IN RFB n° 1.911/19 – Nova afronta da receita à decisão do STF sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS

No dia 11 de outubro, a Receita Federal do Brasil – RFB publicou a Instrução Normativa n° 1.911/19, por meio da qual regulamentou a cobrança, a fiscalização, a arrecadação e a administração do PIS, da COFINS, do PIS-Importação e da COFINS-Importação.

A IN, contudo, acabou tratando de outros assuntos, dentre os quais se destaca o reflexo do julgamento pelo STF da tese de “Exclusão do ICMS da Base de Cálculo do PIS e da COFINS” (Tema n°69).

Naquele julgamento de 2017, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, fixou a tese de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS“.

Apesar da clareza do julgado do STF, no sentido de que todo o ICMS não está incluído na base de cálculo das contribuições, sendo evidente que é o ICMS destacado em Nota Fiscal que deve ser excluído do cálculo das contribuições, até porque nem poderia ser diferente haja vista ser este o único ICMS que compõe a base de cálculo dessas contribuições, a União opôs Embargos de Declaração visando suposto esclarecimento da questão e pleiteando que o tribunal defina que é o ICMS “recolhido” que não deve ser considerado na apuração das contribuições. Referidos Embargos de Declaração estão pautados para julgamento no dia 05/12/2019.

Não bastasse a manobra processual acima, em afronta ao julgado do STF, em 2018 a RFB publicou a Solução de Consulta Interna COSIT nº 13, na qual consignou que o Plenário do STF teria supostamente decidido que “o montante a ser excluído da base de cálculo mensal da contribuição é o valor mensal do ICMS a recolher”, e não o que foi destacado na nota fiscal de venda.

Agora, por meio do art. 27, parágrafo único, da recém editada IN n° 1.911/19, a Receita Federal realiza nova afronta ao julgamento do STF, pretendendo estabelecer quais os procedimentos que deveriam ser observados “para fins de cumprimento das decisões judiciais transitadas em julgado que versem sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins”, e afirmando que “o montante a ser excluído da base de cálculo mensal das contribuições é o valor mensal do ICMS a recolher”.

Embora a Receita Federal tenha distorcido o entendimento do STF ao editar a Solução de Consulta COSIT nº 13, com uma análise falha e tendenciosa dos votos vencidos, não há dúvidas de que o STF, ao julgar o RE nº 574.706 (Tema nº 69), definiu que o ICMS destacado em nota fiscal é o que deve ser excluído da base de cálculo das contribuições.

E, como já mencionado, nem poderia ser diferente, pois, do ponto de vista contábil e jurídico, o único “ICMS” que poderia se cogitar estar inserido no conceito de faturamento/receita, como sempre defendeu a União, inclusive, é o “destacado”. É o valor do ICMS “destacado” que compõe o valor da nota fiscal.

Corroborando isto, tem-se que no julgamento do RE nº 574.706, após longa digressão, a Relatora Min. Cármen Lúcia, consignou no voto vencedor que “conquanto nem todo o montante de ICMS seja imediatamente recolhido pelo contribuinte posicionado no meio da cadeia (distribuidor e comerciante), ou seja, parte do valor do ICMS destacado na ‘fatura’ é aproveitado pelo contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior, em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não constitui receita do contribuinte, logo, ainda que, contabilmente, seja escriturado, não guarda relação com a definição constitucional de faturamento”, concluindo que “embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal”.

O voto vencedor (acompanhado pela maioria dos Ministros) demonstra claramente que o entendimento que prevaleceu no STF é pela exclusão de todo o ICMS destacado nas faturas da base de cálculo do PIS e da COFINS, ainda que o recolhimento do tributo estadual não ocorra de imediato por conta da sistemática não-cumulativa do tributo. E essa questão consta claramente afirmada nos itens 3 e 4 da Ementa do acórdão do STF.

O Novo CPC/15, já vigente quando proferida a decisão do STF, reforça ainda mais a conclusão acima. Isso porque, conforme se extrai da previsão contida no art. 489, §3º, do CPC/15, “a decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos, em conformidade com o princípio da boa-fé”.

Sendo o único ICMS passível de exclusão da base de cálculo do PIS e da COFINS o destacado em nota fiscal; e considerando que ao longo das últimas décadas a discussão que se travou no judiciário foi sobre o ICMS que compõe o faturamento/receita (ICMS destacado na nota fiscal); a única interpretação possível, a partir dos elementos da discussão judicial e do acórdão proferido no RE nº 574.706, é a de que todo o ICMS (destacado em nota fiscal) é que deve ser excluído da base de cálculo das contribuições.

Conclui-se, assim, que o art. 27, parágrafo único, desconsidera que as decisões judiciais estão determinando expressamente que o ICMS a ser excluído na apuração do PIS e da COFINS é o destacado, e não o recolhido.

A Instrução Normativa está deliberadamente desrespeitando as decisões judiciais e a coisa julgada.

Feitas as considerações acima, conclui-se que o art. 27, parágrafo único, da IN nº 1.911/19 não subsiste sob nenhum aspecto, sendo que seu afastamento pelo CARF e pelo Poder Judiciário deve ocorrer de imediato caso a RFB venha a aplicá-lo.

Aproveitando esse ensejo, é relevante destacar que essa IN reforça a importância de que o STF, de fato, resolva a questão no dia 05 de dezembro, para que a segurança jurídica dos contribuintes possa ser restaurada.

Por fim, ainda sobre a temática, destaca-se que além da afronta ao julgado do STF pelo art. 27 da IN n° 1.911/19, a Receita revogou a Instrução Normativa n° 404/04, vigente desde a instituição da não-cumulatividade do PIS e da COFINS, que em seu art. 8°, §3°, II, previa expressamente que o ICMS integra o custo de aquisição para fins de apropriação de crédito das contribuições sobre bens e serviços, e o fez sem qualquer alteração legal.

De forma ilegal, segundo nosso entendimento, o art. 167 da IN n° 1.911/19 prevê que integram o custo de aquisição apenas (i) o seguro e o frete pagos na aquisição e (ii) o IPI, quando não recuperável; suprimindo a antiga – e desde sempre vigente – previsão de inclusão do ICMS no custo de aquisição.

Não bastasse o ilegal art. 27, a Receita Federal utiliza o julgamento do Tema n° 69 para limitar os créditos da não-cumulatividade, inovando o ordenamento jurídico.

Isso reforça a ilegalidade da IN 1.911/19, pois ao mesmo tempo em que limita a exclusão, das bases de cálculo do PIS e da COFINS, apenas ao ICMS recolhido, veda a apropriação de crédito sobre o valor do ICMS destacado nas aquisições.

 

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