Desafios e perspectivas para o comércio exterior e o direito aduaneiro em 2023

O final do ano de 2022 se aproxima e, após um período de extrema incerteza no mundo em decorrência dos efeitos ainda latentes da Pandemia do Covid-2019, sobretudo da guerra entre Rússia e Ucrânia, que alterou o fornecimento de gás na Europa, pode-se dizer que, de forma global, desde 2021, vem ocorrendo um incremento positivo nas operações de comércio exterior realizadas pelo Brasil, fato este que tem feito com que essa temática ganhe cada vez mais destaque.

De acordo com dados disponibilizados pelo “site” do Ministério da Economia, a balança comercial brasileira teve variação positiva de 37% em 2021 se comparado a 2020 e, até o mês de novembro, de 23,4% em relação ao ano passado. Especificamente em relação às importações, no período de janeiro a novembro de 2022, houve um crescimento de 26,2% em relação a 2021, segundo dados da Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais – SECINT.

A fim de fomentar e incrementar as operações de exportação e importação, o Governo Federal vem implementando mudanças importantes na legislação aduaneira. Um exemplo disso é a internalização do texto revisado da Convenção de Quioto, por meio do Decreto nº 10.2176/20, em que o país assumiu o compromisso global de facilitação e desburocratização dos procedimentos aduaneiros, dentre os quais se encontra o procedimento de conferência e desembaraço aduaneiro.

Nessa linha, podemos afirmar que 2022 foi um ano voltado a dar efetividade aos compromissos assumidos na Convenção de Quioto e aos acordos firmados com a OMC. A esse respeito, podemos citar o acordo de cooperação comercial com os Estados Unidos, cujo objetivo, dentre outros, é reduzir custos nas operações praticadas, promover medidas anticorrupção, aperfeiçoar processos regulatórios, assegurar procedimentos aduaneiros eficientes e transparentes e garantir previsibilidade no procedimento aduaneiro. Ou seja, o referido acordo garantirá maior agilidade ao procedimento aduaneiro, o que, sem sombra de dúvidas, acaba sendo um fator de facilitação e de estímulo para o mercado.

A própria administração tributária e aduaneira segue a linha de fomento às atividades do comércio exterior, ao instituir, pela recentíssima Portaria nº 253/2022, o Fórum Administrativo de Diálogo Tributário e Aduaneiro(Fata) para a promoção da conformidade fiscal no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, constituindo um importante canal permanente de diálogo e de relacionamento cooperativo com os órgãos e as entidades representativas das categorias econômicas e profissionais que atuam na área fiscal e aduaneira.

Como podemos ver, o Brasil vem adotando medidas para a simplificação dos procedimentos aduaneiros – cite-se a esse respeito a implementação do Portal Único de Comércio Exterior – que vão ao encontro dos acordos comerciais dos quais é signatário, o que, ao nosso ver, é extremamente positivo, pois acaba por fomentar tanto o mercado externo quanto o interno, uma vez que muitas empresas acabam deixando de lado essas operações em razão da complexidade dos procedimentos aduaneiros.

Inclusive, um ótimo exemplo do quanto é importante a desburocratização do procedimento aduaneiro são as importações de pequeno valor via e-commerce, que vem aumentando exponencialmente nos últimos anos. Tanto é assim que, até setembro deste ano, essas operações somaram o valor de US$ 8,49 bilhões, o que representa um aumento de mais de 200% com relação ao mesmo período de 2021.

Além disso, em relação à carga tributária nas importações, o que se viu nos últimos anos foi a intensa concessão de regimes aduaneiros especiais de redução do Imposto de Importação, os chamados ex-tarifários, para bens de capital e de informática, sem produção de similar nacional, fomentando a entrada dessas mercadorias em território nacional e, por consequência, a atividade de diversos setores da economia.

