Fim do voto de qualidade no Carf favorece contribuinte

Desde a entrada em vigor da lei que extinguiu o voto de qualidade nos julgamentos do CARF, estabelecendo que, em caso de empate, nos votos dos Conselheiros, a decisão se resolve favoravelmente aos contribuintes, temos visto uma série de matérias então pacificadas no sentido da manutenção da exigência tributária serem decididas, agora, de acordo com os interesses dos contribuintes.

Uma dessas matérias refere-se à possibilidade de se deduzir os Juros sobre o Capital Próprio (JCP) distribuídos em período posterior àquele em que foram incorridos, da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

É sabido que os JCP foram introduzidos na legislação Brasileira pela Lei nº. 9.249/95 como uma forma de contrabalancear a extinção da correção monetária de balanço, ocorrida com a entrada em vigor do Plano Real, em 1994 e, sendo considerados despesa, são dedutíveis na apuração do IRPJ e CSLL.

O grande benefício, para as empresas, ao seu utilizarem dos JCP para remunerar o acionista, em comparação à distribuição de dividendos, reside justamente na sua caracterização como despesa dedutível na determinação do lucro real, enquanto os dividendos somente são pagos após a apuração do IRPJ e CSLL devidos, ou seja, a escolha pela utilização dos JCP conduz a uma carga tributária inferior para a pessoa jurídica.

Caso os JCP sejam distribuídos no mesmo período de apuração em que foram incorridos, não há questionamentos quanto a sua dedutibilidade na apuração do lucro Real. De outro lado, porém, quando se pretende a distribuição desses juros em períodos posteriores àqueles em que foram incorridos, a Receita Federal entende pela indedutibilidade da despesa, conforme previsto no artigo 75, §4º, da Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017.

Diante do cenário jurisprudencial até então desfavorável no CARF, muitas empresas que não distribuíram os JCP no mesmo período de apuração em que os juros foram incorridos, eram desencorajadas de considerar como dedutíveis a despesa caso viessem a distribuí-los posteriormente, já que haveria risco de autuações fiscais para a cobrança de IRPJ e CSLL com o acréscimo de multa de, no mínimo, 75%.

Muito embora o Poder Judiciário já tivesse, como ainda tem, diversos e recentes precedentes no sentido de que a Lei nº. 9.249/95 não estabelece marcos temporais para a distribuição dos Juros ao acionista, para que a despesa seja considerada dedutível, fato é que a equação do custo-benefício de se tomar a dedutibilidade quando os JCP são distribuídos de maneira retroativa nem sempre se revelava favorável ao contribuinte, eis que, para tanto, seria necessário enfrentar, por vezes, um longo e custoso caminho pelas instâncias da Justiça Federal, após a quase certa derrota na esfera administrativa.

Com o fim do voto de qualidade no CARF, a dedutibilidade dos JCP, mesmo quando pagos de maneira retroativa, passa a ser factível para contribuintes com perfil mais conservador, pois, mesmo que venham a ser autuados pela Receita, as perspectivas de vitória são consideravelmente melhores do que há alguns anos, ainda na esfera administrativa, em que não se exige a oferta de garantia para o débito e a simples apresentação de defesa ou recurso suspende a exigibilidade da cobrança.

Desde que a Lei nº. 13.988/20 entrou em vigor, em abril de 2020, o CARF, pela sua Câmara Superior, já proferiu, ao menos, 3 decisões sobre a matéria, sendo a mais recente no último dia 11/08/2022, todas favoráveis à dedutibilidade mesmo quando os JCP são pagos de maneira retroativa.

Na medida em que os JCP podem estar prestes a ser extintos, conforme projetos de reforma tributária em trâmite no Congresso Nacional, a alteração do cenário jurisprudencial no CARF pode representar um bom motivo para aquelas empresas que não distribuíram JCP em anos anteriores, venham a fazê-lo enquanto ainda o benefício fiscal existe.

 

*Artigo publicado originalmente no Estadão.

Brasil atualiza tratados internacionais para evitar dupla tributação

Os tratados internacionais para evitar a dupla tributação estão ganhando um novo desenho. Os acordos mais recentes firmados pelo Brasil, com Singapura, Suíça e Emirados Árabes Unidos, trazem alterações que, segundo especialistas, alinham o país ao BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), plano da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com apoio do G20 para evitar a transferência de lucros para países de baixa tributação. Ao JOTA, tributaristas disseram que as mudanças adequam o Brasil à cooperação fiscal internacional e aumentam a previsibilidade e segurança jurídica para investidores.

As alterações incluem a classificação dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), definidos como juros e não dividendos, além de quem tem direito aos benefícios previstos no tratado, prevendo a exclusão de empresas caso seja concluído que o principal objetivo de um arranjo negocial ou transação foi a obtenção de um benefício fiscal.

Por outro lado, outra mudança, que é a definição do que pode ser classificado como serviço técnico, não segue a Convenção Modelo da OCDE, mas a Convenção Modelo da ONU para tratados internacionais para evitar a bitributação. Segundo os especialistas, a alteração tende a diminuir o contencioso tributário no Brasil, mas não aproxima o país das regras adotadas pela OCDE, já que os países-membros do grupo não tributam os serviços técnicos.

Os três acordos foram assinados em 2018. Os tratados com os Emirados Árabes Unidos e com a Suíça foram internalizados (incorporados à legislação brasileira) em 2021, e com Singapura, em 2022, após aprovação pelo Senado e sanção pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.

Segundo Daniel Franco Clarke, da área tributária do Mannrich e Vasconcelos, há uma tendência de revisão dos tratados pelo Brasil para adequação ao BEPS. “[O Brasil] está efetivamente renegociando [tratados] para revisar os pontos dentro desse contexto do BEPS”, afirma. Além dos acordos com Emirados Árabes, Suíça e Singapura, ele diz que o tratado com o Uruguai, assinado em 2019, mas ainda não internalizado, seguiu a mesma orientação.

Para Marcos Matsunaga, sócio do Ferraz de Camargo e Matsunaga, as atualizações têm relação com a adequação do Brasil a medidas de cooperação fiscal internacional. “O Brasil tem uma rede de tratados relativamente pequena e antiga. Podemos inserir esses últimos três dentro de uma mudança nos últimos 10, 15 anos, em que o país está tentando se inserir cada vez mais nesse movimento de cooperação entre as autoridades fiscais mundiais”.

O advogado observa que o Brasil deve promover mais alterações na rede de tratados, devido à pretensão de se tornar membro da OCDE, e, ainda, ao BEPS 2.0, nova fase de discussões do projeto BEPS. “O BEPS 2.0 tem dois pilares. O primeiro é sobre como tributar a economia digital, especialmente as big techs, e o segundo, sobre a questão do mínimo de 15%, ou seja, nenhuma empresa terá uma carga tributária sobre a renda superior a 15%”, comenta.

JCP e direito aos benefícios

Segundo Georgios Theodoros Anastassiadis, sócio da área tributária do Gaia Silva Gaede, as mudanças relacionadas ao JCP e a quem pode ser contemplado pelos benefícios do tratado buscam coibir a evasão fiscal por meio de planejamentos tributários agressivos. No caso dos JCP, segundo ele, ao deixar claro que se trata de juros, os tratados buscam evitar uma situação de double no-taxation, ou seja, que os valores escapem à tributação no Brasil e no exterior.

