CARF altera procedimentos das sessões de julgamento em meio virtual

O CARF publicou a Portaria 17.296/2020 (revoga a Portaria 10.786/2020), que dispõe sobre os julgamentos realizados de forma virtual, no âmbito das Turmas Ordinárias e da CSRF. Em suma, as alterações realizadas foram as seguintes:

  • Processos que não se enquadrem nas características listadas, não necessariamente serão incluídos em sessão presencial, mas poderão ser pautados para sessão agendada oportunamente;
  • A parte deverá optar por realizar a sustentação oral gravada (mediante envio de link pelo formulário de inscrição da sustentação) ou por videoconferência (acesso à sessão por link, utilizando a plataforma indicada pelo CARF);
  • Possibilidade de acompanhamento da sessão de julgamento ao vivo, que deverá ser solicitado por meio de formulário, em até 2 dias úteis antes do início da reunião;
  • Processos com pedido de sustentação oral ou acompanhamento poderão ter o julgamento priorizado;
  • Caso o processo com pedido de sustentação oral seja retirado de pauta, será necessário um novo pedido de sustentação oral;
  • Possibilidade de pedido de reinclusão em pauta, que deverá ocorrer em até duas sessões virtuais contadas da realização do pedido de reinclusão.

A Portaria será aplicada aos julgamentos realizados a partir de agosto de 2020.

 

 

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CANCELAMENTO DE AUTUAÇÕES COM VOTO DE QUALIDADE É MEDIDA QUE SE IMPÕE

Recentemente publicada, a Lei n° 13.988/2020 colocou ainda mais combustível na já acalorada discussão envolvendo a constitucionalidade e a legalidade do voto de qualidade, utilizado, no caso, como mecanismo de solucionamento dos julgamentos coletivos concernentes à revisão administrativa dos lançamentos tributários.

De um lado, os contribuintes, baseados nas estatísticas, defendem que a esmagadora maioria dos julgamentos em que se fez necessário proferir o voto de qualidade foram favoráveis à Fazenda Nacional. Numericamente, pesquisa realizada pelo NEF/FGV [1] nos anos de 2015 e 2016 revelou que, nas turmas ordinárias, os julgamentos resolvidos pelo voto de qualidade foram quase 73% das vezes favoráveis à Fazenda. O cenário é ainda mais impressionante quando voltado para as discussões que chegaram à Câmara Superior, em que inacreditáveis 98% dos julgamentos finalizados pelo voto de qualidade foram favoráveis à Fazenda Nacional.

Já o lado fiscalista entende que a extinção do voto de qualidade desidrata a competência dos representantes da Fazenda, pois “nesses casos, de empate, a interpretação final administrativa sobre o litígio será determinada de forma automática, em decorrência de uma contagem, e não da apreciação da matéria, sobrepondo-se a um ato administrativo que goza de presunção de legitimidade e foi proferido em prol do interesse público” [2]. Além disso, permitir que o empate favoreça o contribuinte seria o mesmo que transferir para este a prerrogativa do exercício da revisão administrativa do crédito tributário constituído, beneficiando, inclusive, a evasão fiscal e o cometimento de ilícitos.

A despeito dos interessantíssimos argumentos utilizados pelos dois lados, o que decerto nos provocará a escrever, em outra oportunidade, sobre tão rico tema, fato é que hoje não se controverte que, com o advento da Lei n° 13.988/2020, em caso de empate no julgamento administrativo, o contribuinte inapelavelmente deve ser declarado vitorioso, mediante o cancelamento do lançamento tributário. O que se passa a discutir, daqui em diante, são as implicações decorrentes do referido diploma sobre os julgamentos administrativos já decididos pelo voto de qualidade, porém que ainda se encontram em discussão ativa perante o Poder Judiciário, por iniciativa do contribuinte.

O primeiro ponto a ser levantado diz respeito à possibilidade de se entender a nova lei como interpretativa. Isso porque o Supremo Tribunal Federal, citando o doutrinador francês Paul Roubier, afirma que “é, por sua natureza interpretativa a lei que, sobre um ponto em que a regra de direito é incerta ou controvertida, vem consagrar uma solução que a jurisprudência, por si só, poderia ter adoptado” [3].

O ministro Celso de Mello, por sua vez, expõe que:

“A função de interpretar as leis, nessa perspectiva, corresponde aos que aplicam, notadamente ao Poder Judiciário, e não aos que as criam ou produzem.

Não obstante as razões desse entendimento, não vejo como desacolher, em princípio, a possibilidade jurídico-constitucional de o Estado, mediante atos normativos próprios, veicular o sentido interpretativo das leis que ele mesmo editou” [4].

