Não incidência do ISS na antecipação de recebíveis no caso da Prefeitura de SP

A Prefeitura Municipal de São Paulo tem se movimentado para cobrar o ISS que, supostamente, incidiria sobre a receita decorrente da antecipação de recebíveis feitas pelas empresas credenciadoras e subcredenciadoras de estabelecimentos comerciais, que recebem o pagamento dos seus clientes, por meio de cartão de crédito e débito.

A atividade das credenciadoras e subcredenciadoras é prevista na Lei 12.865/13, a qual é regulamentada pela Resolução da CVM n° 4.282/13.

De acordo com essa legislação, a instituição financeira emissora do cartão é o banco no qual o cliente possui conta bancária; o instituidor do arranjo de pagamento corresponde à “bandeira” do cartão, responsável por todo o arranjo de pagamento; o estabelecimento comercial é denominado pela legislação como “recebedor”, destinatário final dos recursos da transação de pagamento e; a instituição de pagamento é aquela que, aderindo a um ou mais arranjos de pagamento, tem como atividade, dentre outras, credenciar a aceitação de instrumento de pagamento.

Para que os referidos agentes (banco, bandeira do cartão e instituição de pagamento credenciadora) sejam devidamente remunerados pelo serviço que prestam, há a cobrança de uma taxa de desconto sobre o valor da transação (Taxa MDR).

O cliente da loja faz a autorização do pagamento, a qual é recepcionada pelo banco emissor do cartão, que retem a taxa de desconto que lhe é devida. O valor remanescente é enviado à instituição de pagamento credenciadora, que deduz o montante relativo à taxa a ser remetida por ela à bandeira do cartão e o valor correspondente a sua parcela, sendo o montante residual entregue ao lojista (recebedor).

A instituição de pagamento credenciadora dos pagamentos presta serviços de administração de cartão de crédito e débito, devendo sujeitar as suas receitas (sua parcela da Taxa MDR) à incidência do ISS, conforme previsto no item 15.01 da LC 116/03.

A Instrução Normativa SF/Surem 13/2011 da Prefeitura de São Paulo é ainda mais específica ao prever a incidência do ISS sobre a atividade desempenhada pelas credenciadoras: “Administração de cartão de crédito ou débito e congêneres, inclusive os serviços de credenciamento, de administração da rede de estabelecimentos e de captura e transmissão das transações”. Neste sentido, não há dúvidas de que a referida prestação de serviços de credenciamento está sujeita à incidência do ISS.

Dentro do referido arranjo de pagamento, os lojistas são os clientes e tomadores dos serviços prestados pelas empresas credenciadoras. Ou seja, são eles que contratam essas empresas para que possam receber os pagamentos por meio dos cartões de crédito e débito. É bastante comum os lojistas receberem os valores do pagamento realizado por seus clientes após um período de, aproximadamente, 30 dias, ou de alguns meses, nos casos em que as compras são parceladas no cartão.

Neste cenário, por conta da necessidade de fluxo de caixa, muitas vezes os estabelecimentos comerciais necessitam receber os valores que lhes são devidos antes do prazo previsto para tanto, razão pela qual recorrem à antecipação do recebimento dos valores, antes do seu vencimento.

Nessa operação de antecipação de recebíveis, a instituição credenciadora celebra contrato com os lojistas obrigando-se a entregar-lhes o valor decorrente do pagamento antes do vencimento e, em contrapartida, os lojistas autorizam a empresa a descontar uma parcela do valor da transação.

Diferentemente dos contratos de empréstimo ou de cessão de crédito, na antecipação de recebíveis, ocorre a liquidação de uma obrigação própria da credenciadora em momento anterior ao contratualmente previsto, mediante a entrega de valores com um deságio acordado entre as partes.

O deságio cobrado pelas credenciadoras em razão da antecipação dos recebíveis não se confunde com a parcela da Taxa MDR cobrada por estas empresas, em razão da prestação dos serviços de administração de cartão de crédito ou débito.

