A redução de quóruns nas sociedades limitadas com base na Lei 14.451/2022

Em 21/09/2022 foi sancionada – sem vetos – pelo Presidente Jair Bolsonaro, a Lei Federal 14.451/2022, que reduz quóruns de deliberação de sócios nas sociedades limitadas sob a justificativa de redução de burocracia e facilitação na tomada de decisões. A lei alterou os artigos 1.061 e 1.076 do Código Civil, resultando em alterações de quórum em matérias como designação de administrador não sócio, incorporação de sociedades, alterações de contrato social, entre outras.

Até a recente alteração havia dois quóruns relativamente à nomeação de administradores não sócios: (a) unanimidade dos sócios, na hipótese de o capital social não estar integralizado e, (b) 2/3 (dois terços) dos votos após a sua integralização. A nova lei manteve a existência de quóruns diferentes, mas reduziu ambos, de modo que se passou a exigir quórum de (a) 2/3 (dois terços) enquanto o capital social ainda não estiver integralizado e (b) aprovação de titulares de quotas correspondentes a mais da metade do capital social, após a sua integralização.

O novo texto também reduziu o quórum relativo à modificação do Contrato Social, bem como o relativo à aprovação das operações de incorporação, fusão e dissolução da sociedade, além da cessação do estado de liquidação. Em todos estes casos era necessário o voto favorável de ¾ do capital social para que a deliberação fosse aprovada, quórum este que foi reduzido, passando-se a exigir a aprovação de mais da metade do capital social, ou seja, 50% (cinquenta por cento) mais um.

Desta forma, alterações contratuais relacionadas a aumento do capital social, endereço, objeto social, entre outras matérias, poderão ser aprovadas com um quórum inferior ao previamente acordado entre os sócios, o que poderá resultar em controle da sociedade com menor participação no capital social.

Há que se falar que Contratos Sociais que estabelecem, expressamente, o quórum de 75% (setenta e cinco por cento) para aprovação das deliberações, não serão automaticamente alterados – ou seja, nestes casos, este quórum continuará aplicável a todos os sócios. No entanto, no caso dos Contratos Sociais que estabelecem que a aprovação das matérias se dará conforme estabelecido em lei, é possível que haja discussões relativamente à proteção aos sócios minoritários e ao direito de voto e veto de sócios, visto que os sócios uniram-se considerando o percentual legal determinado à época em que formalizaram a sociedade.

Desta forma, é importante que os empresários avaliem a necessidade de atualizar seus Contratos Sociais e Acordos de Sócios vigentes, visando identificar a necessidade de adequações a esta nova realidade, cabendo até mesmo a análise acerca da sua manutenção ou eventual exercício do direito de retirada da sociedade.

O fato é que a regra do jogo mudou no meio do caminho e este é o momento de se avaliar as intenções dos sócios, como desejam que seja a continuidade da empresa, e atualizar a documentação da sociedade, sempre visando eventuais discussões no futuro e possíveis problemas que engessem ou acabem por criar entraves no dia-a-dia da administração da sociedade.

Embora estas alterações tenham entrado em vigor em 22 de outubro de 2022, há que se falar que a normativa não trouxe nenhuma regra de transição para sua aplicação. Portanto, os novos quóruns já são aplicáveis.

FUTURO INCERTO PARA DEBÊNTURES DE SOCIEDADES LIMITADAS

O ano de 2013 se encerrava e a discussão sobre a possibilidade de emissão de debêntures por sociedades do tipo limitada ganhava um novo capítulo com a propositura do PL 6322/13 pelo deputado Carlos Bezerra, do PMDB/MT. Após a análise de propostas e substitutivos, o projeto seguiu para a apreciação da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania em abril de 2018, contemplando proposta para que a emissão destes valores mobiliários por sociedades limitadas passe a constar no texto da Lei 10.406/02 (Código Civil), com a inclusão do art. 1.084-A, situação em que permanece.

Hoje, passados quase seis anos da apresentação do projeto, ainda se discute a criação – ou, ao menos, a não vedação à utilização – de mecanismos mais eficientes de capitalização para as sociedades limitadas, tipo societário com maior representatividade no mercado nacional, não sendo nenhum exagero assumir que, especialmente em relação às debêntures, o pleito pela possibilidade de emissão por sociedades do tipo limitada coincide com o próprio aperfeiçoamento da economia brasileira, que deve prever instrumentos para que as nossas empresas operem em padrões internacionais de mercado.

Impulsionada pelo anseio do mercado e em linha com a intenção do Governo Federal de desburocratização e garantia de maior liberdade no exercício de atividades econômicas, a discussão parecia, enfim, caminhar para um desfecho com a edição do Projeto de Lei de Conversão nº 17/19 (PLV 17/19), que, de modo similar ao PL 6322/2013, disciplinava a inclusão de um parágrafo adicional ao art. 1.055 do Código Civil, prevendo expressamente a possibilidade de emissão privada de debêntures por sociedades limitadas.

Contudo, o texto aprovado pelo Senado Federal no dia 21 de agosto (PLV nº 21/19) e encaminhado para sanção presidencial é substancialmente distinto do PLV 17/19, não mencionando, absolutamente, a questão das debêntures das sociedades limitadas, tema cuja importância reside no fato de que, para as empresas em análise, a modalidade geral de capitalização é o aumento de capital social, que acaba importando em efetivo desembolso por parte de seus sócios ou mesmo na aceitação de um novo parceiro de negócios, o que nem sempre é a melhor alternativa. A segunda opção costuma ser o mútuo, normalmente contraído junto a instituições financeiras.

Ocorre que as debêntures apresentam diversas vantagens quando comparadas, por exemplo, ao mútuo, incluindo questões tributárias e contratuais, uma vez que, no caso das debêntures, há mais espaço para negociação, pela sociedade junto aos debenturistas, das obrigações por si assumidas na emissão, permitindo, ainda, apostar em alternativa mais barata de financiamento, principalmente levando em consideração as taxas praticadas no mercado financeiro.

As debêntures, relembremos, representam obrigação de pagar da sociedade emissora consubstanciada em um conjunto de títulos de dívida autônomos e iguais, com natureza de valor mobiliário e que constituem, em conjunto, um débito global e uniforme da emissora, não se confundindo com o mútuo, contrato típico em que uma parte transfere à outra a propriedade de coisa fungível com garantia de restituição.

Esta diferenciação, embora simples, permite uma menor incidência de tributos sobre a emissão quando comparada ao mútuo, já que, sobre as operações de mútuo mais comuns incide o IOF à alíquota de 0,0041% ao dia, limitado a 1,5% (RIOF, art. 7º, § 1º), com adicional de 0,38% (RIOF, art. 7º, § 15º), ao passo que as debêntures estão sujeitas à incidência do tributo à alíquota zero (RIOF, art. 32, § 2º, VI).

Com a eventual sanção do texto nos moldes enviados à Presidência, a discussão quanto à aplicabilidade da emissão de debêntures às sociedades limitadas retorna à mesa. Enquanto isto, as limitadas, que representam a maior parte das pessoas jurídicas constituídas no Brasil, seguem impedidas (embora não haja vedação legal expressa) de utilizar este mecanismo de capitalização em virtude da atual insegurança jurídica para sua adoção.

 

*Artigo originalmente postado no Jornal O Estado de S. Paulo