E nos parece ter sido exatamente o ocorrido, dado que o legislador reconheceu, pontualmente, por intermédio de outra norma jurídica, a incompatibilidade do §9° do artigo 25 do Decreto n° 70.235/1972 com os princípios norteadores da tributação no Brasil, de modo a elucidar que o voto de qualidade jamais poderia ter sido aplicado contra os contribuintes, em homenagem ao “in dubio pro contribuinte”, princípio fundamental da tributação no Brasil, reproduzido de forma cristalina no artigo 112, do Código Tributário Nacional (CTN).

O intuito interpretativo, então, mostra-se evidente pela forma como o novo dispositivo foi inserido na legislação. Vejamos que caso fosse a vontade do legislador simplesmente inovar, teria optado pelo ajuste diretamente realizado no §9° do artigo 25 do Decreto n° 70.235/1972, suprimindo no dispositivo a previsão do voto de qualidade. Mas isso não ocorreu, e a opção foi clara no sentido de modificar a Lei n° 10.522/2002, para que por intermédio dela fosse confirmada a única interpretação compatível com o ordenamento, reconhecendo a inaplicabilidade do referido instituto no processo administrativo tributário.

Assim, a Lei n° 13.988/2020 veio exatamente para harmonizar, pela via legislativa, a dicotomia existente entre o §9° do artigo 25 do Decreto n° 70.235/1972, que previa o voto em duplicidade dos presidentes das turmas, e o artigo 112 do Código Tributário Nacional, que determina que, em caso de dúvidas, a interpretação deve-se fazer de forma mais favorável ao acusado. Agiu o legislador, lembrando os dizeres de Roubier, para consagrar uma solução que a jurisprudência, por si só, poderia ter adotado.

Dessa forma, por se tratar de norma eminentemente interpretativa, não se pode chegar a outra conclusão senão aquela na qual seus efeitos devem retroagir a atos ocorridos antes da sua vigência, nos termos do artigo 106, I, do CTN.

Mas há mais: mesmo que não fosse a Lei nº 13.988/2020 interpretativa, sua retroação também é defensável sob a ótica do artigo 106, II, “a”, do CTN.

Isso porque, como bem se sabe, o artigo 142 do CTN estabelece que a constituição do crédito tributário se dá pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e propor a aplicação da penalidade cabível.

Indo adiante, as autuações fiscais são, nesse contexto, clássicos lançamentos tributários pertencentes à submodalidade “de ofício”, refletidos nas hipóteses do artigo 149 do CTN, sempre decorrentes do ilícito, da inexatidão ou da omissão do sujeito passivo que, embora obrigado a antecipar informações à fiscalização, deixa de fazê-lo.

Logo, nos parece livre de dúvida que as autuações fiscais são, por excelência, lançamentos de ofício, responsáveis por declarar e constituir o crédito tributário diante de uma infração cometida pelo sujeito passivo da obrigação. Não à toa, tais lançamentos se denominam autos de infração, que, uma vez impugnados pelos sujeitos passivos, chegam ao Carf, onde ordinariamente vinham sendo decididos em favor do erário pelo voto de qualidade.

Nesse contexto, a partir do momento que o artigo 28 da Lei n° 13.988/2020 determina que, em caso de empate, a discussão será favorável ao contribuinte, aquele lançamento de infração à legislação tributária cai por terra, por força do disposto no artigo 106, II, “a”, do CTN.

Tal dispositivo prevê que a lei será aplicada a eventos pretéritos quando deixar de definir determinado ato como infração, exatamente o que ocorreria se inexistisse o voto de qualidade, pois o Carf, diante da dúvida decorrente do empate em julgamento coletivo, deixaria de definir aquela conduta como infração, reconhecendo a prevalência do “in dubio pro contribuinte”.

Sendo assim, a chancela acerca da existência da infração passa a estar completamente viciada, na medida em que possui supedâneo no voto de qualidade, razão pela qual, à luz do artigo 106, II, “a”, do CTN, deve retroagir a nova norma para que se reconheça a improcedência dos lançamentos confirmados sob tais circunstâncias.

Por fim, porém não menos importante, é preciso que se insira o atual reconhecimento — legislativo — da inaplicabilidade do voto de qualidade no processo tributário como o resultado de uma insurgência há muito capitaneada pelos juristas brasileiros, que sempre entenderam tal mecânica como afrontadora da razoabilidade e da moralidade, trazendo desequilíbrio ao sistema ao proporcionar a manutenção de atos caracterizados por notória dúvida, e daí ofensivos à segurança jurídica e à confiança legítima das relações estabelecidas entre administração e administrados.

