Em vigor o novo Decreto Presidencial que regula a Lei Anticorrupção

Em 18 de Julho de 2022, entrou em vigor o Decreto Presidencial nº 11.129/2022, que regulamenta a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), revoga o Decreto nº 8.420/2015 e incorpora normas esparsas, previamente estabelecidas pela CGU. Neste sentido, o Decreto oferece inovações procedimentais a serem observadas durante a tramitação de Procedimento Administrativo de Responsabilização (PAR), nas negociações de Acordo Leniência e em relação aos parâmetros a serem adotados para aplicação de multa administrativa.

Inicialmente, ressalte-se que o Decreto se aplica aos processos em curso, mas não aos atos realizados antes de sua vigência.

 

Investigações Preliminares e Processos Administrativos de Responsabilização (PAR)

O Decreto define procedimentos para o trâmite da investigação preliminar e também do PAR, procedimento que se destina a apurar a responsabilidade administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra a Administração Pública.

A investigação preliminar ao PAR será conduzida pela Corregedoria do Órgão ou Unidade competente e deverá se encerrar no prazo de 180 dias, podendo ser prorrogado. Tal investigação poderá ensejar diligências, ainda que demandem autorizações judiciais, tais como busca e apreensão e a solicitação do compartilhamento dos documentos fiscais da pessoa jurídica investigada.

No que tange à instauração do PAR, exige-se que, no ato de indiciação da pessoa jurídica, sejam indicados, no mínimo: (a) a descrição clara e objetiva dos atos lesivos imputados e das suas circunstâncias relevantes; (b) o apontamento das provas que sustentam o entendimento da comissão pela ocorrência do ato lesivo imputado; e (c) o enquadramento legal do ato lesivo imputado à pessoa jurídica processada.

Tais inovações também preveem a possibilidade de que sejam investigados, apurados e julgados, no mesmo PAR, atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção em conjunto com infrações administrativas previstas pela nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), bem com aplicadas em conjunto as sanções por atos lesivos aos entes públicos e as infrações administrativas da Lei de Licitações.

A nova regulamentação também define novas normas para a notificação e o envio de intimações a pessoas jurídicas estrangeiras que estejam sendo julgadas.

 

Sanções Administrativas

Ademais, o Decreto altera a parametrização da multa aplicável, com alterações nos percentuais de cálculos, nas causas atenuantes e agravantes que balizam os seus valores, bem como as bases para o cálculo do valor da vantagem auferida.

Neste âmbito, cabe destacar que a vantagem auferida passa a ser conceituada como os ganhos ou proveitos obtidos ou pretendidos pela pessoa jurídica em decorrência direta ou indireta da prática do ato lesivo.

 

Programas de Integridade

Outro ponto importante – inclusive para empresas que não possuem acordo de leniência nem procedimentos administrativos sancionadores em andamento na CGU – é que o Decreto reforça a necessidade de as pessoas jurídicas instituírem programas de integridade sólidos, de acordo com o faturamento da empresa e sua operação, bem como uma governança corporativa que permita a aplicação das políticas e diretrizes de integridade da sociedade em todas as suas áreas, especialmente, na gestão de riscos, Pessoas Expostas Políticas (PEPS) e supervisão de doações e patrocínios.

 

Acordos de Leniência

Sobre acordo de leniência, o regulamento consolida o seu conceito, tratando-o como ato negocial, decorrente do exercício do poder sancionador do Estado, que tem como objetivo a responsabilização de pessoas jurídicas pela prática do ato lesivo à administração pública nacional ou estrangeira.

Além disso, o decreto determina os requisitos para a celebração do acordo e define os percentuais da redução do valor da multa aplicável, que haverá a suspensão da contagem da prescrição da pretensão punitiva da Administração Pública a partir da assinatura do acordo e o monitoramento, pela CGU, dos programas de integridade e do cumprimento do acordo.

Por fim, vale observar que o Decreto prevê a cooperação institucional, inclusive com os procedimentos para recebimento de denúncias, entre AGU e CGU, e a possibilidade de delegação à CGU para avaliar, celebrar e monitorar Acordos de Leniência sobre atos ilícitos ocorridos em outros Poderes e entes federativos.

 

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Realidade do Compliance hoje e sua evolução após a vigência da Lei Anticorrupção brasileira

O Sucesso na implantação de um programa de integridade e na adoção de práticas de conformidade que buscam reduzir os diversos riscos aos quais se encontram submetidos uma empresa deve ser regido por regras e orientações de conduta próprias

A Lei Anticorrupção brasileira (Lei nº 12.846/13) completa seus 6 anos de vigência e com o decorrer de sua consolidação em nosso ordenamento jurídico (foi regulamentada em 2015 pelo Decreto 8.240/15), verifica-se que é cada vez maior a busca e a adesão das empresas brasileiras pela implantação dos mecanismos de integridade (programas de compliance), tal como citado na referida legislação, de forma que se tornem cada vez mais sustentáveis e preparadas para os riscos e desafios do mundo corporativo.

