Carf: Transmissão de sessões vai continuar quando houver retorno ao presencial?

Em um cenário de normalidade sanitária, órgão pretende julgar casos acima de R$ 36 milhões em sessões presenciais

Em meio a informações que indicavam melhora na situação sanitária no fim do ano passado, alguns tribunais anunciaram o retorno dos julgamentos presenciais em 2022. Embora o cenário tenha voltado a ser de incertezas com a chegada da variante Ômicron, a perspectiva de retomada das sessões presenciais levantou entre advogados a discussão sobre a continuidade da transmissão das sessões.

Alguns tribunais, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), já anunciaram que manterão a transmissão das sessões mesmo com a volta à sistemática presencial. Outros, como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), definiram que assim que os julgamentos voltarem ao sistema anterior à pandemia as transmissões serão interrompidas.

Advogados, porém, ressaltam a importância da manutenção das transmissões e da possibilidade de participação remota como ferramentas de transparência e diminuição de custos com deslocamento.

om as restrições impostas pela pandemia, tribunais como o STJ, o Carf, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) passaram a realizar sessões remotas e transmiti-las ao vivo.

No caso do Carf, em 2020, as sessões eram gravadas e disponibilizadas na internet alguns dias após a realização. No entanto, a partir de agosto de 2021, passaram a ser transmitidas ao vivo pelo canal do órgão no YouTube.

Na avaliação de advogados consultados pelo JOTA, a transmissão de julgamentos representa um ganho em termos de transparência. “O fato de [o julgamento] ser televisionado ou transmitido pela internet, no geral, é positivo. Traz uma transparência para toda a sociedade. Você tem acesso aos debates, às intervenções, a todo o raciocínio que foi traçado durante o julgamento”, afirma Thiago Barbosa Wanderley, sócio da área de Tributário do Ogawa Lazzerotti & Baraldi Advogados.

Cassio Sztokfisz, sócio do Schneider, Pugliese Advogados, afirma que a transmissão ao vivo possibilita um controle maior da sociedade sobre os agentes públicos. “Quando há um controle maior, isso implica em decisões mais cuidadosas. Existe o princípio da publicidade da prestação jurisdicional, é sempre bom para uma sociedade democrática”, diz.

No entanto, dos tribunais mencionados, somente o STJ e o Cade confirmaram a continuidade das transmissões mesmo com o retorno presencial. O STJ, por enquanto, tem o retorno presencial definido para fevereiro. O Cade, que havia retornado às sessões presenciais em outubro do ano passado, publicou despacho em 18 de janeiro anunciando a volta ao modelo remoto.

A assessoria de imprensa do TJDFT disse que não há definição sobre a continuidade das transmissões ao vivo com o retorno presencial. O órgão passou a transmitir as sessões remotas pelo YouTube em março de 2020 e, em novembro do ano passado, liberou a realização de audiências e julgamentos presenciais a partir de janeiro de 2022, a critério dos magistrados e sem prejuízo das sessões telepresenciais.

Já o Carf havia agendado o retorno presencial para 10 de janeiro, mas suspendeu as sessões do primeiro mês do ano devido à paralisação dos auditores da Receita e à Covid-19. Com o agravamento da situação sanitária, decidiu que as sessões de fevereiro e março serão virtuais.

O órgão já informou, no entanto, que em um cenário de normalidade sanitária pretende julgar casos acima de R$ 36 milhões em sessões presenciais, mantendo as sessões virtuais para casos envolvendo valores abaixo desse limite. Segundo o Carf, a transmissão ao vivo será mantida apenas para os julgamentos virtuais.

 

Sessões virtuais

Assim como as transmissões ao vivo, as sessões virtuais são consideradas uma inovação positiva por advogados. Os profissionais destacam que a possibilidade de participar de julgamentos à distância democratizou o acesso aos tribunais, reduzindo custos para advogados.

Thiago Barbosa Wanderley afirma que no caso do Carf, por exemplo, a possibilidade de sustentação oral remota e a transmissão das sessões possibilitaram a participação e acompanhamento por contribuintes e advogados sem necessidade de deslocamento para Brasília, onde o órgão funciona.

“Essas medidas [sessões remotas e transmissão ao vivo] garantem o acesso a advogados que não têm possibilidade de se deslocar ao Carf. Antes, ele [advogado] tinha que procurar outro colega para saber o que se julgou, o que foi decidido naquela sessão”, comenta.

