Cenário tributário: tendências e perspectivas para 2023

Discussões da reforma tributária e manutenção ou não da tributação reduzida sobre combustíveis devem movimentar o ano

Todo início de ano é uma oportunidade para refletir sobre o ano que passou, sobre novos sonhos, e para o planejamento de mudanças e novos projetos. Para as empresas, isso não é muito diferente, pois a virada do ano implica em profundas reflexões sobre regimes tributários a escolher e sobre logística de operações para melhor aproveitamento de benefícios fiscais e cargas tributárias. Está também no radar das empresas a estruturação de planos e estratégias para a manutenção e criação das fontes de receita, incremento da lucratividade e o aprimoramento de procedimentos de governança corporativa e fiscal, LGPD, ESG, entre outros.  

Mas o ano de 2023 será diferente, com novos temperos e expectativas.  

Em meio às discussões da PEC da Transição, do teto de gastos, do orçamento secreto (julgado inconstitucional pelo STF), dentre outros assuntos polêmicos, já há movimentações importantes na esfera tributária que não podem ser ignoradas.

A primeira delas é o suspiro de retomada da discussão da reforma tributária, que é prioridade do novo governo federal, segundo o futuro ministro da Fazenda. Dentre as medidas já debatidas está a retomada de discussão dos projetos que já avançaram no Congresso Nacional nos últimos anos, em especial da PEC 45/2019.  

Caso a mudança das regras tributárias da Constituição Federal venha a ser aprovada, haverá sensível alteração na tributação de operações de vendas de produtos e prestação de serviços, com a simplificação da apuração dos tributos e das obrigações acessórias correspondentes. A PEC 45/2009 prevê a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o PIS, a Cofins, o IPI, o ISS e o ICMS, funcionando como verdadeiro “imposto sobre valor agregado”. Na prática, as empresas pagarão tributos sobre o valor que estão gerando para a economia na sua etapa do ciclo produtivo. 

Embora haja a promessa de um período de transição de dez anos para a migração integral para o IBS, certamente as empresas já estarão diante de mudanças estruturais a serem implementadas. Isso porque atualmente muitas empresas têm suas atividades distribuídas estrategicamente em vários estados para um aproveitamento eficiente de benefícios fiscais e redução da carga tributária.  

Outro movimento que deve ser observado com atenção é a manutenção da tributação reduzida sobre os combustíveis, que está inclusive sendo debatida no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão no qual os estados discutem políticas relativas ao ICMS.  

Tal medida tem impacto direto na arrecadação do ICMS dos estados, que já estão preparando medidas para suprir o déficit orçamentário. Veja-se, por exemplo, que o estado do Paraná já sancionou a Lei 21.308/2022, que majorou a alíquota do ICMS para 19% sobre algumas mercadorias, o que também está sendo realizado por outros estados (Rio de Janeiro, Alagoas, Amazonas, Pará, Piauí e Sergipe). Além do aumento da alíquota, os estados também estão implementando fundos que diminuem incentivos fiscais concedidos anteriormente, como é o caso do Funrep, também no Paraná. 

Na esfera de regularização do pagamento de tributos em atraso, 2023 deverá ser bastante movimentado. 

Nos últimos quatro anos, apesar de muita discussão no Legislativo e pressão por parte das empresas, não houve a edição de qualquer parcelamento federal especial, tal como os Refis, o Paes, o Paex, o Refis da Copa, dentre outros. Nestes parcelamentos, o contribuinte tinha a liberdade de parcelar débitos com descontos de multas e juros, com possibilidade de pagamento dos débitos com créditos acumulados, inclusive de prejuízo fiscal.  

Há uma expectativa muito grande de que haja um retorno dos parcelamentos especiais, com a possibilidade, inclusive, de pagamento dos débitos com precatórios adquiridos de terceiros. 

Quanto aos precatórios, em 2021 foi editada a Emenda Constitucional 113/21 prevendo a possibilidade de quitação de tributos com precatórios, e muito recentemente houve a sua regulamentação (Decreto 11.249/22 e Portaria AGU 73/2022). Assim, este mercado se movimentará bastante.  

Além destas duas formas de quitação de tributos, espera-se também a intensificação das transações tributárias perante a Receita Federal e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (para débitos inscritos em dívida ativa). Tais transações também permitem a regularização tributária, com diversos descontos e prazo para pagamento, e com possibilidade de negociação da forma de pagamento com o fisco (créditos, precatórios, imóveis, dentre outros). 

