Os indevidos requisitos para dedutibilidade do PAT à luz da MP 1.108/22

Mesmo que eventualmente se entenda como válida a redução do benefício do PAT, tais restrições poderão começar a produzir efeitos somente a partir do exercício de 2023.

Após diversas derrotas sofridas no Superior Tribunal de Justiça ao longo de décadas, como a ilegal limitação do valor da refeição individual¹ e a indevida exigência de dedução do valor do imposto – e não do lucro tributável², uma nova novela envolvendo o benefício de dedução das despesas com o PAT da base do IRPJ foi inaugurada pelo Governo Federal, com a edição do decreto 10.854/21 e da MP 1.108/22.

Antes de se adentrar às novas controvérsias, fazendo uma análise histórica das alterações legislativas envolvendo a matéria, a redação original do art. 1º da lei 6.321/76 previa a possibilidade de as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real deduzirem do lucro tributável “o dobro das despesas comprovadamente realizadas no período base, em programas de alimentação do trabalhador, previamente aprovados pelo Ministério do Trabalho na forma em que dispuser o Regulamento desta Lei.”

Por sua vez, os artigos 5º e 6º, inciso I, da lei 9.532/97 estabeleceram que a referida dedução não poderia exceder a 4% do imposto de renda devido.

Contudo, o decreto 10.854/21 limitou a dedução prevista nas leis 6.321/76 e 9.532/97 ao dispor que: (1) sua aplicação se restringe somente aos trabalhadores que recebam remuneração de até 5 salários-mínimos; e (2) sua limitação a, no máximo, um salário-mínimo por funcionário (art. 186 do decreto).

Tais restrições, por serem oriundas de decreto, nasceram com vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade. Ilegais porque resultam em uma majoração indireta da carga tributária das empresas, o que, nos termos do art. 97, II, do CTN, só poderia ocorrer mediante Lei; e inconstitucionais porque afrontam diretamente o princípio da legalidade (art. 150, I, da CF/88) e da anterioridade do exercício (art. 150, III, “b”, da CF/88).

Ocorre que, a partir da edição da MP 1.108/22 – publicada em 25/3/22 -, pairou a dúvida aos contribuintes a respeito da eventual supressão dos vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade contidos no decreto 10.854/21. Isso porque, a referida Medida Provisória alterou a redação do art. 1º da lei 6.321/76, passando a estabelecer que as deduções do PAT poderiam ser limitadas por meio de eventuais decretos regulamentadores da lei.

Em que pese um dos objetivos da referida Medida Provisória seja uma tentativa de validar as limitações previstas no decreto 10.854/21, entendemos que os vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade persistem, quando menos durante o exercício de 2022. Explica-se.

O art. 150, § 6º, da CF/88, determina que a concessão de benefícios e incentivos fiscais – como o benefício do PAT – somente poderá ser feita mediante lei específica e, via de consequência, a respectiva redução ou extinção dar-se-á obrigatoriamente somente por meio de lei (art. 2º, § 1º, da LINDB), impedindo sua mitigação por meio de decreto.

E mesmo que equivocadamente entenda-se que a referida Medida Provisória autorizou a mitigação do benefício do PAT feita pelo decreto 10.854/21, tal autorização contraria a jurisprudência uníssona do STF que “não admite o fenômeno da constitucionalidade superveniente. Por essa razão, o referido ato normativo, que nasceu inconstitucional, deve ser considerado nulo perante a norma constitucional que vigorava à época de sua edição.”³

Ou seja, como à época da edição do decreto 10.854/21 inexistia norma legal autorizando a limitação à dedutibilidade das despesas do PAT por meio de ato infralegal, a posterior edição da MP 1.108/22 não tem o condão de convalidar as mencionadas restrições feitas pelo decreto, prevalecendo a necessidade da edição de novo ato infralegal.

De outro modo, caso o Poder Executivo venha a editar novo decreto sob a égide da MP 1.108/22 – que, supostamente, autorize a redução do benefício – também estará eivado de inconstitucionalidade, por contrariar a indelegabilidade da competência tributária, visto que é vedada a delegação da aptidão para instituição e majoração de tributos, como reconhecido pelo STF no julgamento da ADIn 1296⁴.

De toda forma, mesmo que eventualmente se entenda como válida a redução do benefício do PAT, o que de fato não esperamos, como há majoração indireta da carga tributária, tais restrições poderão começar a produzir efeitos somente a partir do exercício de 2023, visto que a norma que acarretar o aumento do IRPJ deverá observar o princípio da anterioridade anual (art. 150, III, “b”, e 62, § 2º, da CF/88).

Em caso semelhante, o Tribunal Pleno do STF consolidou o entendimento de que “nas hipóteses de redução ou de supressão de benefícios ou de incentivos fiscais que acarretem majoração indireta de tributos, a observância das espécies de anterioridade deve também respeitar tais preceitos”

Como é possível notar, a principal alteração da MP 1.108/22 esbarrará nas limitações impostas pelos princípios constitucionais tributários, assim como na jurisprudência consolidada do STF, motivo pelo qual persiste a ilegalidade e inconstitucionalidade das restrições previstas no decreto 10.854/21 acerca da dedutibilidade das despesas com o PAT da base de cálculo do IRPJ, além da flagrante violação à anterioridade pela cobrança durante o exercício de 2022.

Por fim, destacamos que o Congresso Nacional ainda está analisando eventual conversão em lei da Medida Provisória 1.108/22. Caso a conversão ocorra, iniciará uma nova discussão sobre a sua constitucionalidade, cabendo ao Poder Judiciário novamente decidir o desfecho dessa reiterada novela.

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¹ REsp n. 157.990/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma, J. 18/03/04, P. 17/05/04

² EDcl no AgInt no REsp n. 1.971.496/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, J. 23/05/22, P. 26/05/22

³ ARE 683849 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, J. 09/09/16; P. 29/06/16. No mesmo sentido: ADI 4596, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, J. 06/06/18, P. 23/07/20.

⁴ ADIn 1296 MC, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, J. 14/06/95, P. 10/08/95; RE 648245, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, J. 01/08/13, P. 24/02/14.

⁵ RE 564225 AgR-EDv-AgR-ED, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Rel. p. Acórdão Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, J. 13/10/20, P. 16/12/20.

 

*Artigo publicado originalmente no Migalhas.

ISS: Regulamentação de nova obrigação acessória

Como é sabido, a Lei Complementar (LC) nº 157/2016 alterou a competência municipal para exigência do ISS nos serviços descritos nos subitens 4.22, 4.23, 5.09, 10.04, 15.01 e 15.09 de modo que o imposto passou a ser devido no local de domicílio do tomador dos serviços.