Otávio Domit, sócio da área de Resolução de Conflitos do Souto Correa, afirma que, embora a participação remota em julgamentos seja regulamentada há algum tempo, nem todos os tribunais utilizavam o recurso, que se tornou disseminado com a chegada da pandemia.

“O novo Código de Processo Civil, de 2015, prevê normativamente a possibilidade de participação remota. Mas, na prática, até então era uma exceção. O TRF4 [Tribunal Regional da 4ª Região] já tinha implementado o acompanhamento remoto mesmo para sessões presenciais”, exemplifica.

 

Caminho natural

As sessões remotas envolvem um custo menor para viabilizar a transmissão ao público. Em entrevista no ano passado, a presidente do Carf, Adriana Gomes Rêgo, disse que o órgão não dispõe da estrutura necessária para manter as transmissões ao vivo no caso de sessões presenciais.

Conselheiros do tribunal disseram ao JOTA que há maior facilidade de transmissão das sessões remotas porque cada participante acessa uma sala de reuniões no Zoom de seu próprio computador. Já no caso das sessões presenciais, para viabilizar a transmissão seria necessário adquirir equipamentos e contratar uma equipe para operá-los.

No entanto, para advogados, não é provável que sessões virtuais substituam as presenciais. Um dos motivos é que a classe advocatícia prefere despachar presencialmente com magistrados para discutir os detalhes dos casos.

“O acompanhamento presencial, sem dúvida, é melhor do que o remoto. Os grandes escritórios, que têm unidade em Brasília, preferem o retorno presencial pois têm um corpo técnico para fazer um tête-à-tête que não tem comparação”, comenta Anete Mair Maciel Medeiros, sócia do Gaia Silva Gaede Advogados.

A advogada destaca que o caminho para os escritórios que preferem a participação a distância seria permitir a sustentação remota em sessões presenciais. Ela defende, ainda, que os tribunais que atualmente não têm condições de transmitir as sessões presenciais se adequem para fazê-lo. “Hoje, a tecnologia permite e os tribunais deveriam se adaptar, de maneira a tornar mais efetivas, mais plenas a transparência e a publicidade”, afirma.

Para Thiago Barbosa Wanderley, a transmissão de sessões, incluindo as presenciais, é o caminho natural a ser seguido e será cada vez mais adotado pelos tribunais. “Para montar algo como ocorre no STF [Supremo Tribunal Federal], tem um custo para ser implementado. Mas o caminho natural é que as sessões, no futuro, sejam transmitidas”.

 

STF e TRFs

Pioneiro na transmissão ao vivo, o STF passou a transmitir as sessões do Plenário com o surgimento da TV Justiça, emissora inaugurada em 2002. Há ainda a transmissão em tempo real pela Rádio Justiça. Mais tarde, o Supremo passaria a transmitir os julgamentos também por meio de seu canal no YouTube.

Durante a pandemia, o STF ampliou o conteúdo exibido, passando a transmitir as sessões das turmas pelo YouTube. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, ainda não está definido se a transmissão dos julgamentos dos colegiados seguirá no pós-pandemia.

Outros tribunais que já realizavam a transmissão antes da pandemia são o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que transmite desde 2004, e o Tribunal Federal da 4ª Região (TRF4), que desde 2013 transmite as sessões de todas as turmas, exceto as criminais. Ambos os órgãos iniciaram a transmissão em seus próprios sites e depois migraram para o YouTube.

Embora não transmita ao vivo as sessões das câmaras, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) informou que grava as sessões do Órgão Especial para e posteriormente as disponibiliza em seu site.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) informou que realiza sessões por videoconferência por meio da plataforma Microsoft Teams. Contudo, não há transmissões abertas online. Segundo a assessoria de imprensa do tribunal, para acompanhar um julgamento o interessado pode fazer uma solicitação por e-mail.

Já o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) informou que, embora atualmente não transmita os julgamentos, está em curso uma licitação para aquisição de equipamentos destinados a permitir a transmissão das sessões do Órgão Especial e do Tribunal Pleno.

 

POR MARIANA BRANCO

FONTE: JOTA – 24/01/2022

Gestante em trabalho presencial deverá ser afastada até o fim da pandemia

A Lei n° 14.151, de 12 de maio de 2021, tem por objetivo reduzir o risco de contaminação das gestantes pela Covid-19 durante o período da pandemia

Foi publicada a lei que determina o afastamento das empregadas grávidas de suas atividades presenciais durante a pandemia do coronavírus.