Muito embora a transação seja mais aplicável a empresas com dificuldades financeiras, tem-se observado uma flexibilização das condições ao longo dos anos, pelo que se acredita que o próximo governo deve incluir mais pessoas e empresas dentre aqueles que podem buscar a regularização por esta modalidade. 

Por fim, dentre as mudanças previstas para 2023, devem ficar no radar a eventual criação do Imposto sobre Grandes Fortunas e a criação do chamado Imposto Digital, que deve incidir sobre as transações eletrônicas e serviços digitais, que muito se intensificaram nos últimos anos. Seria o retorno da CPMF, mais modernizada?  

A certeza que fica é de que 2023 será um ano de muitas mudanças, no qual veremos o empresário como um verdadeiro equilibrista com os pratos que o futuro os trará.

 

* Artigo publicado originalmente no Jota.

Reforma Tributária no novo governo eleito: o que esperar para os próximos 4 anos

Pelas movimentações do novo governo, a Reforma Tributária será um dos primeiros temas a ser discutido

O tema reforma tributária é pauta conhecida no Congresso Nacional há mais de 15 anos. Mais recentemente, a partir de 2019, foram apresentadas algumas propostas relacionadas ao tema: PEC nº 45/19; PEC nº 110/19; PL nº 3.887/20 (CBS); PL nº 2.337/21 (Imposto de Renda); entre outras.

Em resumo, as propostas de emenda à Constituição (PEC) apresentam uma reforma tributária mais profunda, unificando tributos federais, estaduais e municipais (PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISS e outros) e criando um imposto seletivo (IS). Isso significa um impacto direto na simplificação do recolhimento de tributos e potencial redução de controvérsias tributárias. No entanto, a sua aprovação se torna complexa, visto que depende de acordo entre a União, Estados, Municípios e o próprio Congresso Nacional.

Vale observar, mais uma vez, que, em um primeiro momento, essas propostas de reforma tributária não objetivam a redução da carga tributária, o que a propósito seria muito bem-vinda, mas, sim, a simplificação do sistema, garantindo maior segurança jurídica aos contribuintes.

Mas, por que simplificar o sistema é tão necessário? A resposta é simples! Segundo relatório divulgado recentemente pelo Banco Mundial, o empresariado brasileiro dedica, aproximadamente, 1.500 horas por ano para preparar, declarar e pagar tributos. Nesse sentido, a reforma tributária, se aprovada, tende a beneficiar tanto pequenas quanto grandes empresas, reduzindo o chamado “custo Brasil”.

Apesar de a PEC nº 110/19 ter sido bastante discutida em 2021 e 2022 no Senado Federal, o novo presidente eleito acenou recentemente para a PEC nº 45/19, que tramita na Câmara dos Deputados. Inclusive, um dos idealizadores da PEC nº 45/19, o economista Bernard Appy, é um dos nomes que têm se destacado nas últimas semanas. De qualquer forma, independentemente da PEC que avance, o que se espera, no momento, é que caminhemos rumo à simplificação do sistema tributário.

A atualização da tabela progressiva do IRPF é outra pauta conhecida pelo Congresso Nacional há tempos. Vale mencionar, inclusive, que o Governo Federal, em 2021, enviou à Câmara dos Deputados o PL nº 2.337. Este PL, já aprovado pela Câmara dos Deputados, encontra-se em tramitação no Senado Federal. Para os próximos quatro anos, caberá ao Congresso Nacional e ao novo governo eleito, cientes da renúncia fiscal que essa medida representa, avançar nesse assunto que tanto interessa aos brasileiros.

No contexto atual, considerando o resultado do pleito eleitoral que acabou de ser definido, a chapa vencedora terá um grande desafio para pavimentar apoio dentro do Congresso Nacional — vale mencionar que o governo eleito elegeu cerca de 130 parlamentares, o que não reúne, sequer, o quórum necessário para a instalação e votação de um projeto de lei ordinária. Além disso, por envolver reforma de tributos estaduais e municipais, também se mostra necessária a colaboração dos representantes eleitos de tais poderes, o que também pode ser uma complicação extra.

Um sistema tributário transparente e simplificado tende a fomentar maior investimento, não só por parte do empresariado brasileiro, mas também por investidores estrangeiros, o que não ocorre com a aprovação de pequenas alterações na legislação tributária.

Por fim, caso o governo eleito tenha êxito na aglutinação de novos partidos para compor sua base governamental no parlamento e consiga apoio dos governos estaduais e municipais, as chances de aprovação de seus projetos aumentam. Como a maioria das propostas na agenda tributária do governo eleito depende de emendas à constituição, há um desafiador caminho a ser percorrido para que seus projetos sejam aprovados.

