A reforma do IR: projeto natimorto

Ao longo de 2021, em evidente atropelo às propostas de reforma da tributação sobre o consumo, foi apresentado, pelo governo federal, o Projeto de Lei 2.337, que visa alterar “a legislação do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza das Pessoas Físicas e das Pessoas Jurídicas e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido”.

E quando dizemos atropelo, não nos referimos apenas à questão temporal, já que as Propostas de Emenda Constitucional 45 e 110, que visam à modificação do sistema constitucional da tributação sobre o consumo, bem como o Projeto de Lei 3.887/2020, que propõe a substituição do PIS e da Cofins pela CBS, são cronologicamente anteriores.

Referimo-nos também ao aspecto de urgência e relevância, na medida em que a tributação sobre o consumo é um dos grandes entraves à retomada do crescimento econômico no Brasil.

O atual sistema de tributação indireta, calcado em pelo menos cinco tributos – ICMS, ISS, IPI, PIS e COFINS – gera, apenas a título exemplificativo, os seguintes efeitos: “injustiça fiscal”, já que as camadas mais baixas acabam pagando proporcionalmente mais tributos; guerra fiscal entre os Estados e entre os Municípios; seletividade perversa, da maneira como implementada; complexidade para apuração dos tributos; milhares de horas por ano com vistas à conformidade fiscal, mediante cumprimento forçado de obrigações acessórias volumosas e que, por vezes, induzem o contribuinte a erro; contencioso administrativo e judicial, muitas vezes, indesejável.

Daí a surpresa de um projeto de “reforma do imposto de renda” que, aparentemente, vem acompanhado de um capital político superior àquele relativo à reforma do sistema tributário sobre o consumo, bem mais importante.

De todo modo, convém nos explicarmos.

Com exceção da necessidade de atualização da tabela de imposto de renda das pessoas físicas, fundamental em tempos de inflação, os demais pontos da “reforma do IR”, não preenchem os critérios de urgência e importância tal qual defendidos.

O PL 2.337/2021 foi redigido por representantes da Receita Federal, com um caráter claramente arrecadatório, razão pela qual, foi fortemente criticado pelo mercado e sofreu alterações. Adicionalmente, o sistema do imposto de renda brasileiro é relativamente simplificado, se comparado aos tributos indiretos, que demanda bem menos custo de conformidade, além de gerar, comparativamente, menos contencioso nos tribunais.

Neste último aspecto, importante mencionar que, desde 1996, encontra-se praticamente em desuso a Distribuição Disfarçada de Lucros – DDL, que certamente ressuscitaria, se a reforma viesse a ser aprovada, e cujos conceitos subjetivos contêm o ingrediente perfeito para reinaugurar todo um universo de discussões contenciosas.

No que tange à questão da não tributação dos dividendos, fala-se, por um lado, que gera injustiça fiscal, já que os mais ricos deixam de pagar imposto. Aí cabe uma observação: a concentração da tributação da renda na pessoa jurídica, ou a sua divisão entre pessoa jurídica e pessoa física, é uma questão de política fiscal. Tendo o Brasil optado pela primeira possibilidade, é fato que o lucro líquido, ao ser distribuído aos sócios, já estará reduzido por uma alíquota corporativa majorada, o que desmantela esta falsa sensação de injustiça social.

Nos países que tributam os dividendos, as alíquotas corporativas são bem menores que as do Brasil, sem falar na possibilidade de não arrecadação caso as empresas decidam não distribuir lucros, destinando-os, por exemplo, a reinvestimento, ao passo que, no sistema brasileiro, a arrecadação não está sujeita a esta casualidade, sendo imediata no momento da geração do lucro.

Outra falácia que se tem ouvido é que o Brasil é um dos únicos países que não tributa os dividendos; porém, o que se esquece de observar é que, entre os países que os tributam, grande parte prevê uma considerável faixa de isenção o que, na prática, gera uma não tributação dos dividendos.

Por fim, em se tratando da extinção dos juros sobre o capital próprio, esquece-se que este instituto tem atraído e mantido investimentos estrangeiros no Brasil, podendo sua eliminação acarretar consequências bastante negativas, além do fato de estar sendo, ou já ter sido instituído, mutatis mutandis, em vários outros países (como, por exemplo, Itália, Chipre, Bélgica, entre outros – em relação ao ACE – Allowance for Corporate Equity).

A intenção não é, por um lado, esgotar as críticas a cada ponto da reforma do imposto de renda, senão demonstrar que ele não é dos mais urgentes, bem como carrega componentes absolutamente questionáveis. Por outro lado, sanados gargalos mais nefastos como a reforma da tributação sobre o consumo, nada nos impede de reformarmos nosso sistema de tributação sobre a renda, desde que com o devido tempo, e ouvindo-se o mercado e os setores econômicos que o compõem e a sociedade em geral.

Já encerrando, o projeto carece de viço, portanto, provável e igualmente natimorto, também sob a ótica jurídico-tributária. Isso pelos pontos questionáveis que contém e que, caso aprovados, certamente serão objeto de forte questionamento judicial, por parte dos contribuintes. Estes últimos já exaustos da sanha fiscal, que insiste em apostar na conhecida e malfadada fórmula de aumentar as fontes de custeio estatal, ao arrepio da sensação de crescente pressão fiscal. Um verdadeiro torniquete que drena a energia de nossa economia como um todo, e a dos pagadores de tributos, individualmente.