O texto do projeto foi proposto por dezesseis parlamentares, todas mulheres, que defendem que, além do acesso das gestantes a serviços de saúde adequados, deve-se diminuir o risco de que sejam infectadas, haja vista que, na visão delas: “O isolamento social é a forma mais eficaz de evitar a Covid-19 e qualquer infecção grave pode comprometer a evolução da gestação”.

Segundo o texto da lei, a empregada grávida deverá ser imediatamente afastada de suas atividades profissionais presenciais, devendo permanecer à disposição de seu empregador para exercer seu trabalho de casa, por meio do teletrabalho ou do home office, quando possível, sem prejuízo de sua remuneração. Este afastamento do trabalho presencial deve se manter até o fim do estado de emergência em razão da pandemia.

É bom lembrar também que no final de abril o Ministério da Saúde decidiu incluir todas as gestantes e puérperas (até 45 dias após o parto) no grupo prioritário do Plano Nacional de Imunização contra a Covid-19. Nesta semana, porém, o Ministério da Saúde anunciou que a vacinação deste grupo no Brasil será restrita às mulheres grávidas com comorbidades (doenças pré-existentes).

A sanção foi publicada na edição desta quinta-feira (13) do “Diário Oficial da União” e entrou em vigor imediatamente.

 

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Distressed M&A em tempos de COVID-19

A pandemia chegou e não deu bom dia a ninguém – muito menos ao empresário brasileiro! Se antes de a Organização Mundial de Saúde rotular a COVID-19 como uma pandemia, o PIB brasileiro dava sinais tímidos de crescimento – impulsionado pelas projeções de economia orçamentária graças à reforma da previdência e na modernização das legislações trabalhista, tributária e administrativa -, o surto do Coronavírus engavetou ideias e projetos e fez cálculos serem refeitos. Para o mercado nacional de fusões e aquisições, todavia, em que pese ter trazido muito ceticismo, a COVID-19 pode estar abrindo novas oportunidades.

Isso porque, além de ter motivado a suspensão, cancelamento, adiamento ou qualquer outro obstáculo para transações de aquisição de empresas brasileiras, a crise gerada pela COVID-19 também tem demonstrado um potencial ímpar para levar muitos negócios brasileiros à insolvência ou para minimizar as chances de soerguimento para aqueles que já se encontram sob uma das formas de proteção judicial – ou seja, recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (“LRF”).

Assim, a compra e venda de distressed assets está ganhando ainda mais relevância no mercado de M&A brasileiro em tempos de pandemia, pois pode ser uma transação benéfica a todas as partes envolvidas. De um lado, para os investidores – preferencialmente aqueles que conhecem o risco Brasil e sabem fazer negócios por aqui – a conjuntura pandêmica traz a oportunidade de adquirir ativos valiosos a baixo custo. Do outro lado, para as empresas em dificuldade financeira, a reestruturação do passivo com a alienação de parte dos seus ativos pode significar a contenção de efeitos da crise e, sem a ameaça das dívidas, a retomada do curso normal das suas atividades. Por fim, aos credores da entidade à beira da insolvência, os recursos advindos da alienação de seus ativos podem ajudar no pagamento de seus respectivos créditos – até então ameaçados – e na continuidade da relação comercial outrora prejudicada.

Logicamente, o sucesso da transação distressed passa pelo domínio e uso efetivo das ferramentas jurídicas adequadas à luz do momento econômico-financeiro do negócio-alvo. Sob essa ótica, a due diligence tem sua importância redobrada, permitindo ao investidor que mapeie o passivo e, portanto, melhor elabore o plano de aquisição atrelado à reestruturação do negócio-alvo. Depois, para os documentos da transação deve-se utilizar institutos que protejam o adquirente contra riscos de sucessão e de possíveis reclamações de credores da empresa em recuperação.

Neste ponto, pode-se citar o exemplo de empresas em recuperação judicial que adotam como uma das formas de soerguimento, diante de sua crise financeira, a alienação de seus ativos segregados sob a forma de unidades produtivas isoladas (UPIs). Convém enfatizar que UPIs, quando previstas no plano de recuperação judicial aprovado pelos credores na forma da LRF, podem ser alienadas pela empresa recuperanda ao distressed investor sem qualquer tipo de sucessão.