 

*Artigo publicado originalmente na Gazeta do Povo.

Como as propostas de mudanças no IR afetam o mercado financeiro

Uma das grandes expectativas da população brasileira quando a Reforma Tributária começou a ser discutida pelas lideranças do país – já são mais de 25 anos em pauta –, era ter um sistema tributário menos complexo, mais eficiente e que fosse igualitariamente justo a todas às classes.

No decorrer dos anos, percebeu-se que os ânimos e a facilidade para que isso acontecesse não seriam tão eficientes. Aos poucos, a reforma foi esmiuçada e atualmente discutimos como podemos melhorar a forma de tributação do Imposto de Renda (IR).

Se de um lado temos uma classe de empresários, economistas e investidores interessados para que haja mudanças, do outro lado há tentativas de reduzir o impacto da inflação. A minirreforma do Imposto de Renda está, desde 2021, em circulação no Congresso. Nos últimos meses, o Senado ressuscitou uma nova proposta na tentativa de “agradar a todos”, mas que não foi aceita e voltou para a gaveta da Câmara.

Na prática não existe uma reforma tributária, nem uma minirreforma, mas um interesse da Receita Federal em legislar nos temas que estão judicializados e que foram decididos de forma desfavorável (como os juros sobre capital próprio, por exemplo), bem como a intenção de instituir uma tributação sobre dividendos com a expectativa de inclusão do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A contrapartida para isso é uma suposta redução de alíquota de IRPJ, mas que até o momento não foi demonstrado o real impacto pelo Ministério da Economia.

Considerando um ano que sucedeu eventos turbulentos, com crise sanitária e econômica, e que ainda apresenta seus efeitos também traçados por eleições e grandes eventos sociais, a pauta política estará comprometida para retornar à votação ainda neste ano, o que pode ser visto com bons olhos para que o projeto seja revisto e melhorado de acordo com as reais necessidades da população e não apenas vislumbrando medidas para que a conta da inflação não fique no negativo.

Enquanto isso, a população aguarda do governo que assumir, a partir de 2023, tenha não apenas a intenção, mas que atue para em uma reforma ampla e que resolva os problemas estruturais tributários. Os empresários já estão cansados de “puxadinhos” que são feitos em temas tributários e que só trazem mais insegurança jurídica.

 

*Artigo publicado originalmente na Gazeta do Povo.

Reforma do Imposto de Renda vai na contramão das necessidades do país

Em 8 de setembro, chegou ao Senado Federal o Projeto de Lei 2.337/2021, já aprovado pela Câmara dos Deputados, que ficou conhecido como a “reforma do Imposto de Renda”. Há anos os brasileiros buscam uma reforma tributária que, para além da redução de carga, também simplifique o nosso sistema. O motivo é simples: chegamos à conclusão óbvia de que a burocracia é ineficiente, aumenta os preços e reduz a competitividade dos produtos e serviços brasileiros.

Este contexto fez com que a necessidade de simplificação tributária no Brasil se tornasse quase uma unanimidade. Para o empresariado brasileiro, inclusive, também é unânime que o maior problema do nosso sistema tributário está na incidência sobre o consumo; afinal, temos 27 legislações diferentes que, em alguns casos, oneram mais a energia elétrica que a cerveja, por exemplo!

Partindo destas premissas, e considerando que a redução da carga tributária no Brasil é praticamente impossível diante do nosso atual cenário de gastos públicos, esperávamos reformas que visassem, no mínimo, a simplificação e a modernização do nosso sistema tributário, eliminando burocracias e contencioso. Para além disso, sonhávamos com uma reforma ampla, que discutisse a regressividade dos tributos sobre o consumo e reanalisasse o conceito de concessão de benefícios fiscais como parte de uma política pública de distribuição de renda e de eleição de itens que merecem ter o seu consumo incentivado.

As propostas de reforma tributária tratadas pelas PECs 110 e 45, e até mesmo o projeto de reforma do PIS e da Cofins (Projeto de Lei 3.887/2020), se propuseram a discutir parte destas questões, padronizando alíquotas, objetivando créditos e reduzindo tratamentos diferenciados. Portanto, é um fato que, até então, estávamos caminhando em direção à discussão de propostas de simplificação e reanálise da tributação sobre o consumo. No entanto, infelizmente, o projeto de reforma do Imposto de Renda foi em direção oposta, pois, além de não simplificar, gera novas complexidades, cria novas frentes de contencioso, aumenta a carga tributária das empresas e reduz ainda mais a nossa progressividade tributária.