Apesar disso, o município de São Paulo tem entendido que tais valores devem ser tributados pelo ISS por consistir em serviços de cobranças, recebimentos ou pagamentos em geral, conforme previsto no item 15.10, da lista anexa a LC 116/03. No entendimento das autoridades fiscais municipais, ao receber um valor para antecipar as transações realizadas com cartões de crédito e débito, há prestação de serviço descrito no item 15.10.

Neste sentido, as questões a serem respondidas no presente artigo são: as receitas decorrentes do deságio na antecipação de recebíveis possuem natureza financeira? Poderia o município de São Paulo enquadrar as referidas receitas como prestação de serviços de cobrança, recebimento ou pagamentos em geral, para cobrar o ISS?

Todas as vezes em que determinado capital é colocado à disposição de outra pessoa, mediante a cobrança de determinada taxa de desconto ou deságio, estamos diante de uma operação de crédito, que gera uma receita financeira. No julgamento da ADI 1.763, o STF definiu as operações de crédito como: “negócios ou transações realizados com a finalidade de se obterem imediatamente recursos que, de outro modo, só poderiam ser alcançados no futuro, possuindo, como regra, elementos relevantes como a confiança, o tempo, o interesse e o risco”.

O Decreto-Lei 1.598/77 trata de forma ampla as receitas financeiras como os juros, o desconto, a correção monetária pré-fixada, ganhos pelo contribuinte, determinando a sua inclusão no lucro operacional.

Por qual motivo a credenciadora é remunerada? A sua remuneração não decorre da prestação de um serviço de cobrança, de pagamento e de recebimento, mas sim da colocação à disposição do lojista de um crédito que ele não teria acesso.

O fato de a disponibilização do montante ser feita pela credenciadora como uma antecipação de um valor que será devido no futuro ao cliente, não altera em nada a natureza de receita financeira. Da mesma maneira, o fato de aquele valor ser antecipado pela mesma empresa que presta os serviços de administração de cartão de crédito e débito, também não altera a natureza da receita financeira, que decorre do fato de determinado valor ser colocado à disposição de terceiros mediante a cobrança de uma taxa de desconto.

No recente julgamento da ADI 1.763, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a antecipação de recebíveis caracteriza operação de crédito por dar ao empresário acesso a crédito que ele, em condições normais, só obteria no futuro, enfatizando que o elemento mais relevante para a caracterização das operações de crédito é a antecipação dos recursos no tempo, assim como ocorre na antecipação de recebíveis aqui abordada. Assim, inegável a natureza de financeira a receita decorrente da antecipação de recebíveis.

Respondida a primeira pergunta, passamos para a segunda: poderia o município de São Paulo enquadrar as referidas receitas financeiras como prestação de serviços de cobrança, recebimento ou pagamentos em geral, para efeito de incidência do ISS? Entendemos que a resposta seja negativa, já que as receitas financeiras decorrem de uma operação de crédito, que não pode ser objeto de incidência do ISS.

Caso fosse possível a incidência do ISS, os municípios automaticamente invadiriam a competência tributária da União, a quem cabe a cobrança do IOF.

Ao dispor sobre a incidência do ISS sobre os serviços relacionados ao setor bancário ou financeiro (Item 15 da lista), em nenhum momento a LC 116/03 previu a possibilidade de cobrança do ISS sobre as receitas financeiras decorrentes das referidas atividades. Todos os subitens do Item 15 da lista anexa a LC 116/03 constituem atividades que geram receita de prestação de serviços, mas que não possuem natureza financeira, ou seja, não decorrem da intermediação ou disponibilização de determinado valor a terceiros mediante a cobrança de determinada taxa de juros ou de desconto.

Assim, por exemplo, é passível de incidência pelo ISS a taxa cobrada pelos bacos em razão da abertura de contas em geral, mas não os juros cobrados em razão de empréstimos pré-aprovados para os titulares dessas contas bancárias.

Da mesma maneira, é passível de incidência pelo ISS a emissão, reemissão, alteração, cessão, substituição, cancelamento e registro de contrato de crédito e o estudo, análise e avaliação de operações de crédito, mas não os juros cobrados em razão desses contratos.