A obrigação abrange as atividades de: (i) planos de medicina de grupo ou individual e outros (subitens 4.22, 4.23 e 5.09); (ii) agenciamento de arrendamento mercantil, franquia e “factoring” (subitem 10.04); (iii) administração de fundos quaisquer e de carteira de cliente (subitem 15.01); (iv) administração de consórcios (subitem 15.01); (v) administração de cartão de crédito ou débito e congêneres (subitem 15.01); e (vi) arrendamento mercantil  (subitem 15.09).

A constitucionalidade desta alteração foi contestada no STF através da ADI nº 5.835, sendo que, em março de 2018, a Suprema Corte sustou, por liminar, os efeitos da referida modificação de competência promovida por intermédio de Lei Complementar em função da ausência de definição clara do conceito de “tomador dos serviços” por parte da LC nº 157/2016, o que impossibilitaria a determinação do local de recolhimento do ISS.

Considerou-se, ainda, a existência de diversos atos normativos municipais antagônicos já vigentes ou prestes a entrar em vigência. Estes fatores culminariam, segundo entendimento do Poder Judiciário, em um cenário de total insegurança jurídica e dificuldade de aplicação da Lei Complementar.

Diante deste panorama, foi editada a LC nº 175/2020, com o intuito de superar as irregularidades que embasaram a decisão liminar do STF. O novo diploma legal definiu o conceito de tomador dos serviços para os casos em que a incidência tributária se dá no local de seu domicílio. Além disso, estabeleceu a necessidade de apuração e declaração do ISS devido em função dos serviços prestados sob os referidos códigos, em sistema eletrônico padronizado nacionalmente.

Nesse contexto, foi publicada recentemente a Resolução nº 04, do Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do ISSQN – CGOA, a qual regulamenta a Declaração Patronizada do ISSQN (“DEPISS”), que deverá ser apresentada pelos prestadores de serviços cujo ISS seja devido ao Município de domicílio do tomador, nos termos das Leis Complementares nº 157/2016 e 175/2020.

Para os serviços em referência, a Resolução CGOA nº 04/2022, em seu artigo 14, determina que o contribuinte terá o prazo de até 13/08/2022 para desenvolver o sistema eletrônico de padrão unificado (DEPISS), individualmente ou em conjunto com outros, e disponibilizá-lo para homologação do CGOA. Portanto, a responsabilidade fica a cargo do próprio contribuinte.

Mediante justificativa aceita pelo CGOA, o prazo em referência poderá ser prorrogado, uma única vez, em até 3 meses.

Caso desenvolvido em conjunto, cada contribuinte terá acesso às suas informações de maneira individualizada. O responsável pelo desenvolvimento do sistema deverá franquear aos Municípios e ao Distrito Federal o acesso livre e gratuito ao DEPISS; em contrapartida, os Fiscos municipais deverão cadastrar-se previamente no sistema e fornecer os seguintes dados: (i) alíquotas do ISS; (ii) acréscimos moratórios; (iii) o arquivo da legislação tributária vigente; (iv) os dados bancários para pagamento do ISS; (v) os dados dos usuários do fisco que acessarão ao sistema.

O CGOA realizará a homologação do sistema no prazo de um mês, contado da data de sua disponibilização pelo contribuinte, com vistas a validar se o desenvolvimento foi realizado em consonância com os leiautes e padrões do Anexo I da Resolução em comento. A legislação determina prazo de igual período, contado a partir da comunicação feita pelo CGOA, para retificação do sistema em caso de necessidade.

Os contribuintes deverão entregar a DEPISS até o 25º dia do segundo mês subsequente ao da homologação definitiva do sistema, fornecendo as informações referentes ao mês anterior. Além disso, terão até o 15º dia do mês subsequente ao do fato gerador para realizar o recolhimento do ISS, observando-se, ainda, período de transição com recolhimento proporcional aos municípios do prestador e do tomador, até que o ISS seja recolhido inteiramente ao município do tomador, na forma como prevê o artigo 15, da LC nº 175/2020.

Por fim, será importante observar a postura dos Fiscos Municipais, considerando a possibilidade de cobranças em caso de não cumprimento desta legislação, bem como do próprio STF, que poderá se manifestar especificamente em relação à não aplicabilidade dessa obrigação acessória, seja no mesmo ou em novos pedidos.

 

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Temas 881 e 885 de Repercussão Geral: STF a um passo de “relativizar” a coisa julgada em matéria tributária

O STF iniciou o julgamento dos Temas de Repercussão Geral nº 881 e 885, por meio dos quais a Corte definirá a eficácia (manutenção) da coisa julgada em matéria tributária, na hipótese de superveniência de precedente do STF em sentido contrário ao da decisão do contribuinte ou do fisco transitada em julgado.

O caso que motivou a afetação da matéria ao STF é o de contribuintes com coisa julgada reconhecendo a inconstitucionalidade da CSLL. Diferentemente da maioria esmagadora das empresas no Brasil, há contribuintes contemplados com decisões judiciais desobrigando-os do recolhimento da CSLL, transitadas em julgado em momento anterior ao Plenário do STF declarar a constitucionalidade da contribuição – o que foi feito em controle concentrado de constitucionalidade.

Claramente, contribuintes nessa situação possuem nítida vantagem competitiva em relação aos seus concorrentes, estes obrigados ao recolhimento da CSLL; motivo pelo qual alegações de violação aos princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva passaram a ganhar força para justificar a desconstituição da coisa julgada.

Até o momento, foram proferidos 5 votos no Tema nº 881 e 4 votos no Tema nº 885. Muito embora ainda haja divergência sobre requisitos, natureza jurídica, fundamento da desconstituição e observância ou não da anterioridade, os Ministros¹ convergiram para o entendimento de que, sim, precedentes dos STF possuem aptidão para desconstituir a coisa julgada anteriormente formada em favor dos contribuintes.

Em 12/05/22, o julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do Ministro Alexandre do Morais. Como foi um simples pedido de vista, e não um pedido de destaque, o julgamento será retomado no Plenário Virtual, após o voto do Ministro. Ainda não há previsão para a retomada do julgamento.

Em todo caso, confirmando-se a tendência do julgamento pela “relativização” da coisa julgada em matéria tributária, além dos contribuintes hoje desobrigados do recolhimento da CSLL, outros poderão ser afetados, como, p. ex., contribuintes desobrigados de recolher o IPI na revenda de produtos importados, dentre outros casos. O STF parece querer transmitir a seguinte mensagem: sua palavra final deve prevalecer, mesmo que o contribuinte tenha processo próprio encerrado com decisão favorável formada nas instâncias ordinárias ou mesmo nas instâncias especiais.

Tal raciocínio, contudo, pode ser utilizado também em favor dos contribuintes nas teses tributárias julgadas favoravelmente no STF, na hipótese de ter uma decisão judicial prévia desfavorável (transitada em julgada).

