Banco Central do Brasil divulga versão 1.4 do Manual de Uso da Marca Pix

Em junho de 2024, o Banco Central do Brasil (BCB) divulgou a versão 1.4 do Manual de Uso da Marca Pix (Manual), documento técnico que compõe o Regulamento do Pix, o qual visa garantir que a marca Pix seja utilizada pelos envolvidos no ecossistema Pix, de maneira coerente e consistente, a fim de resguardar suas características essenciais, que conferem distintividade à marca e auxiliam na construção de uma percepção homogênea dos consumidores em relação ao meio de pagamento Pix e às suas funcionalidades.

A marca Pix é de titularidade exclusiva do BCB, de modo que aqueles que desejarem utilizá-la, deverão figurar como participantes dos arranjos de pagamento Pix e obter uma licença de uso de marca, em suas formas nominativas e de símbolo, cujo caráter é temporário, não exclusivo e intransferível.

Segundo o Manual, a marca em pauta é composta por três elementos, quais sejam:  símbolo, logotipo e mensagem.

Dentre as regras que devem ser observadas, destacamos as seguintes:

A marca Pix não pode ser usada somente com o logotipo;

Sua cor deve respeitar a paleta cromática disponibilizada no Manual, sendo possível utilizar, no entanto, diversos formatos de fundo;

Está vedada a criação de marcas próprias que ofereçam unicamente as funcionalidades nativas do Pix; e

A marca Pix deve estar obrigatoriamente presente nas peças de comunicação publicitárias dos participantes que promovam o Pix, tanto em meios físicos quanto digitais.

O Manual contém ainda, de forma detalhada, toda a utilização de marca Pix para participantes.

 

Para mais informações, consulte os profissionais das áreas de Regulatório e Governança Corporativa e Programas de Compliance do GSGA.

Despesas com adequação à LGPD: insumos e créditos de PIS/Cofins

A discussão acerca do direito de tomada de crédito do PIS e da COFINS no regime não cumulativo não tem fim. São diversos os questionamentos que gravitam em torno do tema, mormente porque definiu o STF¹ que cabe ao legislador ordinário o disciplinamento da matéria, já que, diferentemente da não cumulatividade do ICMS e IPI, aqui se trata de técnica de apuração.

Em verdade, a maior problemática gira em torno do conceito de insumos, na medida em que as leis disciplinadoras das contribuições – Leis 10.637/02 e 10.833/03 – não conceituaram o termo.

O STJ se debruçou sobre a questão, quando do julgamento do Tema 779. Segundo a Corte, o “conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”.

Instado a se manifestar, o STF reiterou o entendimento do STJ de que os insumos não se limitam ao processo produtivo. Segundo o Min. Dias Toffoli:

“[…] para a formação de receita ou de faturamento, o contribuinte poderá incorrer não só em gastos relacionados com aquele processo formativo de produtos, mas também em outros quanto a bens ou serviços imprescindíveis ou importantes para o exercício de sua atividade econômica”. (grifei)²

Vê-se, pois, que o STF assentou que os gastos que são passíveis de creditamento são aqueles “imprescindíveis ou importantes” para o exercício de atividade econômica como um todo e não somente os gastos do processo produtivo.

Inclusive, o próprio CARF acolhe essa tese, a exemplo do entendimento fixado pela Câmara Superior ao consignar que “os serviços de marketing, propaganda e publicidade podem subsumir-se ao conceito de insumo aptos a gerar créditos das contribuições parafiscais desde que seja demonstrada e provada a essencialidade, relevância e a sua insuprimibilidade para o desempenho da atividade”

De concluir que o conceito de insumo deve ser analisado para além da cadeia produtiva, ou seja, enquadra-se no conceito de insumo tudo que seja utilizado, empregado ou consumido, ainda que indiretamente, no desenvolvimento da atividade empresarial.⁴

Recentemente, diante do posicionamento do STF, do STJ e do CARF, a Receita Federal precisou rever seu entendimento. Apesar de replicar muitas disposições do Parecer Normativo Cosit nº 05/2018, a IN 2121/2022 possibilitou a tomada de crédito de bens e serviços exigidos por imposição legal e infralegal. Esse posicionamento ganha contornos importantíssimos, sobretudo na era da Big Data.

A proteção de dados na última década alcançou uma proporção inimaginável. A cultura da proteção de dados foi incentivada e o próprio Constituinte derivado a alçou à categoria de Direito Fundamental, por meio da EC nº 115/2022.

Essa alteração reflete a importância do tratamento de dados na atualidade, o que já vinha sendo referendado pelas Cortes Superiores. O STF⁵, ainda em 2020, já havia afirmado que a proteção de dados pessoais seria um direito fundamental implícito na Constituição.

Outrossim, a proteção de dados já tem guarida infraconstitucional. Inicialmente, com o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), substituído, em 2018, pela Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei 13.709/18), que regula o tratamento de dados pessoais, principalmente em meios digitais.

A LGPD obriga as empresas a adotarem um bom tratamento de dados e incentiva a criação da cultura da proteção de dados. A adequação à LGPD obrigou as empresas a alterarem suas rotinas e protocolos operacionais e administrativos, que, embora não sejam diretamente ligadas ao seu objeto social, são imposições legais e demonstram serem essenciais e relevantes à atividade empresarial.

Tal obrigação culminou em despesas necessárias, como medidas organizacionais e de segurança para o compliance. Ou seja, a lei obrigou as empresas a instituírem regramentos internos e a investirem dinheiro para o bom cumprimento das determinações legais.

Ademais, a LGPD gera impactos nos negócios, no momento de tratar dados dos clientes e funcionários, de fazer a portabilidade de dados e de cooperar internacionalmente, quando isso for exigido.

Por se tratar de imposição legal, os gastos de LGPD devem ser tidos como insumos e, nesse contexto, as empresas podem tomar crédito destes valores. A propósito, vale destacar um trecho do voto do Min. Mauro Cambell Marques, no julgamento do Tema 779/STJ:

“após ouvir atentamente ao voto da Min. Regina Helena, sensibilizei-me com a tese de que a essencialidade e a pertinência ao processo produtivo não abarcariam as situações em que há imposição legal para a aquisição dos insumos (v.g., aquisição de equipamentos de proteção individual – EPI). Nesse sentido, considero que deve aqui ser adicionado o critério da relevância para abarcar tais situações, isto porque se a empresa não adquirir determinados insumos, incidirá em infração à lei”.

Não bastasse a imposição legal, a adequação à LGPD por parte das empresas representa uma gigantesca vantagem competitiva, sobretudo diante do rigor internacional acerca da temática. O investimento em proteção de dados fortalece a confiança dos consumidores e parceiros comerciais e influi nas oportunidades de negócios e nas contratações públicas.

