Tributação da operação “back to back” à luz da jurisprudência atual

Apesar de não se tratar propriamente de operação nova, ainda há controvérsias sobre a tributação da operação denominada “back to back“, tanto na jurisprudência das cortes superiores quanto na do Carf. Mas, afinal, no que consiste a operação “back to back“?

Trata-se de operação triangular de compra e venda, na qual uma empresa localizada no Brasil adquire determinada mercadoria no exterior para revendê-la a um terceiro também localizado no exterior, sem que o produto circule fisicamente pelo território brasileiro.

Esta forma de negociação garante à empresa nacional uma série de benefícios, porque há redução de custos logísticos, além de redução de custos tributários, em razão da desoneração dos tributos na importação e/ou exportação do bem.

No Brasil não há previsão expressa em lei da operação em questão, mas é reconhecida tanto pelas normas do Banco Central (Circular n° 3.691/2013), quanto pelas normas da Receita Federal (artigo 37 da Instrução Normativa RFB n° 1.312/2012).

Em relação à natureza dessa operação, não há outra natureza aplicável que não a natureza de operação mercantil, porque há de fato compra e venda de mercadoria por empresa brasileira, mas sem haver circulação física da mercadoria no território brasileiro. Esse entendimento é corroborado pelo posicionamento da Receita Federal, conforme se extrai da solução de consulta abaixo:

“Operação back to back é aquela em que a compra e a venda das mercadorias pela pessoa jurídica domiciliada no País ocorrem sem que essas mercadorias efetivamente ingressem ou saiam do Brasil. Essa operação é composta por duas transações de compra e venda de mercadorias, com emissão de duas faturas, uma recebida pela pessoa jurídica domiciliada no País, outra por ela emitida; do que decorre celebração de dois contratos de câmbio” (Solução de Consulta RFB nº 119/2013) – destacamos.

Dessa forma, como as mercadorias objeto de comercialização não ingressam fisicamente no território nacional, não ocorre o fato gerador do ICMS, do IPI e do Imposto de Importação (II). Apesar disso, muitos questionamentos têm surgido ao longo dos anos sobre a tributação do PIS e da Cofins nessa modalidade de operação.

Importante observar que o artigo 149, § 2º, I, da CF/88 determina que as contribuições sociais não incidirão sobre as “receitas decorrentes de exportação”. No mesmo sentido dispõe o artigo 5º, I, da Lei nº 10.637/2002 e o artigo 6º, I, da Lei nº 10.833/2003.

Em nosso entendimento, a operação “back to back” tem natureza de exportação de mercadorias, sendo, portanto, suas receitas imunes ao PIS e à Cofins, nos termos do artigo 149, §2º, I, da CF/88.

Esse enquadramento se justifica na medida em que, partindo de uma exegese teleológica, o conceito de exportação é muito mais abrangente do que a mera saída física da mercadoria do território nacional ao exterior.

Ao conceder imunidade tributária às exportações de bens, o objetivo do constituinte foi tornar mais favorável a balança comercial, conferindo, sobretudo, maior competitividade internacional às empresas brasileiras, possibilitando a criação de empregos no país, a acumulação de divisas e a irrigação da economia nacional.

Seguindo esse raciocínio, a exportação nada mais é que (1) a circulação de mercadoria de propriedade de empresa nacional destinada a outro país, (2) seguido pelo auferimento de receita por empresa sediada em território nacional (ingresso de receita em território nacional). Havendo o preenchimento desses dois requisitos, a finalidade da “exportação” estabelecida pelo constituinte estaria cumprida.

Diante disso, se a mercadoria nacional foi comercializada no exterior e se houve ingresso de divisas no território nacional, pouco importa se não houve a circulação física da mercadoria em território nacional. Neste mesmo sentido, tem-se a opinião técnica de Sacha Calmon Navarro e Misabel Derzi:

“(…) O aumento das exportações e a obtenção de superávits na balança comercial, são objetivos nacionais permanentes que possibilitam a um só tempo: A criação de empregos no país. A obtenção de renda cuja fonte está no exterior. A acumulação de divisas, pois os marcos, dólares, pesos, seja lá a moeda que for, passa ao controle da autoridade monetária, que entrega ao exportador o equivalente em reais, concorrendo para irrigar a economia sem emissão inflacionária da moeda. (…) A imunidade ora estudada, funciona como aliciante para que as empresas exportem em busca de um regime tributário menos sufocante, vez que é prática mundial a desoneração total das exportações” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado. Pareceres Direito Tributário da Energia. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 150).

Importante ressaltar que esse elemento finalístico (interpretação teleológica), em conjunto com a natureza objetiva da norma imunizante, foi decisivo para o reconhecimento da desoneração constitucional em relação às contribuições do PIS e da Cofins sobre a receita decorrente da variação cambial obtida nas operações de exportação de produtos (RE nº 627.815). O mesmo raciocínio foi também aplicado para os valores auferidos por empresa exportadora em razão da transferência a terceiros de créditos de ICMS (RE nº 606.107).

Tratando-se de matéria relativa à imunidade tributária, o STF sempre se utilizou da interpretação teleológica para concessão ou não da imunidade tributária ao caso concreto. Cita-se, por exemplo, do julgamento do RE 759.244 (2020), de relatoria do ministro Edson Fachin, que enfrentou a imunidade tributária nas exportações (Tema 674 — artigo 149, §2º, I, da CF/88).

Assim, considerando a necessidade da interpretação teleológica na análise de matérias relativas às imunidades tributárias, o conceito de exportação previsto no artigo 149, §2º, I, da CF/88 deve ser interpretado em conjunto com a natureza objetiva da norma imunizante, o que resultaria na desnecessidade na circulação física da mercadoria no território nacional.

