Nossos advogados da área Contratual prepararam um informativo tratando de alguns impactos da pandemia da COVID-19 nos contratos. Os tópicos abordados foram elaborados de forma genérica e abrangente, podendo sofrer alterações a depender da peculiaridade do caso prático.
1. Quais são as consequências nos casos de inadimplemento contratual em virtude da COVID-19? Posso ser penalizado?
Cumpre esclarecer, inicialmente, que as consequências do inadimplemento contratual em decorrência da pandemia provocada pelo COVID-19 vão depender da natureza do contrato. Aqui vamos nos deter às relações comerciais reguladas pelo Código Civil Brasileiro. Via de regra, o inadimplemento contratual é regulado pelo artigo 475 do Código Civil, que autoriza a parte lesada a pedir a resolução do contrato, caso não opte em exigir o seu cumprimento, bem como indenização por perdas e danos.
Essa regra, todavia, comporta exceções, quais sejam: (i) caso fortuito e força maior, nos termos do artigo 393 do Código Civil; e (ii) em caso de onerosidade excessiva (Teoria da Imprevisão), nos termos do artigo 478 do Código Civil.
Os eventos citados acima podem, a nosso ver, servir de base para discussão tendente a relativizar a integral imposição de disposições contratuais que se mostrem inviáveis nessas condições.
2. Caso eu não consiga pagar parcelas de contratos de empréstimos e financiamentos em razão da crise envolvendo a COVID-19, há algo que possa ser feito?
Os Tribunais Brasileiros costumam ser rigorosos na aplicação dos dispositivos relacionados ao caso fortuito e força maior e a onerosidade excessiva. Não raro nos deparamos com decisões que negam o reconhecimento de caso fortuito e força maior a hipóteses, por exemplo, de contrato de compra e venda futura de produtos agrícolas cuja plantação é afetada por alguma praga. Isso se dá porque entendem os Tribunais que o risco “praga” é inerente ao negócio e não pode ser alegado como evento excepcional e imprevisível. Da mesma forma temos interpretação parecida no tocante à onerosidade excessiva. Como exemplo, citamos os contratos em moeda estrangeira, em que a simples variação do câmbio em prejuízo de uma das partes não seria evento extraordinário e imprevisível, já que por natureza o câmbio, invariavelmente, oscila, sendo este um risco inerente ao negócio.
No entanto, a situação que estamos vivendo, pode ter melhor sorte. Isso porque, dado que há medidas de restrição à circulação de bens e pessoas, fechamento de estabelecimentos comerciais, oscilação de câmbio e dos mercados em virtude da pandemia (e aqui frisamos a relação de causa e efeito), é possível, ao que nos parece, sustentar a ocorrência de caso fortuito e força maior e a consequente onerosidade excessiva. O que regulará o uso de um ou outro instituto é a existência do inadimplemento (caso fortuito e força maior) ou a dificuldade no adimplemento (onerosidade excessiva).
Não obstante as considerações acima, cumpre esclarecer que cada situação é singular e deverá ser analisada oportunamente.
3. Qual é a melhor alternativa para os contratos que se tornaram excessivamente onerosos em razão dos reflexos da COVID-19?
Se, de fato, a pandemia causada pela COVID-19 for reconhecida como um evento extraordinário e imprevisível, haverá espaço para que o artigo 478 do Código Civil, que trata da onerosidade excessiva, seja aplicado. Feito esse esclarecimento, ressalvada a hipótese de uma negociação extrajudicial, a rigor, o reconhecimento da onerosidade se dá por via judicial, podendo ter 3 (três) desdobramentos a saber: (i) nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, o devedor poderá pedir a resolução do contrato; (ii) para evitar a resolução, o devedor poderá, alternativamente, propor à contraparte, a revisão do contrato para reestabelecer o seu equilíbrio; e (iii) se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá esta pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva decorrente da COVID-19.
4. A COVID-19 é uma das causas de caso fortuito e força maior?
Considerando a definição de caso fortuito e força maior trazida no parágrafo único do artigo 393 do Código Civil, é possível afirmar que a COVID-19, por seus efeitos não poderem ser evitados ou impedidos, pode ser classificada como evento fortuito e de força maior ou ainda ser o gatilho para a configuração de onerosidade excessiva.
5. Vou atrasar a entrega de uma obrigação contratual em razão dos reflexos da crise, como posso minimizar os impactos e evitar penalidades?
O artigo 422 do Código Civil prescreve que os contratantes são obrigados a respeitar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Isso significa dizer que, considerando que a COVID-19 enquadra-se, em princípio, na hipótese de caso fortuito e de força maior e pode dificultar ou até mesmo impedir o cumprimento de determinadas obrigações nos prazos avençados, é possível ao devedor, ciente que ocorrerá o atraso no adimplemento da obrigação, notificar previamente à contraparte, oferecendo a esta uma nova forma de cumprir a obrigação ou, ainda, repactuar os prazos. Importante notar que o mesmo raciocínio se aplicaria, em tese, caso a hipótese tratasse da onerosidade excessiva.
