Recurso extraordinário convertido em especial: decisões dos tribunais superiores

Não é de hoje que as partes enfrentam a dualidade entre o STF (Supremo Tribunal Federal) e o STJ (Superior Tribunal de Justiça), em especial nas causas tributárias, quando normalmente estão envolvidos temas de ordem legal e constitucional. Muitas causas já ficaram sem uma solução efetiva, já que o STJ entendia que a violação envolvida era de índole constitucional, enquanto o STF entendia que tal ofensa era reflexa ou indireta e, nenhum dos dois julgava.

Com o advento do CPC de 2015, para solucionar esse tipo de problema e assegurar às partes a efetiva prestação jurisdicional, foram inseridos na legislação processual os artigos 1.032 e 1.033, os quais garantem a fungibilidade entre os recursos interpostos aos tribunais superiores.

A pergunta que fica é: a simples inclusão de tais dispositivos resolveu o problema?

O assunto é novo e merecerá uma reflexão em algumas etapas. Neste artigo, trataremos de como o STF e o STJ vêm aplicando o artigo 1.033 do CPC.

Referido dispositivo se aplica às causas em que o STF entende que a ofensa constitucional abordada no recurso extraordinário é reflexa ou indireta e o remete ao STJ “para julgamento como recurso especial”.

Na prática, ainda que não existam as condicionantes a seguir comentadas no texto legal, o STF tem restringido a aplicação deste comando aos casos em que não tenha havido interposição simultânea de recursos especial e extraordinário (e.g.: RE 984898 AgR-ED e ARE 1322127 AgR-ED), ou que, tendo havido, o recurso especial não tenha sido conhecido pelo STJ, por este ter entendido que a violação apontada era de índole constitucional.

Nesta segunda hipótese, haverá a devolução dos autos ao STJ quando a única razão de não conhecimento do recurso especial tenha sido a natureza da violação apontada (RE 1258896 ED-AgR-ED-EDv-AgR, Tribunal Pleno, 20/05/22).

O artigo 1.033 do CPC não determina a intimação da parte para complementação de razões recursais antes da remessa dos autos ao STJ, diferentemente do que prevê a hipótese legal de conversão do recurso especial em extraordinário (artigo 1.032).

Em que pese a ausência de previsão legal, visando auxiliar a corte superior na interpretação e aplicação do direito, a Comissão de Recursos e Precedentes Judiciais e o Fórum Permanente de Processualistas Civis editaram enunciados que reforçam a necessidade de concessão de prazo “para que o recorrente adapte seu recurso e se manifeste sobre a questão infraconstitucional” (Enunciado nº 80 da CRPJ e Enunciados nº 565 e 566 do FPPC).

Da análise dos casos concretos, o que se tem visto é que o STF não tem determinado a intimação da parte para complementação de razões antes da remessa. Já o STJ, ao receber o recurso convertido, por vezes tem aplicado a orientação dos enunciados e intimado a parte para complementar as razões (e.g.: REsp nº 2034706 e 2020547). Todavia, essa não é uma regra e as partes recorrentes devem ficar alertas!

Quando há a simples remessa dos autos, sem a abertura de prazo para complementação de razões e sem insurgência da parte recorrente, a regra processual da fungibilidade pode não ser aplicada corretamente, resultando no não conhecimento do recurso (e.g.: REsp 1732499/SC).

Logo, para evitar que a parte fique sem ter o seu direito analisado, entendemos que é seu direito requerer a complementação das razões recursais.

Além da fungibilidade, o CPC de 2015 também atribuiu aos recursos interpostos aos tribunais superiores a “ampla devolução” do direito debatido (artigo 1.034), para garantir que as causas serão efetivamente resolvidas à luz das normas legais ou aplicáveis.

Em casos que foram efetivamente julgados pelo STJ, restou reconhecido que “o regime de relativa fungibilidade entre os recursos excepcionais, a possibilitar o trânsito dessas espécies recursais entre este STJ e o STF” possui “o objetivo de garantir a aplicação do direito pela Corte constitucionalmente competente para apreciar a questão de mérito” (voto da ministra Regina Helena no REsp nº 1.888.091/SP, j. 26/10/22).

Em outro caso, o STJ analisou o mérito do recurso convertido sob o fundamento de que deve a Corte Superior julgar a causa “com aplicação do direito à espécie (…) ainda que por fundamentos jurídicos diversos daqueles invocados pela parte recorrente” (AgInt no REsp 1.767.321, Min. Assusete Magalhães, DJE 4/6/19).

Em que pese os entendimentos adotados nos casos acima, que estão em linha com a intenção do legislador de dar a devida prestação jurisdicional às partes, ou seja, de que elas tenham seu direito efetivamente analisado, nem tudo está resolvido.

Em outras oportunidades, foram proferidas decisões de não conhecimento dos recursos, sob o argumento de que “o autorizativo de fungibilidade entre o recurso extraordinário e o recurso especial previsto no artigo 1.033 do CPC/2015 não subsiste, no caso concreto, diante da impossibilidade de subversão da técnica de julgamento e do cumprimento dos pressupostos recursais próprios do recurso especial” (e.g.: REsp nº 1971286).

Como solucionar a exigência acima e outras tantas que surgem quando se está diante de um recurso interposto originalmente como extraordinário e que deverá ser admitido pelo STJ como especial?

Entendemos que a simples inclusão dos dispositivos legais que visam assegurar a fungibilidade e a ampla devolução do direito aos Tribunais Superiores não foi, por si só, suficiente para garantir a entrega da efetiva prestação jurisdicional.

Além da questão posta acima, existem outras a serem consideradas, como: como exigir que tenha a parte recorrente comprovado o cumprimento dos requisitos de conhecimento do recurso especial se na origem interpôs recurso extraordinário? Mesmo que haja a complementação das razões recursais, será que todos os requisitos formais do recurso especial serão atendidos? É possível ter sido prequestionada matéria legal e só ter sido interposto recurso extraordinário?

Estas questões demandarão análise própria em outro artigo.

*Artigo publicado originalmente no Conjur.