*Artigo publicado originalmente no Estadão.

Cashback: Qual o tratamento tributário?

No mundo dos negócios, atrair novos clientes e manter os antigos satisfeitos não é, e nunca será, nada fácil. Essa tarefa é ainda mais desafiadora diante da competitividade do mercado empresarial. É neste contexto que o cashback, estratégia utilizada nos Estados Unidos desde a década de 90, vem sendo cada vez mais adotado no Brasil, desde as empresas do setor varejista até as instituições financeiras.

Através da devolução ao consumidor de parte do valor investido na compra, o cashback atinge seu objetivo de atrair e manter a clientela satisfeita, ampliar a visibilidade da empresa no mercado e de impulsionar as vendas. A versatilidade desta estratégia permite que ela seja customizada a partir das necessidades de cada negócio, podendo a devolução de parte do dinheiro ocorrer imediatamente à compra ou em um momento posterior para ser utilizado em transações futuras ou ser depositado em conta corrente.

Embora as pesquisas apontem que o cashback é muito procurado pelos consumidores na hora de realizar uma compra, é preciso muito cuidado na instituição e delimitação das características do programa. É que a ausência de regulamentação específica sobre o assunto, permite interpretações sobre qual seria o tratamento jurídico e contábil adequado para o cashback.

Vale ressaltar, ainda, que a forma como as operações são realizadas no contexto atual do e-commerce acrescenta um tempero adicional na definição da natureza de cada programa, visto que, nessas situações, o cashback pode ser ofertado aos consumidores não diretamente pelo vendedor das mercadorias, mas sim pelo marketplace ou pela instituição financeira responsável pela intermediação das operações.

É importante destacar que a forma como o cashback é instituído, bem como a identificação dos responsáveis financeiramente pelo pagamento da restituição ao consumidor, constituem fatores decisivos na sua classificação contábil, o que impacta diretamente no tratamento tributário, podendo inclusive reduzir a base de cálculo de tributos, o que diminui os custos e potencializa os ganhos dos programas.

Na prática, verifica-se que as operações de cashback podem ser estruturadas e interpretadas de diferentes formas, como por exemplo:

1. Benefício concedido aos clientes e que independe de quaisquer condições, concedido em razão da mera aquisição do bem ou serviço pelo cliente. Um exemplo desse tipo de estratégia é a concessão de valor equivalente à 10% da compra no momento de sua realização, sem quaisquer condições futuras para sua concretização;

2. Concessão de cashback vinculado à evento incerto, que será aperfeiçoado apenas após a efetivação da operação que deu origem ao benefício. Exemplificativamente, encontramos os programas que oferecem cashback após atingimento de determinado volume de compras.

Do ponto de vista contábil, verifica-se que existem operações que são registradas pelas empresas concedentes como ajuste de preço/receita, como desconto condicional, como desconto incondicional ou, ainda, como despesa operacional (vinculada à gastos com marketing, por exemplo).

Por sua vez, cada forma de execução dos programas e sua contabilização possuirão suas repercussões tributárias específicas. Por exemplo, operações que resultem em redução de receita, influirão na diminuição das bases tributáveis de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, enquanto operações registradas como despesa poderão ser dedutíveis para fins do IRPJ e da CSLL, mas não gerarão créditos de PIS e Cofins.

Fato é que diante dos vários modelos e estruturas de programas existentes, bem como da diversidade de operações realizadas no âmbito do comércio eletrônico atual, é imprescindível que, antes de instituir essas estratégias, seja realizada uma análise cuidadosa do caso concreto para definição dos termos dos contratos firmados (com clientes e parceiros) e atribuição do correto – e mais vantajoso – tratamento contábil e tributário a ser conferido ao cashback.

STF e a não cumulatividade do PIS e da Cofins

Há quase 03 anos, presenciávamos a finalização do julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170, tema 779, sob rito dos repetitivos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, por maioria de votos, consolidou o entendimento da Corte acerca dos critérios de essencialidade e relevância para fins do aproveitamento dos créditos de PIS e Cofins, oportunidade em que foi declarada a ilegalidade das Instruções Normativas SRF 247/2002 e 404/2004.

Apesar de o resultado preliminar ter sido considerado uma vitória aos contribuintes, a discussão ainda não foi encerrada, tendo em vista a interposição de Recurso Extraordinário (RE) que pleiteou o sobrestamento dos autos até o julgamento do RE 841.979, tema 756 da repercussão geral, a ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O tema 756 retomou a atenção dos contribuintes após ser pautado para julgamento no início de outubro de 2021; entretanto, após pedido da empresa autora do leading case, os autos foram retirados de pauta e aguardam nova inclusão.

A discussão abarcada nos autos do RE 841.979 reveste-se de extrema relevância e sua conclusão pode, inclusive, alterar os rumos traçados pelo REsp 1.221.170. Isso porque, enquanto naquele caso o STJ discutia a melhor interpretação para o termo “insumo”, consoante o inciso II do artigo 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, neste caso, o STF apreciará justamente a constitucionalidade dos referidos dispositivos à luz da interpretação do parágrafo 12 do artigo 195 da Constituição Federal.