“O Brasil considera juros e deduz [da base de cálculo do IRPJ], mas, lá fora, se considerava dividendo e também não pagava [imposto]. A controladora que investe na subsidiária brasileira e recebe JCP poderia dar tratamento de dividendo, mas, com o tratado, deve tratar como juros também. [O outro país] está vinculado, o tratado é lei para os dois países”, observa.

Marcos Matsunaga faz avaliação semelhante. “O JCP trata do que o pessoal chama de instrumentos híbridos. Seria aquela figura em que um país trata de um jeito e outro, de outro. O Brasil trata como juros e muitos países como dividendos. Poderia levar a situações tanto de dupla não-tributação, na maioria das vezes, quanto eventualmente de dupla tributação”, diz.

No caso da definição de quem tem direito aos benefícios previstos no tratado, com possibilidade de exclusão das empresas caso se conclua que determinado arranjo ou transação têm como objetivo usufruir do benefício fiscal, Georgios Anastassiadis diz se tratar de um instrumento de compliance. “Está falando quem tem direito ao benefício para ninguém usar o tratado de maneira irregular”, comenta.

Já Daniel Clarke diz que a alteração aproxima o Brasil dos requisitos do BEPS. “É uma cláusula de limitação de benefícios. Basicamente, dá uma margem de discricionariedade para a autoridade fiscal analisar e concluir se a transação só foi feita para se beneficiar de determinado artigo do tratado. Está em conformidade com as regras mínimas do BEPS. O Brasil está se enquadrando a um ambiente de investimentos internacionais menos distorcidos”.

Serviços técnicos

Os especialistas apontam ainda que a definição do que se enquadraria na categoria de serviços técnicos, presente nos novos tratados, busca acabar com a disputa entre fisco e contribuintes sobre quais despesas seriam dedutíveis do lucro das empresas, cuja tributação é regulada no artigo 7 dos tratados internacionais. Assim, na prática, a definição é desfavorável aos contribuintes, que discutem a tributação dos serviços técnicos nos tribunais e no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Daniel Clarke observa que a inclusão de um dispositivo específico sobre a tributação de serviços técnicos está em linha com o artigo 12-A da Convenção Modelo da ONU sobre tratados internacionais para evitar a bitributação.

Segundo o advogado, a definição incorporada aos tratados está em linha com o entendimento da Receita Federal sobre o tema. “É uma definição bastante ampla, que abrange qualquer pagamento por serviço de natureza gerencial, técnica e de consultoria. A gente não tem uma definição do que são serviços técnicos em lei. Os contribuintes sustentam que, se o tratado não fala o que é serviço técnico, ainda que haja uma equiparação [dos serviços] a royalties, só deveria haver tributação se acontecer transferência de tecnologia”, diz.

Georgios Anastassiadis, do Gaia Silva Gaede, também considera a definição ampla. “Nos [tratados] antigos havia um protocolo equiparando serviços técnicos a royalties. Os mais novos estão trazendo esse artigo 13, falando que, quando um país paga por um serviço técnico, pode-se reter no Brasil até o limite de 10% [referente ao Imposto de Renda]. A alíquota brasileira é de 15%. Praticamente todo serviço que você pagar vai cair nesse artigo 13”, diz.

 

POR MARIANA BRANCO

FONTE: JOTA – 26/07/2022

Incorporação de ações no âmbito de julgados administrativos

No início de 2022, a 2ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) proferiu uma decisão sobre a incorporação de ações na contramão do que há muito se tem notícia no âmbito de julgados administrativos.

Trata-se do acórdão nº 9202-009.948, que trata da não incidência do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) na incorporação de ações, reconhecendo que nesse tipo de operação não há ganho patrimonial efetivo para o contribuinte e, em sendo este uma pessoa física, a tributação deve seguir o regime de caixa.

Importa mencionar que não é nova a divergência de entendimento sobre o tema. As decisões administrativas anteriores, em sua grande maioria, são desfavoráveis ao contribuinte, ao passo que no âmbito judicial, as poucas decisões que se tem notícia são favoráveis.

A incorporação de ações está prevista na Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76, artigo 252) e é muito utilizada em operações de aquisição de participações societárias, principalmente quando a intenção é manter a existência da empresa adquirida.

Esse arranjo garante que as ações de uma empresa (incorporada) sejam transferidas para outra companhia (incorporadora), que se torna acionista após o processo. Essa transferência se dá por meio da emissão de novas ações na incorporadora, que são integralizadas com as ações da incorporada.

Quando isso acontece, a empresa incorporada se torna uma companhia subsidiária da incorporadora. Assim, a pessoa física que detém a participação na incorporadora, passa a se tornar sócia da incorporada indiretamente. Ou seja, para a pessoa física investidora, há a apenas a troca de participação societária, sem a realização de qualquer aumento de caixa.

A controvérsia surge na medida em que, nesse tipo de operação, o fisco tem se posicionado no sentido de haver uma alienação de participação societária e, via de consequência, eventual auferimento de ganho de capital tributável pelo IRPF. De outro lado, os contribuintes entendem que a operação não deveria gerar efeitos fiscais imediatos e, portanto, a tributação não ocorreria no ato da incorporação de ações, mas somente quando (e se) as ações fossem vendidas.

Fato é que na incorporação de ações não há a materialização do ganho de capital por total ausência de disponibilidade de renda (princípio da realização da renda), pressuposto fundamental de tributação do IRPF, sendo que uma renda estimada ou esperada é mera “expectativa de renda”, não sendo essa expectativa passível de tributação.

No caso específico do acórdão ora em análise (9202-009.948), o fisco entendeu que houve ganho de capital na pessoa física que trocou as quotas que detinha em uma empresa farmacêutica por outra, via incorporação de ações, com real aumento do valor nominal dessas quotas, porém sem haver a troca do bem por dinheiro.

Na ocasião do julgamento, ficaram vencidos os conselheiros representantes da Fazenda, em razão do empate havido dar provimento ao recurso em prol do contribuinte. Assim, entendeu-se que a tributação sobre a operação de incorporação de ações deve ser afastada devido à aplicação do regime de caixa às pessoas físicas.

A relatora do processo, conselheira Rita Eliza Reis da Costa Bacchieri, concluiu seu voto no sentido de que “o fato gerador (que gera a tributação) do Imposto de Renda da Pessoa Física é regido pelo regime de caixa e esse exige, além da disponibilidade jurídica ou econômica, a disponibilidade financeira do ganho auferido”.

Ainda, segundo a relatora, deve ser analisado em qual momento esse ganho é realizado para fins de incidência do IRPF: “a regra matriz de incidência do Imposto de Renda para a pessoa física possui como critério material o efetivo recebimento do ganho, não sendo possível tributar a mera expectativa da disponibilidade econômica de valores decorrentes de negócios jurídicos, até porque em alguns casos esse recebimento simplesmente pode não ocorrer”.

Não obstante o entendimento do acórdão em comento, vale observar que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou em nota enviada à imprensa que tal acórdão não representa a jurisprudência atual da 2ª Turma da Câmara Superior, tendo em vista que o voto de uma ex-conselheira foi levado em consideração naquela ocasião, determinando seu resultado, em consequência do novo critério de desempate.

Em linha com essa nota, em julgado posterior ao aqui comentado, o acórdão nº 9202-010.324, proferido pela mesma 2ª Turma do CSRF, realmente foi na contramão do entendimento pró contribuinte, no seguinte sentido: “O que define o regime contábil de caixa e o regime de competência é o momento do reconhecimento dos efeitos das transações. No regime de competência os feitos são reconhecidos no momento da efetivação da operação, independentemente do recebimento ou pagamento. Tratando-se de incorporação de ações a transação se realiza no momento da efetivação da incorporação. (…) E também não é o caso de se entender o recebimento de rendimentos e ganho de capital como recebimentos em dinheiro, pois, como se sabe, o conceito de renda compreende acréscimos patrimoniais, independentemente da forma de realização”.

