Virada no Carf: tributação da cessão do direito de imagem

Recentes entendimentos indicam que próximos caminhos serão menos sinuosos

Não é segredo que a rotina de quem acompanha o direito tributário no Brasil é uma grande montanha-russa, cercada de muitos altos e baixos. E, dentre uma das curvas dessa montanha-russa, recentemente o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) reviu sua posição, antes desfavorável aos contribuintes, frente a impossibilidade da cessão da imagem, tornando-a passível de transferência.

Com a expansão da mídia e das redes sociais vislumbrou-se, pelo legislador, a necessidade de adequar o direito de imagem a essa nova realidade e evidenciá-lo enquanto bem jurídico de caráter patrimonial e passível de exploração econômica.

Em busca de contemplar os valores milionários envolvendo a exploração da imagem, legislações foram editadas ao longo dos anos com o objetivo de conferir as principais diretrizes desse novo ambiente¹.

Todavia, foi com o advento da Lei Pelé que o direito desportivo consagrou a cessão da exploração e do uso da imagem, nos termos do art. 87-A².

Mas, apesar dos esforços incansáveis em conferir maior segurança jurídica aos contribuintes, os malabarismos interpretativos da Receita Federal e do Carf driblavam, ao melhor estilo Pelé, as previsões legislativas já existentes.

Diante desse cenário, pode-se dizer que, até o presente momento, a jurisprudência do Carf estava dividida em dois grandes momentos históricos.

O primeiro pode ser exemplificado pelos casos de i) Carlos Massa³ e ii) Luiz Felipe Scolari, o Felipão⁴. Em ambos, o entendimento do órgão foi no sentido de que a tributação deveria ser feita no âmbito da pessoa física em função da pessoalidade obrigatória do direito de imagem (impossibilidade de cessão) e da quase exclusividade do tomador deste serviço.

O segundo, posteriormente a dezembro de 2015, reside nos exemplos dos jogadores Alexandre Pato⁵ e Neymar Jr⁶. O Carf decidiu no sentido de que poderiam ser tributados na pessoa jurídica os valores decorrentes de contratos de publicidade celebrados entre esta e terceiros, uma vez que o direito de imagem tem natureza civil.

Em que pese o novo posicionamento adotado nos casos acima mencionados, vislumbra-se que, até meados de 2019, ainda preponderavam no Carf julgados pela impossibilidade da cessão dos direitos da imagem e a necessidade de haver a reclassificação dos rendimentos recebidos na pessoa jurídica para a pessoa física.

Isso porque, nas razões de decidir do Conselho ao longo dos anos, prevalecia o entendimento de que a cessão de direito de imagem por desportista não se configurava como serviço intelectual⁷, à luz do art. 129⁸ da Lei do Bem.

É com a publicação do acórdão 2402-010.848, de janeiro de 2023, que o Conselho aparenta ter melhor analisado o tema e, enfim, acenado para um entendimento convincente em favor do contribuinte.

Ainda que por maioria de votos, através de uma análise patrimonialista, entendeu-se que a “indisponibilidade dos direitos da personalidade é relativa” e que “os direitos da personalidade poderão ser objeto de contrato como, por exemplo, o de concessão ou licença para uso de imagem”.

Os conselheiros destacaram que não há nenhuma irregularidade jurídico-tributária na cessão do direito de imagem para exploração por uma Pessoa Jurídica, tendo em vista que os valores atinentes ao Imposto de Renda são regularmente recolhidos na Pessoa Jurídica e não mais na Pessoa Física. Em verdade, concluiu a Turma que “inexiste no ordenamento jurídico qualquer proibição para que seja feita [a cessão do direito de imagem] a uma pessoa jurídica”.

Seguindo essa toada, em recentíssima decisão de 6/4/2023, nos autos 10872.720118/2015-37 prevaleceu, por maioria, o voto do relator José Márcio Bittes. Na oportunidade, o conselheiro, ao mencionar o REsp 74.473/RJ, reforçou que “na vertente patrimonial o direito à imagem protege o interesse material na exploração econômica, regendo-se pelos princípios aplicáveis aos demais direitos patrimoniais”.

Longe dos contribuintes enxergarem o fim da montanha-russa do direito tributário brasileiro, estes recentes entendimentos do Carf indicam que os próximos trilhos levarão a caminhos menos sinuosos e mais seguros no que tange à cessão do direito de imagem. Espera-se que essa posição venha a ser confirmada na Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf, sendo sedimentada mediante a edição de súmula específica, para assim trazer, finalmente, maior segurança jurídica sobre a tributação da cessão de direitos de imagem.

Do contrário, caberá ao contribuinte socorrer-se do Poder Judiciário ou quiçá de conceitos internacionais a respeito do tema, para fins de garantir segurança no regime de tributação da cessão do direito de imagem, temas estes que serão objeto de artigos específicos.

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¹ Lei de Direitos Autorais: Lei n° 9.610, de 19 de fevereiro de 1988; Lei do Bem: Lei 11.196, de 21 de novembro de 2005

² Art. 87-A.  O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo. Parágrafo único. Quando houver, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem”.

³ Acórdãos: nº 04-18.641, 104-19.111, 104-20.574 e 104-21.583

⁴ Acórdãos: nº 106-14.244 e 104-20.915

⁵ Acórdão: nº 2202-003.682

⁶  Acórdão: nº 2402-005.703

⁷ Acórdão 2401-005.938 e Acórdão 9202-007.322 (CSRF)

⁸ Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.

 

*Artigo publicado originalmente no Jota.