Apenas para reforçar a necessidade de considerar as despesas com adequação à LGPD como passíveis de creditamento, há no Senado Federal o projeto de lei 04/22 que modifica as Leis nº 10.637/02, 10.833/03 e 10.865/04, para possibilitar o desconto de créditos de PIS e da COFINS, na sistemática não cumulativa, sobre os investimentos contratados para adequação à LGPD, incluindo as “atividades essenciais e relevantes de assessoria e consultoria técnica, de segurança da informação e jurídica para alcance dos fins a que se destina”, bem como “atividades pedagógico-educacionais e culturais de difusão da LGPD”.

A aprovação da PL seria de grande valia, eis que proporcionaria uma maior segurança jurídica às empresas, bem como promoveria um importante incentivo para a estruturação de seus programas de governança em privacidade e proteção de dados.

Não obstante, acredita-se que o creditamento já é possível, uma vez que há imposição legal para que as empresas se adequem à LGPD, sob pena de aplicação de multa diária, o que enquadra essa despesa no conceito de insumo, pelo que indispensável ao exercício da atividade empresarial.

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¹ Tema 756/STF – RE nº RE 841.979

² Voto do Min. Toffoli – Inteiro Teor do Acórdão – Página 18 de 89

³ Acórdão nº 3302-012.005, julgado em 26/10/2021

⁴ Medeiros e França. Tema 756/STF: permanece o conceito de insumo estabelecido pelo STJ. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/378114/tema-756-stfpermanece-o-conceito-de-insumo-estabelecido-pelo-stj

⁵ ADI 6387, 6388, 6389 e 6390

⁶ Aditamento de Voto no RESP 1221170 / PR- Min. Mauro Campbell – p. 1

 

*Artigo publicado originalmente no Estadão.

Compliance trabalhista no combate ao dumping social

As relações trabalhistas sempre ensejaram debates calorosos. Todavia, é certo que todo trabalhador possui o direito fundamental ao ambiente e condições de trabalho dignas. Em análise dos acontecimentos, históricos, percebe-se uma evolução significativa nas condições de trabalho, se entre os séculos 18 e 19, as condições de trabalho eram degradantes e precárias, sem a enfadonha atuação estatal, o século 20, muito em virtude da criação da Organização Internacional do Trabalho em 1919 e Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, foi marcado pela reestruturação, ainda que parcial, das condições trabalhistas.

Ou seja, as relações trabalhistas passaram a ser vistas com novos olhares e, ainda que discutível, com mais cuidado e atenção. Não diferente, a Constituição de 1988, sobretudo no artigo 7º, trouxe avanços significativos para os direitos dos trabalhadores. Várias garantias já existentes na CLT receberam status constitucional, alguns direitos foram ampliados e outros incluídos.

Decerto que, na última década, a sociedade passou por um “boom” de modificações, tornando-a ainda mais fluída. Não diferente, as relações de trabalho não são estanques, se modificaram e, hoje, sem adentrar na temática de precarização, são altamente mutáveis.

Além disso, a sociedade passou por um processo de informatização muito acelerado. Hoje, o acesso a rede mundial dos computadores é quase uníssono. Tal modificação fez com que houvesse uma criação de um controle social, sobretudo por parte das mídias sociais.

Dito isso, as relações de trabalho, atualmente, sofrem muitas inflexões, acertadamente, em virtude do acesso à informação pela sociedade, ou seja, as relações de trabalho são facilmente, sejam elas positiva ou negativa, expostas à sociedade, o que pode gerar benefícios ou prejuízos, mormente no âmbito empresarial.

Recentemente¹, em uma ação conjunta do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS) com Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal, cerca de 200 trabalhadores foram resgatados de um alojamento e, segundo a informação, estariam sujeitos a situações degradantes de trabalho, o que, de acordo com o MPT-RS, estariam os trabalhadores em condições análogas à escravidão.

A notícia, per si, já é preocupante. Ocorre que, certamente, haverá desdobramentos, sobretudo para as vinícolas que haviam contratado a empresa acusada de submeter os trabalhadores àquela situação.

Tal situação não é algo isolado, somente em 2022, segundo informações do portal da inspeção do trabalho², 2575 trabalhadores foram encontrados em condições análogas à escravidão.

Diante disso, é importante entender os reflexos para o mundo empresarial e os possíveis riscos paras empresas de situações semelhantes ao que ocorrera no estado do Rio Grande do Sul. Conforme já relatado, a atual estrutura social é marcada pela globalização e com isso, pelo aumento dos riscos aos quais são submetidas as pessoas. Por certo, entende-se que as pessoas jurídicas são ainda mais sujeitas aos riscos de uma sociedade globalizada.

Muito em virtude disso, há uma crescente necessidade da implementação de um programa de compliance³. A procura das empresas por instituir um programa eficaz decorreu, em grande parte, das possíveis sanções da Lei nº 12.846/2013 — “Lei Anticorrupção”.

Percebe-se que, na seara trabalhista, em virtude da proteção ao trabalhador e do clamor social, a instituição do sistema de compliance deixa de ser uma faculdade para ser uma obrigação.

Em um sistema bem delineado e alinhado, a empresa consegue, a priori, prever e evitar diversas situações que sejam passíveis de autuações. É possível, por exemplo, avaliar os riscos nas contratações, realizar de auditorias, elaborar de código de ética e de conduta, instituir de canais de denúncia, dentre outras medidas preventivas.

Essa atuação preventiva é de suma importância no ramo empresarial, mormente em situações como a deflagrada pelo MPT-RS. Utilizando o caso concreto de trabalho em condição análoga à escravidão, as implicações podem ocorrer em várias searas.

Não se discute o direito do trabalhador à proteção especial, ante sua vulnerabilidade. A intenção do constituinte era propiciar um trabalho digno, em virtude da proteção à dignidade humana.

Para que direito ao trabalho digno seja assegurado, segundo Sepúlveda e Rocha:

“é necessário que a atividade seja devidamente regulamentada e sobre esta incidam as normas internacionais, constitucionais e infraconstitucionais — garantindo o direito à remuneração que promova a existência do trabalhador e sua família, o direito à segurança e higiene no trabalho, a proteção ao trabalho e emprego, a limitação razoável das horas de trabalho, entre outras garantias que assegurem a integridade físico-psíquica do trabalhador.” ⁴

A não caracterização de um trabalho digno, exsurgem três reflexos às empresas que merecem especial atenção. O primeiro reflexo é o dumping social. Essa prática pode ser conceituada em:

“[…] um fenômeno sócio-trabalhista que emerge na conjuntura global atual, na qual as empresas e os empregadores, tendo por finalidade precípua a maximização dos lucros e a minimização dos custos da produção, passam, de maneira inescusável e reincidente, a descumprir as obrigações legais trabalhistas e preceitos fundamentais garantidores das relações de emprego.”