Não por acaso, para o reconhecimento das exportações de serviços, basta o ingresso de recursos em moeda estrangeira, pouco importando onde os serviços são prestados, se no Brasil ou no exterior (artigo 6º, II, Lei nº 10.833/2003).

Para reforçar a conclusão de que se trata de operação de exportação, podemos mencionar que, nos termos do artigo 37 da Instrução Normativa RFB n° 1.312/2012, a operação “back to back” se sujeita às regras de preço de transferência (artigo 19 da Lei nº 9.430/96). Ora, o “transfer pricing” surgiu para regular as negociações de exportação e importação entre os países, sendo aplicável apenas nestes casos.

Não há cabimento a Receita afirmar que a operação “back to back” se sujeita às regras de preço de transferência e, por outro lado, afirmar que a mesma operação não se caracteriza como operação de exportação. São conclusões que se conflitam, pois contraditórias entre si.

Dessa forma, se as operações de “back to back” se sujeitam às regras do preço de transferência, devem elas ser consideradas como operações de exportação para todos os efeitos legais.

Já na visão da Receita, externada por meio da Solução de Consulta Cosit nº 306/17, tal operação não se caracteriza como exportação e sobre ela deve incidir normalmente o PIS e a Cofins, tendo como base de cálculo o valor da fatura comercial emitida para o adquirente domiciliado no exterior.

Segundo a referida Solução de Consulta, a operação “back to back” não se trata de exportação de mercadorias para o exterior, “pois a essa transação falta um pressuposto essencial para configurar a exportação de mercadorias: a saída efetiva da mercadoria do país, haja vista que a mercadoria tampouco chega a transitar fisicamente pelo território brasileiro”.

Essa matéria foi apreciada poucas vezes pelo Carf e pelas cortes superiores. Em relação ao Carf, essa matéria foi objeto de análise apenas duas vezes, a primeira no PAF nº 16561.720018/2011-77 (acórdão de 25/2/2015) e a segunda no PAF nº 16561.720017/2011-22 (acórdão de 23/2/2017).

O entendimento inicial do conselho é no sentido de que “as operações back to back credits não caracterizam exportação, razão pela qual as receitas delas decorrentes não se encontram abrangidas pela imunidade constitucionalmente prevista às contribuições sociais, sujeitando-se assim à tributação normal” (Processo nº 16.561.720017/2011-22, Acórdão nº 1402-002.375, publicado em 23/2/2017). Não há decisões da Câmara Superior de Recursos Fiscais sobre essa matéria até o presente momento.

Em relação ao STJ, a 2ª Turma daquela corte posicionou-se em 2021 no mesmo sentido do Carf, ou seja, defendendo que tais operações não se caracterizam como exportações (AgInt no REsp nº 1.705.857/RS, julgado em 19/4/2021). A 1ª Turma também já se posicionou nesse mesmo sentido (REsp nº 1.651.347, julgado em 5/9/2019).

Por mais que a discussão, em tese, também seja de âmbito constitucional (extensão da imunidade sobre receitas de exportação), ainda não há manifestação do STF sobre o tema. Das vezes que a matéria em questão chegou no STF, ela não foi analisada, sob a justificativa de que seria necessário reexaminar os fatos e as provas dos autos, o que não é cabível em sede de recurso extraordinário (a exemplo do RE nº 1.356.427, julgado em 21/2/2022).

Ocorre que, ao contrário do que afirma aquela corte, a questão não seria probatória, visto que não há dúvidas acerca dos fatos, sendo o único objeto do julgamento é a necessidade de transposição de fronteira para fins de reconhecimento de uma operação de exportação, para efeito da imunidade das contribuições PIS e Cofins (artigo 149, § 2º, I, da CF/88).

Dessa forma, apesar do entendimento desfavorável até o momento, trata-se de matéria que não está consolidada pela jurisprudência administrativa e judicial.

Acredita-se que a matéria pode ser revista pelo Carf e pelo STJ e ser analisada de fato pelo STF, especialmente porque há clara violação à imunidade prevista no referido artigo 149, uma vez que, através de uma interpretação teológica desse dispositivo, a operação de “back to back” equipara-se sim à exportação de mercadorias, pois (1) atende os requisitos para configuração de uma operação de exportação, quais sejam: circulação de mercadoria de propriedade de empresa brasileira destinada a adquirente no exterior e auferimento de receita por empresa sediada em território nacional (ingresso de receita em território nacional), bem como (2) se sujeita às regras de preço de transferência (artigo 19 da Lei nº 9.430/96).

Pouco importa se a mercadoria circulou (ou não) fisicamente pelo território nacional para fins de caracterização da operação de exportação. Considerando que não há qualquer legislação determinando que a mercadoria deva circular em território nacional, é plenamente cabível uma interpretação teleológica do conceito de exportações contido no artigo 149 da CF/88 para afastar o entendimento da RFB de que essas receitas oriundas da operação “back to back” devem ser tributadas pelo PIS e pela Cofins.

Assim, considerando que (1) existem relevantes argumentos para justificar a não incidência do PIS e da Cofins sobre as receitas oriundas da operação “back to back“, bem como que (2) a materialidade da discussão também é de origem constitucional, há a probabilidade de que essa discussão seja revista pelo Carf e/ou pelo STJ e seja finalmente analisada pelo STF, podendo ser alterado o atual cenário jurisprudencial sobre a matéria.

 

*Artigo postado originalmente no ConJur.