O leading case do tema 756 refere-se a mandado de segurança, impetrado por empresa dedicada à industrialização e à comercialização de bens de consumo, que busca o reconhecimento do direito ao aproveitamento de créditos de PIS e Cofins sobre todas as aquisições de bens e serviços, dentre as quais os dispêndios com publicidade, propaganda, intermediação, corretagem, despesas financeiras, mão-de-obra, vigilância, entre outros – inclusive, aqueles não tributados na etapa anterior.

Segundo a argumentação do contribuinte, o parágrafo 12 do artigo 195, instituído por meio da Emenda Constitucional 42/2003, autorizou, em plano constitucional, a criação da sistemática não-cumulativa das contribuições sociais, que já havia sido introduzida pelas Medidas Provisórias 66/2002 e 135/2003 (convertidas posteriormente nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003), em sede das quais foram especificadas as regras a serem aplicadas pelas pessoas jurídicas (industriais, comerciais e prestadoras de serviço) que a este regime se sujeitariam.

Ocorre que o constituinte conferiu ao legislador infraconstitucional exclusivamente a prerrogativa de definir os setores de atividades que se sujeitariam à sistemática da não-cumulatividade. Porém, a partir das mencionadas leis, foram impostas, em seu artigo 3º, efetivas restrições aos créditos de PIS e Cofins, em medida flagrantemente inconstitucional.

O parecer da Procuradoria-Geral da República, por sua vez, defendeu o não conhecimento do RE 841.979, solicitando que os autos sejam julgados pelo Superior Tribunal de Justiça como recurso especial e, subsidiariamente, pleiteou que fosse fixada tese no sentido de que a não-cumulatividade do PIS e da Cofins pode ter seus contornos definidos pela legislação infraconstitucional, conforme autorização do parágrafo 12 do artigo 195 da CF, e que o modelo instituído pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 deve ser interpretado tomando-se como parâmetro a base de cálculo dos tributos, isto é, a receita ou o faturamento[1].

Entretanto, a interpretação da União não pode prevalecer, sob risco de se colocar em xeque a própria exegese constitucional da não-cumulatividade do PIS e da Cofins, além de transgredir importante princípio da isonomia tributária.

Para entendermos melhor a controvérsia e a sua importância ao cenário jurídico atual, devemos fazer uma breve regressão ao regime não-cumulativo das contribuições no ordenamento jurídico brasileiro.

Conforme anteriormente mencionado, o regime não-cumulativo do PIS e da Cofins, instituído na forma da Emenda Constitucional 42/2003, outorgou ao legislador infraconstitucional a competência estrita para que pudesse definir para quais setores econômicos seria possível a aplicação desta sistemática.

Com isso, o objetivo pretendido no parágrafo 12 do artigo 195 foi alcançado por meio do artigo 8º da Lei 10.637/2002 e do artigo 10 da Lei 10.833/2003, que arrolaram as empresas (e receitas) que estariam fora da sistemática não-cumulativa da incidência do PIS e da Cofins. Assim, ao contrário do que objetiva a União, não caberia ao legislador, especialmente com fulcro no dispositivo em referência, delimitar os critérios da não-cumulatividade inerentes ao PIS e à Cofins.

O princípio da não-cumulatividade do PIS e da Cofins visa a evitar a incidência em cascata das contribuições sociais para desonerar os setores empresariais abrangidos por essa sistemática, de modo a fazer com que cada agente da cadeia arque com seu ônus apenas sobre o valor agregado ao produto. O objetivo é permitir que todo e qualquer dispêndio que viabilize o faturamento seja passível de aproveitamento, calculado sobre valores relativos a custos e despesas operacionais em geral (sistemática “base contra base”).

A sistemática “base contra base” é o que viabiliza que o contribuinte apure créditos à alíquota global de 9,25%, ainda que adquira de fornecedor que esteja sujeito ao regime cumulativo ou ao Simples Nacional, fato que justifica, inclusive, o aproveitamento de créditos quando as aquisições não tenham sofrido tributação. Vale rememorar que, à época da instituição da sistemática não-cumulativa do PIS e da Cofins, a própria Receita Federal do Brasil era assente nesse sentido[2].

Assim, temos que o princípio da não-cumulatividade do PIS e da Cofins é pleno. Portanto, a limitação do alcance da não-cumulatividade do PIS e da Cofins introduzida pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, por arbitrar quais custos e despesas são passíveis ou não de crédito e, ainda, vinculá-los ao processo produtivo ou de prestação de serviços, é diametralmente contrária à determinação constitucional.

A intenção do constituinte ao permitir a sistemática da não-cumulatividade do PIS e da Cofins foi o de conferir maior eficiência econômica, visando corrigir distorções decorrentes da cobrança cumulativa dos tributos em determinados setores. Entretanto, a partir de estudos econômicos, na forma como atualmente são aplicadas, as alíquotas efetivas do PIS e a Cofins não-cumulativos representam maior onerosidade do que aquelas do PIS e Cofins do regime cumulativo, inclusive, com impactos econômicos distintos dentro do próprio regime não-cumulativo, a depender do setor da atividade.

Tal desequilíbrio é perfeitamente ilustrado pela recente vitória de contribuinte que teve o direito ao crédito das contribuições sobre despesas com proteção de dados, derivadas da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), reconhecido pela Justiça Federal de Campo Grande – MS[3], cujo entendimento enquadrou tais dispêndios como “insumos” incorridos por “imposição legal”. Neste caso, a empresa conta com uma linha produtiva em meio à sua principal atividade comercial, fato que afastou a discussão sobre a possibilidade de empresas comerciais descontarem créditos sob a rubrica de insumos.