Mais do que o simples enfileiramento de princípios jurídicos, a assertiva acima serve para demonstrar que o cancelamento das autuações confirmadas pelo voto de qualidade, mesmo que tal confirmação tenha ocorrido antes da Lei nº 13.988/2020, é medida que se impõe, para que se resguarde, sobretudo, a justiça fiscal e a desejada previsibilidade das relações.

Como se pode verificar, a questão está longe de ser definida e seus desdobramentos ainda renderão longos debates jurídicos. Entretanto, fato é que a lei goza de plena vigência e tem, como visto, sólido embasamento para atingir julgamentos administrativos pretéritos.

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[1] https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/especiais/como-se-comporta-o-novo-carf-parte-iii-30012017

[2] http://unafisconacional.org.br/UserFiles/2020/File/17042020_Nota-Repudio.pdf

[3] RE 78141, Relator(a): Min. LUIZ GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em 25/04/1974, DJ 31-05-1974

[4] ADI 605 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 23/10/1991.

 

Fonte: Conjur em 22/05/2020 às 11:04

Fim do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF

Foi publicado, em uma edição extra do Diário Oficial da União, a Lei 13.988/2020, resultado da conversão da Medida Provisória 899/2020, que extingue o voto de qualidade no CARF, nos processos de exigência de crédito tributário. Com a alteração promovida, em caso de empate no julgamento o processo será resolvido de forma favorável aos contribuintes.

A publicação altera a Lei 10.522/02, para incluir o art. 19-E, que prevê que “em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.”

 

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Aos 29 anos, Gaia Silva Gaede aposta em start ups e prepara nova geração de sócios

Para Enio Zaha, escritório deve se organizar para mudanças dos tempos

Em quase trinta anos de trajetória, o Gaia Silva Gaede Advogados transformou sua atuação de uma parceria com grandes auditorias, nas quais era preciso verificar o cumprimento de diversas normas e regulamentos por uma empresa, para apostas em negócios que ainda estão engatinhando, com boa dose de informalidade.

Segundo um dos sócios fundadores da firma, Enio Zaha, há 29 anos seus conhecimentos e conexões em grandes auditorias levaram-no a fechar parceria com outros advogados e criar o Gaia Silva Gaede inicialmente com seis sócios, oriundos de departamentos tributários de empresas de auditoria.

Para sobressair no mercado, a primeira linha de atuação foi o direito tributário, na prática de consultoria e contencioso desde o primeiro dia. “Como a gente tinha raiz forte de auditoria, mudamos o conceito do que era o escritório: antes recebia muitas consultas dos clientes, mas decidimos ter um trabalho mais proativo e fazia verificações, trabalhava junto com os clientes”, conta Zaha.

Com o passar do tempo, o escritório ampliou suas operações para Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba, acrescentando as áreas de direito societário, contratos, trabalhista e cível, com o foco em auditorias dos clientes. Ao longo de quase três décadas, o escritório chegou ao quadro atual de 180 advogados.

“Nossa carteira de clientes cresceu muito”, conta Zaha. “Como a gente entendia de auditoria e nossos clientes eram grandes empresas e multinacionais isso se correspondeu na nossa carteira.”

Nos últimos anos, a chegada de ferramentas digitais e o avanço institucional brasileiro modificaram a forma de atuação do escritório, levando Zaha a prever um futuro em que a atuação do advogado ocorrerá no meio da operação da empresa e não apenas em sua formalização.

“O escritório é um organismo vivo, vai se adaptando com a mudança dos tempos. A gente está tendo um forte efeito da inteligência artificial dentro dos controles e dos trabalhos da advocacia”, conta.

“No futuro, vamos ter grandes especialistas em negócios e não na formalização, em fazer determinado tipo de peça ou pesquisas, vão ser grandes negociadores para atuar junto com clientes para conseguir esses negócios.”

A transformação passa por um maior conhecimento sobre a forma de operação da empresa-cliente do escritório, de modo que os profissionais de advocacia consigam auxiliar no desenvolvimento das atividades.

“Em alguns anos vai ter essa mudança de perfil”, prevê. “O advogado vai ter que conhecer muito mais o negócio do cliente, trabalhar em parceria com os clientes.”

Um pouco desta mudança já ocorre no Gaia Silva Gaede em relação a empresas ainda iniciantes, as chamadas start ups. Empresas repletas de informalidade, mas com bom potencial financeiro, que chamam atenção de investidores.