Assim, é certo que o julgado aqui analisado representa uma vitória ao contribuinte e vai na linha dos poucos precedentes judiciais, mas fato é que devemos encarar essa decisão como um entendimento isolado no âmbito administrativo, não afastando a necessidade de possível rediscussão do tema no âmbito judicial.

Portanto, para os contribuintes que estão analisando a eventual implementação de incorporação de ações, recomenda-se que se atentem à jurisprudência sobre o tema e à possível necessidade de sua discussão nos âmbitos administrativo e judicial.

 

*Artigo publicado originalmente no Conjur.

Carf no STF: o julgamento sobre o voto de qualidade

ADIs questionam a instituição do desempate pró-contribuinte no Conselho

No dia 23 de março o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma a discussão sobre a constitucionalidade do desempate pró-contribuinte no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A discussão é uma das mais relevantes em matéria tributária na Corte, já que vai definir a forma de desempate no tribunal administrativo. Dependendo do resultado e da eventual modulação, especialistas apontam como possíveis consequências um aumento do contencioso tributário judicial e até a revisão de casos já julgados no Carf.

O tema consta nas ADIs 6.399, 6.403 e 6.415, cujo julgamento foi suspenso em junho, após pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. O placar no STF está empatado, com voto do relator, ex-ministro Marco Aurélio de Mello, pela inconstitucionalidade da regra de desempate vigente, e do ministro Luís Roberto Barroso, que considerou a regra constitucional, mas abriu a possibilidade de a Fazenda Nacional recorrer à Justiça em caso de derrota no Carf.

Antes do desempate pró-contribuinte, os empates no Carf eram decididos exclusivamente pelo voto de qualidade. Por essa regra, em caso de empate, o presidente da turma tinha direito a proferir o voto duplo. No entanto, em 2020 a Lei do Contribuinte Legal (Lei 13.988) acrescentou o artigo 19-E à Lei 10.522/02, prevendo que os empates seriam decididos a favor do contribuinte.

Após a alteração, o Ministério da Economia publicou ainda a Portaria 260, definindo que o desempate pró-contribuinte só se aplicaria aos casos de exigência de crédito tributário, por auto de infração ou lançamento da fiscalização. Aos demais tipos de processo, ainda se aplicaria o voto de qualidade. Ou seja, no momento, as duas regras estão sendo aplicadas simultaneamente no Carf. Caso o STF declare inconstitucional a alteração legislativa que instituiu o desempate pró-contribuinte, o voto de qualidade volta a ser a única regra no Carf.

Para tributaristas consultados pelo JOTA, ante o impacto e a delicadeza do tema, o Supremo precisa resguardar a segurança jurídica dos contribuintes. Uma das formas de fazê-lo seria modulando o alcance temporal da decisão, caso o desempate pró-contribuinte seja considerado inconstitucional. Desde que  começou a ser aplicado, diversas teses nas quais prevalecia o entendimento pró-fisco foram revertidas em favor do contribuinte no tribunal administrativo. Caso a regra deixe de valer, essas decisões estariam em risco, segundo especialistas.

Os especialistas também veem com ressalvas parte do voto do ministro Barroso, do STF, que, ao declarar o desempate pró-contribuinte constitucional, abriu a possibilidade de a Fazenda Nacional recorrer à Justiça caso perca no Carf. Atualmente, embora o contribuinte possa recorrer á esfera judicial após derrota no tribunal administrativo, se a Fazenda perde, o contencioso é encerrado. A lógica por trás da regra, segundo especialistas, é que o Carf é um órgão de autocontrole da administração pública.

“Se a própria esfera administrativa decidiu que o tributo é indevido, quando se torna essa decisão precária, você esvazia essa esfera de segurança jurídica”, observa Alessandro Cardoso, do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados. Segundo o tributarista, a administração pública questionar as próprias decisões na esfera judicial não faria sentido e ainda causaria um aumento dos litígios em matéria tributária.

A regra do desempate pró-contribuinte começou a valer em abril de 2020, mas, devido à pandemia e à consequente redução do limite de alçada dos casos, sua aplicação só se intensificou em 2021, quando o Carf começou a fazer sessões virtuais ao vivo e elevou o limite para R$ 36 milhões. Levantamento do JOTA, realizado através da plataforma Carf Previsível, identificou 653 acórdãos proferidos por determinação do 19-E desde que a alteração legislativa entrou em vigor. Segundo os Dados Abertos do Carf, entre 2020 e 2021 foram publicados pelo tribunal administrativo 67,3 mil acórdãos.

Os Dados Abertos indicam ainda que os empates são pouco frequentes no tribunal. Em 2021, a maior parte das decisões (78,9%) foi por unanimidade. As decisões por maioria foram 16,9%, e, entre os processos que exigiram a aplicação de regra de desempate,  2,7% de todos os casos tiveram a aplicação do voto de qualidade e 1,6%, do desempate pró-contribuinte. Em 2020, 88,7% das decisões foram unânimes e 9,1% por maioria. Entre os casos que precisaram ser desempatados, 1,9% foram por qualidade e 0,4% pelo 19-E.

Cenário sobre julgamento no STF do voto de qualidade no Carf

Apesar de os empates não serem a regra, especialistas concordam que o cuidado na definição da regra para decidi-los é vital. Para Alessandro Cardoso, do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, a decisão do STF sobre o tema tem “enorme” relevância pelas consequências que pode gerar. “A expectativa é enorme, assim como a relevância e as consequências, que podem ser tão complexas”, afirma.

As ADIs 6399, 6403 e 6415, ajuizadas, respectivamente, pelo procurador-geral da República, Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), afirmam que há inconstitucionalidade formal nos dispositivos que mudaram o voto de qualidade do Carf por vício no processo legislativo. A alegação é que os artigos inseridos não teriam pertinência temática com a MP 899/2019 – posteriormente convertida na Lei do Contribuinte Legal – que tratava da transação tributária entre a União e os contribuintes.

No voto proferido antes de se aposentar, o relator, Marco Aurélio de Mello, entendeu que, embora não haja óbice na Constituição a uma norma que resolva os empates a favor do contribuinte, faltou pertinência temática no trâmite legislativo. Para o ministro, o Congresso não poderia ter aprovado a nova regra por meio de um jabuti, ou seja, de uma emenda parlamentar que introduziu tema estranho ao da MP 899/2019.

Já Barroso, ao abrir divergência, ponderou que, embora haja dúvida razoável quanto à inconstitucionalidade formal, são mais relevantes as dúvidas quanto à constitucionalidade do voto de qualidade, que ele considera questionável. O ministro ainda estabeleceu que, em caso de derrota no Carf, a Fazenda Nacional poderá recorrer ao Judiciário.

Na avaliação de Alessandro Cardoso, o argumento quanto ao vício formal tende a ser superado mais facilmente pelo Supremo. “Minha expectativa é que não decidam pela inconstitucionalidade formal, com base no voto do  Barroso. Com relação à legalidade material, acho que está em aberto, até pela nova composição. O ministro [André] Mendonça é muito novo na Corte. Temos dois ministros, em tese, próximos ao governo, que a gente não sabe como vão julgar em matéria tributária. O ministro Nunes Marques creio que é mais pró-governo em matéria tributária e o ministro Mendonça é uma incógnita”, comenta o tributarista.