A proposta traz medidas que acrescentam novas complexidades ao nosso sistema tributário porque (re)cria novo tributo sobre a distribuição de dividendos, sendo que a política de isenção dos dividendos adotada em 1996 foi fruto de um racional de simplificação, e não de redução de carga dos empresários, visto que esta isenção foi acompanhada da majoração dos tributos sobre o lucro das empresas. Ao mesmo tempo, a reforma cria diversas exceções à regra de tributação dos dividendos, dificultando a aplicação da nova legislação; e extingue o regime anual do Lucro Real, obrigando as empresas à apuração trimestral, que é uma metodologia de apuração totalmente desalinhada das demonstrações contábeis e societárias das empresas, trazendo inúmeras dificuldades operacionais ligadas, por exemplo, ao controle de provisões e à aplicação das regras de preços de transferência.

O projeto também cria novas frentes de contencioso, pois não esclarece expressamente se os lucros gerados antes da entrada em vigor do projeto também devem ser tributados se distribuídos após a vigência do projeto; e estabelece presunções de renda juridicamente questionáveis, seja em operações de devolução de capital com ativos, seja quando Fundos de Investimento em Participações alienam investimentos dos seus portfólios sem o repasse desses recursos aos cotistas.

Como se não bastasse, a proposta de reforma ainda aumenta a carga tributária das empresas que distribuem dividendos, na medida em que o efeito da nova tributação dos dividendos é superior à redução concedida nos tributos incidentes sobre o lucro das empresas. Para as empresas do Lucro Real, por exemplo, a carga tributária global dos lucros distribuídos subirá dos atuais 34% para algo próximo de 37%. Comprovando esse acréscimo de carga, recentemente foi votada alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021 para autorizar a União a utilizar as receitas provenientes da reforma do Imposto de Renda para bancar o Auxílio Brasil.

A proposta também reduz ainda mais a progressividade do nosso sistema, pois a tributação dos dividendos aumenta a carga tributária das empresas do Lucro Presumido (que normalmente são de médio porte) numa proporção sensivelmente maior do que o aumento destinado às empresas do Lucro Real (que normalmente são de grande porte). Para se ter uma ideia desse efeito, a carga tributária global incidente sobre os lucros de uma empresa revendedora de mercadorias (que fature mais do que R$ 4,8 milhões ao ano), optante pelo Lucro Presumido, e que tenha margem de lucro efetiva de 12%, subirá aproximadamente 6%, uma majoração duas vezes superior àquela suportada pelas empresas do Lucro Real.

Projeto também cria novas frentes de contencioso, pois não esclarece expressamente se os lucros gerados antes da entrada em vigor do projeto também devem ser tributado.

Além disso, o Projeto de Lei 2.337/2021 nunca foi tratado com a transparência que qualquer medida desta importância deveria ter, pois os cálculos econométricos que simulam os seus efeitos até hoje não foram apresentados para análise e debate público. A esse respeito, inclusive, vale mencionar que recentemente foi noticiado que a Receita Federal tem se negado a fornecer esses cálculos. Um completo absurdo!

Por fim, convém destacar ainda que este projeto de lei também não possui uma característica importantíssima para qualquer proposta de reforma tributária: ele não é economicamente neutro! Isto porque ele incentiva reorganizações com a finalidade de aproveitamento de exceções pré-existentes no nosso sistema, ou criadas pelo próprio projeto. Por exemplo: estimula a “pejotização” de parcela relevante da classe média e alta da população, vez que garante uma menor tributação para as pequenas empresas que para as pessoas físicas. De acordo com as regras do projeto, os trabalhadores que recebem em média R$ 8 mil por mês na pessoa física terão uma tributação efetiva em torno de 15%, enquanto que, se eles “se pejotizassem”, tais rendimentos poderiam ser tributados pelo Lucro Presumido a uma alíquota efetiva aproximada de apenas 5%.

Como demonstrado, não há dúvida de que o Projeto de Lei 2.337/2021 de reforma do Imposto de Renda poderia ter sido muito melhor elaborado. Resta, agora, esperar que o Senado Federal tenha a sensibilidade necessária para ou abandoná-lo de vez (focando nas reformas mais eficientes e amplas das PECs 110 e 45), ou transformá-lo num projeto que realmente atenda as demandas da sociedade brasileira.

 

*Artigo postado originalmente no Gazeta do Povo.

Reforma tributária: Brasil está de fato sozinho ao isentar dividendos?