As demais empresas comerciais, cuja sujeição às mesmas regras de proteção de dados também é obrigatória, não detêm o mesmo direito de aproveitamento dos créditos, de modo que são colocadas em nítida desvantagem perante as empresas industriais por sofrerem uma aplicação mais onerosa da incidência do PIS e da Cofins.

Outro exemplo é a Solução de Consulta Cosit nº 164/2021, em que a RFB reconhece o direito ao crédito de despesas relacionadas à proteção contra a Covid-19 (máscaras de proteção, álcool em gel, luvas) pelo enquadramento como insumos, mas apenas quando destinadas aos funcionários da área produtiva. Ora, sendo a Covid-19 uma pandemia de impactos globais, não só as indústrias foram obrigadas (por lei, inclusive) a aderirem a medidas de prevenção e combate à doença, a despeito de que, na sistemática atual, apenas estas empresas podem descontar créditos sobre tais despesas.

Todas as vitórias dos contribuintes nessa seara se deram sob a ótica da interpretação da legislação infraconstitucional; contudo, apenas o STF tem a prerrogativa de julgar pela sua inconstitucionalidade. Dessa forma, o resultado do RE 841.979 pode ser um verdadeiro divisor de águas na temática da não-cumulatividade dessas contribuições sociais.

Em outras palavras, o julgamento do RE 841.979 tem o poder de trazer equilíbrio e isonomia aos contribuintes, caso o resultado se dê pela inconstitucionalidade do artigo 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 à luz do parágrafo 12 do artigo 195 da Constituição Federal. Com isso, os contribuintes poderão creditar-se de todos os dispêndios incorridos na atividade empresarial que contribuam para a geração de receitas, dando maior eficácia àquilo que se buscou ao se instituir este regime tributário.

Então, só nos resta aguardar o desfecho desta que parece ser a tese, não apenas do século, mas do milênio, dada a magnitude de seu impacto tanto para os contribuintes, como para a União.

[1] “A não cumulatividade incidente quanto às contribuições sociais ao PIS e à Cofins pode ter seus contornos definidos pela legislação infraconstitucional, conforme autorização constante do art. 195, § 12, da Constituição da República, com a redação conferida pela EC 42/2003. O modelo instituído pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2033 deve ser interpretado tomando-se como parâmetro a base de cálculo dos tributos em análise (i.e., a receita ou o faturamento, consoante o art. 195, I, b, da Lei Maior após a EC 20/1998).”

[2] “EMENTA: CRÉDITOS. INSUMOS. A pessoa jurídica terá direito ao desconto de crédito relativo ao PIS/Pasep, decorrente da aquisição de matéria-prima utilizada como insumo na fabricação de seus produtos, mesmo que não tenha havido a incidência da referida contribuição na operação de compra do insumo.” (Solução de Consulta nº 02, de 13 de janeiro de 2004).

[3] Mandado de Segurança nº 5003440-04.2021.4.03.6000

 

*Artigo postado originalmente no Estadão.

Decisão do STF do Tema 962: Qual seu impacto para a não tributação do PIS e da COFINS sobre os juros de mora no indébito tributário?

Como todos já sabem, quando ocorre a recuperação de um tributo pela empresa, sobre a parcela referente aos juros moratórios há a incidência de 34% a título de IRPJ e CSLL e, a partir de 2015, de 4,65% a título de PIS e COFINS para as empresas que estão no lucro real, vez que a RFB entende que se trata de receitas tributáveis pelos contribuintes.

O STF decidiu que é constitucional a tributação das receitas financeiras pelo PIS e pela COFINS (Tema 939). Com isso, a discussão sobre a não tributação do PIS e da COFINS sobre juros SELIC na repetição do indébito tributário ganhou mais relevância, já que tais juros não são receitas e sim mera recomposição do patrimônio dos contribuintes.

E por falar em relevância, a decisão proferida recentemente pelo STF no Tema 962, que reconheceu a inconstitucionalidade da incidência do IRPJ e da CSLL sobre os juros de mora, tais como a SELIC, decorrentes de indébito tributário, reforçou um fundamento para também afastar a tributação dos referidos juros moratórios pelo PIS e pela COFINS.

A decisão entendeu que a natureza destes juros é de danos emergentes, pois decorrem de um ato ilícito que reparará uma perda patrimonial, os juros de mora aplicados sobre o indébito apenas visam “recompor efetivas perdas, decréscimos, não implicando no aumento de patrimônio do credor”.

O entendimento cai como uma luva na discussão quanto a impossibilidade de incidir o PIS e a COFINS sobre os juros de mora decorrentes do indébito tributário.

Isso porque, sendo a receita bruta a base de cálculo do PIS e da COFINS, é certo que os juros de mora decorrentes de indébito tributário, conceituados pelo STF como danos emergentes, também não poderão ser submetidos à tributação de tais contribuições, vez que não configuram receita da empresa.

Acreditamos, assim, que os mesmos conceitos firmados pelo STF no Tema 962 serão aplicados para o PIS e para COFINS, tendo em vista a similitude nos argumentos defendidos em ambas as discussões.