“Além do próprio ponto de vista legal a gente tem uma ação meio torpedêutica com start ups”, disse Zaha. “Quando trata com start ups tem que avaliar o baixo nível de formalização, os contratos são mais informais, não pode ter tantas exigências como tem com compliance na empresa-mãe, tem que ensinar como entrar no negócio.”

O Gaia Silva Gaede atua, ainda, na outra ponta assessorando investidores sobre como adquirir participação, as regras específicas do setor de atividade e a forma como sair da empresa, vendendo uma parte dela no futuro. O escritório mantém uma parceria com a Fundação Getúlio Vargas para estudar o mercado a analisar questões em conjunto com pesquisadores da instituição.

“As grandes empresas estão vendo que de alguma forma tem que participar da nova evolução, se for um grande conglomerado, normalmente tem um departamento que fica de olho com o fim de adquirir ou participar de uma start up”, relatou. “O advogado pode ter grande função neste futuro de alinhar o interesse das partes.”

Reformas e Carf

Outra das transformações apontadas pelo advogado diz respeito à medida provisória da Liberdade Econômica, cujos desdobramentos devem melhorar a forma de fazer negócios no Brasil e simplificar o sistema de leis e normas do país, mas ele ressalta a transformação que uma possível reforma tributária, atualmente em discussão no Congresso, pode trazer.

“Acho que a questão da liberdade da medida provisória vem no esteio de um caminho do governo de simplificar as coisas”, afirmou.

“Muito mais importante é a reforma tributária, a gente está vendo com muitos bons olhos, é uma promessa que a gente vem há décadas, desde a Constituição de 1988 nunca se viu nenhum movimento mais contundente. Vemos agora o caminho muito bem pavimentado, o ambiente de negócios vai melhorar muito, a tendência é simplificar o sistema, estou vendo com muitos bons olhos essa questão e otimista.”

Por outro lado, o advogado ressalta a importância de se manterem estruturas como a do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), que hoje sofre pressão para ser extinto.

“Mais que um tribunal administrativo, vejo o carf como um filtro, como ele é paritário, serve como filtro para evitar que algumas cobranças venham para o poder Judiciário, primeiro porque reduz a carga de trabalho do Judiciário e depois porque evita que a Receita entre em aventuras no débito”, assinalou.

Novos sócios

A transição para os próximos anos vem ocorrendo não apenas nos tipos de clientes e na atuação dos profissionais, mas também na estrutura do escritório. Neste ano, o número de sócios passou de 19 para 30, num claro movimento de preparação para a aposentadoria compulsória dos advogados mais antigos aos 65 anos, como prevê uma regra interna. Os novos sócios possuem uma média de 35 anos.

“Vai ser muito bom trazer uma mentalidade mais jovial”, afirmou Zaha, 58 anos.

“A gente está prevendo, primeiro trazer novas gerações para tocar o negócio junto com os antigos, precisa de movimentação maior de pessoas mais jovens, que consiga aerar um pouco mais a administração.”

 

POR IURI DANTAS
FONTE: LEXLATIN– 10/09/2019

CARF Admite Créditos de PIS e COFINS sobre Despesas com Marketing

Em recente julgamento, o CARF reconheceu o direito de uma administradora de cartões de crédito de apropriar créditos da não cumulatividade de PIS e COFINS sobre as despesas com marketing.

Novamente, o CARF utilizou os conceitos de essencialidade e relevância do STJ para analisar se os serviços em questão se enquadram como insumos para fins da legislação de PIS e COFINS.

No caso concreto, as autoridades fiscais haviam autuado a empresa pela tomada dos créditos, sob o argumento de que as despesas com marketing são gastos gerais e não insumos.

Já em seu recurso administrativo, o contribuinte defendeu a tese de que, por se tratar de uma bandeira de cartões, a sua atividade-fim é promover a sua marca para que os seus clientes – bancos e máquinas de cartão – vendam mais os seus produtos. Foi demonstrado, inclusive, que os clientes pagavam ações de marketing para que a empresa autuada se promovesse.

Assim, o CARF considerou os gastos com publicidade como essencial para que a ocorrência da atividade econômica do contribuinte ocorresse, admitindo-se, assim, os créditos de PIS e COFINS.

 

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CARF admite créditos de PIS e COFINS sobre despesas com Royalties

Em 13 de agosto de 2019, foi publicado o acórdão nº 9303-008.742 da 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, que reconheceu o direito do contribuinte à tomada dos créditos não cumulativos de PIS e COFINS sobre as despesas com royalties pelo licenciamento de know-how.

