tempo máximo de aplicação dos 2 regimes, ainda que sucessivos, não seja superior a 90 dias.

12. É possível celebrar acordos coletivos durante o estado de calamidade pública?

Sim. A lei como forma de facilitar a negociação coletiva, reduziu pela metade os prazos previstos na CLT para tal e autorizou a utilização de meios eletrônicos para convocação, deliberação, decisão, formalização e publicidade de convenção ou de acordo coletivo de trabalho.

13. Como ficam as negociações coletivas celebradas antes da vigência da Lei?

As convenções ou os acordos coletivos de trabalho celebrados anteriormente poderão ser renegociados para adequação de seus termos, no prazo de 10 dias corridos, contado da data de publicação da Lei.

14. O que é o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda?

O benefício é o pagamento mensal, por recursos da União, aos empregados que tiverem a redução de jornada de trabalho e de salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho

15. Por quanto tempo o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda será pago?

Será pago enquanto durar a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário (máximo 90 dias) ou a suspensão temporária do contrato de trabalho (máximo 60 dias), podendo haver prorrogação por ato do Poder Executivo.

16. Qual o valor do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda?

O valor terá como base de cálculo o valor mensal do seguro-desemprego.

Na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário, será calculado aplicando-se sobre a base de cálculo o percentual da redução.

Na hipótese de suspensão temporária do contrato de trabalho, terá valor mensal: (i) equivalente a 100% do seguro-desemprego a que o empregado teria direito; ou (ii) equivalente a 70% do seguro-desemprego a que o empregado teria direito se empresa que tiver auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4,8 milhões. Neste caso, deve haver o pagamento de ajuda compensatória mensal pela empresa no valor 30% do valor do salário do empregado.

17. Quando o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda será pago?

A 1ª parcela será paga no prazo de 30 dias, contado da data da informação prestada ao Ministério da Economia pelo empregador.

18. Quais procedimentos devem ser adotados pelo empregador para a concessão do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda?

O empregador deverá informar ao Ministério da Economia a redução da jornada de trabalho e de salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho, no prazo de 10 dias, contado da data da celebração do acordo.

A transmissão das informações e comunicações pelo empregador será disciplinada por ato do Ministério da Economia.

Caso o empregador não preste a informação dentro do prazo de 10 dias, ficará responsável pelo pagamento da remuneração no valor anterior à redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho do empregado, inclusive dos respectivos encargos sociais, até a que informação seja prestada.

19. Em quais hipóteses o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda não será devido?

Não será devido (i) quando o empregado estiver ocupando cargo ou emprego público, cargo em comissão de livre nomeação e exoneração ou titular de mandato eletivo; ou em gozo (ii) de benefício de prestação continuada do Regime Geral de Previdência Social ou dos Regimes Próprios de Previdência Social, (iii) do seguro-desemprego; ou (iv) da bolsa de qualificação profissional custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Para os empregados que se encontrem em gozo do benefício de aposentadoria, a implementação das medidas de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou suspensão temporária do contrato de trabalho só será admitida se observadas as condições para enquadramento na hipóteses de celebração de acordo individual e, houver o pagamento, pelo empregador, de ajuda compensatória mensal, nos parâmetros impostos pela lei.

20. Pode haver cumulação do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda?

Sim. O empregado com mais de um vínculo formal de emprego poderá receber cumulativamente um Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda para cada vínculo com redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou com suspensão temporária do contrato de trabalho.

O empregado com contrato de trabalho intermitente fará jus ao benefício emergencial mensal no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), pelo período de 3 meses, não permitida a cumulação em razão de eventual manutenção de mais de 1 vínculo de emprego.

21. O recebimento do benefício impede posterior recebimento de seguro desemprego?

Não, desde que o empregado preencha os requisitos previsto na lei que regulamenta o seguro desemprego no momento da eventual dispensa.

 

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Estado do Rio de Janeiro disciplina adesão ao repetro-sped e repetro-industrialização

Foi publicada no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro de 03/07/2020, a Resolução SEFAZ nº 153/2020, que altera a Resolução SEFAZ nº 720/2014, para incluir os procedimentos especiais necessários para a adesão ao tratamento tributário previsto tanto no Convênio ICMS nº 03/2018, como também na recém publicada Lei nº 8.890/2020.

Além disso, a Resolução SEFAZ nº 153/2020 ratificou as adesões anteriormente realizadas ao regime com base no Decreto nº 46.233/2018 (revogado pela Lei nº 8.890/2020), o que traz maior segurança para as empresas que já haviam formalizado a adesão com base no decreto e vinham operando com as desonerações tributárias.

As novas adesões, de acordo com a Resolução, deverão ser formalizadas mediante entrega do Termo de Comunicação (formulário anexado à Resolução) à Auditoria Fiscal do cadastro do contribuinte.

Por fim, cumpre mencionar que a Resolução manteve a exigência de que o Optante comprove, em até 15 dias, o protocolo da desistência/renúncia ao direto, em sede administrativa ou judicial, postulado em processos que versem sobre a incidência do ICMS nas admissões temporárias.

 

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