A recente aprovação do PL 2.337/21 na Câmara dos Deputados acendeu os debates sobre a reforma tributária, especialmente um de seus pontos mais polêmicos: o propalado fim da isenção sobre dividendos.

Muito se tem escrito e debatido sobre a reforma e parece haver consenso entre os especialistas de que não há clareza sobre a tax policy — ou seja, qual é o fundamento teórico adotado pelo projeto —, além de não estarem claros os dados econômicos que o embasam.

Há várias críticas sobre a proposta, principalmente pelo fato de que, no Brasil, há uma carga tributária elevadíssima sobre o consumo, de modo a afastar o critério de comparação quanto às outras jurisdições que tributam dividendos.

Sobre a questão de tributação de dividendos, é discutível se a nova regra impactaria a distribuição de dividendos causando a (des)valorização das ações de empresas brasileiras, ao invés de fomentar caixa e gerar o efeito esperado em termos de arrecadação.

Num processo legislativo, há frequente recurso a slogans, exageros retóricos. Quanto à tributação de dividendos, além do apelo populista de se “taxar os ricos”, tem se tornado frequente ouvir que o Brasil seria o único país a não tributar dividendos, pelo menos consideradas as grandes economias.

Seria isso uma verdade?

Um paper publicado pela OCDE em 2018 se debruça sobre as regras de tributação de dividendos, juros e ganhos de capital.

Segundo discute o paper, há países que isentam dividendos, como por exemplo Singapura, uma economia de livre mercado altamente desenvolvida, ranqueada pelo Fórum Econômico Mundial como a mais aberta do mundo, a terceira menos corrupta e a mais amigável aos negócios.

Aponta ainda o paper que, embora a maioria dos países tribute dividendos de forma geral, há, sim, um amplo escopo de isenção.

Uma abordagem encontrada em países como Itália, Bélgica, Turquia e Noruega, por exemplo, é de isentar dividendos até um determinado nível representado por uma espécie de benchmark — isto é, uma taxa de retorno de investimento não sujeito a risco.

Além de eliminar a dupla tributação econômica, essa regra de isentar uma faixa dos dividendos correspondente a um investimento livre de risco tem a clara finalidade de não tornar o investimento produtivo desinteressante quando comparado com um investimento livre de risco (isto é, renda fixa). Estimular o investimento produtivo, como sabido, é um tema caro aos países em desenvolvimento, como o Brasil.

Logo, há uma considerável isenção dos dividendos neste modelo.

Outras jurisdições, ainda, isentam uma parte do lucro tributável no nível corporativo (“pessoa jurídica”) no nível do indivíduo (isto é, “pessoa física”). Finlândia, França, Luxemburgo e Turquia adotam essa regra.

Mesmo os Estados Unidos, que possuem uma das tributações mais altas sobre dividendos, isentam da tributação individual os dividendos qualificados para a faixa de renda anual de até US$ 79,999, o que está bem acima dos R$ 20 mil mensais adotados como limite de isenção pelo projeto recém-aprovado pela Câmara.

O projeto aprovado recentemente pela Câmara procura tratar da questão da dupla tributação econômica por meio da redução da alíquota do imposto corporativo.

Entretanto, como já vem sendo apontado por vários especialistas, as características do Imposto de Renda brasileiro — como a limitação de compensação de prejuízos fiscais —, além de outros fatores já citados, levam a crer que o método adotado pelo projeto para reduzir o impacto da dupla tributação econômica (redução da alíquota do imposto corporativo) pode se mostrar insuficiente.

Não bastassem todas as críticas ao projeto, o momento econômico vivido pela economia mundial — em especial, pelos países em desenvolvimento — requer cuidado extra na elaboração de políticas fiscais. Enquanto as maiores economias do mundo ainda não dão sinais claros de redução e eliminação dos incentivos econômicos visando à retomada da atividade, os países em desenvolvimento não podem se dar ao luxo de cometer erros de cálculo que podem representar barreiras ainda maiores à retomada do crescimento. Vale lembrar que dos países pesquisados no citado paper publicado pela OCDE, aqueles que possuem menores alíquotas combinadas (corporativo + individual) são aquelas economias em desenvolvimento, que guardam maior semelhança com a brasileira (e.g., Turquia, México, Chile).

Esse quadro, diga-se, pode se agravar num cenário de pressão inflacionária em nível mundial, que deve levar — cedo ou tarde — a que as economias mais desenvolvidas, em especial os Estados Unidos, passem a elevar suas taxas básicas de juros. Esse movimento, sabidamente, é muito ameaçador para as economias em desenvolvimento e alguns setores específicos com alto impacto sobre o crescimento econômico, como o setor de tecnologia.