O entendimento do CARF foi baseado no conceito de insumos definido pelo STJ no REsp 1.221.170, que afasta a aplicação do conceito de insumos da legislação do IPI e faz prevalecer o critério da pertinência, relevância e essencialidade do bem ou serviço para o processo produtivo do contribuinte (tese da subtração).

No caso concreto, ficou claramente demonstrado que o know-how fornecido ao contribuinte se consubstancia na transferência de toda a tecnologia, suporte, experiência e conhecimento necessários ao seu processo produtivo, constituindo-se, segundo a decisão, insumo para a sua produção.

Verifica-se, nesse cenário, que o CARF vem adotando corretamente o alargamento do conceito de insumos para fins de apuração dos créditos de PIS e COFINS na forma definida pelo STJ, gerando-se mais segurança jurídica e, consequentemente, uma aplicação mais justa da legislação tributária.

CARF PERMITE APROVEITAMENTO DE IR PAGO NO EXTERIOR POR MEIO DE APOSTILAMENTO

A tributação de renda das pessoas jurídicas residentes e domiciliadas no Brasil é regida, dentre diversos princípios norteadores, pelo princípio da universalidade também denominado world-wide income taxation, que veio a substituir o tradicional princípio da territorialidade (atualmente não seguido por nenhum país com economia similar à brasileira), o qual delimitava que apenas eram sujeitos à tributação os rendimentos auferidos no respectivo território nacional.

O princípio da universalidade, em sua acepção espacial, dá norte ao legislador ordinário para que este alcance, além dos rendimentos no território nacional, também os rendimentos auferidos no exterior. Sobre o tema, a ministra Regina Helena Costa[1] assim pontua: “quanto ao aspecto espacial, este é o território nacional, ainda que seja possível a tributação de renda obtida no exterior, respeitados os acordos que visam evitar a bitributação, em função do mesmo critério da universalidade”.

Valendo-nos das lições do saudoso professor Alberto Xavier ao abordar a adoção do princípio da universalidade no Brasil[2], o autor pontua que uma de suas primeiras manifestações em nosso arcabouço legal foi na edição do Decreto 2.413/88, que veio a alterar o Decreto 2.397/87, a fim de computar no lucro tributável o resultado das subsidiárias no exterior.

No Brasil, o princípio da universalidade é atualmente previsto em nosso ordenamento jurídico no artigo 25 da Lei 9.249/95, veja-se:

“Art. 25 Os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior serão computados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano”.

Resta autorizada a compensação do imposto incidente no exterior, sobre os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no lucro real, nos termos do artigo 26, caput[3]:

“(…) Art. 26. A pessoa jurídica poderá compensar o imposto de renda incidente, no exterior, sobre os lucros, rendimentos e ganhos de capital computados no lucro real, até o limite do imposto de renda incidente, no Brasil, sobre os referidos lucros, rendimentos ou ganhos de capital.
(…)
§ 2º Para fins de compensação, o documento relativo ao imposto de renda incidente no exterior deverá ser reconhecido pelo respectivo órgão arrecadador e pelo Consulado da Embaixada Brasileira no país em que for devido o imposto” — grifo nosso.

Nota-se, analisando o artigo 26 da Lei 9.249/95, que é permitido, desde que atendidos determinados limites e requisitos, que o Imposto de Renda incidente sobre os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior seja compensado com o imposto devido no Brasil na apuração do lucro real.

Verificando o teor do parágrafo 2º retro, a condição para que a pessoa jurídica possa efetuar a compensação é que “o documento relativo ao imposto de renda incidente no exterior seja reconhecido pelo respectivo órgão arrecadador e pelo consulado da Embaixada Brasileira no país em que for devido”.

Ato contínuo, o inciso II do parágrafo 2º, artigo 16, da Lei 9.430/96 dispensa a obrigação da consularização quando a pessoa jurídica comprovar que a legislação do país de origem prevê a incidência do Imposto de Renda na operação. Veja-se:

“II – fica dispensada da obrigação a que se refere o § 2º do art. 26 da Lei n° 9.249, de 26 de dezembro de 1995, quando comprovar que a legislação do país de origem do lucro, rendimento ou ganho de capital prevê a incidência do imposto de renda que houver sido pago, por meio do documento de arrecadação apresentado”.

