Em 8 de setembro, chegou ao Senado Federal o Projeto de Lei 2.337/2021, já aprovado pela Câmara dos Deputados, que ficou conhecido como a “reforma do Imposto de Renda”. Há anos os brasileiros buscam uma reforma tributária que, para além da redução de carga, também simplifique o nosso sistema. O motivo é simples: chegamos à conclusão óbvia de que a burocracia é ineficiente, aumenta os preços e reduz a competitividade dos produtos e serviços brasileiros.
Este contexto fez com que a necessidade de simplificação tributária no Brasil se tornasse quase uma unanimidade. Para o empresariado brasileiro, inclusive, também é unânime que o maior problema do nosso sistema tributário está na incidência sobre o consumo; afinal, temos 27 legislações diferentes que, em alguns casos, oneram mais a energia elétrica que a cerveja, por exemplo!
Partindo destas premissas, e considerando que a redução da carga tributária no Brasil é praticamente impossível diante do nosso atual cenário de gastos públicos, esperávamos reformas que visassem, no mínimo, a simplificação e a modernização do nosso sistema tributário, eliminando burocracias e contencioso. Para além disso, sonhávamos com uma reforma ampla, que discutisse a regressividade dos tributos sobre o consumo e reanalisasse o conceito de concessão de benefícios fiscais como parte de uma política pública de distribuição de renda e de eleição de itens que merecem ter o seu consumo incentivado.
As propostas de reforma tributária tratadas pelas PECs 110 e 45, e até mesmo o projeto de reforma do PIS e da Cofins (Projeto de Lei 3.887/2020), se propuseram a discutir parte destas questões, padronizando alíquotas, objetivando créditos e reduzindo tratamentos diferenciados. Portanto, é um fato que, até então, estávamos caminhando em direção à discussão de propostas de simplificação e reanálise da tributação sobre o consumo. No entanto, infelizmente, o projeto de reforma do Imposto de Renda foi em direção oposta, pois, além de não simplificar, gera novas complexidades, cria novas frentes de contencioso, aumenta a carga tributária das empresas e reduz ainda mais a nossa progressividade tributária.
A proposta traz medidas que acrescentam novas complexidades ao nosso sistema tributário porque (re)cria novo tributo sobre a distribuição de dividendos, sendo que a política de isenção dos dividendos adotada em 1996 foi fruto de um racional de simplificação, e não de redução de carga dos empresários, visto que esta isenção foi acompanhada da majoração dos tributos sobre o lucro das empresas. Ao mesmo tempo, a reforma cria diversas exceções à regra de tributação dos dividendos, dificultando a aplicação da nova legislação; e extingue o regime anual do Lucro Real, obrigando as empresas à apuração trimestral, que é uma metodologia de apuração totalmente desalinhada das demonstrações contábeis e societárias das empresas, trazendo inúmeras dificuldades operacionais ligadas, por exemplo, ao controle de provisões e à aplicação das regras de preços de transferência.
O projeto também cria novas frentes de contencioso, pois não esclarece expressamente se os lucros gerados antes da entrada em vigor do projeto também devem ser tributados se distribuídos após a vigência do projeto; e estabelece presunções de renda juridicamente questionáveis, seja em operações de devolução de capital com ativos, seja quando Fundos de Investimento em Participações alienam investimentos dos seus portfólios sem o repasse desses recursos aos cotistas.
Como se não bastasse, a proposta de reforma ainda aumenta a carga tributária das empresas que distribuem dividendos, na medida em que o efeito da nova tributação dos dividendos é superior à redução concedida nos tributos incidentes sobre o lucro das empresas. Para as empresas do Lucro Real, por exemplo, a carga tributária global dos lucros distribuídos subirá dos atuais 34% para algo próximo de 37%. Comprovando esse acréscimo de carga, recentemente foi votada alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021 para autorizar a União a utilizar as receitas provenientes da reforma do Imposto de Renda para bancar o Auxílio Brasil.
A proposta também reduz ainda mais a progressividade do nosso sistema, pois a tributação dos dividendos aumenta a carga tributária das empresas do Lucro Presumido (que normalmente são de médio porte) numa proporção sensivelmente maior do que o aumento destinado às empresas do Lucro Real (que normalmente são de grande porte). Para se ter uma ideia desse efeito, a carga tributária global incidente sobre os lucros de uma empresa revendedora de mercadorias (que fature mais do que R$ 4,8 milhões ao ano), optante pelo Lucro Presumido, e que tenha margem de lucro efetiva de 12%, subirá aproximadamente 6%, uma majoração duas vezes superior àquela suportada pelas empresas do Lucro Real.
Projeto também cria novas frentes de contencioso, pois não esclarece expressamente se os lucros gerados antes da entrada em vigor do projeto também devem ser tributado.
Além disso, o Projeto de Lei 2.337/2021 nunca foi tratado com a transparência que qualquer medida desta importância deveria ter, pois os cálculos econométricos que simulam os seus efeitos até hoje não foram apresentados para análise e debate público. A esse respeito, inclusive, vale mencionar que recentemente foi noticiado que a Receita Federal tem se negado a fornecer esses cálculos. Um completo absurdo!
Por fim, convém destacar ainda que este projeto de lei também não possui uma característica importantíssima para qualquer proposta de reforma tributária: ele não é economicamente neutro! Isto porque ele incentiva reorganizações com a finalidade de aproveitamento de exceções pré-existentes no nosso sistema, ou criadas pelo próprio projeto. Por exemplo: estimula a “pejotização” de parcela relevante da classe média e alta da população, vez que garante uma menor tributação para as pequenas empresas que para as pessoas físicas. De acordo com as regras do projeto, os trabalhadores que recebem em média R$ 8 mil por mês na pessoa física terão uma tributação efetiva em torno de 15%, enquanto que, se eles “se pejotizassem”, tais rendimentos poderiam ser tributados pelo Lucro Presumido a uma alíquota efetiva aproximada de apenas 5%.
Como demonstrado, não há dúvida de que o Projeto de Lei 2.337/2021 de reforma do Imposto de Renda poderia ter sido muito melhor elaborado. Resta, agora, esperar que o Senado Federal tenha a sensibilidade necessária para ou abandoná-lo de vez (focando nas reformas mais eficientes e amplas das PECs 110 e 45), ou transformá-lo num projeto que realmente atenda as demandas da sociedade brasileira.
*Artigo postado originalmente no Gazeta do Povo.