Logo, não há dúvidas de que o contexto pós-pandemia requer ainda maior cuidado com a instituição de tributação sobre dividendos, para além dos slogans e preconcepções.

 

*Artigo postado originalmente no ConJur.

Reforma Tributária e seus impactos no Imposto de Renda

Em 25/06/2021, o Governo Federal enviou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.337, que trata sobre o Imposto de Renda. O projeto representa a segunda etapa da reforma tributária que foi anunciada pelo Governo Federal em 21/07/2020, momento em que se apresentou o Projeto de Lei nº 3.887, que institui a Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS. Desde já, destacamos que os projetos têm sido debatidos no Congresso Nacional, razão pela qual as questões aqui tratadas podem ser alteradas.

 Para as pessoas físicas, o projeto prevê (i) a atualização da tabela progressiva, (ii) a restrição a opção pelo desconto simplificado a quem recebe até R$ 40 mil reais por ano, (iii) a atualização do custo de aquisição dos imóveis registrados pelos contribuintes em suas declarações, tributando o acréscimo patrimonial à alíquota de 4% e (iv) estabelece regras anti-diferimento.

Além disso, aplicável tanto às pessoas físicas como às pessoas jurídicas, o projeto prevê a tributação dos lucros e dividendos recebidos pelo IRRF à alíquota de 20% (exclusivo de fonte), aplicável inclusive para os beneficiários do exterior. Aqui, vale o alerta de que a alíquota será majorada para 30% caso o beneficiário seja residente ou domiciliado em país de tributação favorecida ou submetido a regime fiscal privilegiado.

Por outro lado, o projeto prevê a isenção dos lucros e dividendos pagos por MEI e EPP a pessoas físicas até o limite de R$ 20 mil por mês, que deve ser observado de forma global, ou seja, considerando todas as MEI e EPP detidas pelo sócio e também todos os dividendos recebidos por seus parentes mais próximos (pai, mãe e filhos, por exemplo).

Para os lucros e dividendos distribuídos com bens e direitos, o projeto estabelece que a empresa deverá passar a considerar o valor de mercado do bem ou direito, tributando o eventual ganho de capital havido nestas operações. Destaque-se que o sócio deverá reconhecer os bens recebidos pelo valor conferido na distribuição.

Da mesma forma, a integralização de capital com bens e direitos em favor de pessoas jurídicas ou outras entidades residentes ou domiciliadas no exterior, o que pode ser realizado tanto por pessoas físicas quanto por jurídicas, deverão passar a ser realizadas pelo valor de mercado dos bens ou direitos transferidos.

Vale mencionar, igualmente, que os lucros ou as reservas de lucros que forem incorporados ao capital social das empresas não estarão sujeitas ao imposto, mas há exceções. Haverá tributação se, 05 anos antes ou 05 anos depois da capitalização dos lucros, a empresa realizar redução de capital aos sócios. Respeitados os requisitos da não tributação, o capital integralizado com dividendos não tributados terá custo zero para o sócio.

Com a volta da tributação dos lucros e dividendos, volta a ganhar relevância a figura da Distribuição Disfarçada de Lucros – DDL. Por este motivo, inclusive, o projeto também altera dispositivos legais sobre o tema, caracterizando como DDL determinadas despesas pagas pela empresa em favor dos seus sócios, as quais, além de tributadas como dividendos, também passarão a ser indedutíveis para a empresa. O projeto também esclareceu que as regras de DDL passarão a ser aplicadas inclusive aos optantes pelo Lucro Presumido, Arbitrado e Simples.

O projeto estabelece, também, que os pagamentos baseados em ações a dirigentes não empregados passarão a ser indedutíveis.

Ainda com relação aos assuntos aplicáveis tanto às pessoas físicas como às jurídicas, o projeto dispõe sobre a alienação indireta por residente ou domiciliado no exterior de ativos localizados no País. Estas operações passarão a ser tributadas no Brasil de acordo com o ganho de capital auferido. Segundo o texto apresentado, haverá uma nova obrigação acessória em que o contribuinte informará os detalhes da operação ao Fisco.

Especificamente para as pessoas jurídicas, o projeto prevê a extinção da apuração anual do Lucro Real e, consequentemente, das antecipações mensais do imposto que são próprias deste regime. Junto com essa mudança, permitiu-se a compensação do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da CSLL, sem a trava dos 30%, nos 03 trimestres imediatamente posteriores ao período em que se apurou o prejuízo. Para os demais períodos, permite-se a compensação, mas com a trava dos 30% que já existe hoje.

