Incorporação de ações no âmbito de julgados administrativos

No início de 2022, a 2ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) proferiu uma decisão sobre a incorporação de ações na contramão do que há muito se tem notícia no âmbito de julgados administrativos.

Trata-se do acórdão nº 9202-009.948, que trata da não incidência do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) na incorporação de ações, reconhecendo que nesse tipo de operação não há ganho patrimonial efetivo para o contribuinte e, em sendo este uma pessoa física, a tributação deve seguir o regime de caixa.

Importa mencionar que não é nova a divergência de entendimento sobre o tema. As decisões administrativas anteriores, em sua grande maioria, são desfavoráveis ao contribuinte, ao passo que no âmbito judicial, as poucas decisões que se tem notícia são favoráveis.

A incorporação de ações está prevista na Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76, artigo 252) e é muito utilizada em operações de aquisição de participações societárias, principalmente quando a intenção é manter a existência da empresa adquirida.

Esse arranjo garante que as ações de uma empresa (incorporada) sejam transferidas para outra companhia (incorporadora), que se torna acionista após o processo. Essa transferência se dá por meio da emissão de novas ações na incorporadora, que são integralizadas com as ações da incorporada.

Quando isso acontece, a empresa incorporada se torna uma companhia subsidiária da incorporadora. Assim, a pessoa física que detém a participação na incorporadora, passa a se tornar sócia da incorporada indiretamente. Ou seja, para a pessoa física investidora, há a apenas a troca de participação societária, sem a realização de qualquer aumento de caixa.

A controvérsia surge na medida em que, nesse tipo de operação, o fisco tem se posicionado no sentido de haver uma alienação de participação societária e, via de consequência, eventual auferimento de ganho de capital tributável pelo IRPF. De outro lado, os contribuintes entendem que a operação não deveria gerar efeitos fiscais imediatos e, portanto, a tributação não ocorreria no ato da incorporação de ações, mas somente quando (e se) as ações fossem vendidas.

Fato é que na incorporação de ações não há a materialização do ganho de capital por total ausência de disponibilidade de renda (princípio da realização da renda), pressuposto fundamental de tributação do IRPF, sendo que uma renda estimada ou esperada é mera “expectativa de renda”, não sendo essa expectativa passível de tributação.

No caso específico do acórdão ora em análise (9202-009.948), o fisco entendeu que houve ganho de capital na pessoa física que trocou as quotas que detinha em uma empresa farmacêutica por outra, via incorporação de ações, com real aumento do valor nominal dessas quotas, porém sem haver a troca do bem por dinheiro.

Na ocasião do julgamento, ficaram vencidos os conselheiros representantes da Fazenda, em razão do empate havido dar provimento ao recurso em prol do contribuinte. Assim, entendeu-se que a tributação sobre a operação de incorporação de ações deve ser afastada devido à aplicação do regime de caixa às pessoas físicas.

A relatora do processo, conselheira Rita Eliza Reis da Costa Bacchieri, concluiu seu voto no sentido de que “o fato gerador (que gera a tributação) do Imposto de Renda da Pessoa Física é regido pelo regime de caixa e esse exige, além da disponibilidade jurídica ou econômica, a disponibilidade financeira do ganho auferido”.

Ainda, segundo a relatora, deve ser analisado em qual momento esse ganho é realizado para fins de incidência do IRPF: “a regra matriz de incidência do Imposto de Renda para a pessoa física possui como critério material o efetivo recebimento do ganho, não sendo possível tributar a mera expectativa da disponibilidade econômica de valores decorrentes de negócios jurídicos, até porque em alguns casos esse recebimento simplesmente pode não ocorrer”.

Não obstante o entendimento do acórdão em comento, vale observar que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou em nota enviada à imprensa que tal acórdão não representa a jurisprudência atual da 2ª Turma da Câmara Superior, tendo em vista que o voto de uma ex-conselheira foi levado em consideração naquela ocasião, determinando seu resultado, em consequência do novo critério de desempate.