6. Os índices e prazo de reajuste de preço previstos nos contratos podem ser alterados unilateralmente em razão dos reflexos da COVID-19?
Considerando que os contratos são acordos bilaterais da vontade das partes e contemplam regra de anualidade de reajuste de preço, com a utilização de indexadores legalmente permitidos na legislação brasileira para recomposição da moeda no tempo, tais como INPC, IPCA, IGPM etc., não se mostra razoável que uma das partes possa promover de forma unilateral, ou seja, sem a expressa concordância da outra parte contratante, qualquer alteração no tocante ao índice e prazo ajustado, bem como deixar de aplicar unilateralmente referido reajuste, em decorrência dos efeitos causados pela COVID-19.
7. É possível pleitear a revisão do preço do contrato em razão de onerosidade excessiva decorrente de efeitos gerados pela COVID-19?
Diante dos efeitos causados pela COVID-19, nos casos em que a obrigação tenha se tornado deveras onerosa, pode o credor da obrigação buscar repassar para a outra parte valores excepcionais ao preço contratualmente acordado, por exemplo, diferença cambial etc. Caso não haja acordo extrajudicial sobre tal repasse, caberá ao devedor da obrigação requerer judicialmente a revisão buscando restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Neste caso reiteramos que deverão ser comprovados os requisitos para a revisão de preços dos contratos, de modo que evidenciando que tal desequilíbrio acarreta a onerosidade excessiva para a prestação exigida de um dos contratantes em comparação com a contraprestação recebida da outra parte.
8. Posso terminar um contrato com justificativa na crise da COVID-19?
Conforme pontuado anteriormente, observadas as peculiaridades do caso prático e a depender dos impactos da pandemia sobre determinado contrato, esta pode ser invocada para “terminar” um contrato. No entanto, o devedor da obrigação deverá fundamentar seu pedido de modo a evidenciar que a ocorrência da pandemia é um fator impeditivo para o cumprimento de sua obrigação ou está tornando o respectivo adimplemento deveras oneroso.
9. Para os casos que envolvem o direito do consumidor, quais são as melhores medidas que podem ser adotadas para minimizar os impactos da crise?
Com relação aos contratos de consumo, não podemos descartar a hipótese de prevalência de entendimento jurisdicional pela aplicação da força maior somente em benefício do consumidor e, considere-se que, apesar dos impactos causados pela COVID-19, o fornecedor tinha a obrigação de cumprir as obrigações assumidas na forma do contrato. Entretanto, é preciso pontuar que os tribunais pátrios nunca enfrentaram questões como as que se apresentam nesse momento em que a COVID-19 está impondo prejuízos a todos os fornecedores de bens e serviços dado o avanço da doença e o alto índice de contágio.
Nesse caso, apesar do código consumerista silenciar sobre o tema, entendemos que é possível socorrer-se do disposto no Código Civil e dos princípios gerais de Direito, garantindo também ao fornecedor a proteção dos seus direitos e de seus negócios.
10. Como ficam a boa-fé objetiva e o dever de renegociar os contratos nesse momento?
Como já mencionado acima, para que se descumpra uma obrigação contratual ou termine um contrato a partir de um evento inevitável, imprevisto ou extraordinário, ou seja, em momentos de crise como estamos vivendo em tempos de COVID-19, não basta existir o fato, é preciso que haja a impossibilidade de cumprimento da obrigação contratual para se cogitar a liberação do devedor em razão de caso fortuito e força maior, o que somente se consegue verificar caso a caso. O mesmo racional se aplica em casos de onerosidade excessiva.
No entanto, é preciso atentar que nem mesmo um acontecimento gravíssimo como uma pandemia mundial podem, de forma generalizada, declarar que de agora em diante ficam todos desobrigados do cumprimento das obrigações contratuais assumidas ou que os contratos podem ser extintos ou obrigatoriamente revistos. É preciso ter muito cuidado com direcionamentos dessa natureza, em abstrato, especialmente aquelas que podem ser invocadas para embasar o descumprimento de contratos e obrigações deles decorrentes em meio a um cenário de crise.
Deve-se preservar a boa-fé contratual bem como o dever de renegociar à luz daquilo que de fato afeta a relação obrigacional estabelecida, não devendo o evento e o caos econômico que se insurge serem fatores que apenas tornaram o contrato firmado desinteressante do ponto de vista negocial.
Mesmo nos casos em que os contratos sejam economicamente afetados, é importante pensar em soluções alternativas para que sejam preservados as relações jurídicas estabelecidas e o cumprimento das obrigações, de modo que haja uma verdadeira solidariedade social, zelando pela cooperação mútua e lealdade entre as partes.
Somente assim, considerando extinção de vínculos contratuais e revisão judicial de contratos em situações extremamente urgentes e inevitáveis, haja vista, inclusive, o funcionamento restrito de nosso judiciário, conseguiremos não submergir à crise e não sucumbir à pandemia também no mundo dos negócios.
Clique aqui para outros temas recentes.