Anete Mair Maciel Medeiros, do Gaia, Silva, Gaede Advogados Associados, não vê “dúvida razoável” sobre a constitucionalidade formal do desempate pró-contribuinte. Segundo ela, tanto a transação tributária quanto a forma de desempate de julgamentos no Carf são matérias tributárias. “A MP já tratava de matéria tributária. O desempate pró-contribuinte não interfere na estrutura, no funcionamento do Carf, porque é uma norma processual”, avalia.

O advogado Carlos Daniel Neto, do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, afirma que é fundamental que o Supremo conclua o julgamento, uma vez que o contribuinte está em uma situação de insegurança com a indefinição sobre a validade do desempate pró-contribuinte. Pessoalmente, ele considera a introdução do 19-E na legislação inconstitucional, tanto do ponto de vista formal quanto material. “Esse dispositivo inverte a presunção de legitimidade dos atos administrativos”, diz.

O tributarista argumenta que o voto de qualidade era aplicado na minoria dos casos e o Carf vinha pacificando a jurisprudência. Para ele, a nova regra favorece que os conselheiros adotem posições extremadas, colocando em risco essa pacificação.

Processo legislativo

Já Eduardo Campos, sócio do Sacha Calmon e Misabel Derzi, acredita que o Supremo decidirá pela constitucionalidade do desempate pró-contribuinte. “Pesa muito o fato de o próprio presidente Jair Bolsonaro ter sancionado a Lei do Contribuinte Legal sem vetar o voto de qualidade. Houve uma espécie de anuência do Poder Executivo, e isso pode ser revogado a qualquer momento. Então, acredito que o STF vai optar por não interferir no processo legislativo nessa questão”, disse.

Por sua vez, Kelly Martarello, do Martarello Advogados, considera que, embora a forma de aprovação do desempate pró-contribuinte possa ser questionada, a regra está de acordo com princípios constitucionais. “A gente tem que lembrar o papel do Carf, que é um tribunal que revisa os lançamentos tributários da própria Fazenda Nacional. Acho que, se há um desempate, deveria, sim, ser favorável ao contribuinte. O entendimento do ministro Barroso é o mais equilibrado”, acredita.

Judicialização

No entanto, uma particularidade do voto de Barroso preocupa os tributaristas: a possibilidade de o fisco levar a discussão para a Justiça caso perca no Carf. Segundo os especialistas, a mudança pode levar ao aumento do contencioso tributário e ao esvaziamento do tribunal.

“O objetivo do Carf é um auto-controle do ato administrativo. Quando você torna isso precário por contestação pela própria União, esvazia o Carf e cria um nível enorme de insegurança e complexidade”, observa Alessandro Cardoso. “Hoje, você gasta de três a cinco anos para entrar no Carf. [Com a mudança], a Fazenda provavelmente vai entrar com ação no Judiciário, que a gente sabe que é moroso. O Carf vai ser um órgão julgador de mera passagem, quando atualmente é uma instância de solução do litígio tributário”, comenta Anete Mair Maciel Medeiros.

Caio Cesar Nader Quintella, ex-vice-presidente da 1ª Seção do Carf, também acredita que o tribunal tende a se enfraquecer com a possibilidade de as partes entrarem na Justiça. “Hoje, o Carf é a peça mais importante em todo arcabouço do contraditório e do contencioso tributário federal, seja pela sua especialização ou pela gratuidade e celeridade no trâmite processual. É certo que o conselho afasta com efetividade as falhas na exigência do crédito tributário, lapidando e aprimorando as teses tributárias”.

Quintella teme que eventuais alterações a partir do julgamento sirvam de justificativa para implementar mudanças no Carf. “Seja qual for o resultado do julgamento no STF, muito me preocupa que alguma mudança possa servir de justificativa para se alterar o quadro da paridade ou até para se defender a extinção do Carf”, diz.

Modulação no STF sobre o voto de qualidade no Carf

Os especialistas ainda consideram fundamental que o STF faça a modulação de sua decisão caso o desempate pró-contribuinte no Carf seja considerado inconstitucional. Caso a regra do voto de qualidade retorne, tributaristas temem pela segurança de decisões pró-contribuinte tomadas ao longo da vigência do artigo 19-E.

Um ex-conselheiro do Carf que não quis se identificar diz que a Fazenda Nacional poderia promover a revisão automática dos casos em que foi aplicado o 19-E, bastando uma nova manifestação do presidente da turma para desempatar os casos em sentido contrário.

Já Alessandro Cardoso entende que, sem modulação, a revisão poderia acontecer, mas não com um rito tão sumário. “Eu entendo que deveriam ser anuladas cada uma das decisões e reiniciado o processo administrativo no Carf. ‘Virar’ a decisão, eu entendo que, juridicamente, não é possível”, observa.

Eduardo Campos, por sua vez, acredita que deve existir modulação para proteger o elo mais frágil da relação. “A modulação de efeitos deveria sempre proteger, na relação entre o fisco e o contribuinte, o polo que não tem o domínio da produção legislativa. Então, se acontecer de cair o desempate pró-contribuinte no Carf, o mínimo que o STF deveria fazer é proteger a segurança jurídica e manter esses casos em que os créditos tributários já foram anulados”, diz.

O voto de qualidade foi estabelecido pelo artigo 25, parágrafo 9º do Decreto nº 235, de 1972. Na época, os processos eram julgados pelos chamados conselhos de contribuintes. O Carf foi criado somente em 2009, pela Lei nº 11.941, e também passou a aplicar o método de desempate. O argumento para uso do instrumento é a presunção de validade dos atos da administração pública.

 

POR MARIANA BRANCO E MARIANA RIBAS

FONTE: JOTA – 25/03/2022

O Carf e a tributação de stock options

Os planos de remuneração com ações são largamente utilizados pelas grandes empresas para a atração e retenção de executivos e empregados de alto escalão. Essa política de RH dirige a motivação dos colaboradores para os resultados em médio e longo prazos da empresa, desencorajando comportamentos oportunistas, maximizado a retenção de talentos e proporcionando altos níveis de desempenho.

Entre os modelos de remuneração com ações existentes, o mais comum é a concessão de opções de compra de ações da companhia (stock options). Por esse plano, o beneficiário é agraciado com opções de compra de ações da companhia, cujo exercício somente poderá ser exercido após um prazo predeterminado (vesting period) e desde que o funcionário se mantenha nos quadros da empresa por esse período.

A crescente utilização desse instrumento, aliada à falta de uma legislação específica que venha a garantir assertividade acerca de sua natureza jurídica, acaba por intensificar litígios tributários.

De um lado, a Receita Federal do Brasil possui o entendimento de que os planos de stock options possuem natureza jurídica remuneratória. Do outro, os contribuintes reiteram seu posicionamento de que esses planos são de natureza mercantil e, portanto, não deveriam compor a base de incidência de contribuições previdenciárias e estariam sujeitos à tributação do IRPF pelo regime do ganho de capital.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) possui o entendimento de que os planos de stock options possuem natureza mercantil, em sua essência. Todavia, é necessário que estejam evidentes os elementos que caracterizam tal natureza, como a voluntariedade, a onerosidade e o risco envolvido.

Para que esses três requisitos sejam atendidos, o plano deverá ser voluntário, ou seja, apenas o colaborador/executivo que for elegível e tiver interesse em aderir estará vinculado; gerar um efetivo desembolso financeiro, que não seja meramente simbólico, para a compra das ações por parte do beneficiário; e prever que, entre as datas de vesting e grant (concessão), o beneficiário deve estar sujeito às oscilações do preço das ações, da mesma forma que uma pessoa que viesse a comprar as ações diretamente pelo balcão da bolsa estaria sujeita, restando configurado o risco na operação.