Importante mencionar que, com base nos votos já proferidos, há uma tendência de que a relativização da coisa julgada defendida pelo STF nos Temas nº 881 e 885 terá efeitos prospectivos, isto é, o afastamento da coisa julgada em matéria tributária apenas atingirá os fatos geradores posteriores ao precedente do STF que está em confronto com a coisa julgada formada favoravelmente ao contribuinte. Ainda não há consenso também se a relativização da coisa julgada, caso assim definida pelo STF, irá ser modulada para valer apenas após este julgamento.

Por ora, os contribuintes devem acompanhar a continuidade do julgamento da matéria no STF. Mas, quem tem coisa julgada formada em confronto com posterior precedente do STF – ou do STJ -, ou com concorrentes que a tenham, deve ter especial atenção aos desdobramentos do caso, considerando o relevante impacto financeiro do julgamento dos Tema nº 881 e 885 no recolhimento atual de tributos e eventualmente do período pretérito.

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¹ Votaram até agora os Ministros: Edson Fachin, Rosa Weber, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Dias Tóffoli.

Aplicação do Tema 962 ao PIS/Cofins sobre juros de mora: dois pesos, duas medidas?

Com o julgamento do Tema n° 962, o STF chancelou um entendimento que há muito vinha sendo defendido pelos contribuintes, reconhecendo a inconstitucionalidade da incidência do IRPJ e da CSLL sobre os juros de mora na recuperação de tributos. Todavia, para além da fixação da tese, o julgamento trouxe consigo fundamentos que devem ser aplicados também para afastar a tributação dos referidos juros moratórios pelo PIS e pela Cofins.

A conclusão adotada pelo STF fixou a premissa de que os juros de mora na recuperação dos tributos possuem natureza de reparação de danos emergentes. Não se tratam, portanto, de uma receita nova, mas sim de valores que visam a recompor um ilícito causado pela tributação indevida.

Há importantes trechos do voto do relator, ministro Dias Toffoli, que comprovam que os juros Selic não decorrem da exploração econômica do capital, pois a causa que gera o direito a esses juros de mora decorre de um ato ilícito imputado ao devedor, decorrente de uma cobrança tributária indevida. Os juros de mora legais visam, portanto, recompor a perda gerada em razão da exigência indevida.

A própria União Federal, ao opor seus embargos de declaração contra o acórdão proferido, reconhece que “o fundamento determinante que justifica a caracterização da Taxa Selic como compensação por danos emergentes é a mora no pagamento do indébito tributário. O dano emergente a ser indenizado seria em face de toda sorte de dissabores sofrido pelo credor (…)”.

Ora, se a própria União esclarece que, nas hipóteses em que houver o pagamento indevido de tributo, os juros de mora aplicados, que no caso é a Taxa Selic, caracterizam-se como reparação de danos emergentes, não há como não aplicar o mesmo raciocínio à tributação do PIS e da Cofin.

Isso porque, a premissa fixada pelo STF independe do tributo analisado. Seja renda/lucro, no caso de IRPJ e CSLL, ou receita bruta, para os casos de PIS e Cofins, a natureza reparatória de ilícito dos juros de mora, por óbvio, não se altera. Em ambos os casos houve a cobrança indevida de tributo pela Fazenda Pública.

Se os juros de mora apenas recompõem um ilícito, tais valores não podem ser considerados ingresso tributável tanto para o IRPJ e a CSLL como para o PIS e a Cofin, sob pena de se tributar a reparação de danos emergentes que não representa a base de cálculo de nenhum dos tributos mencionados.

O STF já entendeu que receita bruta, para fins de incidência do PIS e da COFINS, pode ser definida como “o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições”¹.

Assim, forçoso concluir que o mesmo entendimento fixado no Tema n° 962 deve ser aplicado também ao PIS e à Cofins, sob pena de atribuir injustamente entendimentos divergentes a uma mesma situação.

Como não poderia deixar de ser, já há decisões dos Tribunais Regionais Federias aplicando corretamente o entendimento do Tema n° 962 para os casos de PIS e Cofins².

Todavia, surpreendentemente, o STJ ainda não está aplicando referido entendimento, de forma que é extremamente importante o reconhecimento de que se trata da mesma situação jurídica — aplicação de juros de mora na repetição de indébito de tributo cobrado indevidamente —, de forma a rever o posicionamento adotado, tal como fez após o julgamento do tema 808 pelo STF, para se curvar ao que foi definido pelo STF.

Se o STJ não se adaptar ao posicionamento do STF, esperamos que a Suprema Corte em breve se manifeste sobre a violação ao conceito constitucional de receita bruta (artigos 195, I, “b”, e 239 da CF/88) e ao princípio da capacidade contributiva (artigo 145, §1º, da CF/88), já que não há receita nova. Oportuno lembrar que em outras ocasiões o STF já se dispôs a analisar se valores como o ICMS, ISS e créditos presumidos de ICMS respeitam a matriz de incidência das contribuições ao PIS e à Cofins³.

Com os juros de mora não poderá ser diferente. Dessa forma, em caso de não reversão do entendimento no STJ, a análise da presente questão pelo STF se mostrará novamente necessária para a manutenção da coerência do entendimento exarado pela Corte no Tema n° 962.

__________

¹ STF — RE nº 606.107 (RS), relatora ministra Rosa Weber. Tribunal Pleno, j. 22/05/13.

² TRF3: 5024123-20.2021.4.03.0000, 5020081-25.2021.4.03.0000; TRF4: 5048527-11.2021.4.04.0000, 5034452-64.2021.4.04.0000, 5000072-31.2021.4.04.7205; TRF5: 0820114-13.2019.4.05.8300, 0810447-03.2021.4.05.0000, 0807014-11.2021.4.05.8400, 0807021-03.2021.4.05.8400, 0805275-30.2021.4.05.8100, 0816316-73.2021.4.05.8300

³ RE n° 574.706; RE n° 592.616; e RE n° 835.818

 

*Artigo publicado originalmente no ConJur.

Carf no STF: o julgamento sobre o voto de qualidade

ADIs questionam a instituição do desempate pró-contribuinte no Conselho

No dia 23 de março o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma a discussão sobre a constitucionalidade do desempate pró-contribuinte no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A discussão é uma das mais relevantes em matéria tributária na Corte, já que vai definir a forma de desempate no tribunal administrativo. Dependendo do resultado e da eventual modulação, especialistas apontam como possíveis consequências um aumento do contencioso tributário judicial e até a revisão de casos já julgados no Carf.

O tema consta nas ADIs 6.399, 6.403 e 6.415, cujo julgamento foi suspenso em junho, após pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. O placar no STF está empatado, com voto do relator, ex-ministro Marco Aurélio de Mello, pela inconstitucionalidade da regra de desempate vigente, e do ministro Luís Roberto Barroso, que considerou a regra constitucional, mas abriu a possibilidade de a Fazenda Nacional recorrer à Justiça em caso de derrota no Carf.