Esse tipo de operação pode ser muito atrativo, tanto para o comprador, como para o vendedor, mas requer uma série de formalidades e cuidados. A venda de UPIs está condicionada a condições precedentes, como a incontornável aprovação do plano de recuperação judicial pelos credores e, em alguns casos, a possíveis autorizações regulatórias prévias. Ademais, para ter sucesso, o comprador tem que vencer o bid de ofertas requerido pela LRF (leilão, pregão ou propostas fechadas). Assim, para evitar que o endividamento e o curso processual enterrem a transação, vendedor e comprador podem instituir nos documentos iniciais e vinculativos da transação, cláusulas que confiram recursos de imediato à empresa em crise (DIP financing) e proteção ao investidor para adquirir as UPIs (right to top) – o que tem sido utilizado na prática e chancelado pela jurisprudência, gerando ainda mais segurança jurídica para as partes envolvidas.

Outrossim, é importante para o mercado de distressed M&A a observância das orientações do Conselho Nacional de Justiça e do Projeto de Lei 1.397/2020, que, em suma, trazem diretrizes para a maior proteção às empresas em recuperação por conta da atípica situação pela qual a economia passa.

Entre outras novidades, o PL acima instituiu a prorrogação de stay period[1]a apresentação de novo plano modificativo do plano aprovado pelos credores e a possiblidade de empresas com uma queda de no mínimo 30% em suas receitas iniciarem procedimento de negociação voluntária, em razão do qual lhes é conferido um stay period de 60 dias. Esses institutos, caso implementados de fato, privilegiarão oportunidades de soerguimento do empresariado brasileiro, abrindo um leque considerável de operações de M&A – entre outras.

Em síntese, as práticas do mercado de distressed M&A, no atual cenário econômico, em vista das novas tendências legais, tendem a ser um grande trunfo para o empresariado e os investidores (inclusive fundos) no mercado brasileiro, sendo, sem dúvida, uma ajuda valiosa na guerra travada contra a COVID-19 e seus efeitos.

*Alberto Mori é sócio do Gaia Silva Gaede Advogados; Sahelê Felicio é advogado do Gaia Silva Gaede Advogados

 

[1] Período de até 180 dias a contar do deferimento do processamento da ação de recuperação judicial, durante o qual a recuperanda não pode ser cobrada pelos credores concursais, ou seja, pelos credores cujos créditos estão sujeitos à recuperação judicial.

 

*Artigo postado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo.

Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET) – Lei 14.010 de 2020

Em 12 de junho de 2020, foi publicada no Diário Oficial a Lei nº 14.010/2020, que cria medidas para atenuar as consequências socioeconômicas da covid-19, de modo a preservar as relações jurídicas e proteger os segmentos mais afetados pela pandemia.

As principais alterações são as seguintes:

Direito Processual Civil

A suspensão dos prazos prescricionais e decadenciais, conforme o caso, a partir da entrada em vigor da Lei até 30 de outubro de 2020.

Direito Empresarial

  • Assembleias e Reuniões Empresariais:

A Lei autorizou que a Assembleia Geral para destituir os administradores ou alterar estatutos possam ser realizadas por meio eletrônico, até o dia 30 de outubro de 2020.

Direito Civil

  • Direito do Consumidor:

A Lei determina a suspensão, até 30 de outubro de 2020, da aplicação do direito de arrependimento do consumidor por aquisição do serviço ou produto em entrega domiciliar (delivery).

A disposição vale apenas para as compras de produtos perecíveis ou de consumo imediato e medicamentos.

  • Usucapião:

A Lei suspende os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da entrada em vigor da Lei até 30 de outubro de 2020.

  • Condomínios:

Até 30 de outubro, a assembleia condominial poderá ocorrer por meio virtual, inclusive para a aprovação das contas, possível destituição do síndico e sua eleição. Caso a nova eleição não seja possível, o mandato vencido de síndico a partir de 20 de março será prorrogado até 30 de outubro de 2020. 

Direito de Família

  • Inventário:

A Lei conferiu uma suspensão do prazo de 12 (doze) meses para o ajuizamento de inventário a partir da vigência da lei até 30 de outubro de 2020.

  • Pensão Alimentícia:

A Lei determinou que, até 30 de outubro de 2020, a prisão por atraso de pensão alimentícia deverá ser domiciliar.

Atualmente, as dívidas alimentícias levam à prisão temporária em regime fechado até sua quitação ou relaxamento da prisão pelo juiz.

Proteção de dados

O Projeto de Lei, agora já convertido, alterou a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), para que o início da aplicação das sanções previstas nos artigos 52 a 54 da LGPD seja postergada para 1º de agosto de 2021, bem como que a vigência dos demais dispositivos ocorra de forma imediata.

Todavia, a Medida Provisória 959/20 adia a vigência de todos os artigos da Lei para 03 de maio de 2021. Assim, como a MP tem força de Lei, enquanto a MP 959/20 vigorar o início da vigência da LGPD permanece sendo em maio de 2021.