Em linha com essa nota, em julgado posterior ao aqui comentado, o acórdão nº 9202-010.324, proferido pela mesma 2ª Turma do CSRF, realmente foi na contramão do entendimento pró contribuinte, no seguinte sentido: “O que define o regime contábil de caixa e o regime de competência é o momento do reconhecimento dos efeitos das transações. No regime de competência os feitos são reconhecidos no momento da efetivação da operação, independentemente do recebimento ou pagamento. Tratando-se de incorporação de ações a transação se realiza no momento da efetivação da incorporação. (…) E também não é o caso de se entender o recebimento de rendimentos e ganho de capital como recebimentos em dinheiro, pois, como se sabe, o conceito de renda compreende acréscimos patrimoniais, independentemente da forma de realização”.

Assim, é certo que o julgado aqui analisado representa uma vitória ao contribuinte e vai na linha dos poucos precedentes judiciais, mas fato é que devemos encarar essa decisão como um entendimento isolado no âmbito administrativo, não afastando a necessidade de possível rediscussão do tema no âmbito judicial.

Portanto, para os contribuintes que estão analisando a eventual implementação de incorporação de ações, recomenda-se que se atentem à jurisprudência sobre o tema e à possível necessidade de sua discussão nos âmbitos administrativo e judicial.

 

*Artigo publicado originalmente no Conjur.

Mais um capítulo com final feliz: novamente o PIS e a Cofins sobre o ICMS

Depois do susto decorrente de um infeliz Parecer proferido pela RFB, que dava a impressão até de ser uma brincadeira de mal gosto da Receita Federal, a PGFN, no PARECER SEI Nº 14483/2021, veio trazer luz sobre a questão e dirimir o receio do empresariado que pairou por alguns dias. Poucos dias apenas, felizmente!

Estamos aqui tratando dos supostos reflexos apontados pela RFB, decorrentes do Julgamento do STF no Tema 69 de Repercussão geral, na apuração dos créditos de PIS e COFINS não cumulativos sobre o valor do ICMS nas aquisições. Sim, é isso mesmo: nas aquisições! É exatamente por isso que nos referimos, já no início, a uma percepção de que poderíamos estar apenas diante de uma brincadeira de mal gosto da RFB, pois tecnicamente o posicionamento da RFB não se sustenta nem minimamente.

A manifestação anterior da RFB se deu no Parecer SEI Nº 12943/2021, relativo à Consulta Cosit nº 10, de 1 de julho de 2021, apontando que se não é tributável o valor do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, não seria possível se fazer o creditamento do PIS e da COFINS não cumulativos sobre o valor do ICMS nas aquisições.

Ao assim se manifestar, a RFB ignorou que (i) o julgamento do Tema 69 em nada afeta o sistema não cumulativo do PIS e da COFINS, pois isso não estava em discussão naquela ação judicial que foi destacada como leading case e (ii) enquanto a tributação do PIS e da COFINS incide sobre a receita, na qual não se inclui o ICMS, o crédito de PIS e COFINS está pautado no valor da aquisição, no qual indiscutivelmente se inclui o valor do ICMS.

Foi, mais uma vez, apenas uma infeliz tentativa de se esvaziar o resultado do julgamento do STF no RE 574.706/PR (Tema 69 de Repercussão Geral), o que trouxe mais insegurança sobre matéria que já deveria ter sido integralmente acolhida e aplicada pela RFB.

Neste Parecer aqui analisado, a PGFN se manifesta expressamente no sentido de que “não se vislumbra, com base apenas no conteúdo do acórdão, a possibilidade de se proceder ao recálculo de créditos de PIS/COFINS apurados nas operações de entrada, porque a questão não foi, nem poderia ter sido, discutida no julgamento do Tema 69”. E complementa: “Tal medida exigiria inolvidável modificação dos diplomas legais ora discutidos

Ou seja, para se afastar os créditos de PIS e de COFINS não cumulativos sobre o ICMS nas aquisições, é necessária expressa alteração da lei, haja vista que essa questão não está relacionada ao que foi decidido pelo STF no RE 574.706/PR.