Nota-se, assim, que, para o Carf, a caracterização da natureza remuneratória dos stock options decorre de uma análise de cada caso concreto. Caso os elementos acima mencionados não se encontrem presentes e evidentes, o tribunal administrativo vem, historicamente, aplicando decisões reconhecendo sua natureza como remuneratória, resultando na tributação para fins das contribuições previdenciárias, bem como na tributação pelo IRPF via tabela progressiva, ao invés do regime do ganho de capital.

Em meados de novembro de 2021, o Carf finalizou, de maneira favorável ao contribuinte, o julgamento do Processo Administrativo nº 10880.734908/2018-43, afastando a cobrança de IRPF de contribuinte pessoa física que teve outorgada opções de compras das ações da empresa à qual estava ligado anteriormente.

À época, muito se afirmou que o julgamento em questão era representativo, tendo em vista que se opunha à corrente jurisprudencial mais adotada pelo Carf. Ocorre que, na realidade, o julgamento não foi tão inovador porque, para aferir se as autoridades fiscais estavam corretas na exigência do IRPF, os conselheiros mais uma vez se socorreram da análise dos critérios e condições do plano.

Em referido caso, restou decidido que a cobrança teria de ter apresentado elementos claros de distorção do plano ofertado. O próprio voto proferido no julgamento do Processo Administrativo nº 10880.734908/2018-43 — aqui discutido — encontra-se fundamentado neste sentido, reiterando que a jurisprudência do tribunal administrativo se formou no sentido de que é necessária a análise da natureza jurídica dos planos com base nos critérios acima destacados.

Logo, a sessão realizada em novembro passado não representa uma inovação, tampouco se torna emblemática no cenário jurisprudencial do tribunal, visto que a síntese do acórdão se pauta exatamente pela análise dos mesmos três critérios anteriormente mencionados.

Adicionalmente, é válido pontuar que, para surpresa da maioria, apenas foi possível o julgamento ter seu desfecho favorável em vista do polêmico artigo 28 da Lei nº 13.998/2020, que alterou o regime do voto de qualidade no Carf. Assim, considerando o empate entre os representantes da Fazenda e os dos contribuintes, que decorreu basicamente da discordância de interpretação sobre as características do plano de ações em questão, restou julgado o processo finalmente de forma favorável aos contribuintes.

É certo que esse processo indica uma vitória para os contribuintes. Porém, parece-nos evidente que ele não trouxe qualquer alteração no cenário jurisprudencial administrativo. Pelo contrário, apenas reforçou ainda mais a necessidade de se analisar os critérios que já vêm sendo avaliados para a caracterização da natureza jurídica dos planos de stock options.

Dessa maneira, é imprescindível que as empresas façam uma análise criteriosa e individualizada de seus planos de stock options, conferindo-lhes características de voluntariedade, onerosidade e risco, mitigando as chances de questionamentos tanto sob a ótica tributária quanto previdenciária.

 

*Artigo publicado originalmente no ConJur.

Carf: Transmissão de sessões vai continuar quando houver retorno ao presencial?

Em um cenário de normalidade sanitária, órgão pretende julgar casos acima de R$ 36 milhões em sessões presenciais

Em meio a informações que indicavam melhora na situação sanitária no fim do ano passado, alguns tribunais anunciaram o retorno dos julgamentos presenciais em 2022. Embora o cenário tenha voltado a ser de incertezas com a chegada da variante Ômicron, a perspectiva de retomada das sessões presenciais levantou entre advogados a discussão sobre a continuidade da transmissão das sessões.

Alguns tribunais, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), já anunciaram que manterão a transmissão das sessões mesmo com a volta à sistemática presencial. Outros, como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), definiram que assim que os julgamentos voltarem ao sistema anterior à pandemia as transmissões serão interrompidas.

Advogados, porém, ressaltam a importância da manutenção das transmissões e da possibilidade de participação remota como ferramentas de transparência e diminuição de custos com deslocamento.

om as restrições impostas pela pandemia, tribunais como o STJ, o Carf, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) passaram a realizar sessões remotas e transmiti-las ao vivo.

No caso do Carf, em 2020, as sessões eram gravadas e disponibilizadas na internet alguns dias após a realização. No entanto, a partir de agosto de 2021, passaram a ser transmitidas ao vivo pelo canal do órgão no YouTube.

Na avaliação de advogados consultados pelo JOTA, a transmissão de julgamentos representa um ganho em termos de transparência. “O fato de [o julgamento] ser televisionado ou transmitido pela internet, no geral, é positivo. Traz uma transparência para toda a sociedade. Você tem acesso aos debates, às intervenções, a todo o raciocínio que foi traçado durante o julgamento”, afirma Thiago Barbosa Wanderley, sócio da área de Tributário do Ogawa Lazzerotti & Baraldi Advogados.

Cassio Sztokfisz, sócio do Schneider, Pugliese Advogados, afirma que a transmissão ao vivo possibilita um controle maior da sociedade sobre os agentes públicos. “Quando há um controle maior, isso implica em decisões mais cuidadosas. Existe o princípio da publicidade da prestação jurisdicional, é sempre bom para uma sociedade democrática”, diz.

No entanto, dos tribunais mencionados, somente o STJ e o Cade confirmaram a continuidade das transmissões mesmo com o retorno presencial. O STJ, por enquanto, tem o retorno presencial definido para fevereiro. O Cade, que havia retornado às sessões presenciais em outubro do ano passado, publicou despacho em 18 de janeiro anunciando a volta ao modelo remoto.

A assessoria de imprensa do TJDFT disse que não há definição sobre a continuidade das transmissões ao vivo com o retorno presencial. O órgão passou a transmitir as sessões remotas pelo YouTube em março de 2020 e, em novembro do ano passado, liberou a realização de audiências e julgamentos presenciais a partir de janeiro de 2022, a critério dos magistrados e sem prejuízo das sessões telepresenciais.

Já o Carf havia agendado o retorno presencial para 10 de janeiro, mas suspendeu as sessões do primeiro mês do ano devido à paralisação dos auditores da Receita e à Covid-19. Com o agravamento da situação sanitária, decidiu que as sessões de fevereiro e março serão virtuais.

O órgão já informou, no entanto, que em um cenário de normalidade sanitária pretende julgar casos acima de R$ 36 milhões em sessões presenciais, mantendo as sessões virtuais para casos envolvendo valores abaixo desse limite. Segundo o Carf, a transmissão ao vivo será mantida apenas para os julgamentos virtuais.

 

Sessões virtuais

Assim como as transmissões ao vivo, as sessões virtuais são consideradas uma inovação positiva por advogados. Os profissionais destacam que a possibilidade de participar de julgamentos à distância democratizou o acesso aos tribunais, reduzindo custos para advogados.

Thiago Barbosa Wanderley afirma que no caso do Carf, por exemplo, a possibilidade de sustentação oral remota e a transmissão das sessões possibilitaram a participação e acompanhamento por contribuintes e advogados sem necessidade de deslocamento para Brasília, onde o órgão funciona.

“Essas medidas [sessões remotas e transmissão ao vivo] garantem o acesso a advogados que não têm possibilidade de se deslocar ao Carf. Antes, ele [advogado] tinha que procurar outro colega para saber o que se julgou, o que foi decidido naquela sessão”, comenta.