Para melhor ilustrar as informações expostas acima, segue quadro informativo com o cenário atual e os possíveis cenários futuros:

 

Vetos:

O Presidente da República vetou alguns dispositivos do PL 1.179/2020. Os vetos estão aguardando a apreciação no Congresso Nacional para serem mantidos ou derrubados após decisão conjunta da Câmara de Deputados e do Senado Federal.

 

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Necessidade de flexibilização das regras brasileiras de residência fiscal durante a pandemia

No contexto da crise sanitária gerada pela infecção humana da covid-19, reconhecida como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020, diversos países implementaram severas medidas restritivas de viagens internacionais, mais notadamente os Estados Unidos da América e países europeus, bem como países limítrofes do Brasil, como a Argentina e o Paraguai. Além disso, muitas nações adotaram regimes de quarentena, confinamento ou isolamento, limitando o deslocamento interno de seus cidadãos.

Tais medidas restringem temporariamente a entrada de cidadãos estrangeiros ou as viagens internacionais com origem ou destino a países considerados como epicentro da pandemia da covid-19. Busca-se, com as referidas providências, somadas às medidas de isolamento e confinamento, impedir a dispersão do vírus até que se encontre uma vacina ou tratamento adequados, evitando-se, assim, perdas de vidas humanas.

É nesse contexto que se faz inevitável analisar a necessidade de flexibilização das regras brasileiras de residência fiscal, na esteira do que vem sendo feito por alguns países desenvolvidos.

O assunto é de extrema importância porque a aquisição da residência fiscal decorre das regras domésticas dos países e tem como consequência a obrigatoriedade de a pessoa física oferecer a totalidade dos seus rendimentos, muitas vezes em bases universais (como no caso do Brasil), à tributação do imposto de renda no país em que houve a suposta aquisição de residência.

No recente estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), denominado “Analysis of Tax Treaties & Impact of the covid-19 Crisis”, o órgão analisou diversas implicações tributárias da crise sanitária aos indivíduos que se sujeitam a frequentes movimentações internacionais, endereçando algumas recomendações aos seus países-membros.

O estudo da OCDE prevê duas situações distintas em que a crise da pandemia da covid-19 pode gerar problemas quanto à aquisição de residência fiscal, recomendando a flexibilização das regras domésticas, de tal forma que esta pandemia seja considerada uma circunstância excepcional.

A primeira situação analisada pela OCDE diz respeito ao indivíduo que se encontra temporariamente fora de seu país, a lazer ou a trabalho, e fica retido em outro país, em decorrência das medidas restritivas de mobilidade geradas pela crise sanitária, adquirindo, em função da rigidez das regras ordinárias, residência fiscal neste outro país segundo a sua legislação doméstica.

Isso pode vir a ocorrer porque a maior parte dos países adota a regra em que a residência fiscal das pessoas físicas é adquirida após a permanência em seu território em um determinado número de dias.

No Brasil não é diferente, uma vez que, dentre outras situações, a residência fiscal brasileira pode ser adquirida quando um não residente ingressa em território nacional com visto temporário e por aqui permanece por pelo menos 183 dias, consecutivos ou não, em um período de até doze meses.

A segunda situação analisada pela OCDE diz respeito ao expatriado que se mudou para outro país e lá adquiriu residência fiscal, mas retorna temporariamente ao seu país natal em virtude da crise sanitária. Esta situação também pode afetar os brasileiros expatriados que se mudaram para o exterior, mas retornaram ao Brasil temporariamente em virtude da covid-19. Embora se possa supor que na maioria dos casos não haja ânimo de retorno definitivo, o indivíduo pode vir a readquirir a residência brasileira caso aqui permaneça por um prazo maior que 183 dias, consecutivos ou não, em um período de até doze meses.

Em ambas as situações analisadas pela OCDE, se o Brasil tiver uma convenção bilateral para evitar a dupla tributação com o outro país envolvido, o problema da dupla residência fiscal poderá ser resolvido com base no mecanismo de resolução de conflitos de dupla residência (tie-breaker rules) do respectivo acordo, afastando-se a residência fiscal brasileira. Neste sentido, o artigo 4º de todas as convenções em que o Brasil é parte prevê que, em caso de dupla residência fiscal, irá prevalecer somente a residência em que as ligações pessoais e econômicas do indivíduo forem mais estreitas (centro de interesses vitais), sendo afastada a residência no outro país contratante.