A Súmula 588 do STF foi editada seguindo justamente essa linha de raciocínio: “O imposto sobre serviços não incide sobre os depósitos, as comissões e taxas de desconto, cobrados pelos estabelecimentos bancários”.

Nota-se que os serviços relacionados ao setor bancário e financeiro previstos na lista anexa a LC 116/03, são prestados, como regra, como atividade-meio de operações de crédito, câmbio, seguro, não gerando o recebimento de receitas financeiras.

Apesar de não constar do Item 15, da lista anexa à LC 116/03, o serviço de factoring (Item 10.04) é outro exemplo de que o ISS não pode recair sobre as receitas financeiras. Apesar de a LC 116/03 prever a incidência do ISS sobre os serviços de factoring, não se admite a sua incidência sobre as receitas financeiras decorrentes da compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços.

A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, nos serviços de factoring, a base de cálculo do ISS corresponde ao preço do serviço cobrado, sem inclusão da receita financeira obtida em decorrência da diferença de compra do título e do valor recebido do devedor.

Em todos estes casos em que há o recebimento de receita financeira, mesmo que esteja relacionada a serviços bancários, a Lei Complementar nem poderia prever a cobrança do ISS, uma vez que a competência para tributar estas receitas é da União, por meio do IOF, por se tratar de operações de crédito, câmbio e seguro.

Em resumo, resta claro que, tratando-se de receitas financeiras decorrentes de qualquer atividade, seja ela de administração de fundos, administração de cartão de crédito ou débito, de abertura de contas, de factoring, etc, não há que se falar na incidência do ISS.

Dessa forma, conclui-se que as receitas financeiras decorrentes da antecipação de recebíveis auferidas pelas credenciadoras têm nítida natureza de receita financeira, decorrente de operação de crédito e, portanto, não são passíveis de incidência pelo ISS.

 

*Artigo publicado originalmente no ConJur.

Adiantamento para futuro aumento de capital (AFAC): quais cuidados devem ser tomados pelas empresas antes da realização das AGOs?

Entre as alternativas para o financiamento de negócios previstas pela legislação brasileira, o aporte direto dos sócios é a que se mostra mais simples, eficiente e menos onerosa do ponto de vista fiscal, principalmente se comparado aos outros meios mais comuns, como é o caso do financiamento bancário que, para além da necessidade de negociação da operação com a instituição financeira, implica na necessidade de pagamento de todas as taxas de tributos incidentes.

Diante deste cenário, surge o adiantamento para futuro aumento de capital (AFAC), que nada mais é do que um processo de capitalização direta pelos sócios dividido em dois passos, já que, embora exista no caso concreto uma necessidade imediata de caixa da sociedade, não houve tempo hábil ou não há intenção de aumento do valor do capital social naquela mesma data base, mas sim num futuro próximo. O AFAC é, portanto, um expediente que consiste no aporte financeiro realizado pelos sócios em uma sociedade investida com animus definitivo e irretratável de aumento de capital, que ficará registrado temporariamente de forma segregada ao capital social, até que sejam tomadas as medidas formais necessárias à capitalização.

Todavia, é preciso atentar para as implicações de adotar-se o AFAC como meio de financiamento do negócio, de modo que algo que pode ser rápido, menos burocrático e menos oneroso, não se torne uma indesejável contingência. Isso porque, apesar da clareza do instituto, que deveria ser lido e entendido simplesmente como uma operação de aumento de capital em que houve o diferimento do desembolso e contrapartida, o fato de não existir menção expressa ao mesmo na legislação criou uma sensação de obscuridade que, em último grau, acabou por permitir o estabelecimento de determinados limitadores pela jurisprudência e, em alguns casos, mesmo a sua completa desconfiguração sob o argumento de que a operação teria natureza de mútuo e não de aumento de capital.

Para tanto e com o devido respeito às opiniões em contrário, deve-se dizer que o argumento de que o AFAC teria natureza de mútuo é algo totalmente equivocado, já que não há nenhuma semelhança entre os institutos. Entretanto, é preciso apropriar corretamente os AFACs ao capital, de modo que não se dê margem para eventual autuação do fisco, por desconsiderar tal instituto.