As empresas que conseguirem afastar judicialmente a tributação dos juros moratórios decorrentes do indébito tributário pelo PIS e pela COFINS, terão uma economia de 4,65% sobre referidas parcelas, o que representa uma relevante recuperação tributária para as empresas, especialmente àquelas que obtiveram recentemente o trânsito em julgado de outras teses tributárias, como é o caso da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.

Mais um capítulo com final feliz: novamente o PIS e a Cofins sobre o ICMS

Depois do susto decorrente de um infeliz Parecer proferido pela RFB, que dava a impressão até de ser uma brincadeira de mal gosto da Receita Federal, a PGFN, no PARECER SEI Nº 14483/2021, veio trazer luz sobre a questão e dirimir o receio do empresariado que pairou por alguns dias. Poucos dias apenas, felizmente!

Estamos aqui tratando dos supostos reflexos apontados pela RFB, decorrentes do Julgamento do STF no Tema 69 de Repercussão geral, na apuração dos créditos de PIS e COFINS não cumulativos sobre o valor do ICMS nas aquisições. Sim, é isso mesmo: nas aquisições! É exatamente por isso que nos referimos, já no início, a uma percepção de que poderíamos estar apenas diante de uma brincadeira de mal gosto da RFB, pois tecnicamente o posicionamento da RFB não se sustenta nem minimamente.

A manifestação anterior da RFB se deu no Parecer SEI Nº 12943/2021, relativo à Consulta Cosit nº 10, de 1 de julho de 2021, apontando que se não é tributável o valor do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, não seria possível se fazer o creditamento do PIS e da COFINS não cumulativos sobre o valor do ICMS nas aquisições.

Ao assim se manifestar, a RFB ignorou que (i) o julgamento do Tema 69 em nada afeta o sistema não cumulativo do PIS e da COFINS, pois isso não estava em discussão naquela ação judicial que foi destacada como leading case e (ii) enquanto a tributação do PIS e da COFINS incide sobre a receita, na qual não se inclui o ICMS, o crédito de PIS e COFINS está pautado no valor da aquisição, no qual indiscutivelmente se inclui o valor do ICMS.

Foi, mais uma vez, apenas uma infeliz tentativa de se esvaziar o resultado do julgamento do STF no RE 574.706/PR (Tema 69 de Repercussão Geral), o que trouxe mais insegurança sobre matéria que já deveria ter sido integralmente acolhida e aplicada pela RFB.

Neste Parecer aqui analisado, a PGFN se manifesta expressamente no sentido de que “não se vislumbra, com base apenas no conteúdo do acórdão, a possibilidade de se proceder ao recálculo de créditos de PIS/COFINS apurados nas operações de entrada, porque a questão não foi, nem poderia ter sido, discutida no julgamento do Tema 69”. E complementa: “Tal medida exigiria inolvidável modificação dos diplomas legais ora discutidos

Ou seja, para se afastar os créditos de PIS e de COFINS não cumulativos sobre o ICMS nas aquisições, é necessária expressa alteração da lei, haja vista que essa questão não está relacionada ao que foi decidido pelo STF no RE 574.706/PR.

Vencido este ponto, o que já será de grande alívio aos poucos contribuintes que foram surpreendidos com essa indevida investida da RFB, resta-nos lamentar uma infeliz omissão havida no PARECER SEI Nº 14483/2021 da PGFN: não há nele nenhuma menção às situações de contribuintes que propuseram suas ações posteriormente a 15/03/17, mas já tiveram o seu direito reconhecido em decisão judicial transitada em julgado, ou seja, naquelas situações onde já há coisa julgada formada em sentido diverso aos efeitos da modulação trazida no RE 574.706/PR.

Em meados de maio de 2021, chegamos a escrever aqui no Estadão um artigo intitulado “O fim da saga do PIS e Cofins sobre ICMS. Mas, será mesmo o fim?”. Lá já apontávamos para esse possível confronto que infelizmente não foi dirimido no recente Parecer.

O que nos conforta é a convicção de que, tal como nos demais capítulos da saga já percorridos, o final desta história será novamente feliz. E não podemos deixar de ter esperança de que a PFGN emita um novo Parecer, desta vez apontando expressamente a prevalência da coisa julgada nas situações aqui retratadas, de forma a elidir indesejados contenciosos tributários cujo resultado será, inevitavelmente, mais contingência para a União Federal em honorários de sucumbência decorrentes de uma briga judicial sem qualquer perspectiva de sucesso.

 

*Artigo publicado originalmente no Estadão.

Parecer PGFN 14.483/2021: crédito de PIS e COFINS sobre o valor do ICMS nas aquisições

Visando esclarecer a matéria e afastar o receio trazido aos empresários pelo Parecer Nº 12943/2021 da RFB, foi proferido pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional o Parecer SEI nº 14.483/2021/ME, no qual se esclarece, de maneira vinculante, pontos relacionados ao julgamento do RE 574.706 (Tema nº 69), dentre eles o direito ao crédito de PIS e de COFINS não cumulativos sobre o valor das aquisições, no qual se inclui o ICMS cobrado na etapa anterior.

Após reiterar que o STF firmou o entendimento de que o ICMS destacado nas notas fiscais não compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS, independentemente das alterações trazidas pela Lei 12.973/2014, e reforçar as regras de modulação já trazidas nos Embargos de Declaração proferidos no RE 574.706, o referido parecer trouxe como pontos bastante importantes:

  • Crédito na entrada: houve reconhecimento expresso de que o crédito não cumulativo apurado nas operações de entrada não foi e nem poderia ter sido impactado pela decisão do STF. Ou seja, fica mantido o direito a crédito de PIS e COFINS não cumulativo considerando o valor da aquisição, no qual se inclui o ICMS.