Além disso, propôs-se também a redução faseada da alíquota do IRPJ em 5%, sendo 2,5% para 2022 e mais 2,5% 2023. Sem alteração da alíquota do adicional do IRPJ e da CSLL.

Por outro lado, o projeto propõe que as empresas que exercem atividades de gestão de imóveis, securitização de créditos e de exploração de direitos patrimoniais de autor ou de imagem passem a ser obrigadas ao Lucro Real.

Houve também uma uniformização das bases de cálculo da CSLL e do IRPJ. Podemos citar aqui, como exemplo, o limite de dedução das despesas com royalties em 5% da receita bruta, que, hoje, é aplicável apenas para o IRPJ.

Além disso, foi proposto também o fim da dedutibilidade dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP).

Outro ponto importante diz respeito às sociedades em conta de participação – SCP, que, segundo o projeto, serão obrigadas a adotar o Lucro Real, caso o seu sócio ostensivo ou qualquer outra SCP do mesmo sócio ostensivo seja obrigado ao Lucro Real.

São adotadas, também, medidas referentes ao goodwill e a mais valia. Cite-se, por exemplo, a adequação do texto legal para evitar dupla dedução da mais ou menos valia e do goodwill em operações de incorporação, fusão e cisão. Segundo o projeto, o saldo a ser incorporado ao custo será o existente na contabilidade na data da incorporação, fusão ou cisão.

No que tange aos intangíveis, o projeto estabelece o prazo mínimo para a sua amortização fiscal na razão de 1/240 ao mês, exceto para os casos em que há prazo legal ou contratualmente definido.

Outra novidade trazida pelo Governo Federal que impactará as pessoas jurídicas é a fixação da obrigatoriedade de realizar a devolução de capital com bens ou direitos a valor de mercado. Assim, caso o valor de transferência seja superior ao custo de aquisição, haverá tributação do ganho de capital.

O projeto também altera as regras de tributação dos investimentos financeiros. De acordo com o Governo Federal, os investimentos de renda fixa e de renda variável serão tributados à alíquota geral de 15% (inclusive day trade), sendo que os ganhos líquidos auferidos nas operações realizadas em bolsa passarão a ser apurados trimestralmente.

Com relação aos fundos de investimentos, para os fundos abertos e fechados, o projeto prevê a tributação à alíquota única de 15%, com “come-cotas” em novembro de cada ano. Para os fundos fechados, o projeto também prevê a tributação dos rendimentos estocados até 31/12/21.

Especificamente para os Fundos de Investimento em Participações, o projeto almeja tributar como pessoa jurídica os FIP que não forem enquadrados como entidade para investimento. Além disso, estabelece também uma presunção de amortização de cotas (para fins de tributação pelo IR) em cada evento de liquidez de investimento.

Por fim, o projeto apresenta o fim da isenção sobre os rendimentos distribuídos pelos fundos de investimento imobiliário, que passam a ser tributados à alíquota de 15% e, na venda das cotas, a alíquota incidente sobre o ganho de capital passa de 20% para 15%.

O Projeto agora terá seu tramite no Congresso Nacional, sendo que já foi apresentado, inclusive, um Projeto substitutivo prevendo maior redução das alíquotas do IRPJ, dentre diversos outros ajustes.

Reforma pode gerar discussões judiciais

Levantamento lista 12 brechas no texto apresentado pelo governo federal

Lacunas no projeto de reforma tributária do governo federal (PL nº 3.887/2020) podem gerar novas demandas judiciais. Levantamento do escritório Mattos Filho Advogados aponta pelo menos 12 brechas que levariam os contribuintes à Justiça para evitar ou contestar possíveis autuações fiscais. Além disso, especialistas questionam se a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) viola a Constituição.

Um dos exemplos de lacunas é a possível tributação de valores obtidos com locação de imóveis, que não é classificada nem como bem nem como serviço para justificar a incidência da CBS. Também não está expresso na lei quais receitas de variação cambial e receitas financeiras em geral não serão tributadas.

Outra questão listada pelo escritório Mattos Filho Advogados trata da tributação de reservas técnicas de

seguradoras e resseguradoras, que hoje já leva contribuintes ao Judiciário. Porém, se a proposta for aprovada, deverá acabar com as tradicionais discussões sobre quais insumos geram créditos de PIS e Cofins.