Nessa linha, ainda que consideremos que o fisco não pode, sem fundamentação legal que o ampare, regular e estabelecer parâmetros para eventual enquadramento e/ou descaracterização dos AFACs, estes existem e têm servido de base para autuações de IOF, conforme se observa em diversos julgados que formaram recente jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Diante disso, a nossa orientação  é de que, com o objetivo de reduzir o risco de eventuais autuações, o mais adequado é que, diante de uma situação de necessidade da realização de uma operação de AFAC , as sociedades tenham como política a adoção de certas medidas em linha com a jurisprudência vigente retromencionada, tais como: (a) formalização da operação; (b) correta contabilização da operação; e (c) capitalização do adiantamento no menor prazo possível, preferencialmente não ultrapassando os 120 (cento e vinte) dias  subsequentes ao encerramento do exercício social em que o AFAC foi realizado ou antes, se houver alguma alteração de contrato social ou de estatuto.

Por fim, para aquelas sociedades que já implementaram operações de AFAC sem o cumprimento dos critérios mencionados no parágrafo anterior, consideramos recomendável uma detida análise de cada caso concreto de modo a avaliar  as alternativas legais possíveis para a redução do seu nível de exposição em caso de existência de AFACs “pendentes” em seus balanços, principalmente a considerar que se aproxima o período de realização das assembleias gerais/reunião de sócios ordinárias, que visa, dentre outras matérias, aprovar as demonstrações financeiras do exercício social encerrado em 2020.

 

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Receita tenta inovar em entendimento sobre IOF-Câmbio na exportação

A solução de consulta em questão forjou um critério inexistente na legislação de regência do IOF-Câmbio para que seja aplicada a alíquota zero, qual seja: a contemporaneidade entre a conclusão do processo de exportação e a entrada dos valores no território nacional.

Ainda que com pouco alarde, mais especificamente na véspera do natal do ano passado, a Receita Federal publicou a solução de consulta COSIT 246/18 a qual, sem poder, criou um novo e amplamente subjetivo requisito para se aplicar a alíquota zero de IOF incidente sobre operações de câmbio relativas ao ingresso no país de receitas de exportação de bens e serviços: tal requisito é o cumprimento do imediatismo na internalização da receita. Explica-se:

Como se sabe, à luz do CTN, o fato gerador do IOF-Câmbio é a entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado, em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este. Sendo assim, ocorre o fato imponível toda vez que realizada a conversão da moeda estrangeira em nacional e vice-versa, havendo a sua disponibilização ao interessado, tornando-se devido o imposto no ato da liquidação da operação de câmbio.

Tal disposição está contida no art. 11, do decreto 6.306/07, que regula o IOF:

“Art. 11. O fato gerador do IOF é a entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado, em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este (lei 5.172, de 1966, art. 63, inciso II).

Parágrafo único. Ocorre o fato gerador e torna-se devido o IOF no ato da liquidação da operação de câmbio.”

Com base na legislação vigente, sempre que houver operação de câmbio em que for recebido, entregue ou posto à disposição do interessado valor em moeda nacional ou estrangeira, haverá a incidência do imposto. A contrario sensu, inexistindo operação de câmbio e sua a respectiva liquidação, o fato gerador do IOF não se perfectibiliza.

Por isso, em sua parte inicial, trilhou o caminho óbvio a solução de consulta COSIT 246/18, ao dispor que “no caso de manutenção dos recursos em moeda estrangeira no exterior (…), não há que se falar em liquidação de câmbio pois não se verifica a ocorrência do fato gerador do IOF-Câmbio.”. O problema viria a seguir.