 

  • Valores em dívida ativa: Sobre os valores que já foram inscritos em dívida ativa e objeto de execução fiscal, houve a divisão da questão em três cenários:

Quando a execução fiscal tiver fatos geradores relativos a períodos anteriores a 15/03/2017, e a inconstitucionalidade do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS não tiver sido objeto de prévia discussão nos Embargos à Execução, prevalecerá o valor inscrito em dívida ativa, sem excluir o ICMS da base de cálculo das contribuições. Apesar de se tratar de uma questão controversa, foi esse o posicionamento da PGFN sobre essa situação específica.

Quando a execução fiscal tiver fatos geradores relativos a períodos anteriores a 15/03/2017, e a inconstitucionalidade do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS tiver sido objeto de prévia discussão nos Embargos à Execução, então deverá ser excluído o ICMS da base de cálculo das contribuições.

Quando a execução fiscal tiver fatos geradores relativos a períodos posteriores a 15/03/2017, o ICMS deverá ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS reduzindo o valor devido na execução fiscal.

A vigência do entendimento se inicia a partir da publicação ocorrida na data de hoje (29/09/2021).

 

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Contribuinte vence disputa de R$ 65 bi

Ministros do STF votaram contra a tributação da Selic sobre a restituição de impostos pagos a mais

Os contribuintes venceram, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma disputa de R$ 65 bilhões. O valor refere-se ao que deve ser restituído pela União e o que deixará de ser repassado aos cofres públicos com a decisão dos ministros contra a tributação da Selic sobre a restituição de impostos pagos a mais – a chamada repetição de indébito.

A estimativa foi feita pela Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat). O valor leva em conta os cerca de R$ 500 bilhões que os contribuintes teriam a receber por recolhimentos a mais de impostos federais – cerca de R$ 150 bilhões referem-se à Selic.

A confirmação do valor, agora, depende de eventual limitação temporal da decisão (modulação dos efeitos) pelos ministros, que pode ser solicitada por meio de recurso pela Fazenda Nacional. Como precaução, muitas empresas recorreram à Justiça na semana passada para garantir o direito – normalmente, nessa situação, mantido pelos ministros.

O julgamento, realizado por meio do Plenário Virtual e encerrado na sexta-feira (RE 1063187), atinge diretamente os contribuintes beneficiados com a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, a chamada “tese do século”. Sem a tributação da Selic, vai sobrar mais dinheiro na mão das empresas.

“As empresas estão tendo a possibilidade de recuperar esses créditos desde 2017, pelo menos, e esses créditos são atualizados pela Selic”, diz o advogado Manuel Eduardo Cruvinel Borges, sócio do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados.

Os contribuintes que ajuizaram ação há mais tempo são os que vão sentir mais diferença no bolso. E há muitos deles. Praticamente todas as grandes empresas entraram com ação para discutir a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins na primeira década dos anos 2000 e têm o direito de receber de volta o que pagaram a mais nos cinco anos anteriores ao ajuizamento do processo.

As empresas, até aqui, eram cobradas pela Receita Federal a deixar, na mesa, para o governo, 34% de todo o ganho, incluindo a Selic, por causa da incidência do Imposto de Renda e da CSLL. “Agora, com essa nova decisão do STF, vão tributar o valor recuperado sobre uma base menor”, enfatiza o advogado Gustavo Taparelli, do escritório Abe Giovanini.

De acordo com o tributarista Rafael Nichele, a decisão pode afetar o julgamento da tese sobre a incidência de PIS e Cofins em casos de repetição de indébito. O advogado afirma que pode ser aplicado o mesmo raciocínio que o relator, ministro Dias Toffoli, usou nesse caso, de que os juros de mora legais visam recompor eventuais gastos a mais que o credor precisa suportar em razão do atraso no pagamento da verba a que tinha direito.

O voto foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Edson Fachin e Luiz Fux. Os ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques divergiram e ficaram vencidos.

Ainda pode ser solicitada pela Fazenda Nacional a modulação dos efeitos da decisão, por meio de embargos de declaração. Com a possibilidade, os contribuintes foram à Justiça. O WFaria Advogados afirmou ter ajuizado dezenas de ações na semana passada. O mesmo aconteceu nos escritórios Silva Gomes e Gaia Silva Gaede Advogados. O primeiro propôs, aproximadamente, 15 ações durante o julgamento.

A expectativa da modulação se deu pela divulgação da primeira minuta do voto do ministro Luís Roberto Barroso. O texto limitava o direito às ações em curso, segundo a presidente da Comissão de Empresas da Abat, Valdirene Franhani. Mas o voto foi substituído, retirando o tópico da modulação.

Mesmo se não houvesse a indicação no voto, é comum haver modulação em casos assim. “A expectativa era grande, pois muitas empresas têm reconhecido receitas consideráveis em seu balanços, especialmente em decorrência da tese do século. Sobre essa parcela considerável de Selic agora não poderá ser exigido Imposto de Renda e CSLL”, afirma Valdirene.