Em síntese, o dumping social seria uma prática das empresas que, mediante o descumprimento de obrigações trabalhistas, conseguem promover uma concorrência desleal, já que minimizam os custos e maximizam os lucros.

A Justiça Trabalhista vem utilizando este conceito para afirmar que reiteradas transgressões aos direitos trabalhistas reverberam para além da esfera individual. Assim sendo, seria possível o arbitramento de danos de natureza coletiva. Ou seja, a ausência de um programa de compliance trabalhista pode ensejar uma condenação bem superior que a simples reclamação trabalhista, já que o dano pode ser coletivo.

O segundo reflexo é o da responsabilização da cadeia produtiva. Sem se pretender esgotar esta temática, há fortes argumentos que levam a conclusão de que as empresas podem ser responsabilizadas subsidiaria ou solidariamente pelas infrações e débitos trabalhistas.

À guisa de exemplificação, respeitável doutrina justifica a responsabilização da cadeia produtiva pelo conceito de subordinação estrutural é, pois, “a subordinação que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento.”

Melhor dizendo, ainda que o tomador de serviços não dê o comando direto ao trabalhador, pode haver um modus operandi estabelecido pela empresa contratante e a terceirizada, o que ensejaria a responsabilização.

Há quem justifique a responsabilização das empresas contratantes pela teoria da cegueira deliberada, importada do Direito Penal⁷. Segundo essa teoria, é responsável pelo ilícito aquele que se omite quanto a um dever de razoável cautela.

Tal teoria pode ser utilizada para responsabilizar as empresas⁸ que, a despeito de não participarem diretamente do ilícito laboral, atuam de forma indiferente na contratação de outras prestadoras de serviços.

A realidade é que, independentemente da teoria adotada, as empresas poderão ser responsabilizadas pelas suas contratações. Apesar de haver um embate acerca da subsidiariedade ou solidariedade dessas empresas, a formalização de um programa eficiente de compliance é medida impositiva, a fim de minimizar os danos às empresas.

Por fim, não menos importante, os ilícitos laborais são prejudiciais à imagem e reputação da empresa. O descumprimento de preceitos laborais, sejam eles internacionais ou nacionais, estão sendo repudiados, sobretudo quando violam padrões socialmente aceitos, como a vedação à escravidão.

Ser atrelado ao trabalho escravo, por exemplo, é algo que deve trazer prejuízos à sociedade empresarial, ante sua latente reprovabilidade social, o que poderá resultar na redução da venda de seus produtos e serviços, mormente diante da rápida difusão da informação.

Outrossim, algumas condutas que ultrapassam o simples ilícito laboral, como a sujeição de seus trabalhadores a condições análogas à escravidão, ensejam a inclusão na “lista suja” com um cadastro de empregadores que exploram trabalhadores em condições de escravidão moderna. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou acerca da constitucionalidade da referida lista, quando do julgamento da ADPF 509⁹.

Diante de tudo isso, as empresas necessitam cada vez mais desenvolver e implementar programas seguros de compliance, sobretudo na seara trabalhista. O compliance se torna uma ferramenta capaz de auditar os procedimentos internos da empresa, promovendo uma transformação organizacional, bem como propicia benefícios aos trabalhadores e para própria empresa, já que poderá haver uma redução no passivo de demandas trabalhistas.

compliance é uma ferramenta importante para o controle de empresas que costumam terceirizar suas atividades, já que facilita a fiscalização de toda a cadeia produtiva, de modo que se evite problemas mais sérios, como o ocorrido nas vinícolas no Rio Grande do Sul.

Ademais, o programa de compliance promove uma maior credibilidade do ponto de vista institucional, vez que trará uma consolidação da empresa perante a sociedade em geral, o que promove um incremento perante investidores e parceiros.

É importante frisar, por fim, que o programa de compliance não impede a violação às leis trabalhistas, contudo é um valioso mitigador de problemas. Sem a pretensão de esgotar o tema, restou clara a necessidade salutar das empresas na instituição de um programa de integridade sólido e eficaz, possibilitando a mitigação de práticas ilícitas nas relações trabalhistas, o que, notadamente, reverbera em todo funcionamento da sociedade empresarial.

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¹ Força-tarefa resgata em torno de 200 pessoas em Bento Gonçalves Disponível em: https://www.prt4.mpt.mp.br/procuradorias/ptm-caxias-do-sul/11808-forca-tarefa-avalia-condicoes-de-trabalhadores-em-bento-goncalves. Acesso em: 03.03.2023

² Informação coletada em https://sit.trabalho.gov.br/radar/ Acesso em: 03.03.2023

³ “O programa de compliance consiste na criação e aplicação de políticas e procedimentos internos em uma empresa, os quais, precedidos de um estudo aprofundado da realidade pertinente, devem ser capazes de controlarem (e eliminarem, na medida do possível) os riscos de no compliance (em tradução livre, ‘não conformidade’) que atingem a empresa”. In: TRAPP, Hugo Leonardo do Amaral Ferreira..Compliance Na Lei Anticorrupção: Uma Análise Da Aplicação Prática Do Artigo 7º, VIII, Da Lei 12.846/2013 . Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1237. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/trabalhosacademicos/3421/compliance-leianticorrupcao-analise-aplicacao-pratica-art-7-viii-lei-12-8462013

⁴ SEPÚLVEDA, Gabriela e ROCHA, Andréa Presas. O trabalho em situação análoga à escravidão enquanto prática de gestão e seus reflexos para o mundo empresarial: os possíveis riscos para as empresas. Rev. TST, São Paulo, vol. 86, nº 3, jul/set 2020. P.202

⁵ ARAÚJO, Aline de Farias. A Necessária Repressão da Justiça do Trabalho aos casos de Dumping Social. In: Revista da ESMAT 13. Ano 4, vol. 4, 2011, p. 18 e segs. Disponível em: https://www.amatra13.org.br/arquivos/revista/REVISTA%20DA%20ESMAT%2013%20ANO%204%20N%204%20OUT%202011[PARA%20IMPRESS%C3%83O%20COM%20302%20PAGINAS].pdf

⁶ DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do Trabalho. 9ª ed. São Paulo: Ltr, 2010. p.305.