Ademais, dentre todas as novidades que temos dessa temática neste ano, podemos citar também o Decreto nº11.090/22, posteriormente regulamentado pela Instrução Normativa nº 2.090, que trouxe alterações relevantes na legislação aduaneira. Referidas normas, além de trazer inovações importantes no que se refere aos métodos de valoração aduaneira utilizados na importação, também previram expressamente a exclusão das despesas de capatazia do valor aduaneiro, encerrando, assim, a controvérsia que se arrastou por longos anos sobre essa matéria. Essa última providência torna o custo dos tributos federais menos oneroso nas importações, além de potencialmente trazer um reflexo positivo na incidência do ICMS nessas operações.

No que se refere a 2023, desde já podemos afirmar que o ano vindouro se mostra bastante promissor para o setor de exportação, pois a partir de 1º de janeiro passará a valer o regime de drawback na modalidade suspensão também para os serviços relacionados à logística de produtos destinados à exportação.

Pode-se dizer, ainda, que há também boas perspectivas para as empresas optantes pelo Simples Nacional, pois a Portaria Conjunta SECINT/RFB nº 76/2022 trouxe inovações importantes para este tipo de empresa, eis que, pela primeira vez, lhes será concedida a possibilidade de usufruir os benefícios do regime de drawback na importação.

Certamente, nos próximos anos, o mercado interno começará a sentir os efeitos positivos dessas alterações, principalmente porque, com a simplificação das operações e a concessão de benefícios os produtos nacionais, terão novos mercados consumidores em razão da internacionalização das empresas brasileiras.

Ainda, as soluções de conflitos afeitos às importações, no âmbito do Poder Judiciário e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), também podem ser fonte de boas perspectivas para o ano de 2023. A título de exemplos, destacam-se a decisão reconhecendo que o valor aduaneiro não serve como base de cálculo do PIS/COFINS na importação de serviços (Processo 5009377-66.2022.4.02.5101, da Justiça Federal do Rio de Janeiro), assim como as decisões proferidas pelo CARF que analisam com critério a ocorrência de interposição fraudulenta, afastando-a quando fundamentada em meros indícios e conjecturas (Acórdão 3401-010.570).

Espera-se, também, que em 2023 o Brasil consiga estender suas relações internacionais, a fim de fomentar o comércio internacional, principalmente se considerarmos que o Presidente eleito, em seus mandatos anteriores, construiu uma política externa com grande ativismo, levando o país a atuar em locais que até então eram pouco explorados. Ou seja, muito embora a perspectiva neste momento acerca do aumento da balança comercial para o próximo ano não seja das melhores, acredita-se que esse cenário pode ser alterado em decorrência da política externa que o novo Governo venha imprimir.

São muitos os desafios que o país enfrentará no âmbito do comércio internacional em 2023, não apenas pelas pessimistas perspectivas dos analistas especializados (que falam em recessão internacional e aumento da inflação), mas também por temas domésticos delicados, que vão de constantes paralisações de auditores fiscais a bloqueios de caminhoneiros pelas rodovias nacionais. Espera-se que o Governo Federal, a despeito de questões políticas, tenha habilidade e mantenha iniciativas que favoreçam as importações e exportações.

 

*Artigo publicado originalmente no Estadão.

Controvérsia sobre inclusão dos serviços de capatazia na base de cálculo do valor aduaneiro

O Superior Tribunal de Justiça é a última instância da Justiça para julgar as causas infraconstitucionais, tendo como objetivo, segundo seu sítio eletrônico, “oferecer à sociedade prestação jurisdicional efetiva, assegurando uniformidade à interpretação da legislação federal”.

A Corte figura como guardiã da aplicação da lei federal, atua na preservação do ordenamento vigente e da segurança jurídica.

Atualmente, para julgar matérias de direito público (como controvérsias tributárias), o STJ possui duas Turmas, quais sejam, a 1ª e a 2ª Turmas. Em caso de existência de divergência entre as decisões destas Turmas do STJ ou em casos de julgamento de recursos repetitivos, os processos são julgados pela 1ª Seção do STJ que congrega componentes das 2 Turmas e tem a missão de uniformizar o entendimento dentro da Corte.