 

POR JOICE BACELO E BEATRIZ OLIVON

FONTE: Valor Econômico – 27/09/2021 – Rio de Janeiro

STF reiniciará o julgamento da exclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins

No dia 27/08/2021, o ministro Luiz Fux, formalizou pedido de destaque e interrompeu o julgamento do RE 592616 perante o Plenário virtual do STF, ocasisão em que se discutia a tese sobre a exclusão do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) da base de cálculo das contribuições para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) e para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Antes do mencionado pedido de destaque, os ministros da Corte estavam divididos quanto à referida tese jurídica e o julgamento virtual estava empatado em 4 x 4. Agora o julgamento será reiniciado perante o Plenário presencial do STF com a possibilidade de alteração dos votos anteriormente proferidos e sob a relatoria do ministro Nunes Marques, sucessor do ministro aposentado Celso de Mello (art. 38, IV, A, do Regimento Interno do STF).

Aliás, registra-se que esse caso começou a ser julgado no Plenário virtual do STF em 14/08/2020, quando o então ministro relator Celso de Mello apresentou voto em que conhecia parcialmente do recurso e, nessa parte, dava provimento para excluir da base de cálculo das contribuições referentes ao PIS/PASEP e à Cofins o valor arrecadado a título de imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), e não conhecia o pleito concernente à compensação tributária por entender que tratava de matéria infraconstitucional. Em seguida, o julgamento foi suspenso em 19/08/2020 após pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

O julgamento foi reiniciado no Plenário virtual do STF no dia 20/08/2021 com apresentação e voto-vista divergente do ministro Dias Toffoli que negava provimento ao recurso extraordinário e mantinha o ISS na base de cálculo do PIS/PASEP e da Cofins.

Finalmente, registra-se que quando o pedido de destaque do ministro Luiz Fux interrompeu o julgamento virtual, o voto do então relator min. Celso de Mello era acompanhado pelas ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e pelo ministro Ricardo Lewandowski. Já o voto-vista divergente do ministro Dias Toffoli era acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Roberto Barroso.

 

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O parecer Cosit 10 e seu conteúdo antijurídico

Em resposta à consulta interna formulada pela Receita Federal do Brasil (RFB) à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), na forma do artigo 8º da Portaria RFB 1.936/2018, nesta terça-feira (24/8), foi veiculado o Parecer Cosit 10, datado de 1º de julho deste ano, que versa sobre a exclusão do ICMS na base de cálculo dos créditos do PIS e da Cofins. Apesar da grande repercussão do referido parecer, é preciso mencionar que se trata de entendimento sem efeitos vinculantes aos contribuintes.

Em sede da manifestação formulada, a RFB expressa seu entendimento quanto ao recente julgamento dos embargos de declaração opostos no Recurso Extraordinário 574.706 (Tema 69 da repercussão geral), a partir do qual extrai uma conclusão equivocada quanto aos impactos relativos à apuração dos respectivos créditos do regime não cumulativo.

Em que pese o RE 574.706 não tenha se debruçado sobre os créditos do PIS e da Cofins, mas apenas dos débitos, a RFB menciona o voto da ministra relatora Cármen Lucia que concluiu que o ICMS representa mera receita transitória das empresas, sendo destinado aos cofres públicos, portanto, não sujeitos à incidência das contribuições sociais. A partir disso, a RFB vincula essa acepção às Leis 10.833/2003 e 10.637/2002, especificamente quanto ao §2º do artigo 3º, que versa sobre o afastamento do direito ao crédito na aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento das contribuições.

A RFB afirma, resumidamente, que deve ser efetuada a exclusão do valor do ICMS destacado na nota fiscal de aquisição quando da apuração dos respectivos créditos, tendo em vista que o valor do ICMS destacado na nota fiscal não integraria o preço/valor do produto. Além disso, também conforme seu entendimento, aduz que a não cumulatividade do PIS e da Cofins é obtida a partir do sistema de “base contra base”, logo, uma vez excluído o ICMS da base dos débitos, haveria que se excluir também da base dos créditos, apelando, ainda, para o princípio da razoabilidade.

Conforme mencionado, o entendimento da RFB baseia-se em uma série de premissas equivocadas, a começar pela própria interpretação desvirtuada da não cumulatividade do PIS e da Cofins, passando pela completa ausência de relação do julgamento do RE 574.706 com o tema dos créditos, e também pelo fato de que tal entendimento em nada contribui para a preservação do princípio de não cumulatividade no sistema “base contra base”.

Justamente pelo fato de adotar o sistema “base contra base”, sua sistemática permite que um contribuinte sujeito ao regime não cumulativo aproveite os créditos à razão de 9,25%, ainda que o seu fornecedor esteja vinculado ao regime cumulativo e tenha pagado apenas 3,65%, ou, ainda, quando sujeito ao regime do Simples Nacional. Bem diferente da não cumulatividade lastreada na mecânica “imposto contra imposto”, adotada, por exemplo, no ICMS, em que o imposto pago na etapa anterior é o exato valor do crédito a ser apropriado na etapa posterior da cadeia produtiva.

Corroborando com a exegese, a previsão dos §1º dos artigos 3º das Leis 10.833/2003 e 10.637/2002 autoriza a apropriação dos créditos a partir da aplicação das alíquotas sobre o valor dos itens mencionados no caput, sumariamente relativos aos bens adquiridos para revenda e bens e serviços utilizados como insumos na fabricação de produtos destinados à venda (incisos I e II).