Otávio Domit, sócio da área de Resolução de Conflitos do Souto Correa, afirma que, embora a participação remota em julgamentos seja regulamentada há algum tempo, nem todos os tribunais utilizavam o recurso, que se tornou disseminado com a chegada da pandemia.

“O novo Código de Processo Civil, de 2015, prevê normativamente a possibilidade de participação remota. Mas, na prática, até então era uma exceção. O TRF4 [Tribunal Regional da 4ª Região] já tinha implementado o acompanhamento remoto mesmo para sessões presenciais”, exemplifica.

 

Caminho natural

As sessões remotas envolvem um custo menor para viabilizar a transmissão ao público. Em entrevista no ano passado, a presidente do Carf, Adriana Gomes Rêgo, disse que o órgão não dispõe da estrutura necessária para manter as transmissões ao vivo no caso de sessões presenciais.

Conselheiros do tribunal disseram ao JOTA que há maior facilidade de transmissão das sessões remotas porque cada participante acessa uma sala de reuniões no Zoom de seu próprio computador. Já no caso das sessões presenciais, para viabilizar a transmissão seria necessário adquirir equipamentos e contratar uma equipe para operá-los.

No entanto, para advogados, não é provável que sessões virtuais substituam as presenciais. Um dos motivos é que a classe advocatícia prefere despachar presencialmente com magistrados para discutir os detalhes dos casos.

“O acompanhamento presencial, sem dúvida, é melhor do que o remoto. Os grandes escritórios, que têm unidade em Brasília, preferem o retorno presencial pois têm um corpo técnico para fazer um tête-à-tête que não tem comparação”, comenta Anete Mair Maciel Medeiros, sócia do Gaia Silva Gaede Advogados.

A advogada destaca que o caminho para os escritórios que preferem a participação a distância seria permitir a sustentação remota em sessões presenciais. Ela defende, ainda, que os tribunais que atualmente não têm condições de transmitir as sessões presenciais se adequem para fazê-lo. “Hoje, a tecnologia permite e os tribunais deveriam se adaptar, de maneira a tornar mais efetivas, mais plenas a transparência e a publicidade”, afirma.

Para Thiago Barbosa Wanderley, a transmissão de sessões, incluindo as presenciais, é o caminho natural a ser seguido e será cada vez mais adotado pelos tribunais. “Para montar algo como ocorre no STF [Supremo Tribunal Federal], tem um custo para ser implementado. Mas o caminho natural é que as sessões, no futuro, sejam transmitidas”.

 

STF e TRFs

Pioneiro na transmissão ao vivo, o STF passou a transmitir as sessões do Plenário com o surgimento da TV Justiça, emissora inaugurada em 2002. Há ainda a transmissão em tempo real pela Rádio Justiça. Mais tarde, o Supremo passaria a transmitir os julgamentos também por meio de seu canal no YouTube.

Durante a pandemia, o STF ampliou o conteúdo exibido, passando a transmitir as sessões das turmas pelo YouTube. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, ainda não está definido se a transmissão dos julgamentos dos colegiados seguirá no pós-pandemia.

Outros tribunais que já realizavam a transmissão antes da pandemia são o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que transmite desde 2004, e o Tribunal Federal da 4ª Região (TRF4), que desde 2013 transmite as sessões de todas as turmas, exceto as criminais. Ambos os órgãos iniciaram a transmissão em seus próprios sites e depois migraram para o YouTube.

Embora não transmita ao vivo as sessões das câmaras, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) informou que grava as sessões do Órgão Especial para e posteriormente as disponibiliza em seu site.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) informou que realiza sessões por videoconferência por meio da plataforma Microsoft Teams. Contudo, não há transmissões abertas online. Segundo a assessoria de imprensa do tribunal, para acompanhar um julgamento o interessado pode fazer uma solicitação por e-mail.

Já o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) informou que, embora atualmente não transmita os julgamentos, está em curso uma licitação para aquisição de equipamentos destinados a permitir a transmissão das sessões do Órgão Especial e do Tribunal Pleno.

 

POR MARIANA BRANCO

FONTE: JOTA – 24/01/2022

Carf altera competência de turmas, e tributaristas temem mudança de entendimento

Portaria publicada distribui temas de competência da 1ª Turma da Câmara Superior à 2ª e à 3ª em caráter temporário

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) publicou na última quinta-feira (14/10), no Diário Oficial da União, a Portaria Carf / ME 12.202, que distribui temas de competência da 1ª Turma da Câmara Superior à 2ª e à 3ª em caráter temporário.

O compartilhamento, que vale apenas para processos ainda não distribuídos, repercutiu entre advogados, que temem que a mudança pode levar à alteração de entendimento em algumas matérias. A portaria não especifica quanto tempo a medida irá durar.

Entre os temas com potencial para gerar debate ou mudança de entendimento, especialistas apontaram discussões sobre Juros sobre Capital Próprio retroativos, subvenção para investimento e custeio e segregação de atividade simulada no grupo econômico.

Segundo nota divulgada pelo Carf, o objetivo da medida é reequilibrar a quantidade de recursos entre as turmas, já que a 1ª Turma, responsável pela análise de casos sobre IRPJ e CSLL, tem um volume maior de processos que a 2ª e a 3ª, responsáveis, respectivamente, por processos envolvendo contribuição previdenciária e IRPF e IPI e PIS/Cofins. A redistribuição, segundo o Carf, aumentará a celeridade processual.

De acordo com o tribunal, a medida deve reduzir de 299 para 251 o estoque de processos na 1ª Turma da Câmara Superior. Na 2ª Turma, a expectativa é que os recursos a serem julgados passem de 55 para 72 e, na 3ª Turma, de 53 para 84.

Segundo o advogado Carlos Augusto Daniel, do Daniel e Diniz Advogados, a alteração de competência das turmas do Carf tem previsão regimental, mas é uma medida excepcional  “A prerrogativa da presidência de estender a competência de uma seção é excepcional, por alterar uma repartição feita pelo Regimento Interno, e só pode ser estabelecida de maneira temporária e visando à adequação do acervo e à celeridade de sua tramitação”, afirma.

Mudança de entendimento

A portaria traz uma lista de 24 temas que serão provisoriamente compartilhados pela 1ª Turma com a 2ª e a 3ª. Alguns deles deixaram advogados que atuam no Carf em alerta.

“Isso irá implicar, possivelmente, em decisões divergentes, até porque a 1ª Turma não é tida como pró-fisco, como acreditamos serem as demais. A delegação temporária pode gerar jurisprudência conflitante e, portanto, maior insegurança jurídica”, acredita Anete Mair Maciel Medeiros, sócia do Gaia, Silva, Gaede Advogados.

“É de se esperar alguma mudança no resultado de julgamentos, principalmente em temas até então pacificados pela 1ª Turma e, também, por conta da mudança da aplicação do voto de qualidade”, afirma Maria Teresa Grassi, advogada do contencioso tributário do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados. Ela cita que o mecanismo de desempate pró-contribuinte recentemente alterou o entendimento da 1ª Turma em um processo sobre dedução de Juros sobre Capital Próprio de forma retroativa.

O tema dos Juros sobre Capital Próprio retroativos era historicamente decidido de forma favorável ao fisco, porém uma decisão do dia 7 de outubro da 1ª Turma no processo 10950.006120/2007-10 foi favorável à empresa após a aplicação do desempate pró-contribuinte. A discussão, que irá para a 2ª Turma da Câmara Superior, diz respeito à possibilidade de dedução, da base do IRPJ e da CSLL, de JCP pagos em exercícios anteriores.