Ocorre que o STJ, em algumas situações, não vem observando sua missão constitucional de uniformizar a jurisprudência, gerando um cenário de absoluta insegurança jurídica, com guinadas bruscas de sua própria jurisprudência.

O exemplo mais recente disso foi o julgamento da controvérsia quanto à inclusão das despesas de Capatazia (despesas de manuseio de mercadorias / contêineres nos pontos de desembaraço – em inglês conhecida como “Terminal Handling Charge”) na base de cálculo de tributos devidos na importação.

Em síntese, diversos acordos internacionais (como o GATT) e o próprio regulamento aduaneiro (art. 77, I e II, do Decreto nº 6759/09) definem que integram o valor aduaneiro os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada ao porto ou ao aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado.

A Receita Federal, objetivando majorar a base de cálculo dos tributos incidentes na importação, exige a inclusão das despesas com capatazia no valor aduaneiro que servirá de base para esses tributos. Os contribuintes defendem, de forma acertada, que os valores relativos à capatazia (THC) não podem compor o valor aduaneiro, pois se referem a despesas ocorridas após a chegada das mercadorias ao porto/aeroporto, em território brasileiro.

Desde o ano de 2014, a 1ª Turma do STJ já havia enfrentado a matéria, concluindo, por maioria de votos, que o entendimento da Receita Federal “ao permitir (…) que se computem os gastos com descarga da mercadoria no território nacional, no valor aduaneiro, desrespeita os limites impostos pelo Acordo de Valoração Aduaneira e pelo Decreto 6.759/09, tendo em vista que a realização de tais procedimentos de movimentação de mercadorias ocorre apenas após a chegada da embarcação, ou seja, após a sua chegada ao porto alfandegado”.

Na sequência, no ano de 2015, a 2ª Turma do STJ, por unanimidade, proferiu decisão no mesmo sentido, afastando a inclusão das despesas com capatazia (THC) da base de cálculo dos tributos aduaneiros (AgRg no REsp 1434650/CE, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª T, DJe 30/06/2015).

Após as referidas decisões, a matéria foi pacificada na Corte: “as Turmas que compõem a Primeira Seção deste Tribunal Superior firmaram compreensão de que o valores suportados pelos serviços de capatazia não se incluem na base de cálculo do Imposto de Importação” (AgInt no REsp 1495678/CE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 02/05/2017).

Mesmo considerando que a matéria era pacífica nas 2 Turmas, o STJ afetou a matéria para julgamento pela sua 1ª Seção como representativo da controvérsia (Resps 1799306, 1799308 e 1799309).

Para surpresa geral, no dia 11/3/2020, a 1ª Seção do STJ, por maioria, deu provimento ao recurso especial da Fazenda Nacional, entendendo que os serviços de capatazia devem ser incluídos na composição do valor aduaneiro, devendo incidir os tributos aduaneiros (como o Imposto de Importação).

O referido julgamento, que deveria apenas ratificar um entendimento pacífico da Corte, acabou por alterar abruptamente mais de 5 (cinco) anos de julgados favoráveis à tese, após terem sido proferidos dezenas de acórdãos e centenas de decisões monocráticas pela Corte, muitas delas já transitadas em julgado em favor dos contribuintes, além de prejudicar a imagem do país, uma vez que atenta contra os acordos e regulamentos internacionais de que o Brasil é signatário.

No momento em que o direito brasileiro vem criando ferramentas para atribuir maior segurança jurídica, por meio do fortalecimento da jurisprudência das Cortes Superiores (como a sistemática dos recursos repetitivos), o julgamento da 1ª Seção do STJ demonstra que tal não vem ocorrendo na prática do STJ, já que, em um único julgamento com quórum incompleto, toda a jurisprudência da Corte foi revista, sem sequer haver discussão quanto à uniformidade esperada pelo Tribunal.

 

*Artigo originalmente postado no Jornal O Estado de S. Paulo