Neste contexto, a referida solução de consulta prosseguiu dispondo que “(…) o fato gerador do IOF-Câmbio ocorrerá em caso de operação de câmbio relativas ao ingresso, no país, de receitas de exportação (…). Neste caso, fica a alíquota reduzida a zero.”. Até aí, novamente sem novidades, pois ainda que efetivamente realizado o fato gerador, a alíquota zero decorre de uma opção extrafiscal, contida na dicção do art. 15-B, I, do decreto 6.306/07, até como forma de incentivar as exportações:

“Art. 15-B. A alíquota do IOF fica reduzida para trinta e oito centésimos por cento, observadas as seguintes exceções:

I – nas operações de câmbio relativas ao ingresso no país de receitas de exportação de bens e serviços: zero;”

Contudo, logo a frente surgiu o cerne deste breve estudo, pois a Receita Federal criou hipótese à parte daquelas expostas acima, utilizando-se de uma interpretação sua de um critério temporal. Isto porque, atestou que “se os recursos inicialmente mantidos em conta no exterior forem, em data posterior à conclusão do processo de exportação, remetidos ao Brasil, haverá incidência de IOF à alíquota de 0,38%, conforme determina o caput do art. 15-B do Decreto 6.306, de 2007”.

Ou seja, a solução de consulta em questão forjou um critério inexistente na legislação de regência do IOF-Câmbio para que seja aplicada a alíquota zero, qual seja: a contemporaneidade entre a conclusão do processo de exportação e a entrada dos valores no território nacional.

Ausente tal contemporaneidade, a receita originalmente de exportação, pasmem, teria sua natureza modificada (como se fosse possível algo do gênero).

E ao assim proceder, a Receita violou o art. 150, I, da Constituição, além dos art. 97, II e IV, e 110, todos do Código Tributário Nacional.

Ora, em sua parte inicial, a solução de consulta COSIT 246/18 transmitia exatamente o disposto na legislação de regência do referido tributo: (i) recebimento no exterior com a manutenção dos valores fora do país, sem operação de câmbio: inexistência de fato gerador; (ii) liquidação do câmbio e ingresso dos valores no Brasil: incidência do IOF, sob a alíquota zero.

Entretanto, alterou a própria regra matriz de incidência tributária do imposto ao prever um critério temporal (contemporaneidade com a conclusão do processo de exportação) e talvez pior, sem pormenorizar o critério (um minuto, uma hora, um dia após o término; no mesmo dia da conclusão ainda seria válido?)

Dentro deste contexto, necessário o questionamento se o fato de o ingresso das receitas ser posterior à “conclusão do processo de exportação” desnaturaria a operação que a precedeu. Parece-nos que a resposta para a indagação é negativa, a partir do que se verifica do art. 16-A, II, da resolução 3.568/08, do Conselho Monetário Nacional, que dispõe sobre o mercado de câmbio:

“Art. 16-A No recebimento da receita de exportação de mercadorias ou de serviços, deve ser observado que:

I – o exportador de mercadorias ou de serviços pode manter no exterior a integralidade dos recursos relativos ao recebimento de suas exportações;

II – o ingresso, no país, dos valores de exportação pode se dar em moeda nacional ou estrangeira, prévia ou posteriormente ao embarque da mercadoria ou à prestação dos serviços, e os contratos de câmbio podem ser celebrados para liquidação pronta ou futura, observada a regulamentação do Banco Central do Brasil;

Veja-se, segundo o Banco Central do Brasil, que regula o mercado de câmbio no país, o fato de os valores decorrentes de exportação serem internalizados antes ou depois da prestação do serviço ou do embarque da mercadoria é de todo irrelevante. Continuam sendo, obviamente, originários de exportações e, portanto, subsumidos à alíquota zero.

De fato, não cremos que pudesse de outra forma ser entendido, pois uma modificação desta natureza pressuporia, muito provavelmente, a alteração até da essência do negócio jurídico celebrado que deu ensejo às operações que desaguaram nas exportações.

Sem dúvidas tal efeito cascata retroativo, caso possível no mundo fático, importaria em conferir uma interpretação ao contrato celebrado e a receita paga em um momento inicial, admitindo-se a alteração de sua natureza em um momento posterior, caso os valores não fossem internalizados no país até o término do processo de exportação.