⁷ A teoria da cegueira deliberada, ou instruções de avestruz (ostrich instructions), consiste em instituto do direito criminal que, por meio da ampliação do espectro conceitual de autor e partícipe de delitos, possibilita a responsabilização criminal daqueles que, deliberadamente, evitam o conhecimento sobre o caráter ilícito do fato para o qual concorrem, ou acerca da procedência ilícita de bens adquiridos ou movimentados. In: Soares, J. O. (2019). A teoria da cegueira deliberada e sua aplicabilidade aos crimes financeiros. Revista Acadêmica Escola Superior Do Ministério Público Do Ceará11(2), 109–128. https://doi.org/10.54275/raesmpce.v11i2.91

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CONDIÇÕES ANÁLOGAS ÀS DE ESCRAVO 1. Ao contratar empresa inidônea, que mantém empregados em condições de trabalho análogas às de escravo mediante pacto no qual a redução de custos figura como objetivo a ser atingido, a tomadora de serviços torna-se coautora do ilícito cometido por aquela. 2. Tais circunstâncias atraem sua responsabilidade solidária pelos prejuízos causados, à luz do art. 942 do Código Civil. 3. Agravo de instrumento da Reclamada de que se conhece e a que se nega provimento” (AIRR-1345 20.2010.5.02.0050, 4ª Turma, relator ministro Joao Oreste Dalazen, DEJT 09/06/2017).

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL — CABIMENTO — SUBSIDIARIEDADE. A adequação da arguição de descumprimento de preceito fundamental pressupõe inexistência de meio jurídico para sanar lesividade — artigo 4º da Lei nº 9.882/1999. PORTARIA — CADASTRO DE EMPREGADORES — RESERVA LEGAL — OBSERVÂNCIA. Encerrando portaria, fundamentada na legislação de regência, divulgação de cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condição análoga à de escravo, sem extravasamento das atribuições previstas na Lei Maior, tem-se a higidez constitucional. CADASTRO DE EMPREGADORES — PROCESSO ADMINISTRATIVO — CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA — OBSERVÂNCIA. Identificada, por auditor-fiscal, exploração de trabalho em condição análoga à de escravo e lavrado auto de infração, a inclusão do empregador em cadastro ocorre após decisão administrativa irrecorrível, assegurados o contraditório e a ampla defesa. CADASTRO DE EMPREGADORES — NATUREZA DECLARATÓRIA — PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. Descabe enquadrar, como sancionador, cadastro de empregadores, cuja finalidade é o acesso à informação, mediante publicização de política de combate ao trabalho escravo, considerado resultado de procedimento administrativo de interesse público”. (ADPF 509, relator: MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-242 DIVULG 02-10-2020 PUBLIC 05-10-2020).

 

*Artigo publicado originalmente no ConJur.

Regime de Drawback: inclusão de serviços e alteração das regras de concessão e controle

Em 05/09/2022, foi publicada a Lei nº 14.440/2022 que, dentre outras disposições, autoriza, a partir de janeiro de 2023, a inclusão de serviços no regime aduaneiro de Drawback, o que indubitavelmente beneficiará o mercado interno, tornando os produtos brasileiros mais competitivos no exterior.

A lei em comento modificou a redação da Lei nº 11.945/2009, incluindo em seu bojo o artigo 12-A, que autoriza a suspensão do PIS/COFINS e do PIS/COFINS-Importação na contratação no mercado interno ou na importação dos 16 serviços abaixo listados, desde que estejam direta e exclusivamente vinculados à exportação ou entrega no exterior de produto resultante da utilização do regime aduaneiro de Drawback, na modalidade suspensão. São eles:

I. serviços de intermediação na distribuição de mercadorias no exterior (comissão de agente);

II. serviços de seguro de cargas;

III. serviços de despacho aduaneiro;

IV. serviços de armazenagem de mercadorias;

V. serviços de transporte rodoviário, ferroviário, aéreo, aquaviário ou multimodal de cargas;

VI. serviços de manuseio de cargas;

VII. serviços de manuseio de contêineres;

VIII. serviços de unitização ou desunitização de cargas;

IX. serviços de consolidação ou desconsolidação documental de cargas;

X. serviços de agenciamento de transporte de cargas;

XI. serviços de remessas expressas;

XII. serviços de pesagem e medição de cargas;

XIII. serviços de refrigeração de cargas;

XIV. arrendamento mercantil operacional ou locação de contêineres;

XV. serviços de instalação e montagem de mercadorias exportadas; e

XVI. serviços de treinamento para uso de mercadorias exportadas.

Para gozar do benefício, é preciso que seja efetuada habilitação específica junto à Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia – SECINT.

Cumpre destacar que a utilização do Drawback nestas situações depende de regulamentação conjunta da SECINT e da Receita Federal do Brasil, o que não ocorreu até o presente momento.

Além disso, em 09/09/2022, foi publicada a Portaria Conjunta SECINT/RFB nº 76 que, além de revogar as Portarias Conjuntas anteriores (467/2010 e 3/2010), traz em seu bojo alterações importantes no que se refere ao Regime de Drawback nas modalidades suspensão e isenção.

Dentre as novidades introduzidas, destacam-se as seguintes:

As empresas enquadradas no “SIMPLES NACIONAL” poderão utilizar o regime de Drawback tanto na modalidade de suspensão quanto isenção, para a aquisição de mercadorias a serem aplicadas na produção de bens que serão exportados (arts. 4º, §1º, I e 20, §1º). Vale ressaltar que o referido benefício não pode ser utilizado na aquisição de mercadorias no mercado interno (art. 4, §1º, II e art. 22, Parágrafo único);

Os benefícios do regime de Drawback (suspensão e isenção), não se aplicam às mercadorias a serem utilizadas na industrialização de produtos destinados ao consumo na Zona Franca de Manaus e em áreas de livre comércio localizadas no território nacional (arts. 4º, §1º, V e 20, § 3º, I);

Ainda que a SECEX se manifeste no sentido de que houve o encerramento adequado do regime, a RFB terá a prerrogativa de impor penalidades e multas se entender que houve descumprimento do referido regime (art. 3º, Parágrafo Único);

Os benefícios poderão ser aplicados por beneficiários do regime que figurem como adquirentes na importação por conta e ordem, estando vedada a sua aplicação na importação por encomenda (arts. 9º e 27);

É permitida a industrialização sob encomenda na importação e aquisição no mercado interno tanto no regime de suspensão quanto de isenção, desde que a mercadoria encaminhada para industrialização retorne para a empresa beneficiária, que deverá proceder com a exportação (arts. 10 e 28);

A exportação considera-se efetivada tanto na exportação direta quanto na venda no mercado interno com o fim específico de exportação para as empresas comerciais exportadoras – ECE (arts. 12, §1º e 29);

As “exportações fictas” (aquelas entendidas como exportação documental da mercadoria, uma vez que não há efetiva saída do produto do território nacional) e as exportações por conta e ordem de terceiros podem ser computadas para fins de adimplemento do compromisso de exportar, na modalidade suspensão (art. 12, §§ 2º e 3º); e

É permitida a transferência de titularidade do ato concessório para as empresas que passaram por fusão, incorporação ou cisão, devendo ser requerida a referida transferência no Portal Único do Siscomex (arts. 19 e 34).

