Claramente se observa um movimento dos tribunais, tanto judiciais como administrativos, no sentido de desonerar os pagamentos a administradores
Posicionando-se pela primeira vez sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu em agosto, por maioria de votos, que as verbas pagas a administradores, sejam conselheiros ou diretores, são sempre dedutíveis na apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), independentemente de serem valores mensais e fixos.
Com isso, a 1ª Turma do tribunal considerou, por 3 votos a 2, indevidas as limitações à dedutibilidade desses pagamentos impostas por normas infralegais, a saber, o artigo 31 da Instrução Normativa da Receita Federal nº 93, de 1997.
Claramente se observa um movimento dos tribunais no sentido de desonerar os pagamentos a administradores
Para a maioria dos julgadores, capitaneados pelo voto da ministra Regina Helena Costa, os pagamentos a administradores são dedutíveis por serem precípua e intrinsecamente operacionais, caracterizando-se como despesas necessárias, comprovadas e usuais da pessoa jurídica.
Assim, o único filtro de dedutibilidade de tais pagamentos deveria ser o do artigo 311 do Regulamento do Imposto de Renda de 2018, que preconiza que são operacionais as despesas “usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa”, que é exatamente o caso das verbas pagas aos administradores, agentes indispensáveis ao bom funcionamento da atividade empresarial. E não poderia ser diferente, pois não se tem conhecimento de uma só empresa que prescinda de um sujeito que a administre.
Isso, é claro, desde que não haja legislação em sentido estrito (emanada do Congresso Nacional) que diga o contrário, tarefa essa que não pode ser delegada ao poder regulamentar da Receita Federal, em respeito ao princípio constitucional da estrita legalidade tributária.
Dessa forma, como hoje inexiste lei que expressamente determine a impossibilidade de dedução, da base de cálculo do IRPJ, dos pagamentos a administradores da pessoa jurídica, sejam eles mensais e fixos ou não, não há como discordar da recente decisão do Tribunal da Cidadania que, aliás, é digna de louvor, posto que, além de garantir a correta aplicação do princípio da legalidade, ajusta, por um lado, a apuração à materialidade do imposto com base no conceito constitucional de renda, e, por outro, age como medida de justiça fiscal, uma vez que essas verbas já são tributadas pelo Imposto de Renda da Pessoa Física, no momento de seu recebimento. Frise-se que o dispositivo do Decreto-Lei nº 5.844/1943 que dispõe que serão adicionados os valores retirados das empresas que não corresponderem à remuneração mensal e fixa foi revogado pelo Decreto-Lei nº 2.341/1987.
Isso posto, trata-se de uma decisão a ser comemorada, dada a sua acuracidade e tecnicidade tanto do ponto de vista jurídico quanto econômico, sendo esperado que provoque uma verdadeira corrida ao Judiciário por parte dos contribuintes, na medida em que a Receita Federal, assim como os tribunais regionais locais, possui entendimento diametralmente oposto.
Por outro lado, é mister pontuar que referida decisão do STJ não abordou o quanto disposto no artigo 315 do RIR/2018, que tem como fundamento legal o artigo 58, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 1.598/1977, bem como o parágrafo 3º do artigo 45 da Lei nº 4.506/1964, segundo os quais “não serão dedutíveis como custos ou despesas operacionais as gratificações ou as participações no resultado, atribuídas aos dirigentes ou administradores da pessoa jurídica”.
Por esse motivo, a Receita Federal entenderá que as gratificações e as PLR pagas aos administradores continuam sendo indedutíveis na apuração do lucro real, já que essas verbas não teriam sido apreciadas na decisão do STJ, que abordou apenas as verbas ou honorários supostamente mensais e fixos.
Entretanto, os argumentos utilizados na decisão do STJ, sabidamente o caráter operacional dos pagamentos aos administrados interpretados à luz do conceito legal e constitucional de renda, aplicam-se igualmente às gratificações e PLR, razão pela qual essas verbas também deveriam ser consideradas dedutíveis na apuração do IRPJ. Nesse caso, seria ainda mais aconselhável o ingresso de uma medida judicial preventiva, a fim de afastar prováveis investidas do Fisco federal contra essa dedução.
Especificamente no tocante às gratificações de administradores, vale mencionar a decisão da 4ª Câmara da 3ª Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que recentemente afastou a contribuição previdenciária (INSS) das verbas pagas a título de PLR a diretores estatutários, baseando-se no fato de que em nenhum momento as leis que regulam a PLR os excluem e, ainda, na própria Constituição Federal, que institui a participação nos lucros como direito dos “trabalhadores urbanos e rurais”, conceito esse que também abrangeria os diretores estatutários.
Claramente se observa, portanto, um movimento dos tribunais, tanto judiciais como administrativos, no sentido de desonerar os pagamentos a administradores. Seja do ponto de vista da dedutibilidade das despesas, seja da perspectiva da não incidência da contribuição previdenciária sobre a PLR, acompanha-se o desenho de um novo cenário de tributação dos pagamentos a administradores, o que deve estimular a contratação de uma gestão mais profissional das pessoas jurídicas, esperando-se que reverta para o bem, de forma direta e imediata, da própria empresa e, indiretamente, da sociedade como um todo, por meio da geração de empregos e de renda.
*Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.