Deveras, situação juridicamente inadmissível, para não se dizer teratológica, que refletiria uma verdadeira interpretação econômica e tributária do fato ocorrido ao arrepio dos seus mais básicos requisitos de vigência, eficácia e validade no mundo jurídico.

E não é só: a mesma resolução do CMN permite que os contratos de câmbio prevejam liquidação pronta ou futura. Noutras palavras, sempre que houver liquidação futura, o ingresso dos valores no país se dará posteriormente ao processo de exportação e nem por isso essa natureza é transmudada.

Outro fato que reforça a ilegalidade da posição aqui analisada é que a Receita Federal do Brasil já possui amplo conhecimento dos valores que são mantidos pelos contribuintes no exterior, em observância aos arts. 2º, §1º, e 4º, I, da instrução normativa 1.801/18, de modo que é possível manter efetivo controle sobre eles:

Art. 1º Os recursos em moeda estrangeira relativos aos recebimentos de exportações brasileiras de mercadorias e de serviços para o exterior, realizadas por pessoas físicas ou jurídicas, poderão ser mantidos em instituição financeira no exterior, observados os limites fixados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). (…)

§ 2º A pessoa jurídica que mantiver recursos no exterior fica obrigada a manter escrituração contábil nos termos da legislação comercial, para evidenciar, destacadamente, os respectivos saldos e suas movimentações, independentemente do regime de apuração do imposto de renda adotado.”

***

“Art. 4º As pessoas físicas e jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil que mantiverem recursos em moeda estrangeira no exterior, na forma prevista no art. 1º, ficam obrigadas a prestar à RFB informações:

I – relativas a recebimentos de recursos oriundos de exportações não ingressados no Brasil;”

Isto é, independente do momento em que esses valores ingressem no Brasil, a Receita tem o mais completo conhecimento do seu quantum e a sua origem.

Tal questão foi muito bem ilustrada pelo Ilustre dr. Igor Mauler em artigo1 para quem se os recebimentos se dão:

“Em conta estrangeira que recebe pagamentos de diversos tipos, como exportações e outras operações, e da qual saem recursos para pagamentos também variados, a origem realmente se perde. Mas não, por exemplo, no caso de contas específicas para o recebimento de receitas de exportação e cujas únicas saídas correspondam a remessas para o exportador brasileiro. Nesse caso, o simples descasamento temporal não pode justificar a incidência”

Vê-se, pois, que a Receita Federal dispõe de todos os mecanismos para identificar a operação que originou àqueles valores mantidos no exterior e, além de tudo, quantificá-los. Logo, não há qualquer razão fática ou jurídica para que se pretenda aplicar a alíquota de 0,38% de IOF aos valores internalizados decorrentes de exportação, baseado em um novel e incerto critério temporal, o qual padece de notória ilegalidade.

1 Para tributarista, entendimento da Receita sobre IOF de exportação é ilegal.

 

Artigo originalmente postado no Migalhas

A ilegal incidência do IOF-Câmbio sobre as receitas de exportação

Ainda que com pouco alarde, mais especificamente na véspera do natal do ano passado, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta COSIT nº 246/18 a qual, sem poder, criou um novo e amplamente subjetivo requisito para se aplicar a alíquota zero de IOF incidente sobre operações de câmbio relativas ao ingresso no País de receitas de exportação de bens e serviços: tal requisito é o cumprimento do imediatismo na internalização da receita.

Isso porque, com base na legislação vigente, sempre que houver operação de câmbio em que for recebido, entregue ou posto à disposição do interessado valor em moeda nacional ou estrangeira, haverá a incidência do imposto. A contrario sensu, inexistindo operação de câmbio e sua a respectiva liquidação, o fato gerador do IOF não se perfaz.

Por isso, em sua parte inicial, trilhou o caminho óbvio a Solução de Consulta COSIT nº 246/18, ao dispor que “no caso de manutenção dos recursos em moeda estrangeira no exterior (…), não há que se falar em liquidação de câmbio pois não se verifica a ocorrência do fato gerador do IOF-Câmbio.”.