Para o advogado tributarista Breno Vasconcelos, do Mannrich e Vasconcelos Advogados, os temas subvenção para investimento e custeio (quando as empresas recebem benefícios fiscais em troca de contrapartidas) e segregação de atividade simulada no grupo econômico (criação de empresas com atividades diferentes no mesmo grupo com vistas, aos olhos do fisco, a pagar menos tributos) também podem sofrer uma alteração de entendimento. Com a portaria, ambos passam a ser julgados pela 3ª Turma da Câmara Superior.

“Eu não gosto da ideia de afirmar que a simples mudança de turma pode gerar mudança de entendimento. Por outro lado, o que dá para dizer é que alguns desses temas já foram julgados no passado de modo contrário aos contribuintes nessas outras turmas”, comentou.

No caso da subvenção para custeio e subvenção para investimento, o advogado destaca que, em agosto deste ano, a 1ª Turma proferiu decisão favorável ao contribuinte em caso envolvendo o IRPJ, no processo 3116.721486/2011-29. Já a 3ª Turma proferiu decisão pró-fisco em abril em caso envolvendo a Cofins, no processo 10314.720434/2015-34.

“Com relação à segregação de atividade simulada, há jurisprudência já forte na 1ª Turma sobre em quais casos vai ser caracterizada simulação, e são hipóteses muito mais permissivas. A 3ª Turma, pela competência histórica, julga questões de IPI, e a legislação tem um regramento muito restritivo sobre a possibilidade de segregação de atividade”, destaca.

Retirada de pauta

A advogada Fernanda Lains, sócia do Bueno e Castro Tax Lawyers, vê como possível consequência da alteração de competências o aumento dos pedidos de retirada de processos de pauta por advogados. “O que pode acontecer é, em casos que sejam mais expressivos, tanto em relação a valores quanto com alguma especificidade, provavelmente o advogado pedir a retirada de pauta, e aí vai ter que justificar esse pedido. Pode ser que a gente veja esse movimento, por [temor de] ser julgado por um conselheiro de quem ele não conhece o entendimento ou que não está acostumado a julgar aquela matéria”, afirma.

O Carf promoveu alterações nas competências das turmas em pelo menos em duas outras ocasiões. Em 2018, a portaria 146 estendeu temporariamente à 1ª Seção e à 1ª Turma da Câmara Superior o julgamento de casos envolvendo Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), tema da 2ª Seção. Já em 2020, a portaria 22564 estendeu à 2ª Turma da Câmara Superior a competência de julgar uma série de temas da 1ª Turma da Câmara Superior.

 

POR MARIANA BRANCO

FONTE: JOTA – 18/10/2021

Distribuição de processos no CARF e agendamento de audiências

Foi publicada no dia 14/10/2021 a Portaria CARF/ME nº 12.202/2021 que determina, de forma temporária, a distribuição de processos no CARF com matérias que sejam de competência da 1ª Turma para as 2ª e 3ª Turmas da Câmara Superior. Com isso, o CARF espera equalizar a quantidade de processos sob a responsabilidade de cada turma, bem como agilizar o julgamento dos processos. A portaria não altera o texto do Regimento Interno do CARF, podendo ser revogada a qualquer momento.

É importante ressalvar que a portaria não atinge os processos já distribuídos para as câmaras superiores, nem processos que estejam aguardando distribuição ou estejam distribuídos para as turmas ordinárias e extraordinárias.

As matérias estão distribuídas conforme o anexo da portaria (acesso).

Já na edição do DOU do dia 15/10/2021, o CARF publicou a Portaria CARF/ME nº 12.225/2021 que, em complemento ao Código de Conduta Ética dos Agentes Públicos em exercício no CARF, regulamenta a realização de audiências com os conselheiros. Segundo a portaria, a solicitação de audiência deverá ser realizada pelo sítio eletrônico, e poderá participar o Contribuinte ou o patrono devidamente constituído nos autos.

A portaria permite a realização das audiências de forma virtual ou presencial, sendo que as informações relativas à audiência serão enviadas ao solicitante por e-mail e divulgadas no site do CARF, e as audiências contarão com a participação de um servidor público e serão gravadas.

Por fim, não será permitido agendar audiência para processos com julgamento iniciado (cujo relatório e voto tenham sido apresentados) e para processos sorteados para conselheiro que não seja o relator do caso. Será permitido agendar audiência para processos incluídos em pauta para iniciar julgamento, casos em que a audiência será realizada no período entre publicação da pauta e a sexta-feira da semana anterior à do julgamento, ou de modo excepcional, na semana do julgamento. Já para processos que não estejam pautados, as audiências serão realizadas nas semanas vagas (que não tenha julgamento ou que não seja a semana anterior ao julgamento, já que será dada preferência para agendamento dos processos pautados).

 

Clique aqui para outros temas recentes.

Considerações sobre o atual teto de valores para julgamentos virtuais no Carf

A recente Portaria ME nº 7.406, do último dia 28, acabou fazendo o que muitos militantes do Carf temiam: manteve até 31/12/2021 o julgamento não presencial (em formato de vídeo conferência) de casos com valor original de até R$ 36 milhões.

A questão já havia causado alvoroço quando da edição da Portaria ME nº 3.138/21, em 18/3, a qual, sem maiores explicações e/ou justificativas, surpreendeu a todos e elevou de R$ 12 milhões para R$ 36 milhões o limite dos valores dos casos que poderiam ser julgados em sessão virtual pelo Carf.

Nesse contexto, dois pontos, em especial, nos chamam a atenção: o primeiro é que, em 14/1/2021, já havia sido editada a Portaria ME nº 665/21, elevando o teto dos julgamentos para R$ 12 milhões, até 31/3/2021.

Assim, ao final de março, era aguardado, no máximo, que houvesse uma nova portaria prorrogando o prazo para julgar no modelo virtual processos que envolvessem créditos tributários de até R$ 12 milhões. Contudo, veio o Executivo e, por meio da Portaria (3.138/21), ampliou-se a possibilidade dos julgamentos, dessa vez para casos de até R$ 36 milhões, o que agora foi novamente referendado pela Portaria 7.406/21.

O segundo ponto relevante é que Portaria 3.138/21 tinha validade por prazo determinado, até 30 de junho. Logo, esperava-se que, a partir de 1º de julho, voltasse a vigorar o limite de alçada de R$ 12 milhões para julgamentos não presenciais.

Mas não foi o que aconteceu, pois, como visto, no dia 28 a Portaria ME 7.406/21 postergou a possibilidade do julgamento de casos com valor original de R$ 36 milhões até o último dia deste ano.

Com efeito, a quantidade cada vez maior de casos julgados no Carf no modelo virtual e a concreta possibilidade da pandemia se alongar por todo 2021, obrigando a manutenção do modelo não presencial para julgamentos, revela-se deveras preocupante para a advocacia que atua no citado tribunal administrativo.

Em números, o próprio Carf publicou em 2016 que os casos envolvendo créditos de até R$ 15 milhões representavam mais de 96% do seu acervo de processos [1].

Mais recentemente, em seus relatórios gerenciais relativos ao corrente ano de 2021, esse número se manteve praticamente sem modificações, sendo certo que os processos abaixo da alçada atual para julgamento virtual remontam a 95% do estoque do Carf [2].

Ou seja, com a Portaria ME 7.406/21, o conselho caminhou a passos largos para uma grandiosa limitação dos julgamentos presenciais, ao menos até o final de 2021, que ficaram adstritos a não mais do que 4% ou 5% das discussões que lhe são postas.