Antes do desempate pró-contribuinte, os empates no Carf eram decididos exclusivamente pelo voto de qualidade. Por essa regra, em caso de empate, o presidente da turma tinha direito a proferir o voto duplo. No entanto, em 2020 a Lei do Contribuinte Legal (Lei 13.988) acrescentou o artigo 19-E à Lei 10.522/02, prevendo que os empates seriam decididos a favor do contribuinte.

Após a alteração, o Ministério da Economia publicou ainda a Portaria 260, definindo que o desempate pró-contribuinte só se aplicaria aos casos de exigência de crédito tributário, por auto de infração ou lançamento da fiscalização. Aos demais tipos de processo, ainda se aplicaria o voto de qualidade. Ou seja, no momento, as duas regras estão sendo aplicadas simultaneamente no Carf. Caso o STF declare inconstitucional a alteração legislativa que instituiu o desempate pró-contribuinte, o voto de qualidade volta a ser a única regra no Carf.

Para tributaristas consultados pelo JOTA, ante o impacto e a delicadeza do tema, o Supremo precisa resguardar a segurança jurídica dos contribuintes. Uma das formas de fazê-lo seria modulando o alcance temporal da decisão, caso o desempate pró-contribuinte seja considerado inconstitucional. Desde que  começou a ser aplicado, diversas teses nas quais prevalecia o entendimento pró-fisco foram revertidas em favor do contribuinte no tribunal administrativo. Caso a regra deixe de valer, essas decisões estariam em risco, segundo especialistas.

Os especialistas também veem com ressalvas parte do voto do ministro Barroso, do STF, que, ao declarar o desempate pró-contribuinte constitucional, abriu a possibilidade de a Fazenda Nacional recorrer à Justiça caso perca no Carf. Atualmente, embora o contribuinte possa recorrer á esfera judicial após derrota no tribunal administrativo, se a Fazenda perde, o contencioso é encerrado. A lógica por trás da regra, segundo especialistas, é que o Carf é um órgão de autocontrole da administração pública.

“Se a própria esfera administrativa decidiu que o tributo é indevido, quando se torna essa decisão precária, você esvazia essa esfera de segurança jurídica”, observa Alessandro Cardoso, do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados. Segundo o tributarista, a administração pública questionar as próprias decisões na esfera judicial não faria sentido e ainda causaria um aumento dos litígios em matéria tributária.

A regra do desempate pró-contribuinte começou a valer em abril de 2020, mas, devido à pandemia e à consequente redução do limite de alçada dos casos, sua aplicação só se intensificou em 2021, quando o Carf começou a fazer sessões virtuais ao vivo e elevou o limite para R$ 36 milhões. Levantamento do JOTA, realizado através da plataforma Carf Previsível, identificou 653 acórdãos proferidos por determinação do 19-E desde que a alteração legislativa entrou em vigor. Segundo os Dados Abertos do Carf, entre 2020 e 2021 foram publicados pelo tribunal administrativo 67,3 mil acórdãos.

Os Dados Abertos indicam ainda que os empates são pouco frequentes no tribunal. Em 2021, a maior parte das decisões (78,9%) foi por unanimidade. As decisões por maioria foram 16,9%, e, entre os processos que exigiram a aplicação de regra de desempate,  2,7% de todos os casos tiveram a aplicação do voto de qualidade e 1,6%, do desempate pró-contribuinte. Em 2020, 88,7% das decisões foram unânimes e 9,1% por maioria. Entre os casos que precisaram ser desempatados, 1,9% foram por qualidade e 0,4% pelo 19-E.

Cenário sobre julgamento no STF do voto de qualidade no Carf

Apesar de os empates não serem a regra, especialistas concordam que o cuidado na definição da regra para decidi-los é vital. Para Alessandro Cardoso, do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, a decisão do STF sobre o tema tem “enorme” relevância pelas consequências que pode gerar. “A expectativa é enorme, assim como a relevância e as consequências, que podem ser tão complexas”, afirma.

As ADIs 6399, 6403 e 6415, ajuizadas, respectivamente, pelo procurador-geral da República, Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), afirmam que há inconstitucionalidade formal nos dispositivos que mudaram o voto de qualidade do Carf por vício no processo legislativo. A alegação é que os artigos inseridos não teriam pertinência temática com a MP 899/2019 – posteriormente convertida na Lei do Contribuinte Legal – que tratava da transação tributária entre a União e os contribuintes.

No voto proferido antes de se aposentar, o relator, Marco Aurélio de Mello, entendeu que, embora não haja óbice na Constituição a uma norma que resolva os empates a favor do contribuinte, faltou pertinência temática no trâmite legislativo. Para o ministro, o Congresso não poderia ter aprovado a nova regra por meio de um jabuti, ou seja, de uma emenda parlamentar que introduziu tema estranho ao da MP 899/2019.

Já Barroso, ao abrir divergência, ponderou que, embora haja dúvida razoável quanto à inconstitucionalidade formal, são mais relevantes as dúvidas quanto à constitucionalidade do voto de qualidade, que ele considera questionável. O ministro ainda estabeleceu que, em caso de derrota no Carf, a Fazenda Nacional poderá recorrer ao Judiciário.

Na avaliação de Alessandro Cardoso, o argumento quanto ao vício formal tende a ser superado mais facilmente pelo Supremo. “Minha expectativa é que não decidam pela inconstitucionalidade formal, com base no voto do  Barroso. Com relação à legalidade material, acho que está em aberto, até pela nova composição. O ministro [André] Mendonça é muito novo na Corte. Temos dois ministros, em tese, próximos ao governo, que a gente não sabe como vão julgar em matéria tributária. O ministro Nunes Marques creio que é mais pró-governo em matéria tributária e o ministro Mendonça é uma incógnita”, comenta o tributarista.

Anete Mair Maciel Medeiros, do Gaia, Silva, Gaede Advogados Associados, não vê “dúvida razoável” sobre a constitucionalidade formal do desempate pró-contribuinte. Segundo ela, tanto a transação tributária quanto a forma de desempate de julgamentos no Carf são matérias tributárias. “A MP já tratava de matéria tributária. O desempate pró-contribuinte não interfere na estrutura, no funcionamento do Carf, porque é uma norma processual”, avalia.

O advogado Carlos Daniel Neto, do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, afirma que é fundamental que o Supremo conclua o julgamento, uma vez que o contribuinte está em uma situação de insegurança com a indefinição sobre a validade do desempate pró-contribuinte. Pessoalmente, ele considera a introdução do 19-E na legislação inconstitucional, tanto do ponto de vista formal quanto material. “Esse dispositivo inverte a presunção de legitimidade dos atos administrativos”, diz.