Neste contexto legal, resta dispensada da obrigação a que se refere o parágrafo 2º do artigo 26 da Lei 9.249/1995, quando se comprovar que a legislação do país estrangeiro prevê o pagamento do imposto por meio de guia de recolhimento por documento próprio de arrecadação. Neste particular, essa dispensa não é usualmente aplicada no Brasil, haja vista que o imposto nas demais jurisdições não costuma ser recolhido via documento arrecadatório — utiliza-se, por exemplo, transferência bancária.

Sobre este tema, é importante pontuar a existência do Decreto 8.660/16, que promulgou a Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Documentos Públicos Estrangeiros (Convenção da Apostila), firmada pelo Brasil, em Haia, em 5 de outubro de 1961, que permitiu a substituição do reconhecimento do documento de arrecadação no consulado da embaixada brasileira pelo procedimento de “apostilamento”[4]. Nesta hipótese, frisa-se, resta dispensado o reconhecimento pelo consulado, mas não a apresentação do documento de arrecadação quitado.

Ao se debruçar sobre o tema, a Receita Federal, por meio da Solução de Consulta Cosit 185/18, proferiu entendimento de que “o reconhecimento do documento que comprova o recolhimento ou arrecadação do imposto de renda pago no exterior pelo Consulado da Embaixada Brasileira pode ser substituído pela apostila, de que trata a Convenção…”.

Especificamente acerca do procedimento de apostila, trata-se de um processo de autenticidade de documentos efetuada em cartório. No processo estabelecido pela Convenção da Apostila, passam a ser aceitos, no Brasil, documentos estrangeiros contendo Apostila emitida por um dos Estados-partes, dispensando a necessidade de sua legalização em repartições da rede consular brasileira no exterior[5].

Apesar do efeito vinculante da solução de consulta em comento[6], temos conhecimento de que a Receita entende que o apostilamento seria insuficiente para a compensação do imposto, mantendo a exigência de consularização do documento de arrecadação no país, sob o argumento de que o artigo 26, parágrafo 2º da Lei 9.249/95 não foi alterado e continua em vigor.

No entanto, analisando o tema pela primeira vez, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) dispensou a necessidade de consularização ao reconhecer a validade[7] da Convenção da Apostila, de forma a permitir, para fins de compensação no Brasil de imposto recolhido no exterior, a apresentação de comprovante de recolhimento com certificação em cartório estrangeiro (Apostila). Na decisão, ainda restou definido que o apostilamento pode ser efetuado no próprio documento ou folha apensa, com o título “Apostila”, em língua local, devidamente traduzido para o português por tradutor juramentado.

Portanto, julgamos acertada a decisão do Carf que aplicou, para fins de dedução no Brasil do Imposto de Renda recolhido no exterior, a desburocratização prevista na Convenção da Apostila, o qual tornou desnecessária a consularização do documento de arrecadação no exterior.

No entanto, é preocupante o fato de o Brasil, apesar de signatário de convenções internacionais com viés de desburocratização, permanecer, na figura de seus agentes públicos, limitando a utilização de tais disposições em total descumprimento aos preceitos dos acordos internacionais firmados pelo Executivo.

____

[1] COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. 6ª ed. ver, e atual. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 366.
[2] XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 8ª ed. Ver. E atual. – Rio de Janeiro, p. 435.
[3] Este artigo resta normatizado pela Instrução Normativa RFB 213/02, segundo o qual o “tributo pago no exterior, passível de compensação, será proporcional ao montante de lucros, rendimentos, ou ganhos de capital que houverem sido computados no lucro real”. Ademais, “o valor do tributo pago no exterior, a ser compensado, não poderá exceder o montante do imposto de renda e adicional, devidos no Brasil, sobre o valor dos lucros, rendimentos e ganhos de capital incluídos na apuração do lucro real”.
[4] O Brasil também é signatário do “Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa” com os países do Mercosul, Bolívia e Chile (Decreto 6.891/09); o “Acordo de Cooperação em Matéria Civil” com a República Francesa (Decreto 3.598/00); e o “Convênio de Cooperação Judiciária em Matéria Civil”, com o Reino da Espanha (Decreto 166/91).
[5] Em sentido contrário, os documentos com o carimbo da Apostila efetuado no Brasil passam a ter validade imediata em todos os demais Estados-partes da convenção.
[6] Vide artigo 9º da Instrução Normativa RFB 1.396/13.
[7] Processo 10166.723066/201799 – Sessão de julgamento em 23/1/2019.