“Bens é algo muito amplo. Juros bancários e variação cambial entram no conceito de bens, por exemplo, o que poderá provocar um contencioso grande”, afirma Roberto Quiroga Mosquera, sócio-diretor do Mattos Filho. “Vai cessar o contencioso antigo do que é insumo, mas começarão outros.”

Para a advogada e professora da FGV Direito SP Tathiane Piscitelli, como a locação não se qualifica nem como mercadoria nem como serviço, não incidiria CBS sobre as receitas decorrentes desse tipo de contrato. “Isso vai gerar muito contencioso porque vamos reforçar o debate sobre o conceito de serviço para saber o que é receita de serviço”, afirma.

Outro apontamento do estudo do Mattos Filho é a dúvida se há direito a créditos no caso de operação anterior ou posterior não tributada. Sobre isso, a professora diz que a exposição de motivos do projeto de lei deixa claro que a regra é a da não apropriação. “No entanto, essa determinação não está clara no PL. O ideal seria que fosse explicitado esse ponto”, afirma.

Tathiane é uma das tributaristas que defende a inconstitucionalidade da CBS. Ela lembra que a Constituição Federal não confere competência à União para tributar operação interna. “Se a CBS incide sobre bens e serviços, há invasão de competência tributária do ISS [municípios] e do ICMS [Estados].”

Para tentar mensurar o impacto da CBS, caso o texto seja aprovado pelo Congresso como está, empresas de grande porte começaram a fazer as contas, segundo o tributarista Maurício Barros, do Gaia Silva & Gaede Advogados. “Estão redefinindo a base de cálculo tributável e estimando os créditos. A maioria, não só do setor de serviços, conclui que haverá aumento de carga tributária”, diz.

Ao deixar de determinar um prazo para o ressarcimento de créditos da CBS às empresas, afirma o advogado, o governo deixa uma brecha que poderá gerar um novo contencioso no Judiciário. “A Lei n° 11.457, de 2007, exige que processos administrativos sejam resolvidos em até um ano. Além disso, se queremos adotar a boa prática internacional, nos países da OCDE, há prazo e ainda juros, se o governo decide não ressarcir sem justificativa”, diz.

Para a tributarista Valdirene Lopes Franhani, do escritório Lopes Franhani Advogados, a discussão judicial sobre a base de cálculo da tributação estaria reduzida, mas não finalizada. “Se a intenção do governo é tributar só a receita operacional, ou seja, da atividade, não a receita financeira, seu texto pode confundir ao incluir como fato gerador da CBS as receitas decorrentes de acréscimos à receita bruta, ‘tais como multas e encargos’.”

A limitação do aproveitamento dos créditos da CBS em até cinco anos também pode levar as empresas à Justiça, segundo Valdirene. “O crédito da CBS é não cumulativo e, portanto, há direito ao ressarcimento ou compensação. Limitar esse direito a cinco anos pode configurar enriquecimento ilícito”, diz.

O aproveitamento de créditos da aquisição de empresas no Simples Nacional também pode provocar litígios. O projeto apenas afirma que as empresas no Simples não pagarão CBS e delega o detalhamento a respeito para o Comitê Gestor do Simples Nacional.

Com esta lacuna, a especialista em tributação Mary Elbe Queiroz, do Queiroz Advogados Associados, diz que as compras de empresas no Simples por varejistas poderão gerar crédito de valor equivalente ao PIS/Cofins embutido no preço da mercadoria, ou a 12% do valor de PIS/Cofins destacado na nota fiscal – 12% é a alíquota da CBS. “Desta situação pode nascer uma discussão por concorrência desleal em relação às empresas fora do Simples.”

A advogada também prevê ações judiciais de empresas em cadeias de produtos monofásicos – medicamentos, autopeças e bebidas – pelo reconhecimento do direito a crédito de CBS. “Mesmo que a empresa do primeiro elo da cadeia faça o recolhimento em nome das demais, a não cumulatividade pressupõe a possibilidade de se compensar créditos”, afirma. Mary Elbe lembra que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que, se o tributo é não cumulativo, tem que ser assegurado o direito a crédito a todos os elos da cadeia (REsp 1863368).

Segundo Mary Elbe, mesmo o tratamento diferenciado de contribuintes – bancos, empresas no Simples, prestadores de serviços e indústrias – pode provocar judicialização. Para ela, pode ser alegado que a proposta do governo federal viola o princípio constitucional da isonomia. “Enquanto salmão e Porsche terão tributação menor, educação e saúde serão mais tributadas”, diz.

 

POR LAURA IGNACIO

FONTE: VALOR ECONÔMICO – 25/08/2020 ÀS 05:01