A referida Solução de Consulta prosseguiu dispondo que “(…) o fato gerador do IOF-Câmbio ocorrerá em caso de operação de câmbio relativas ao ingresso, no país, de receitas de exportação (…). Neste caso, fica a alíquota reduzida a zero.”. Até aí, novamente sem novidades, pois ainda que efetivamente realizado o fato gerador, a alíquota zero decorre de uma opção extrafiscal, contida na dicção do art. 15-B, I, do Decreto nº 6.306/07, até como forma de incentivar as exportações.

Contudo, mais adiante, a Receita Federal criou hipótese à parte daquelas expostas acima, utilizando-se de uma interpretação sua de um critério temporal. Isto porque, atestou que “se os recursos inicialmente mantidos em conta no exterior forem, em data posterior à conclusão do processo de exportação, remetidos ao Brasil, haverá incidência de IOF à alíquota de 0,38%, conforme determina o caput do art. 15-B do Decreto nº 6.306, de 2007”.

Ou seja, a Solução de Consulta em questão forjou um critério inexistente na legislação de regência do IOF-Câmbio para que seja aplicada a alíquota zero, qual seja: a contemporaneidade entre a conclusão do processo de exportação e a entrada dos valores no território nacional.

Ausente tal contemporaneidade, a receita originalmente de exportação teria sua natureza modificada.

E ao assim proceder, a Receita violou o art. 150, I, da Constituição, além dos art. 97, II e IV, e 110, todos do Código Tributário Nacional, principalmente pelo fato de que, independente do momento em que esses valores ingressem no Brasil, a Receita tem o mais completo conhecimento do seu quantum e a sua origem.

Os bancos, por sua vez, se submetendo ao ilegal entendimento da RFB, já iniciaram as retenções do IOF-Câmbio sob a alíquota de 0,38%, sendo certo afirmar que o Poder Judiciário também já possui algumas manifestações favoráveis aos contribuintes, em estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

 

INCIDÊNCIA DO IOF – OPERAÇÕES FINANCEIRAS EM CONTA-CORRENTE MANTIDAS POR EMPRESAS VINCULADAS VS. MÚTUO DE RECURSOS FINANCEIROS

Nos últimos anos, a Receita Federal do Brasil (RFB) vem promovendo a adequação de diversas obrigações acessórias dos contribuintes ao ambiente do Sistema Público de Escrituração Digital “SPED”, a exemplo da Escrituração Contábil Fiscal “ECF” e da Escrituração Contábil Digital “ECD”.

A partir dessas plataformas, algumas divergências vêm sendo identificadas, o que, por vezes, induz ao entendimento acerca de supostas insuficiências de recolhimento de tributos.

Dentre as diversas situações apuradas, destacam-se as intimações lavradas para esclarecimentos relativos aos saldos mantidos pelos contribuintes em regime de conta-corrente entre empresas vinculadas, os quais, sob o pressuposto de equivalência às operações de mútuo, têm ocasionado a exigência do Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativo a títulos mobiliários (IOF), embora muitos casos correspondam a meras movimentações financeiras entre as partes sem a finalidade de crédito.

Nas hipóteses amparadas por contratos de conta-corrente, nos quais as partes acordam efetuar remessas recíprocas de valores oriundos de quaisquer espécies de negócios jurídicos, com o objetivo de compensar créditos e débitos entre as partes ao final do prazo pactuado, verifica-se uma situação fático-jurídica diversa das operações de crédito, sendo questionável a exigência do IOF.

Portanto, é salutar que seja investigada a natureza jurídica de cada operação, com a finalidade de segregar aquelas caracterizadas como mútuos e outras correspondentes ao mero uso do sistema de conta-corrente por empresas vinculadas.

Recomendamos aos nossos clientes especial atenção quanto ao tema por ocasião de intimações lavradas pelas Autoridades Fiscais.

Importante destacar também que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) tem confirmado o entendimento de mérito acima em suas decisões mais recentes.

Atenciosamente,
Gaia, Silva, Gaede & Associados – Advogados