Vencido este ponto, o que já será de grande alívio aos poucos contribuintes que foram surpreendidos com essa indevida investida da RFB, resta-nos lamentar uma infeliz omissão havida no PARECER SEI Nº 14483/2021 da PGFN: não há nele nenhuma menção às situações de contribuintes que propuseram suas ações posteriormente a 15/03/17, mas já tiveram o seu direito reconhecido em decisão judicial transitada em julgado, ou seja, naquelas situações onde já há coisa julgada formada em sentido diverso aos efeitos da modulação trazida no RE 574.706/PR.

Em meados de maio de 2021, chegamos a escrever aqui no Estadão um artigo intitulado “O fim da saga do PIS e Cofins sobre ICMS. Mas, será mesmo o fim?”. Lá já apontávamos para esse possível confronto que infelizmente não foi dirimido no recente Parecer.

O que nos conforta é a convicção de que, tal como nos demais capítulos da saga já percorridos, o final desta história será novamente feliz. E não podemos deixar de ter esperança de que a PFGN emita um novo Parecer, desta vez apontando expressamente a prevalência da coisa julgada nas situações aqui retratadas, de forma a elidir indesejados contenciosos tributários cujo resultado será, inevitavelmente, mais contingência para a União Federal em honorários de sucumbência decorrentes de uma briga judicial sem qualquer perspectiva de sucesso.

 

*Artigo publicado originalmente no Estadão.

Negócio Jurídico Processual é autorizado no âmbito da PGFN

O Código de Processo Civil, vigente desde de 18 de março de 2016, em seu artigo 190, trouxe a modalidade do “negócio jurídico processual” (NPJ), que possibilita às partes estabelecerem, de comum acordo (autocomposição), situações jurídicas diversas da atividade procedimental prevista em lei a fim de ajustá-la às particularidades das partes e da causa, com adequada e justa solução dos litígios.

Embora o artigo 190, do CPC, não tenha listado um rol exemplificativo sobre quais são os negócios jurídicos processuais possíveis de serem convencionados entre as partes, algumas hipóteses foram aventadas no Fórum Permanente de Processualistas Civis, quais sejam: (i) pacto de impenhorabilidade; (ii) acordo de ampliação de prazo das partes de qualquer natureza; (iii) dispensa consensual para inadmitir determinado meio de prova; (iv) acordo para retirar das partes a faculdade de recorrer; (v) acordo para não promover execução provisória, dentre outras.

Diante dessa nova modalidade processual, foi editada a Portaria PGFN n° 360, de 13 de junho 2018, autorizando a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a utilizar-se do negócio jurídico processual previsto nos artigos 190 e 191, do Código de Processo Civil, e elencando as hipóteses em que o negócio jurídico processual poderá ser realizado no âmbito da Procuradoria com os contribuintes, como, por exemplo, nas questões relativas ao cumprimento de decisões judiciais, confecção ou conferência de cálculos, a desistência de recursos e a inclusão de crédito fiscal e de FGTS em quadro geral de credores, quando for o caso.

A Portaria PGFN n° 360/2018 vedou, entretanto, a celebração do negócio jurídico processual nos casos em que: (i) o cumprimento dependa de outro órgão, sem que se demonstre a sua anuência prévia, expressa e inequívoca; (ii) seja previsto a penalidade pecuniária; (iii) envolva a disponibilidade de direito material por parte da União; (iv) extrapole os limites estabelecidos pelos artigos 190 e 191, do CPC; e (v) gere custos adicionais à União, exceto se aprovado prévia e expressamente pela Procuradoria-Geral Adjunta competente.

Mais recentemente, foi editada a Portaria PGFN n° 515, de 20 de agosto de 2018, que acrescentou na lista de negócios jurídicos processuais “atípicos”, previstos na Portaria PFGN n° 360, a autorização para também realizá-los em relação aos prazos processuais e à ordem de execução em que ocorrem os atos processuais, inclusive no que concerne à produção de provas. A título de exemplo, podemos citar a contagem de prazos processuais em dias corridos (e simples) e a desnecessidade de intimação das partes com a definição da ordem de execução para a prática dos atos processuais.