O tributarista argumenta que o voto de qualidade era aplicado na minoria dos casos e o Carf vinha pacificando a jurisprudência. Para ele, a nova regra favorece que os conselheiros adotem posições extremadas, colocando em risco essa pacificação.

Processo legislativo

Já Eduardo Campos, sócio do Sacha Calmon e Misabel Derzi, acredita que o Supremo decidirá pela constitucionalidade do desempate pró-contribuinte. “Pesa muito o fato de o próprio presidente Jair Bolsonaro ter sancionado a Lei do Contribuinte Legal sem vetar o voto de qualidade. Houve uma espécie de anuência do Poder Executivo, e isso pode ser revogado a qualquer momento. Então, acredito que o STF vai optar por não interferir no processo legislativo nessa questão”, disse.

Por sua vez, Kelly Martarello, do Martarello Advogados, considera que, embora a forma de aprovação do desempate pró-contribuinte possa ser questionada, a regra está de acordo com princípios constitucionais. “A gente tem que lembrar o papel do Carf, que é um tribunal que revisa os lançamentos tributários da própria Fazenda Nacional. Acho que, se há um desempate, deveria, sim, ser favorável ao contribuinte. O entendimento do ministro Barroso é o mais equilibrado”, acredita.

Judicialização

No entanto, uma particularidade do voto de Barroso preocupa os tributaristas: a possibilidade de o fisco levar a discussão para a Justiça caso perca no Carf. Segundo os especialistas, a mudança pode levar ao aumento do contencioso tributário e ao esvaziamento do tribunal.

“O objetivo do Carf é um auto-controle do ato administrativo. Quando você torna isso precário por contestação pela própria União, esvazia o Carf e cria um nível enorme de insegurança e complexidade”, observa Alessandro Cardoso. “Hoje, você gasta de três a cinco anos para entrar no Carf. [Com a mudança], a Fazenda provavelmente vai entrar com ação no Judiciário, que a gente sabe que é moroso. O Carf vai ser um órgão julgador de mera passagem, quando atualmente é uma instância de solução do litígio tributário”, comenta Anete Mair Maciel Medeiros.

Caio Cesar Nader Quintella, ex-vice-presidente da 1ª Seção do Carf, também acredita que o tribunal tende a se enfraquecer com a possibilidade de as partes entrarem na Justiça. “Hoje, o Carf é a peça mais importante em todo arcabouço do contraditório e do contencioso tributário federal, seja pela sua especialização ou pela gratuidade e celeridade no trâmite processual. É certo que o conselho afasta com efetividade as falhas na exigência do crédito tributário, lapidando e aprimorando as teses tributárias”.

Quintella teme que eventuais alterações a partir do julgamento sirvam de justificativa para implementar mudanças no Carf. “Seja qual for o resultado do julgamento no STF, muito me preocupa que alguma mudança possa servir de justificativa para se alterar o quadro da paridade ou até para se defender a extinção do Carf”, diz.

Modulação no STF sobre o voto de qualidade no Carf

Os especialistas ainda consideram fundamental que o STF faça a modulação de sua decisão caso o desempate pró-contribuinte no Carf seja considerado inconstitucional. Caso a regra do voto de qualidade retorne, tributaristas temem pela segurança de decisões pró-contribuinte tomadas ao longo da vigência do artigo 19-E.

Um ex-conselheiro do Carf que não quis se identificar diz que a Fazenda Nacional poderia promover a revisão automática dos casos em que foi aplicado o 19-E, bastando uma nova manifestação do presidente da turma para desempatar os casos em sentido contrário.

Já Alessandro Cardoso entende que, sem modulação, a revisão poderia acontecer, mas não com um rito tão sumário. “Eu entendo que deveriam ser anuladas cada uma das decisões e reiniciado o processo administrativo no Carf. ‘Virar’ a decisão, eu entendo que, juridicamente, não é possível”, observa.

Eduardo Campos, por sua vez, acredita que deve existir modulação para proteger o elo mais frágil da relação. “A modulação de efeitos deveria sempre proteger, na relação entre o fisco e o contribuinte, o polo que não tem o domínio da produção legislativa. Então, se acontecer de cair o desempate pró-contribuinte no Carf, o mínimo que o STF deveria fazer é proteger a segurança jurídica e manter esses casos em que os créditos tributários já foram anulados”, diz.

O voto de qualidade foi estabelecido pelo artigo 25, parágrafo 9º do Decreto nº 235, de 1972. Na época, os processos eram julgados pelos chamados conselhos de contribuintes. O Carf foi criado somente em 2009, pela Lei nº 11.941, e também passou a aplicar o método de desempate. O argumento para uso do instrumento é a presunção de validade dos atos da administração pública.

 

POR MARIANA BRANCO E MARIANA RIBAS

FONTE: JOTA – 25/03/2022

AGU defende cobrança do Difal-ICMS em 2023, mas polêmica continua

Maioria dos Estados deve iniciar cobrança a partir de abril. Falta de pagamento põe empresa em risco nas fronteiras

Em respeito ao princípio da anterioridade anual, o Difal-ICMS deve ser cobrado pelos Estados a partir de 2023. Entretanto, caso o STF (Supremo Tribunal Federal) entenda que a Lei Complementar 190, que trata da cobrança do imposto, não deva ser submetida a esse princípio, que os contribuintes tenham ao menos 90 dias de prazo a partir da publicação da lei para começar a pagar o tributo, ou seja, em 5 de abril.

Esse é o entendimento da Advocacia-Geral da União (AGU), manifestado em parecer enviado ao ministro Alexandre de Moraes, relator da ADI 7.070, aberta pelo Estado de Alagoas para questionar o uso dos princípios das anterioridades na análise da LC 190 e defender a cobrança imediata do imposto. O Estado do Ceará também recorreu ao STF para contestar a cobrança a partir de 2023.

O Difal do ICMS incide sobre operações de bens e serviços em que o consumidor final não é contribuinte e está em outro Estado, como no caso do e-commerce, e é alvo de uma batalha judicial entre as empresas e as fazendas estaduais em torno do início da cobrança.

Na opinião de especialistas, o posicionamento AGU pelo início da cobrança a partir de 2023 e, em último caso, a partir de abril é importante, mas não reduz os riscos de apreensão de mercadorias aos que os contribuintes estão sujeitos nas fronteiras, principalmente a partir de 5 de abril, quando vence o período da noventena.

Vale lembrar que nove Estados – Bahia, Pernambuco, Espírito Santo, Piauí, Ceará, Santa Catarina, Maranhão, Sergipe e Goiás – e o Distrito Federal derrubaram liminares nos respectivos tribunais de justiça que garantiam o pagamento do diferencial de alíquota do ICMS apenas em 2023, frustrando as expectativas das empresas.