Outro ponto importante diz respeito à regularidade da empresa beneficiária, sendo exigido o cumprimento dos seguintes requisitos:

a) Comprovação da regularidade fiscal da empresa;

b) Não poderá compor o quadro societário da empresa sócio majoritário que tenha sido condenado por ato de improbidade administrativa;

c) Não poderá estar inscrita no CADIN;

d) Estar regular perante o FGTS;  e

e) Não poderá possuir registro ativo no CNEP derivado da prática de atos lesivos à administração pública, seja nacional ou estrangeira.

Da leitura da norma em comento, é possível perceber que, além da preocupação com o compliance das operações acobertadas pelo Drawback, ela também visa a simplificar as operações de exportação, a fim de fomentar o mercado interno.

 

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Políticas de prevenção à lavagem de dinheiro para o mercado regulado

O combate ao delito de lavagem de dinheiro¹ ocorre através de diversos mecanismos previstos em tratados internacionais e também pela legislação brasileira. Dentre eles, está a regulação dos chamados gatekeepers (torres de vigia), pessoas jurídicas ou físicas que, diante da atuação em setores mais propensos a terem seus serviços utilizados para o cometimento do delito, estão reguladas pelo poder público e obrigadas a comunicarem transações suspeitas em suas operações. O rol de pessoas obrigadas está previsto no artigo 9º da Lei 9.613/1998.

Nesse contexto, importa ressaltar que, dada a internacionalização das operações financeiras e comerciais, a lavagem de dinheiro passou a ser cometida por organizações criminosas transnacionais e pessoas de diferentes países. Por isso, desde os anos 1990, a comunidade internacional se debruçou sobre o tema e desenvolveu diretrizes para que os países adotem mecanismos de prevenção, através de convenções internacionais das quais o Brasil é signatário² e do Grupo de Ação Financeira (Gafi/FATF)³.

No ano de 2012, o Gafi disponibilizou as 40 Recomendações Internacionais para o combate à lavagem de dinheiro⁴. Durante o desenvolvimento das estratégias, ficou evidente que seria necessária a cooperação dos setores privados com o poder público para que fossem construídos mecanismos efetivos de prevenção de lavagem de dinheiro pelos países. Assim constrói-se a ideia do setor privado contribuindo com o setor público no combate à lavagem.

No mesmo ano, a Lei de Lavagem de Dinheiro no Brasil sofreu alterações que acompanharam o movimento internacional liderado pelas recomendações do Gafi. Das diversas atualizações, introduzidas no ordenamento jurídico pela Lei 12.683/2012, destaca-se que o rol de pessoas que são obrigadas a reportar foi ampliado, bem como extinguiu-se o rol taxativo de crimes antecedentes.

Dessa forma, constam na lei pessoas jurídicas e físicas que, em caráter permanente ou eventual, em atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, atuam em diversos setores, como o financeiro, de câmbio e valores mobiliários, de atividades imobiliárias, ou compra e venda de imóveis; de intermediação de artigos luxo e negócios em espécie; de comercialização de joias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antiguidades, de bens de luxo ou alto valor; de intermediação, comercialização ou de atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie; que comercializam bens de alto valor de origem rural ou animal ou intermedeiem a sua comercialização; as juntas comerciais e os cartórios de registros; serviços de assessorias relacionados a setores específicos, entre outros que devem reportar, aos órgãos reguladores, transações comerciais suspeitas.

Também são reguladas as pessoas físicas e jurídicas que têm dependências no exterior e matriz no Brasil, no que se refere aos clientes residentes no país, bem como empresas e as pessoas que representem no Brasil, de qualquer forma, setores regulados pelo artigo 9º. Cada um dos setores sensíveis é regulado e obrigado ao reporte para um órgão fiscalizador competente ou, caso seja inexistente, para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)⁵.

A lei prevê os requisitos mínimos que as pessoas obrigadas e setores regulados devem cumprir, mormente em consonância com as Recomendações do Gafi, quais sejam: comunicarem as transações de operações ao Coaf; identificarem adequadamente seus clientes, baseados no princípio “know your client” — uma série de procedimentos que devem ser implementados para a confirmação de identidade do cliente; o seu beneficiário final; a idoneidade de sua operação a partir da natureza de suas atividades, além de permitirem que sejam realizadas as análises de riscos para aplicação de medidas mais altas de verificação, caso seja necessário.

A lei também determina que os setores devem manter os registros de todas as transações financeiras, bem como monitorá-las, de forma que seja possível acompanhar quando uma operação suspeita for detectada. A partir daí, mecanismos para remediação devem ser implementados, como investigações internas para análise efetiva de confirmação da suspeita da operação e, se for o caso, bloqueio do cliente e comunicação ao Coaf. Para que as políticas e os procedimentos sejam de fato efetivos, é necessário não só o apoio da alta direção, como também o acompanhamento rotineiro das atividades de PLD pelo board da companhia.

O legislador não esgotou o tema e nem deveria. Políticas e programas de prevenção à lavagem de dinheiro, tais quais as demais políticas do sistema de compliance, devem observar as peculiaridades do setor econômico em que atuam, bem como as singularidades dos serviços prestados e da sociedade envolvida.

Nesse âmbito, cumpre notar que a recomendação do Gafi, adotada pelos órgãos regulatórios brasileiros, é de que o combate à lavagem de dinheiro seja construído em uma abordagem baseada em riscos, que tem como princípio elevar a exigência das medidas adotadas quando os riscos forem mais altos, em contrapartida à adoção de medidas mais simplificadas, quando detectados riscos mais baixos. O entendimento é de que tal abordagem torna o procedimento mais eficaz.

Ressalta-se que as pessoas obrigadas não irão responder civil ou criminalmente pela comunicação efetuada de boa-fé, ainda que, ao final da análise, as transações comunicadas não caracterizem delito, mas é imprescindível que reportem, uma vez que o não cumprimento com suas obrigações pode levar à aplicação de sanções administrativas, previstas no artigo 12 da lei, a saber: advertência, multas, inabilitação temporária pelo prazo de até dez anos para o exercício da função ou cargo das pessoas referidas no artigo 9º e cassação ou suspensão de autorização para exercer a atividade.

Por este motivo, é importante que as companhias olhem para o setor em que atuam e analisem internamente a companhia, para compreenderem se são reguladas pela Lei de Lavagem de Dinheiro e, caso a resposta seja afirmativa, tomarem as medidas adequadas e necessárias para estarem em conformidade com a lei e com as políticas públicas aplicadas ao tema.

Neste contexto, frisa-se que as políticas de compliance anticorrupção também são um bom meio de se estar em conformidade com as políticas de prevenção à lavagem. Isso porque, segundo o relatório de Avaliação Nacional de Risco de Lavagem de Dinheiro, publicado pelo Coaf em 2021⁶, bem como o relatório anual de monitoramento de países do Departamento de Estado dos EUA⁷, a maior parte dos valores que originam a prática de lavagem de dinheiro, no Brasil, são frutos do crime de corrupção, seguidos dos delitos de contrabando de pessoas e tráfico de drogas, armas e produtos falsificados.