Veja que o legislador não utilizou o termo “custo”, permitindo que o contribuinte prestigiasse a não cumulatividade do PIS e da Cofins a partir da aplicação dos percentuais sobre o “valor da aquisição”, o qual abarca todo e qualquer desencaixe financeiro despendido pelo adquirente para a obtenção do bem, assim abrangidos os tributos incidentes na operação de venda, inclusive os recuperáveis, como é o caso do ICMS.

Para fins de ratificar o entendimento acerca do conceito de “valor”, a RFB se norteava pela Instrução Normativa SRF 404/2004 que, em seu artigo 8º, previa expressamente que o ICMS integra o valor de aquisição de bens e serviços, de modo a ser considerado na base de cálculo dos créditos do PIS e da Cofins.

Contudo, com a publicação da Instrução Normativa RFB 1.911/2019, a RFB acabou por não reproduzir o mesmo dispositivo, dispondo apenas acerca da inclusão: 1) do seguro e frete pagos na aquisição quando suportados pelo comprador; e 2) do IPI quando não recuperável (este último em linha com a antiga IN 404/04).

Embora a alteração na IN pudesse indicar uma tentativa futura de sabotar o crédito sobre o ICMS, sob a ótica jurídica, essa alteração não produziu quaisquer efeitos práticos, já que, de fato, ela suprimiu algo que, de tão óbvio, nem precisaria estar expressamente mencionado, na medida em que o “valor de aquisição” certamente abrange tributos tal qual o ICMS em questão.

Ocorre que o STF não analisou o tema referente à base de cálculo dos créditos do PIS e da Cofins, tendo em vista que essa questão não foi trazida à baila da ação. À época, inclusive, a interpretação da RFB era assente acerca da inclusão do ICMS na composição do “valor de aquisição” para fins de cálculo dos créditos, o que evidencia que a mudança de entendimento veio como medida para suavizar os impactos econômicos do julgamento do Tema 69.

Assim, diante do fato de que o Parecer Cosit 10/2021 não é vinculante aos contribuintes, e muito embora possa dar a entender que se abriria uma nova etapa da discussão da exclusão do ICMS destacado nas notas fiscais de venda, na base do PIS e da Cofins, é muito importante que cada contribuinte faça criteriosa avaliação do caso, já que a antecipação de discussões no Judiciário, por exemplo, pode ter reflexos negativos, tais como antecipar uma situação que talvez não venha a ocorrer, inviabilizando, por conseguinte, toda a discussão dessa questão em esfera administrativa.

Reiteramos nosso entendimento no sentido de que o referido parecer revela entendimentos antijurídicos que, caso venham a ser enfrentados nos tribunais, não devem prevalecer, e destacamos, outrossim, pelo fato de que tal parecer não vincula a autoridade fazendária administrativa, a necessidade de extrema cautela e acompanhamento minucioso da eventual evolução (futuras publicações de soluções de consulta vinculantes, eventuais alterações na legislação infra legal) de mais essa tentativa de solapar um direito tão profundamente discutido, ao longo de tantos anos, pelos contribuintes que, de maneira diligente, recorreram de forma técnica ao Poder Judiciário.

 

*Artigo postado originalmente no ConJur.

Modulação do tema 69: inaplicabilidade à coisa julgada

Recentemente, noticiou-se que a União Federal estaria utilizando a modulação de efeitos trazida no Tema 69 pelo STF para ajuizar ações rescisórias, com o objetivo de impedir a utilização de créditos tributários dos contribuintes que propuseram ações judiciais após 15 de março de 2017.

Nos casos noticiados, foram proferidas duas decisões em ações rescisórias[1] (uma ajuizada no Tribunal Regional Federal da 4ª Região e outra no Tribunal Regional Federal da 5ª Região), nas quais se determinou a paralisação das compensações efetuadas pelos contribuintes.

Nas duas decisões liminares, totalmente inadequadas, a nosso ver, com a devida vênia, os relatores reputaram como “plausível” a alegação de que as decisões rescindendas estariam em desacordo com o prazo fixado pelo STF.

Ocorre que, em nosso entendimento, a probabilidade de prevalência dessas decisões liminares é bastante remota, até porque elas não apreciaram os fortes fundamentos pelo não cabimento e pela absoluta improcedência das ações rescisórias, especialmente o fato de que a modulação de efeitos não é causa apta a justificar o ajuizamento de ações rescisórias.

Ora, se nem mesmo uma decisão posterior do STF, proferida em sentido contrário a uma anterior já transitada em julgado, poderia tornar sem efeito a coisa julgada, com mais razão ainda não pode a modulação de efeitos de uma decisão do STF, que está em harmonia com a coisa julgada já formada anteriormente, torná-la sem efeito, como pretende a União Federal.

Com a regular tramitação das ações rescisórias, reafirmamos a nossa convicção de que os Tribunais Regionais Federais reconhecerão o não cabimento e/ou improcedência das ações.

Reforçamos que o tema aqui analisado não se aplica aos contribuintes que ajuizaram ações antes de 15/03/17, pois a modulação dos efeitos da decisão do STF não os atinge.

____

[1] Processo nº 5029969-88.2021.4.04.0000 (TRF4) e Processo nº 0808389-27.2021.4.05.0000 (TRF5).

 

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