 

FALTA DE LEGISLAÇÃO PREOCUPA

Procurada pela reportagem do Diário do Comércio, a Secretaria da Fazenda da Bahia (Sefaz-SP) informou que vai iniciar a cobrança do Difal-ICMS a partir de 5 de abril, em respeito à noventena, por orientação da Procuradoria Geral do Estado (PGE), já que a Lei estadual 14.415 foi publicada em dezembro de 2021.

A Bahia, em princípio, era um dos Estados que defendia a cobrança já a partir de 2022, sem nenhuma interrupção.

Na opinião de contadores, advogados e consultores, os contribuintes devem redobrar a atenção nas vendas de mercadorias aos Estados que ainda não publicaram leis ou atos normativos, disciplinando o início da cobrança do imposto.

Estados como o Amazonas, Ceará e Rio Grande do Norte, por exemplo, emitiram comunicados públicos informando que vão cobrar a partir de abril. “A falta de um ato formal, de uma legislação, é preocupante e algumas empresas têm ingressado com ações judiciais para evitar questionamentos”, diz Douglas Campanini, da Athros.

Para Márcio Shimomoto, diretor da King Contabilidade e vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), a decisão de recorrer ao Judiciário para evitar a cobrança deve ser avaliada caso a caso. Há empresas que vendem mercadorias perecíveis, por exemplo, que optaram por recolher para não correrem riscos. “Diante de um cenário ainda caótico, contribuintes mais conservadores estão recolhendo o imposto”, informa.

Algumas redes varejistas, por exemplo, decidiram não questionar a cobrança, de acordo com o advogado Leandro Daumas Passos, do Gaia Silva Gaede. Ele destaca que a tese pelo pagamento só em 2023 é válida, sob o ponto de vista jurídico. “Esse custo já está embutido na operação há tanto tempo e quem paga é o consumidor final.  Sob a ótica financeira, talvez não seja vantajoso correr riscos e comprar briga com o fisco”, analisa.

Para os contribuintes sem respaldo de uma decisão judicial e que eventualmente tenham problemas de apreensão de mercadorias nas fronteiras, o advogado ressalta que cabe medida judicial para impedir a retenção. “A apreensão de mercadorias como meio coercitivo para o pagamento de imposto é considerada inconstitucional pelo STF”, conclui.

 

IMBRÓGLIO

A discussão em torno da cobrança do Difal-ICMS teve início em fevereiro de 2021, quando o STF decidiu que é inconstitucional cobrar o imposto sem a existência de uma Lei Complementar.

Para regular a cobrança, foi aprovada no final de 2021, no Congresso Nacional, a Lei Complementar n° 190/2021, que só foi sancionada no dia 5 de janeiro de 2022.

A demora na aprovação e sanção da legislação, que ocorreu neste exercício, abriu brechas para a queda de braço entre as fazendas estaduais e as empresas de e-commerce.

Pela interpretação dos Estados, não se trata de aumento de imposto ou novo tributo. Assim, alguns Estados entendem que não é necessário cumprir nem a noventena (90 dias para início da cobrança a partir da publicação da lei), nem a anterioridade anual (prazo de um ano).

Para as empresas, entretanto, houve uma alteração na legislação que trata do assunto, com a inserção de novos contribuintes, fatos geradores e a previsão de novas bases de cálculo e, portanto, aumento da carga tributária, o que enseja o cumprimento do princípio da anterioridade anual, de um ano.

 

POR SILVIA PIMENTEL

FONTE: Diário do Comércio – 16/03/2022

A seletividade do ICMS como argumento pela redução do preço dos combustíveis

Conforme vem sendo amplamente noticiado na mídia, ficou para depois Carnaval a votação do PL nº 1472/2021 e do PLP nº 11/2020, os quais, de maneira distintas, tentam introduzir mecanismos polêmicos para conter o aumento do preço dos combustíveis no País.

O PL nº 1472/2021 foi proposto, inicialmente, sob 3 pilares: a criação de um fundo de estabilização dos preços de combustíveis, a criação de um imposto sobre as exportações de petróleo bruto, cuja arrecadação seria destinada a esse fundo, e a adoção de bandas de preços, com o objetivo de evitar variações abruptas, limitando os repasses de preços dentro de determinado período.

Após muitas críticas, o texto aprovado pelo relator do projeto sofreu significativas modificações, sendo a principal delas a exclusão do dispositivo que previa a criação do Imposto sobre as Exportações (IE) de petróleo bruto. Nesse particular, embora o projeto ainda mereça muitos reparos, a desistência do IE não poderia ter sido mais acertada, pois o imposto, além de altamente prejudicial para a competitividade da indústria brasileira de petróleo e gás, já nasceria inconstitucional, na medida em que a receita de sua arrecadação seria atrelada a uma finalidade específica (fundo de estabilização), o que é vedado pela Constituição Federal.

Com relação ao PLP 11/2020, o texto substitutivo que seguirá para votação no Senado prevê a alteração da Lei Complementar nº 87/96 para estabelecer a monofasia do ICMS para a gasolina, o etanol anidro combustível, o Diesel, o Biodiesel, o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), incluindo o derivado de Gás Natural, e o querosene de aviação (QAV).

Para esses produtos, a proposta é que sejam adotadas alíquotas específicas por unidade de medida, para cada produto, decididas no âmbito do CONFAZ e aplicáveis uniformemente em todo o País. Após a fixação da primeira alíquota vigente, deverá ser observado um prazo mínimo de 12 meses para o próximo reajuste. Os demais reajustes poderão ocorrer em prazo inferior, de 6 meses, todos sem a necessária observância ao Princípio da Anterioridade Anual, o que é absolutamente inconstitucional.

A busca de uma alternativa legislativa que seja capaz de frear o aumento dos combustíveis, como se pode verificar, não é simples, especialmente em ano de eleições, e aqui vale lembrar que o próprio Poder Executivo consultou o TSE sobre a viabilidade de que sejam adotadas tais medidas em ano eleitoral.

Mudando a abordagem, consideramos que seria mais interessante iniciar a dura empreitada pela redução do preço dos combustíveis pelo Poder Judiciário, mais precisamente pelo STF, buscando estender aos combustíveis o entendimento do Tribunal acerca da interpretação do Princípio da Seletividade do ICMS (RE nº 714.739/SC).

No leading case julgado sob a sistemática de Repercussão Geral, no qual figuramos como patronos, a discussão girou em torno da fixação das alíquotas de ICMS incidentes sobre o fornecimento de energia elétrica e dos serviços de comunicação sob o prisma do Princípio da Seletividade, uma vez em que a Constituição Federal estabelece que o ICMS poderá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.

Significa dizer, que os Estados poderão fixar alíquotas distintas para cada produto ou serviço, podendo majorá-las para os produtos supérfluos, ou não essenciais, mas não poderão aplicar alíquotas acima da alíquota ordinária para bens considerados essenciais.

