Receita Federal deve prever migração dos aderentes de transações menos benéficas para o novo formato
A Lei nº 14.375, publicada recentemente e resultante da conversão da Medida Provisória 1.090/21, ampliou sobremaneira os benefícios da transação tributária federal, de modo a torná-la mais atrativa aos contribuintes que possuem dívidas relacionadas a tributos e contribuições federais.
Trata-se de uma boa estratégia encampada pelo governo federal, na medida em que, de um lado, incrementa-se a arrecadação tributária que faz girar a máquina estatal e, de outro, regulariza-se a situação fiscal dos contribuintes interessados, que acabam usufruindo de benesses como descontos em juros e multas e parcelamento dos saldos devedores.
Se é certo que o governo atual, desde antes das eleições, vem demonstrando repúdio à instituição de novos programas de anistia, tais como os conhecidos PAES, REFIS e PERT, tendo em vista que estes incentivariam o mau pagador em detrimento do bom contribuinte, fato é que, lançando mão do instituto da transação tributária, passa-se a alcançar um fim parecido, porém por meios menos polêmicos e questionáveis.
Isto porque a transação tributária é um meio alternativo de resolução de conflitos mais moderno e em linha com a tendência internacional, já que consiste em uma nova referência de autocomposição que extingue o crédito tributário mediante concessões mútuas previstas em lei, reduzindo-se os litígios e representando um ganho para ambas as partes – Fisco e contribuinte.
Neste contexto, a Lei 14.375 veio a aumentar tanto o desconto máximo a ser concedido na transação – de 50% para 65% – como o prazo máximo de parcelamento – de 84 para 120 meses. Adicionalmente, ela possibilitou a quitação de parte do passivo com saldos de prejuízos fiscais, bases de cálculo negativas da CSLL e com créditos de precatórios, além de possibilitar a inclusão de contencioso tributário administrativo ainda não inscrito em dívida ativa e de prever expressamente a não tributação dos descontos pelo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
É clara, portanto, a iniciativa do governo de tornar a transação tributária mais ampla e atrativa, o que deverá aumentar a adesão de contribuintes e disseminar o instituto entre todos os tipos e tamanhos de empresas.
No entanto, a nova lei da transação não implica apenas em benefícios e vantagens aos contribuintes. Ela de fato traz alguns pontos e situações que podem e devem ser objeto de debate e reflexão.
O primeiro ponto está relacionado aos contribuintes que aderiram a transações anteriores, menos benéficas. A princípio, eles estão vinculados aos editais da época, com base na legislação anterior. Contudo, eles não podem ser prejudicados por terem aderido à transação anteriormente ao advento da Lei 14.375 e, por este motivo, considerando o silêncio da lei a este respeito, esperamos que a Receita Federal, ao editar a sua regulamentação, preveja meios de migração desses contribuintes para o novo formato de transação, a fim de evitar diferenças de tratamento entre os contribuintes.
Caso isso não ocorra, vislumbramos possibilidade de judicialização, inclusive em relação às transações temáticas de grandes controvérsias jurídicas, como é o caso do PLR e do ágio, para as quais a lei é clara em não estender os novos benefícios.
Outra questão é a possibilidade de que a transação seja realizada também por editais ou mesmo propostas individuais, a serem apresentadas tanto pela Fazenda Nacional como pelos próprios contribuintes. Isto, na prática, possibilitará que se realizem verdadeiros programas individuais de parcelamentos ou anistias,
porém sem necessidade de todo o trâmite legislativo no Congresso Nacional e o desgaste político dele advindo. Se, por um lado, este pode vir a ser o motivo de grande sucesso da nova transação, por permitir que os contribuintes proponham diretamente transações à Fazenda, por outro, deve ser objeto de uma minuciosa análise do caso concreto, considerando-se prognósticos de êxito e valores envolvidos para que a oportunidade não se torne um desafio.
Por último, temos a questão do veto presidencial à não tributação dos descontos do PERT pelo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. O projeto de lei que foi aprovado e deu origem à Lei 14.375 possuía um dispositivo que modificava a Lei do PERT (13.496/17) para determinar que os descontos concedidos no âmbito deste programa não fossem incluídos nas bases de cálculo desses tributos.
Entretanto, este artigo foi vetado pelo Presidente da República, de modo que os descontos no âmbito do PERT fossem de fato tributados por uma alíquota global acima de 40%, o que relativizaria e deturparia a intenção do legislador que é exatamente a concessão de benefícios, tais como descontos e parcelamentos, que visam à regularização da situação fiscal dos contribuintes e à redução de litígios tributários.
De todo modo, ainda que o veto não seja derrubado pelo Congresso Nacional, é plenamente defensável que esses descontos não sofram qualquer tributação, já que esta suposta tributação careceria de fundamentos jurídicos e estaria na contramão da motivação de programas de regularização tributária tais como o PERT. Esperamos apenas que o Congresso leve isso em conta no sentido de evitar mais um item passível de judicialização, o que iria totalmente de encontro a programas como o PERT e à própria transação tributária, que visam exatamente ao contrário, ou seja, a redução dos litígios.
Essas são as principais novidades e pontos de reflexão atinentes à transação tributária federal que, indiscutivelmente, chegou para ficar.
*Artigo postado originalmente no Valor Econômico.