Não só as grandes corporações, muitas dessas já engajadas em programas de integridade e com estruturas de compliance consolidadas dada a origem de suas matrizes (tais como, por exemplo, as que já aplicavam o Foreign Corrupt Practices Act – FCPA e o UK Bribery Act), mas também as pequenas e médias empresas (PMEs) vêm aperfeiçoando ou mesmo implantando programas de integridade, estabelecendo um conjunto de procedimentos internos buscando evitar, detectar e sanar a prática de desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos em geral por seus administradores, empregados e representantes, contra a administração pública, bem como por seus fornecedores e prestadores de serviços, além de adotar sistemas internos que contemplam o cuidado e a fiscalização do atendimento às normas em geral, a estrutura de governança e o arcabouço ético da organização, preservando seus valores fundamentais em seu dia a dia.

A adoção dessas medidas, vale ressaltar, não só cria um ambiente de transparência e sustentabilidade nas empresas, como também proporciona tanto a prevenção da ocorrência de ilicitudes previstas nas normas cogentes, como a atenuação das penalidades impostas pela lei, caso ocorra uma ilicitude pontual.

De acordo com a pesquisa realizada pela International Chamber of Commerce – Brasil (ICC Brasil) em parceria com a Deloitte, a qual versa sobre a Integridade corporativa no Brasil – Evolução do compliance e das boas práticas empresariais nos últimos anos, abordando o estágio evolutivo das empresas que atuam no País em relação a adoção de prática de compliance, anticorrupção e promoção da integridade corporativa, destaca-se os seguintes pontos:

“1 – O compliance evoluiu, mas tem espaço para crescer – de um modo geral as empresas apresentaram evolução consistente na adoção de práticas de compliance pesquisadas. O resultado reflete uma sofisticação do ambiente regulamentar no País, com a entrada em vigor de importantes leis (Lei Anticorrupção e a Lei de Governança em Estatais), bem como o impacto das investigações conduzidas pela operação Lava Jato. Há, no entanto, espaço para crescimento na implantação de medidas de conformidade entre as organizações, uma vez que apenas dois terços estão em fase de adoção de ao menos 15 das 30 práticas pesquisadas até 2020.

2 – Dados estatísticos do crescimento: empresas com receita menor que R$ 100MM estão promovendo um salto na adoção de práticas de compliance, mas ainda estão distantes das empresas de maior porte. Empresas de capital nacional também estão em evolução e tendem a se aproximar do patamar de empresas de capital estrangeiro ou misto:

Adoção de ao menos 15 das 30 práticas pesquisadas pelas empresas

3 – Colaboração x Conformidade: crescimento expressivo na avaliação de riscos na cadeia de fornecedores sinaliza um desafio no ecossistema de negócios, de forte cooperação entre as empresas:

Avaliam risco na cadeia de fornecedores:

4 – Controles no foco: medidas de controle se intensificam buscando ajustar seus processos a novas regulações e demandas de negócios.

Pretendem implementar em 2018-2020

5 – Políticas e processos se tornam mais formais: maior formalização de procedimentos e incorporação de tendências em códigos e políticas refletem uma realidade de negócios de maior transparência.

Pretendem implementar em 2018-2020”

Com base nesses dados, nota-se, portanto, que o grande desafio atual é não só desenvolver um programa de integridade, mas colocá-lo efetivamente em prática e atuante. No cenário que vivemos, 6 anos após a vigência da Lei Anticorrupção e no curso de uma ampla mobilização ética e de transparência pela qual passam as empresas brasileiras no curso da deflagração de operações anticorrupção, tais como Lava Jato e afins, que visam coibir e repreender as diversas práticas de corrupção em nosso país, é latente que os programas de integridade não só agregam valor às empresas como criam ambientes corporativos mais salutares e produtivos.

Diante desse cenário, importante destacar que o sucesso na implantação de um programa de integridade e na adoção de práticas de conformidade que buscam reduzir os diversos riscos aos quais se encontram submetidos uma empresa, sejam eles de reputação, imagem, financeiros, regulatórios ou operacionais, deve ser regido por regras e orientações de conduta próprias, devidamente codificado e divulgado no ambiente corporativo, o qual deve determinar limites e parâmetros claros de atuação e zelar pela transparência nas relações com terceiros.

Ademais, é de suma importância destacar, com certa obviedade, que não basta existir um código de ética e conduta vigentes ou um programa amplo e definido de integridade em uma empresa para que os resultados sejam atingidos. Adotar medidas como o treinamento periódico de profissionais para compreensão e o cumprimento das disposições do programa e a criação de um órgão interno, dotado de total independência e autonomia, responsável pela aplicação das regras de compliance e sua fiscalização, são elementos essenciais na busca dessa conformidade tão importante nos dias atuais.

 

*Artigo originalmente postado no Jornal O Estado de S. Paulo