Por 8 votos a 3, prevaleceu no STF o entendimento no sentido de que a exigência tributária deve estar harmonizada aos direitos fundamentais à vida, à dignidade da pessoa humana e ao desenvolvimento social e tecnológico do país, sendo inequívoco que energia elétrica e serviços de comunicação são “bens e serviços de primeira necessidade”.

Entendemos que o mesmo racional se aplica aos combustíveis, em razão de sua indiscutível essencialidade. Corrobora com essa afirmação, além do próprio bom senso, o fato de que a Lei nº 7.783/89, que dispõe sobre o direito de greve, define como atividade essencial o “tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis”.

Recentemente, o Decreto nº 10.282/2020, que no contexto da pandemia da Covid-19 definiu quais seriam os serviços públicos e atividades essenciais que deveriam ser resguardados, elencou expressamente a “produção de petróleo e produção, distribuição e comercialização de combustíveis, biocombustíveis, gás liquefeito de petróleo e demais derivados de petróleo”.

Portanto, não há dúvida acerca da essencialidade dos combustíveis, o que atrai, com segurança, a aplicação do precedente do STF para fixação de alíquotas ordinárias de ICMS sobre esses bens, em vez dos percentuais majorados.

Atualmente, no Rio de Janeiro, por exemplo, para a Gasolina Tipo C temos uma alíquota de ICMS de 34%, enquanto para o Etanol, uma alíquota de 32%. Parece-nos evidente, pois, que essas alíquotas não respeitam o Princípio Constitucional da Seletividade, face a essencialidade desses produtos, o que propicia o questionamento do excesso de tributação de ICMS com base no recente julgado do STF.

Sabemos, contudo, que o simples endereçamento do tema perante o STF não resolverá totalmente a questão, até porque as alíquotas de ICMS para o Diesel, para o Querosene de Aviação (QAV) e o bunker oil (utilizado em embarcações), em regra, já possuem alíquotas de ICMS abaixo da ordinária, fixada em 18%, em praticamente todos os Estados da Federação.

Por outro lado, é inegável que exigir dos Estados o cumprimento de um princípio constitucional, com base numa recentíssima decisão proferida pelo Plenário do STF, em sede de Repercussão Geral, já seria um grande passo para arrefecer boa parte da discussão que se formou em torno do preço dos combustíveis.

 

 

*Artigo publicado originalmente no Estadão.

Publicada a Lei Complementar nº 190/22, que regulamenta o diferencial de alíquotas de ICMS (DIFAL)

Foi publicada em 05/01/22 a Lei Complementar Federal nº 190/22, que regulamenta a cobrança do diferencial de alíquotas do ICMS (DIFAL) em operações interestaduais.

A edição desta lei é uma resposta à decisão do STF em fevereiro de 2021 no julgamento da ADI nº 5469 e do RE nº 1.287.019 (Tema nº 1093 de Repercussão Geral), em que o Supremo declarou inconstitucional a cobrança do DIFAL, em razão da ausência de lei complementar com normas gerais sobre a matéria. Na ocasião, o STF modulou os efeitos da sua decisão para o dia 01/01/2022.

Entendemos que a lei que majora ou institui nova cobrança do ICMS só pode produzir efeitos a partir do exercício seguinte à sua publicação (neste caso, 2023). Isto porque a Constituição Federal prevê que o ICMS deve observar o princípio da anterioridade em suas duas modalidades – a nonagesimal e a geral (ou de exercício).  Além disso, a própria LC nº 190/22 prevê que a sua produção de efeitos respeitará o art. 150, III, alínea “c”, da Constituição Federal, que prevê as duas modalidades de anterioridade.

Não obstante, a cobrança do DIFAL ainda em 2022 é de grande interesse dos estados, que têm no diferencial de alíquotas uma importante fonte de arrecadação. Tanto é assim que alguns estados chegaram a aprovar leis estaduais próprias para cobrança do DIFAL, antes mesmo da Lei Complementar nacional, e outros já manifestaram que exigirão o diferencial a partir de 01/03/2022, prazo que a LC nº 190/22 estabeleceu para adaptação tecnológica dos contribuintes.

Nossa equipe acompanhará de perto a evolução do tema nas próximas semanas. Entendemos que é inconstitucional a cobrança do DIFAL antes de 2023 ou, pelo menos, antes de 05/04/2022 (noventa dias da publicação da LC 190/22), havendo relevantes fundamentos para afastar esta exigência.

 

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Estados temem perda de R$ 26 bi, com decisão do STF para reduzir ICMS de energia e telecomunicações

Corte decide que percentual cobrado de atividades essenciais não pode ser superior à alíquota geral. Consumidor será beneficiado

BRASÍLIA E RIO – O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os estados não podem cobrar uma alíquota de ICMS sobre energia elétrica e telecomunicações em percentual acima do praticado em outros produtos. Por outro lado, não deliberou sobre a restituição de valores cobrados indevidamente.

A decisão foi tomada no julgamento de uma lei de Santa Catarina, mas tem repercussão geral, ou seja, deve ser seguida por juízes e tribunais de todo o país em casos semelhantes. O ICMS é a principal fonte de receita dos estados.

A lei catarinense estipula uma alíquota geral de 17%, mas, no caso de energia elétrica e serviços de comunicação, o ICMS é de 25%. A legislação foi questionada pelas Lojas Americanas, e o julgamento foi no plenário virtual, em que os ministros do STF não se reúnem, votando pelo sistema eletrônico da Corte.

 

Pedido de modulação

No país como um todo, a alíquota geral média é de 18%, podendo chegar a patamares superiores a 30%, dependendo da unidade da federação.

Os estados consideram a decisão como baque impossível de ser absorvido em 2022. A redução da alíquota representaria uma queda de 5,6%, o equivalente a mais de R$ 26 bilhões, em arrecadação de ICMS, segundo cálculos do Comitê Nacional dos Secretários de Estado de Fazenda (Comsefaz).

Para o consumidor, porém, a partir da data, ainda não resolvida, da entrada em vigor da decisão, o efeito chegaria de imediato:

— Como energia e telecomunicações são setores regulados, uma redução tributária tem de ser repassada diretamente ao consumidor. Para os estados, terá efeito complexo, porque o ICMS faz um mínimo de caixa e há balanços negativos. Do outro lado, a redução da alíquota pode ampliar a base de arrecadação, formalizar consumidores — avalia Fabio Florentino, sócio da área de Direito Tributário do BMA.

André Horta, diretor do Comsefaz, afirma que a redução da alíquota representa “queda de receita muito grande”, descartando chance de aumento na base de arrecadação. E diz que os estados vão pedir modulação ao STF.

Ela permite delimitar o efeito das decisões do Corte, impedindo que tenham eficácia retroativa, valendo apenas a partir da data de vigência.