Nesta esteira, a implementação de bons programas de compliance torna-se cada vez mais necessária, ainda mais após o advento da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), que prevê a necessidade de as empresas que atuam no Brasil adotarem políticas e programas eficazes e eficientes no combate à corrupção pública, inclusive para eventual análise de multa em caso de acordo de leniência.

Da mesma forma, as legislações internacionais, tais como Foreing Corrupt Practice Act (FCPA) e a UK Bribery Act 2010, também estimulam a adoção de programas robustos de compliance anticorrupção.

Nesse aspecto, é importante destacar que o tema tem estrita conexão com as boas práticas em governança corporativa. Diante dos escândalos de corrupção pública e política que assolaram o Brasil nos últimos anos, as consequências para a imagem e reputação das empresas, ao se depararem com os seus nomes atrelados a delitos, ainda que não diretamente, podem ser nefastas. A confiança do investidor tende a cair, bem como do público externo e demais stakeholders, e o desgaste é inevitável diante da necessidade de ter de justificar-se à sociedade e até mesmo sofrer eventual processo judicial ou administrativo.

Assim, a adoção de medidas de prevenção à lavagem de dinheiro, bem como o acompanhamento das políticas de prevenção à lavagem pela alta administração das companhias, contribui para a construção de um ambiente corporativo ético e em consonância com as leis, no qual é adotada uma cultura de prevenção e mitigação de riscos, tanto internos como aqueles atrelados à possibilidade de má utilização de seus serviços, reduzindo-se drasticamente os riscos reputacionais das companhias.

Diante de todo o exposto, vê-se que os setores regulados, que estão obrigados por lei a cooperarem com a prevenção à lavagem de dinheiro, têm fundamental participação no combate ao delito. Bons programas de prevenção podem mitigar riscos de imagens e reputacionais, atribuir operações em conformidade com a lei, além de contribuir para a construção de um ambiente de negócios em consonância com a ética e com as boas práticas de governança corporativa.

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¹ Lavagem de dinheiro é o mecanismo utilizado por indivíduos para inserir, no sistema econômico, valores originados de atividades ilícitas, através de um conjunto de operações financeiras e comerciais, nacionais e transnacionais. O processo ocorre através de três etapas: (1) colocação; (2) ocultação e (3) integração.

² Convenção de Viena para o Combate ao Tráfico de Drogas; Convenção de Palermo para o combate ao Crime Organizado; Convenção de Mérida para combate à Corrupção e demais dispositivos internacionais.

³ O Gafi/FAFT, é o organismo fundado em 1989, integrado por mais de 200 países e que tem o objetivo de aperfeiçoar as práticas de combate à lavagem de dinheiro e os grupos regionais que se dedicam ao tema.

⁴ GAFI; “Padrões Internacionais de Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo e Proliferação” — Gafisud – Portuguese — disponível em: https://www.fatf-gafi.org/media/fatf/documents/recommendations/pdfs/FATF-40-Rec-2012-Portuguese-GAFISUD.pdf

⁵ O Coaf é a Unidade de Inteligência Financeira do Brasil, que tem como competência, além da regulação de determinados setores sensíveis, que não possuem órgão regulatório próprio, compilar e analisar as informações financeiras comunicadas e expedir os Relatórios de Informações Financeiras (RIF), compartilhando-os com os órgãos competentes para analisarem os indícios de delito e, se o caso, instaurarem investigação criminal.

⁶ Disponível em: https://www.gov.br/coaf/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/avaliacao-nacional-de-riscos/sumario_executivo-avaliacao-nacional-de-riscos.pdf/view

⁷ United States, Department of State; INSCR — International Narcotics Control Strategy Report, Vol. II, Money Laundering, 2021, disponível em: https://www.state.gov/wp-content/uploads/2021/02/21-00620-INLSR-Vol2_Report-FINAL.pdf

 

*Artigo publicado originalmente no ConJur.

Minimercado em condomínios: nova realidade, mesmos entraves

A importância da evolução das regras tributárias para o varejo e os minimercados em condomínios

Não é novidade que as empresas, especialmente aquelas relacionadas ao comércio de produtos, têm tentando cada vez mais se aproximar dos consumidores finais. Nesse sentido, grandes varejistas têm aberto centros de distribuições pelo país com o intuito de cumprir prazos de entrega muitas vezes inimagináveis.

As empresas especializadas em delivery também têm se esforçado para entregar produtos em tempo recorde e, para isso, criam pequenos estoques locais ou utilizam estabelecimentos próximos das regiões de entrega.

Dentre tais inovações que visam a proximidade com o consumidor final, estão os minimercados em condomínios. Por meio dessa estratégia, as empresas (muitas vezes start ups) negociam com os condomínios (de casas, empresas, apartamentos etc.) para a instalação de algumas gondolas em espaços até então não utilizados, para a disponibilização de produtos básicos de higiene, alimentos e até algumas bebidas ou refeições prontas. Inclusive, o referido modelo de negócio foi impulsionado pela pandemia mundial da COVID-19.

O consumidor, por sua vez, tem a facilidade de não precisar sair de casa para adquirir essas mercadorias, disponíveis 24h por dia 7 dias por semana, e pode realizar o check out (pagamento) por conta própria no ponto de venda disponibilizado também pelo operador do minimercado, com a utilização de cartões, QR Codes, PIX ou wallets.

Em alguns casos, esses minimercados até repassam uma parte da receita aos condomínios, como forma de incentivar a contratação.

As empresas que operam os minimercados, como dito, são normalmente start ups, com margens apertadas e pouco poder de barganha para negociar a aquisição dos produtos que serão vendidos nos condomínios (ainda que estejam em plena expansão). Assim, qualquer entrave, seja burocrático, financeiro ou tributário, por menor que seja, pode inviabilizar a operação que facilita a vida de todos.

Nesse sentido, é de senso comum que a legislação tributária não acompanha o desenvolvimento da sociedade e da tecnologia, muitas vezes dificultando ou mesmo inviabilizando a criação de novos negócios. É justamente isso que vem acontecendo com o caso dos minimercados em condomínios.

De acordo com o inciso II, do § 3º, do artigo 11, da Lei Complementar nº 87/96 (que dispõe sobre as regras gerais do ICMS), cada estabelecimento do mesmo titular é considerado autônomo.

Mais do que isso, o regulamento do ICMS do estado de São Paulo, Decreto nº 45.490/00 (e em grande parte, dos demais estados também possuem legislação nesse sentido), determina que o comerciante que pretenda realizar com habitualidade a circulação de mercadorias fica obrigado a se inscrever no cadastro de contribuintes paulista, de acordo com cada um dos estabelecimentos.