 

Artigo originalmente postado no ConJur – 30/05/2019 às 06h17

 

AS TAXAS DE CARTÕES DE CRÉDITO À LUZ DO PIS E DA COFINS

PIS e Cofins e as comissões às operadoras de cartões

Os pagamentos por meio de cartões de crédito e débito ocupam papel cada vez maior no cotidiano das pessoas. Desde o comércio ambulante até concessionárias de automóveis, a substituição do papel-moeda pelos cartões só avança. No centro deste processo, uma controvérsia tributária ganha força: as comissões pagas às empresas administradoras de cartões de crédito e débito geram direito a crédito de PIS e Cofins, ou podem ser excluídas da base de cálculo dessas contribuições?

Esta matéria comporta duas discussões tributárias, com fundamentos e efeitos práticos diferentes.

A primeira delas é que, como o pagamento por cartões é essencial à atividade econômica das empresas, a despesa com o pagamento de comissões às administradoras de cartões deve ser considerada um insumo da venda de bens ou da prestação de serviços – permitindo, dessa forma, a apropriação de créditos de PIS e Cofins no regime não cumulativo dessas contribuições.

É claro que a relevância dos cartões de crédito e débito pode variar conforme a atividade de cada empresa. Contudo, não faltam exemplos de atividades em que os cartões respondem pela quase totalidade das receitas. Nestes casos, entendemos que as despesas com comissões devem gerar direito a créditos de PIS e Cofins, por serem indispensáveis à atividade econômica.

Recentemente, essa controvérsia teve um novo capítulo com o julgamento do REsp n.º 1.221.270, no regime de recurso repetitivo, no qual o STJ decidiu que “o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”. No mesmo julgamento, o Tribunal fixou que a “relevância” da despesa deve ser aferida por meio do “teste de subtração”, isto é, avaliando-se qual impacto a eliminação do insumo provocaria na atividade do contribuinte.

À luz desses critérios, nos parece ainda mais claro o direito a crédito de PIS e Cofins sobre essas comissões. Os cartões de crédito não apenas são a porta de entrada de receitas do contribuinte, como também, se eliminados, tornariam inviáveis diversos segmentos da economia.

Uma segunda discussão tributária sobre esse tema diz respeito à exclusão dessas comissões da receita (base de cálculo do PIS e da Cofins) da empresa que recebe pagamentos por esse meio.

O argumento central dessa tese é que as comissões – geralmente já retidas no pagamento – constituem receita das administradoras, e não da empresa que vendeu os produtos ou serviços. Embora componham o faturamento e não estejam destacados nas notas fiscais, tais valores nem sequer transitam pelas contas da empresa vendedora. Por isso, é possível apontar semelhanças entre este debate e a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, embora as situações não sejam idênticas.

Em janeiro de 2019, o STF afetou o tema acima para julgamento em regime de Repercussão Geral, no RE n.º 1.049.811, no qual a Suprema Corte julgará em definitivo a “inclusão do valor descontado por administradora de cartão de crédito e débito a título de remuneração na base de cálculo da Cofins e da contribuição ao PIS”.

Por fim, acrescentamos que o tema da tributação das receitas de terceiros tem provocado debates no Carf e na própria na própria Coordenação de Tributação (Cosit) da Receita Federal, em Soluções de Consulta. Há decisões reconhecendo que a receita da empresa intermediadora corresponde apenas à comissão por ela recebida, excluindo o valor repassado à empresa intermediada. Entendimento assim já foi firmado em casos concretos envolvendo empresas de intermediação de venda de ingressos (1), cooperativas de táxi (2), agências de turismo (3) e agências de publicidade (4). A essência desse entendimento, se aplicada à situação dos cartões de crédito, resultaria na não incidência de PIS e Cofins sobre as comissões retidas pelas administradoras.

Diante disso, o tema das comissões a administradoras de cartões de crédito e débito permanece muito atual e, em nosso entendimento, conta com bons argumentos para permitir a apropriação de créditos de PIS e Cofins ou, pelo menos, ser excluída da base de cálculo dessas contribuições.

(1) Solução de Consulta Cosit n.º 171/18.

(2) Solução de Consulta Cosit n.º 239/17.

(3) Carf, Acórdão 9101-002.359.

(4) Carf, Acórdão n.º 3402-002.314.

 

*Artigo originalmente postado no Jornal O Estado de S. Paulo

CARF afasta a incidência de INSS sobre bônus de contratação (“Hiring Bônus”)

Em uma recente decisão, a Câmara Superior Recursos Fiscais do CARF entendeu que o bônus pago pelas empresas na contratação de executivos (“hiring bônus”), antes do início da prestação dos serviços, não está sujeito à contribuição previdenciária ao INSS.