— Para 2022, não há condição de cumprir. Vamos pedir modulação de efeito da decisão e que isso seja feito de acordo com o plano plurianual de cada unidade da federação. É preciso reduzir aos poucos para os estados não perderem serviços, cortando posto de vacinação ou escolas, por exemplo.

Os estados, sustenta ele, vêm enfrentando “dificuldades tarifárias graves” e seria preciso haver compensação:

— Com uma alíquota média de 18%, para manter a arrecadação seria preciso elevar em ao menos um ponto percentual para cobrir a perda.

No STF, a tese que prevaleceu foi a do relator, o ministro Marco Aurélio Mello, que se aposentou este ano. “Adotada a seletividade, o critério não pode ser outro senão a essencialidade. Surge a contrariedade à Constituição Federal, uma vez inequívoco tratar-se de bens e serviços de primeira necessidade, a exigir a carga tributária na razão inversa da imprescindibilidade”, destacou em seu voto.

Dizendo que a energia elétrica e as telecomunicações podem ser consideradas serviços essenciais, tendo em vista serem utilizadas por quase toda a população.

— Na prática, o princípio da essencialidade diz que, quanto mais essencial um produto ou serviço, menos tributação deve cair em cima dele. Mas a regra do ICMS diz que ele pode ser seletivo, permitindo aos estados cobrar alíquota seletiva. E usar isso em dois segmentos muito rentáveis em arrecadação — explica Florentino.

 

Ajuste das normas

Votaram com Marco Aurélio mais sete ministros: Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux e Nunes Marques.

Toffoli chegou a sugerir uma modulação dos efeitos da decisão, com a aplicação a partir de 2022, desobrigando assim a devolução do que foi cobrado a mais até agora. Nunes Marques também endossou a modulação proposta por Toffoli.

O processo da Americanas em Santa Catarina teve início em 2010. Dois anos depois, chegou à Suprema Corte. Mas só agora, quase uma década depois, vem a decisão.

Gustavo Noronha, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados, que representa as Lojas Americanas, diz que recursos dos estados são esperados, assim como a modulação.

— Os estados participaram dos autos, colaborando com outros argumentos e razões. Mas a decisão a favor do contribuinte saiu por oito votos a três. Os estados terão de adequar suas normas, porque pode vir uma série de ações que resultem em indenizações ao contribuinte — alerta ele.

No Estado do Rio, a alíquota é de 28% em telecomunicações e pode chegar ao mesmo percentual em energia, conforme a faixa de consumo do contribuinte. A alíquota média é de 18%. Caso seja adotada para essas duas atividades, haveria perda de R$ 3 bilhões em arrecadação.

— O impacto em 2021 deve ir para algo em torno de R$ 3 bilhões em perdas, somando energia e telecomunicações — diz o secretário estadual de Fazenda, Nelson Rocha.

O ICMS de energia e o de telecomunicações representa 6,6% e 15,5% da arrecadação fluminense desse tributo, que superou R$ 38,8 bilhões de janeiro a outubro deste ano.

 

POR ANDRÉ DE SOUZA E GLAUCE CAVALCANTI

FONTE: O Globo – 24/11/2021

Efeitos da redução do ICMS podem demorar a chegar ao consumidor

Após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido pela aplicabilidade da alíquota base do ICMS em serviços de telecomunicações, os efeitos práticos podem demorar a ser sentidos. Além da possibilidade de embargo, há de se considerar a adoção de eventual modulação, que seria decidida apenas em 2022 e com efeitos somente no ano seguinte.

Sócio do Gaia Silva Gaede, escritório que representou as Lojas Americanas na ação direta de inconstitucionalidade no Supremo, o advogado Leandro Daumas Passos lembra que o estado de Santa Catarina poderá recorrer, mas já a partir do dia 20 de dezembro o tribunal entra em recesso, voltando apenas em fevereiro. “Tem um prazo para recorrer e impugnar, e só vai estar disponível para eventual julgamento de embargo, se houver, lá para março ou abril. Então até lá vamos ver muitas discussões”, declarou ele em entrevista ao TELETIME.

Daumas espera que não haja embargo de declaração, mas lembra que, apesar de ação ter sido movida contra o estado de Santa Catarina, todos os demais estados entraram como amicus curiae. Isso porque a decisão do STF tem repercussão geral e se aplica a todas as unidades federativas que utilizam o princípio da seletividade (quanto mais supérfluo o item, maior a incidência) para a diferenciação da alíquota do ICMS.

O que o Supremo julgou foi justamente a inconstitucionalidade de se adotar uma alíquota “gravosa”, que varia de 25% a 34% em alguns estados, para um serviço considerado essencial como as telecomunicações, conforme a Lei nº 7.783/1989, art. 10, inciso VII. A tributação seletiva impede a discricionariedade praticada atualmente para a telecom.

O advogado lembra que nenhum estado adota uma alíquota única, todos utilizam a seletividade.  Desta forma, a redução afetará todos os estados, o que fará com que os percentuais base fiquem em 17% ou 18%, em média.

“A decisão não é automática porque, embora seja de repercussão geral, serão aplicadas a todas as ações em curso até a data de publicação da ata”, declara o advogado. Ele explica que, além disso, será necessário que associações setoriais e órgãos de classe (como a Conexis) e a Anatel pressionem para que os outros estados adotem a mudança ou alterem a legislação necessária em consonância com o Supremo por segurança jurídica. “Se não, vai haver mais litígio.”

Conversando com representantes de operadoras, Daumas diz que há preocupação com a operacionalização dos diferentes regimes e incidências do ICMS caso a redução da alíquota não seja adotada em outras unidades federativas. “Até em função da segurança jurídica e do respeito a decisões do plenário do Supremo.”

 

Modulação

Há também a possibilidade de se debater a modulação. A proposta do ministro Dias Toffoli, seguida pelo voto de Kassio Nunes Marques na segunda-feira, é de que a decisão passasse a valer apenas no “próximo exercício”, para dar tempo de adequar as expectativas orçamentárias dos estados. No entanto, nenhum outro ministro manifestou concordância com esse ponto, e eram necessários ao menos oito votos (três quartos de todo o colegiado). “Como só tem dois votos, a gente entende que a modulação pode ser recusada.”

Além disso, essa postergação não foi requerida pelo estado de SC, “até porque estavam ganhando”, como lembra Leandro Daumas. Quando propôs a modulação, em abril, Toffoli imaginava que haveria tempo hábil para que os estados se adequassem até o próximo exercício, em 2022. Como a decisão só chegou agora, em novembro, é possível imaginar então que comece a valer apenas em 2023. Isso se for aprovada.

“Pelo que a gente está percebendo dos julgamentos do plenário, se houver modulação, será para frente, resguardando quem já propôs ação até a publicação da ata para que os estados possam adotar as medidas necessárias para se adequarem”, coloca o advogado.

 

POR BRUNO DO AMARAL

FONTE: TELETIME – 23/11/2021