Com base nessas regras, cada minimercado nos condomínios precisaria ter uma inscrição estadual própria. Ora, como uma start up, do ponto de vista prático e operacional, poderia cadastrar e gerenciar tal inscrição para cada um dos minimercados instalados nos condomínios? Tal exigência gera gastos exorbitantes para o contribuinte, sem falar nas medidas de compliance envolvendo a entrega de obrigações acessórias, como a EFD-ICMS/IPI.

Mas é justamente isso que a Secretaria da Fazenda de São Paulo espera do contribuinte. Por meio das soluções de consulta nº 24015/2021, de 20 de julho de 2021 e 22596/2020, de 16 de dezembro de 2020, o fisco paulista manifestou entendimento no sentido de que os minimercados são autônomos entre si e devem ter inscrição estadual própria.

Além disso, o estado também afastou a possibilidade de aplicação das regras das Portarias CAT 38/02 e 92/20, que dispõem sobre as operações por meio de vending machines, que são aquelas máquinas em que o consumidor insere a cédula ou passa o cartão e pega o produto escolhido. Por meio dessas Portarias, os locais onde as empresas instalam tais máquinas ficam dispensados de inscrição no Cadastro de Contribuintes do ICMS, o que facilita muito a operação. Inclusive, vale mencionar que as referidas Portarias demoraram anos para serem publicadas em São Paulo e ainda existem estados que nem regulamentação sobre o tema têm.

Ainda, tais Portarias facilitam o fluxo de notas fiscais nesses casos, já que o contribuinte fica dispensado da entrega de documento fiscal no momento da operação de venda ao consumidor final, por meio das máquinas automáticas, desde que mantenha, em local visível, um meio de contato para que o consumidor, se assim desejar, possa solicitar o envio do respectivo documento fiscal relativo à operação realizada.

Qual seria a justificativa para que tais previsões não sejam estendidas aos mini mercados? A ideia é essencialmente a mesma, sendo que as vending machines já nem são tão populares. As únicas diferenças são que há mais opções de produtos e que estes são dispostos em gondolas.

O fisco repassa ao contribuinte uma obrigação que pode impossibilitar o negócio, obrigando-o a requerer muitas vezes um regime especial ao estado que pode ou não ser concedido e que também gera custos desnecessários para a empresa.

Se o contribuinte opera sem o regime especial, e sem observar o fluxo de notas fiscais esperado pelo fisco, ou se deixa de requerer inscrição estadual, estará sujeito a penalidades pesadíssimas. Mais ainda, no momento em que essas operações escalarem, inclusive com operações interestaduais, a falta de uma regulamentação pode gerar problemas ainda piores.

Tendo em vista o exposto, é nítido que ao invés de impedir ou de dificultar a criação de novos negócios, o fisco deveria incentivá-los, estimulando a economia e inclusive aumentando a sua arrecadação. Já existem mecanismos que viabilizam tais operações, como as Portarias mencionadas, de modo que o contribuinte não pode aguardar mais 20 anos para que as operações dos minimercados ocorram de maneira mais segura e orgânica.

 

*Artigo postado originalmente no JOTA.

Preços de transferência no Brasil e as diretrizes da OCDE

Com o crescente aumento da globalização das empresas multinacionais e o exponencial desenvolvimento do comércio internacional no decorrer do século passado, foi criado, já em 1979 pelos Estados Unidos da América, e mais tarde por grande parte dos países ocidentais, um conjunto de regras denominadas “preços de transferência”, que têm por objetivo desencorajar o superfaturamento de importações e o subfaturamento de exportações de/para empresas de um mesmo conglomerado econômico, evitando-se a transferência de lucros para jurisdições com menor carga tributária e, em última análise, evitando-se a famigerada “dupla não tributação”.

No caso brasileiro, é notório que as regras locais de preços de transferência, datadas de 1996, são, se não o maior, certamente um dos maiores entraves à ascensão do país à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – a famosa OCDE, também conhecida como o “clube de boas práticas dos países ricos”.

Mas quais seriam os principais problemas dessa legislação no Brasil? A título ilustrativo, temos: a prevalência de margens fixas de lucro para cálculo do preço parâmetro (ignorando-se a realidade dos setores da economia); a complexidade dos cálculos (cálculo “produto a produto”, ou seja, por item importado/exportado); o foco em mercadorias (em detrimento dos chamados “intangíveis”); a ausência de menção expressa ao princípio “arm’s length”; o desalinhamento com os métodos internacionais (ausência de TNMM e de “profit split”); a livre escolha dos métodos; o escopo objetivo reduzido (apenas “bens, serviços e direitos”, sem contemplar reestruturação ou cost sharing); o escopo subjetivo ampliado (distribuidores, paraísos fiscais); o safe harbor limitado às exportações; e a ausência de APAs (Advanced Price Arrangements) e a insipiência de MAPs (Mutual Agreement Procedures), apenas para citar uma dezena.

É claro que o alinhamento com o padrão OCDE passa necessariamente por uma medida de simplificação dos cálculos (idealmente apenas um cálculo por pessoa jurídica, e não por item importado/exportado), sendo a simplicidade bem vinda tanto para os contribuintes como para o próprio fisco.

Outra medida de alinhamento é o afastamento do foco em mercadorias e a concentração de esforços nos serviços, intangíveis e itens financeiros, cujos preços são mais passíveis de transferência a outras jurisdições, sem falar na inegável tendência de digitalização da economia global nos dias atuais.

Frise-se, ainda, a conveniência da adoção de safe harbors para os casos de falta de comparáveis, o que consequentemente implica em uma desejável redução de custos de compliance.

Neste contexto, não podemos ignorar os esforços da Receita Federal do Brasil para o aprimoramento das regras brasileiras de preços de transferência, tendo participado de um grupo de trabalho conjunto com a OCDE desde 2018, o conhecido “Projeto Preços de Transferência OCDE-Brasil”, que culminou com a divulgação oficial de um extenso relatório em reunião ocorrida em Brasília no último dia 18 de dezembro de 2019, na qual estiveram presentes servidores da Receita Federal, representantes do Ministério da Economia, funcionários da OCDE, representantes de multinacionais interessadas no assunto, pessoas ligadas ao setor acadêmico bem como representantes diplomáticos de alguns países, tais como Inglaterra e Espanha.

Nota-se que a participação massiva de importantes e diversificados setores da sociedade civil só vem a confirmar a premente importância do tema, que há tempos tem se mostrado um grande obstáculo ao desenvolvimento do Brasil no comércio internacional.

Referido relatório tem por objetivo compilar as lacunas, as divergências, as realizações e os avanços relacionados ao Brasil no que tange aos preços de transferência frente ao padrão internacional e às diretrizes da OCDE, recomendando, ao final, o alinhamento das práticas e a correção das distorções.