A iniciativa da PGFN em regulamentar o negócio jurídico processual traz novas perspectivas aos contribuintes para a célere e eficaz resolução das demandas judiciais contra a Fazenda Pública – que atualmente congestionam o Poder Judiciário – uma vez que o engessamento das regras processuais geram grandes prejuízos a ambas as partes e refletem a morosidade os Poder Judiciário no julgamento destas causas.

Para maiores informações sobre negócio jurídico processual, entre em contato com nossos profissionais.

Previdência privada poderá ser penhorada em execuções fiscais

Em 21 de junho de 2018, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) publicou a Portaria PGFN n° 376/2018, que altera a Portaria PGFN n° 396/2016, a qual versa sobre o Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos, que, em síntese, consiste no conjunto de medidas, administrativas ou judiciais, voltadas à cobrança da Dívida Ativa da União.

A aludida Portaria condiciona o pedido de suspensão das execuções fiscais, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a um milhão de reais, ao esgotamento das providências e diligências complementares relativas aos indicadores de existência de bens, direitos ou atividades econômicas do devedor principal ou corresponsável.

A Portaria também prevê que a citação válida, inclusive por edital, possibilita ao Procurador da Fazenda Nacional requerer a penhora de plano de previdência privada, além de saldos em conta corrente, aplicações financeiras de renda fixa e variável, aplicações em moeda estrangeira, consórcios e demais ativos financeiros, a ser realizada via sistema BACENJUD. E, em não logrando êxito nas penhoras previstas no item anterior, poderá a Procuradoria requerer a penhora de bens móveis, imóveis, direitos e o bloqueio de veículos via sistema RENAJUD.

Por fim, a Portaria ainda estabelece que as suas disposições também se aplicam às hipóteses de redirecionamento da execução fiscal a devedor não constante na Certidão da Dívida Ativa.

Contudo, as determinações da referida Norma são passíveis de questionamento no que tange a penhora de plano de previdência privada, haja vista que o artigo 833, inciso IV, do Código de Processo Civil, estabelece como sendo impenhorável “os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios (…)”, cujo entendimento é perfilhado pelo STJ na medida em que quaisquer valores investidos em aplicação financeira, até quarenta salários mínimos, seriam impenhoráveis.

SEFAZ RJ: RECADASTRAMENTO DE BENEFÍCIO FISCAL E DOCUMENTAÇÃO EXIGIDA

O Estado do Rio de Janeiro, por meio da Resolução SEFAZ nº 205/2018, criou procedimentos específicos para análise e validação dos documentos apresentados pelos contribuintes em 2017, no tocante à Certidão de Regularidade Fiscal (SEFAZ e PGE); Certidão Eletrônica de Débitos Trabalhistas – CEDIT; e Certidão Regularidade ambiental, atestada pelo INEA, nos seguintes termos:

Regularidade Fiscal (SEFAZ e PGE): serão aceitas, para fins do Recurso previsto no artigo 5º, da Resolução nº 108/2017, as Certidões válidas à data do Recadastramento ou à data da interposição do recurso;

Certidão Trabalhista (CEDIT): será considerada negativa a Certidão emitida pelo Ministério do Trabalho, ainda que possua débitos encaminhados para a Procuradoria da Fazenda Nacional (PGNF), desde que o contribuinte apresente Certidão Negativa de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União;

Certidão do INEA: o órgão assumirá a incumbência de realizar, em processo apartado, o exame acerca da regularidade ambiental dos contribuintes cujo benefício fiscal estabeleça ser este um requisito para a concessão ou a manutenção do tratamento fiscal. Constatando-se eventual irregularidade, caberá ao INEA noticiar o fato à SEFAZ/RJ para que esta determine a suspensão ou a perda do benefício.

Nota: As decisões que determinaram a perda ou a suspensão do benefício fiscal tendo como causa a falta de certidão do INEA devem (neste particular) ser desconsideradas, ficando sem efeito.