Assim, nos casos em que o não residente se encontrar retido no Brasil em decorrência das restrições de mobilidade geradas pela pandemia ou em que o brasileiro expatriado retorne ao País de forma temporária exclusivamente em vista de alguma medida sanitária, restará claro que o seu centro de interesses vitais não é o Brasil e que a residência fiscal brasileira deverá ser afastada pela aplicação da convenção.

Porém, caso não haja uma convenção entre o Brasil e o outro país envolvido, a dupla residência poderá prevalecer e, neste caso, o indivíduo passaria a ser residente fiscal no Brasil, de tal sorte que todos os seus rendimentos auferidos em bases universais seriam tributáveis pelo imposto de renda brasileiro, além de possivelmente permanecerem tributáveis também no outro país.

Como se sabe, a rede brasileira de convenções para evitar a dupla tributação não é muito ampla, se analisada em contraste às redes dos países membros da OCDE. Somente para fins de comparação, o Brasil possui atualmente convenções bilaterais em vigor com 33 países, ao passo que a Holanda possui tais convenções com mais de 90 países. Portanto, o problema da dupla residência fiscal poderá vir a ser enfrentado com mais frequência no Brasil do que em muitos países desenvolvidos.

Sendo assim, para se evitar tal situação, é de todo recomendável que o Brasil normatize a flexibilização de suas regras domésticas de residência fiscal durante o período em que os países estiverem adotando as restrições de mobilidade em decorrência da pandemia da covid-19.

No caso brasileiro, medida simples seria a concessão do direito, ao não residente que estiver no Brasil (tanto o estrangeiro quanto o brasileiro expatriado), de excluir da contagem de dias de permanência o período em que a OMS mantiver decretado o estado de pandemia. Alternativamente, caso se entenda ser esta medida muito ampla, propõe-se que os não residentes não computem, para fins de aplicação das regras de residência fiscal, os dias de permanência do Brasil que comprovadamente decorrerem de alguma restrição gerada pela crise da covid-19.

Vale observar que alguns países já têm adotado flexibilizações nesse sentido, seguindo as orientações da OCDE, tanto para o estrangeiro que estiver retido nos respectivos países quanto para o expatriado que se vir obrigado a retornar temporariamente ao seu país natal. Apenas a título exemplificativo, identificamos a adoção de medidas semelhantes pelos governos dos Estados Unidos da América, Reino Unido, Austrália e Irlanda.

As autoridades fiscais dos Estados Unidos da América, por exemplo, estabeleceram que os cidadãos norte-americanos expatriados poderão continuar aplicando a isenção do imposto de renda sobre rendimentos auferidos no exterior mesmo que haja o retorno temporário ao país natal em decorrência da covid-19. Além disso, os estrangeiros que permanecerem no território norte-americano em decorrência das restrições de mobilidade não terão os dias de permanência decorrentes da crise sanitária computados na aplicação das regras de residência fiscal.

De maneira semelhante, o Reino Unido estabeleceu que, para fins de aplicação das regras domésticas de residência fiscal, não serão computados os dias de permanência em seu território em que o não residente: (i) estiver colocado em quarentena ou for aconselhado por um profissional de saúde a se auto isolar no Reino Unido como resultado do vírus; (ii) for aconselhado pelo conselho oficial do governo a não sair do Reino Unido como resultado do vírus; (iii) se encontrar incapacitado de deixar o Reino Unido como resultado do fechamento de fronteiras internacionais; ou (iv) for solicitado pelo seu empregador a retornar temporariamente ao Reino Unido como resultado do vírus.

Em vista de todo o cenário que se apresenta, embora as restrições de mobilidade não sejam desejadas, por limitarem as liberdades individuais e gerarem impactos econômicos muito negativos, não se tem notícia de qualquer outro tipo de medida capaz de salvar vidas neste momento, pelo menos até que seja criada uma vacina ou estabelecido algum protocolo de prevenção, razão pela qual as limitações impostas se fazem de fato necessárias.

Em tal contexto é que os governos dos países, diante da inevitável situação em que estamos, devem se esforçar ao máximo para mitigar os efeitos adversos das medidas restritivas, atenuando o seu impacto nas vidas dos cidadãos. Sendo assim, recomendamos fortemente que as autoridades brasileiras adotem a flexibilização das regras domésticas de aquisição de residência fiscal da forma proposta no presente artigo, com base em estudos da OCDE e inspiradas em medidas adotadas em outros países.

 

*Artigo originalmente postado no Jornal O Estado de S. Paulo