A ideia e o grande desejo dos profissionais e estudiosos do assunto é que tal documento sirva, em um futuro próximo, como a base para um projeto de lei que, definitivamente, venha a alterar as regras brasileiras de transfer pricing, de modo a finalmente alinhar o padrão brasileiro à prática internacional.

Cumpre salientar que os principais objetivos deste alinhamento são, em uma primeira análise, tornar o país mais competitivo e com um ambiente negocial mais amigável, reduzir custos de conformidade, evitar a dupla tributação (bem como a dupla não tributação) e atrair investimentos externos, com todos os benefícios indiretos deles decorrentes, como, por exemplo, a geração de empregos, o aumento de receita tributária e o crescimento da economia como um todo, sendo que a adesão do país à OCDE, que é um processo altamente político e que depende de outros fatores alheios ao campo tributário, muito possivelmente viria a reboque, trazendo incomensuráveis benefícios ao Brasil do ponto de vista do comércio internacional.

 

*Artigo originalmente postado no Jornal O Estado de S. Paulo

Realidade do Compliance hoje e sua evolução após a vigência da Lei Anticorrupção brasileira

O Sucesso na implantação de um programa de integridade e na adoção de práticas de conformidade que buscam reduzir os diversos riscos aos quais se encontram submetidos uma empresa deve ser regido por regras e orientações de conduta próprias

A Lei Anticorrupção brasileira (Lei nº 12.846/13) completa seus 6 anos de vigência e com o decorrer de sua consolidação em nosso ordenamento jurídico (foi regulamentada em 2015 pelo Decreto 8.240/15), verifica-se que é cada vez maior a busca e a adesão das empresas brasileiras pela implantação dos mecanismos de integridade (programas de compliance), tal como citado na referida legislação, de forma que se tornem cada vez mais sustentáveis e preparadas para os riscos e desafios do mundo corporativo.

Não só as grandes corporações, muitas dessas já engajadas em programas de integridade e com estruturas de compliance consolidadas dada a origem de suas matrizes (tais como, por exemplo, as que já aplicavam o Foreign Corrupt Practices Act – FCPA e o UK Bribery Act), mas também as pequenas e médias empresas (PMEs) vêm aperfeiçoando ou mesmo implantando programas de integridade, estabelecendo um conjunto de procedimentos internos buscando evitar, detectar e sanar a prática de desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos em geral por seus administradores, empregados e representantes, contra a administração pública, bem como por seus fornecedores e prestadores de serviços, além de adotar sistemas internos que contemplam o cuidado e a fiscalização do atendimento às normas em geral, a estrutura de governança e o arcabouço ético da organização, preservando seus valores fundamentais em seu dia a dia.

A adoção dessas medidas, vale ressaltar, não só cria um ambiente de transparência e sustentabilidade nas empresas, como também proporciona tanto a prevenção da ocorrência de ilicitudes previstas nas normas cogentes, como a atenuação das penalidades impostas pela lei, caso ocorra uma ilicitude pontual.

De acordo com a pesquisa realizada pela International Chamber of Commerce – Brasil (ICC Brasil) em parceria com a Deloitte, a qual versa sobre a Integridade corporativa no Brasil – Evolução do compliance e das boas práticas empresariais nos últimos anos, abordando o estágio evolutivo das empresas que atuam no País em relação a adoção de prática de compliance, anticorrupção e promoção da integridade corporativa, destaca-se os seguintes pontos:

“1 – O compliance evoluiu, mas tem espaço para crescer – de um modo geral as empresas apresentaram evolução consistente na adoção de práticas de compliance pesquisadas. O resultado reflete uma sofisticação do ambiente regulamentar no País, com a entrada em vigor de importantes leis (Lei Anticorrupção e a Lei de Governança em Estatais), bem como o impacto das investigações conduzidas pela operação Lava Jato. Há, no entanto, espaço para crescimento na implantação de medidas de conformidade entre as organizações, uma vez que apenas dois terços estão em fase de adoção de ao menos 15 das 30 práticas pesquisadas até 2020.

2 – Dados estatísticos do crescimento: empresas com receita menor que R$ 100MM estão promovendo um salto na adoção de práticas de compliance, mas ainda estão distantes das empresas de maior porte. Empresas de capital nacional também estão em evolução e tendem a se aproximar do patamar de empresas de capital estrangeiro ou misto:

Adoção de ao menos 15 das 30 práticas pesquisadas pelas empresas

3 – Colaboração x Conformidade: crescimento expressivo na avaliação de riscos na cadeia de fornecedores sinaliza um desafio no ecossistema de negócios, de forte cooperação entre as empresas:

Avaliam risco na cadeia de fornecedores:

4 – Controles no foco: medidas de controle se intensificam buscando ajustar seus processos a novas regulações e demandas de negócios.

Pretendem implementar em 2018-2020

5 – Políticas e processos se tornam mais formais: maior formalização de procedimentos e incorporação de tendências em códigos e políticas refletem uma realidade de negócios de maior transparência.

Pretendem implementar em 2018-2020”

Com base nesses dados, nota-se, portanto, que o grande desafio atual é não só desenvolver um programa de integridade, mas colocá-lo efetivamente em prática e atuante. No cenário que vivemos, 6 anos após a vigência da Lei Anticorrupção e no curso de uma ampla mobilização ética e de transparência pela qual passam as empresas brasileiras no curso da deflagração de operações anticorrupção, tais como Lava Jato e afins, que visam coibir e repreender as diversas práticas de corrupção em nosso país, é latente que os programas de integridade não só agregam valor às empresas como criam ambientes corporativos mais salutares e produtivos.

Diante desse cenário, importante destacar que o sucesso na implantação de um programa de integridade e na adoção de práticas de conformidade que buscam reduzir os diversos riscos aos quais se encontram submetidos uma empresa, sejam eles de reputação, imagem, financeiros, regulatórios ou operacionais, deve ser regido por regras e orientações de conduta próprias, devidamente codificado e divulgado no ambiente corporativo, o qual deve determinar limites e parâmetros claros de atuação e zelar pela transparência nas relações com terceiros.

Ademais, é de suma importância destacar, com certa obviedade, que não basta existir um código de ética e conduta vigentes ou um programa amplo e definido de integridade em uma empresa para que os resultados sejam atingidos. Adotar medidas como o treinamento periódico de profissionais para compreensão e o cumprimento das disposições do programa e a criação de um órgão interno, dotado de total independência e autonomia, responsável pela aplicação das regras de compliance e sua fiscalização, são elementos essenciais na busca dessa conformidade tão importante nos dias atuais.

 

*Artigo originalmente postado no Jornal O Estado de S. Paulo