O bônus de contratação é um instrumento de atração e retenção de profissionais altamente qualificados, por meio da cobertura de eventuais vantagens do antigo emprego do funcionário.

A fiscalização, quando da lavratura do Auto de Infração, havia entendido que o bônus de contratação não teria natureza indenizatória, mas, diferentemente, seria um pagamento efetuado como antecipação salarial pelo tempo em que o funcionário deve permanecer vinculado à empresa, o que supostamente revelaria a sua natureza remuneratória e, portanto, passível de incidência da contribuição previdenciária.

No caso concreto, o contribuinte demonstrou que o bônus foi pago antes mesmo da celebração de contrato, independentemente da relação de emprego, e não houve quaisquer exigências de contrapartidas, tais como período mínimo de permanência ou cumprimento de metas.

Nesse contexto, a Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF reconheceu a natureza indenizatória do bônus de contratação, ao negar provimento ao recurso da Fazenda e cancelar a cobrança da contribuição previdenciária ao INSS sobre a verba em questão.

 

 

Seguradora refuta PIS/Cofins sobre ganhos

Solução de Consulta da Receita informou que todo ganho financeiro das empresas do setor, com investimentos a partir das reservas obrigatórias mantidas, compõem a base dos tributos federais

 

As seguradoras devem se insurgir contra o entendimento da Receita Federal publicado recentemente, segundo o qual as receitas financeiras dessas empresas devem ser tributadas em PIS e Cofins como se fossem parte da atividade principal da companhia.

Essa interpretação do fisco foi formalizada na Solução de Consulta 126/2018. De acordo com esse informativo, o ganho financeiro que as seguradoras auferem a partir dos investimentos compulsórios feitos por norma da Superintendência de Seguros Privados (Susep) compõem a base de cálculo da Cofins. Todas as empresas desse setor precisam ter reservas financeiras para arcar com um eventual sinistro. Como esse montante fica investido, acaba gerando receita.

Segundo o sócio da área tributária do Gaia Silva Gaede Advogados, Georgios Anastassiadis, a Lei 12.973/2014 definiu que poderia ser tributado com PIS/Cofins tudo o que fosse atividade principal da empresa. “O prêmio da apólice tornou-se inegavelmente tributável. Mas as receitas financeiras não são o foco da atividade do segurador”, afirma. “O problema é que a Receita vai abrangendo o sentido das coisas. A atividade principal da seguradora não é poupar, é vender seguro.”

Para Anastassiadis, a estrutura dos balanços de qualquer empresa já deixa clara a diferença entre receita operacional e financeira, que aparecem em duas linhas diferentes das Demonstrações do Resultado do Exercício (DRE). Além disso, o ganho da companhia com investimentos a partir do dinheiro que deixa provisionado para arcar com sinistros já possui a tributação normal das aplicações financeiras como Imposto de Renda, que fica retido no banco ou corretora.

Na avaliação do especialista, o ideal é que as seguradoras que se virem prejudicadas pelo entendimento do fisco entrem com ações no Judiciário para garantirem o direito de não pagarem PIS e Cofins sobre as receitas financeiras. De acordo com ele, a tese de que esses proventos não podem ser considerados parte da atividade principal da empresa tem boas chances de prosperar.

O advogado tributarista do Demarest Advogados, Christiano Chagas, avalia ser especialmente importante que as empresas busquem a Justiça e não o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) para esse pleito. Chagas acredita que, por haver voto de minerva dos conselheiros ligados à Fazenda no tribunal administrativo, dificilmente o contribuinte obteria vitória em uma questão polêmica como esta. “Hoje, há uma prevalência das decisões dos julgadores da Receita. As seguradoras que quiserem discutir essa tese devem fazê-lo em juízo.”

Mais um ponto polêmico da Solução de Consulta foi falar que, no caso das seguradoras com reservas no exterior, qualquer ganho com variação cambial deverá ser tributado. Anastassiadis diz que não ficou claro nessa situação se, por outro lado, a perda com variação cambial poderá ser abatida dessa tributação. “Os ativos em dólar geram receita e, o passivo, despesa. A Receita falou que tem que tributar a variação ativa, mas pode deduzir a passiva para que tribute apenas o líquido?”, questiona.

O advogado entende que a omissão do fisco neste ponto pode trazer insegurança jurídica ao setor de seguros.

Procurada, a Receita Federal afirma que não irá se manifestar sobre o assunto e que as razões da solução de consulta estão na sua fundamentação.

Por Ricardo Bomfim | De São Paulo

Fonte: DCI – Diário Comércio Indústria & Serviços  10/10/2018 às 5h00