Como se sabe, o Carf sempre foi reconhecido como um tribunal permeado pelo debate técnico e amplo entre os conselheiros representantes da Fazenda e dos contribuintes, aliado às sustentações orais e comuns intervenções e explicações detalhadas em matérias de fato pelos patronos. Com a chegada da pandemia, após uma suspensão inicial de todas as sessões, elas retornaram na forma não presencial, mas tiveram seu escopo bastante limitado em um primeiro momento.

Inicialmente, a Portaria Carf nº 10.786/20 dispunha que seriam julgados recursos cujo valor original era de até R$ 1 milhão, ou recursos, independentemente do valor, cuja matéria fosse objeto de súmula ou resolução do Carf, decisão definitiva do STJ ou do STF na forma de recursos repetitivos.

Assim, o retorno dos julgamentos foi bastante restrito, naturalmente preservando os casos de maior valor e complexidade para quando voltassem as sessões presenciais, de modo a privilegiar muito mais um amplo debate e a irrestrita dialética entre julgadores e patronos do que em sessões virtuais.

Em julho de 2020, no entanto, houve ampliação do teto para julgar recursos cujo valor original fosse de até R$ 8 milhões (Portaria Carf nº 17.296). Em janeiro de 2021, como já citado, tal limite foi majorado para R$ 12 milhões.

Depois, chegou-se à relevante alçada de R$ 36 milhões, ora mantida até o final do ano; isto é, em março de 21, triplicou-se o valor que estava permitido na portaria anterior, e aumentou-se em 36 vezes o valor inicialmente estipulado em 2020.

Veja-se, não houve qualquer justificativa e/ou motivação razoável para que o Carf passasse a julgar recursos de valores tão expressivos no formato não presencial, já que, naturalmente, o julgamento virtual possui seus percalços e cria maior distância entre julgadores e patronos, dificultando, por exemplo, apresentações em power point, tão comuns no Carf para esmiuçar operações societárias e/ou planejamentos tributários.

Além disso, não é caso raro a oscilação do sinal de internet de algum dos participantes da sessão, gerando situações como de ser necessário se repetir partes de uma sustentação oral, com notório prejuízo às partes envolvidas e à própria dinâmica do julgamento. Por outro lado, a sessão não presencial torna o julgamento mais frio, diminuindo, também, o amplo e necessário debate entre os membros julgadores e as próprias intervenções que se façam necessárias pelos patronos.

É louvável que, diante da falta de previsibilidade quanto ao término da pandemia da Covid-19, o Carf pretenda continuar seus julgamentos, evitando, assim, a paralisação completa de seu já volumoso acervo. Todavia, casos de relevante valor, os quais comportam em sua maioria notório detalhamento fático e probatório, merecem aguardar mais um pouco e somente serem julgados na forma presencial, quando a pandemia permitir.

Como as majorações da alçada para julgamento não presencial são objeto de meras portarias da Administração Pública, o limite de R$ 36 milhões, que passou a viger em 1º de abril e deveria, a princípio, se encerrar em 30 de junho, foi mantido até o final deste ano.

Contudo, confiamos que hão de prevalecer a cautela, a prudência, a razoabilidade e a proporcionalidade, de modo que a alçada atual de R$ 36 milhões seja revista e reduzida em breve, voltando ao patamar anterior, de, ao menos, apenas julgar na forma virtual casos envolvendo crédito tributário de até R$ 12 milhões.

____

[1] Disponível em http://idg.Carf.fazenda.gov.br/dados-abertos/relatorios-gerenciais/estoque-processos-por-faixa-de-valores.pdf/view

[2] http://Carf.economia.gov.br/dados-abertos/relatorios-gerenciais/2021/dados-abertos-202102-final.pdf

 

*Artigo postado originalmente no ConJur.

Adiantamento para futuro aumento de capital (AFAC): quais cuidados devem ser tomados pelas empresas antes da realização das AGOs?

Entre as alternativas para o financiamento de negócios previstas pela legislação brasileira, o aporte direto dos sócios é a que se mostra mais simples, eficiente e menos onerosa do ponto de vista fiscal, principalmente se comparado aos outros meios mais comuns, como é o caso do financiamento bancário que, para além da necessidade de negociação da operação com a instituição financeira, implica na necessidade de pagamento de todas as taxas de tributos incidentes.

Diante deste cenário, surge o adiantamento para futuro aumento de capital (AFAC), que nada mais é do que um processo de capitalização direta pelos sócios dividido em dois passos, já que, embora exista no caso concreto uma necessidade imediata de caixa da sociedade, não houve tempo hábil ou não há intenção de aumento do valor do capital social naquela mesma data base, mas sim num futuro próximo. O AFAC é, portanto, um expediente que consiste no aporte financeiro realizado pelos sócios em uma sociedade investida com animus definitivo e irretratável de aumento de capital, que ficará registrado temporariamente de forma segregada ao capital social, até que sejam tomadas as medidas formais necessárias à capitalização.

Todavia, é preciso atentar para as implicações de adotar-se o AFAC como meio de financiamento do negócio, de modo que algo que pode ser rápido, menos burocrático e menos oneroso, não se torne uma indesejável contingência. Isso porque, apesar da clareza do instituto, que deveria ser lido e entendido simplesmente como uma operação de aumento de capital em que houve o diferimento do desembolso e contrapartida, o fato de não existir menção expressa ao mesmo na legislação criou uma sensação de obscuridade que, em último grau, acabou por permitir o estabelecimento de determinados limitadores pela jurisprudência e, em alguns casos, mesmo a sua completa desconfiguração sob o argumento de que a operação teria natureza de mútuo e não de aumento de capital.

Para tanto e com o devido respeito às opiniões em contrário, deve-se dizer que o argumento de que o AFAC teria natureza de mútuo é algo totalmente equivocado, já que não há nenhuma semelhança entre os institutos. Entretanto, é preciso apropriar corretamente os AFACs ao capital, de modo que não se dê margem para eventual autuação do fisco, por desconsiderar tal instituto.

Nessa linha, ainda que consideremos que o fisco não pode, sem fundamentação legal que o ampare, regular e estabelecer parâmetros para eventual enquadramento e/ou descaracterização dos AFACs, estes existem e têm servido de base para autuações de IOF, conforme se observa em diversos julgados que formaram recente jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Diante disso, a nossa orientação  é de que, com o objetivo de reduzir o risco de eventuais autuações, o mais adequado é que, diante de uma situação de necessidade da realização de uma operação de AFAC , as sociedades tenham como política a adoção de certas medidas em linha com a jurisprudência vigente retromencionada, tais como: (a) formalização da operação; (b) correta contabilização da operação; e (c) capitalização do adiantamento no menor prazo possível, preferencialmente não ultrapassando os 120 (cento e vinte) dias  subsequentes ao encerramento do exercício social em que o AFAC foi realizado ou antes, se houver alguma alteração de contrato social ou de estatuto.

Por fim, para aquelas sociedades que já implementaram operações de AFAC sem o cumprimento dos critérios mencionados no parágrafo anterior, consideramos recomendável uma detida análise de cada caso concreto de modo a avaliar  as alternativas legais possíveis para a redução do seu nível de exposição em caso de existência de AFACs “pendentes” em seus balanços, principalmente a considerar que se aproxima o período de realização das assembleias gerais/reunião de sócios ordinárias, que visa, dentre outras matérias, aprovar as demonstrações financeiras do exercício social encerrado em 2020.

 

Clique aqui para outros temas recentes.