Receita cobra IR sobre pagamento de software

Em recente solução de consulta, órgão considera remessas ao exterior como royalties

A Receita Federal publicou uma nova norma sobre a tributação de software. Afirma que pagamentos feitos ao exterior, por aquisição ou renovação de licença de uso dos programas de computador, classificam-se como royalties e, por esse motivo, estão sujeitos à incidência de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).

Significa, na prática, que a União ficará com 15% do valor da remessa. Ou mais: 25% se o dinheiro estiver sendo enviado para países com tributação favorecida – os chamados “paraísos fiscais”.

O imposto tem de ser pago pelo consumidor brasileiro ao fazer a remessa. Quem não recolher, dizem advogados, dificilmente conseguirá enviar o dinheiro para fora do país.

“Porque o banco que fecha o câmbio pode responder solidariamente pelo pagamento do imposto e não vai correr esse risco”, esclarece Georgios Anastassiadis, sócio do escritório Gaia Silva Gaede.

Essa nova norma foi publicada no dia 11 de abril pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), que orienta a atuação dos fiscais de todo o país. Trata-se da Solução de Consulta nº 75.

É direcionada a consumidores que adquirem software para uso próprio. Vale tanto para os programas feitos sob encomenda como para os de prateleira – comercializados em larga escala – e também para todos os formatos de entrega (nuvem ou download, por exemplo).

Vem na esteira de um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2021, em que os ministros alteraram jurisprudência de mais de duas décadas. Equipararam os softwares por encomenda e de prateleira e estabeleceram que ambos deveriam ser tributados pelo ISS, devido aos municípios.

Até então, essa orientação valia somente para o software sob encomenda. O “de prateleira”, comercializado em larga escala, era tratado como mercadoria e tributado pelo ICMS, o imposto estadual.

A Receita Federal cita soluções de consulta anteriores em que já considerava os pagamentos de software como royalties e usa a decisão do STF para reforçar a sua interpretação.

Afirma, na norma, que os ministros consideraram que o uso de programa de computador é objeto de contrato de licença e que, por esse motivo, não há circulação de mercadoria.

Acrescenta que a legislação brasileira confere aos programas de computador a natureza de obra intelectual e cita – para justificar a tributação – o artigo 22 da Lei nº 4.506, de 1964 (fundamento legal do artigo 44 do Regulamento do Imposto de Renda de 2018).

Esse dispositivo estabelece que os rendimentos decorrentes da exploração econômica desses direitos são classificados como royalties.

Advogados ouvidos pelo Valor afirmam, no entanto, que o entendimento da Receita Federal sobre a tributação de software nunca foi tão claro.

Maria Lucia de Moraes Luiz, do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha, Lopes e Freitas, cita uma norma anterior, publicada em 2018, em que a Receita Federal afirmava não incidir IRRF sobre remessas pelas licenças de uso de software de prateleira quando destinadas para uso próprio.

Trata-se da Solução de Consulta nº 6014, emitida pela Divisão de Tributação das Superintendências Regionais da Receita Federal do Brasil. “Dizia que não era tributado e agora, com a Solução de Consulta nº 75, passou a tributar”, afirma a advogada.

Para Maria Lucia, essa situação, por si só, pode gerar judicialização. Os contribuintes podem pleitear, por exemplo, o cumprimento do princípio da anterioridade, para que a tributação comece a valer somente a partir do ano que vem.

Outro ponto que pode levar os contribuintes à Justiça, ela afirma, é uma exceção que está prevista na alínea D do artigo 22 da Lei nº 4.506, de 1964.

“Diz que os pagamentos não são classificados como royalties quando recebidos pelo autor ou criador do bem ou da obra. Só seriam royalties, então, os pagamentos a terceiros que comercializam o bem. Mas a Receita não está fazendo qualquer ressalva”, destaca a advogada.

Já Thales Belchior, do escritório Schneider Pugliese, trata a norma inteira como “altamente questionável”. Ele entende que só faria sentido falar em royalties nos casos em que o software é adquirido para revenda. “Aqui estamos tratando somente do direito de uso”, frisa.

O advogado considera, além disso, que a solução de consulta não está alinhada com a decisão do Supremo Tribunal Federal. Para ele, a Corte tratou os diferentes tipos de software – prateleira e encomenda – como sendo prestação de serviço e, por esse motivo, ambos têm de ser tributados pelo ISS.

Tratar como royalties e não serviço, para fins de tributação federal, pode ter diferença. O Brasil tem acordo com diferentes países para evitar dupla tributação e alguns desses pactos estabelecem pagamento de imposto somente no país do prestador do serviço.

Se a Receita Federal tivesse interpretado como serviço e não royalties, portanto, os consumidores brasileiros ficariam liberados da tributação quando os pagamentos fossem enviados para países com quem o Brasil tem acordo nesses termos.

Luís Alexandre Barbosa e Fernando Bittencourt, sócios do escritório LBMF Sociedade de Advogados, chamam atenção, no entanto, que existem pouquíssimos acordos com essa previsão. A maioria permite tributar os pagamentos por prestação de serviço pelo IRRF.

Os dois advogados concordam com a classificação de royalties – como definido na Solução de Consulta nº 75 – e avaliam que para os contribuintes, em geral, é mais vantajoso que seja assim.

“Como royalties não têm tributação de Cide nem incidência de PIS e Cofins Importação. Se classifica como serviço, tem tudo. Não vejo vantagem”, diz Barbosa.

 

POR JOICE BACELO

FONTE: Valor Econômico – 20/04/2023

CARF admite créditos de PIS e COFINS sobre despesas com Royalties

Em 13 de agosto de 2019, foi publicado o acórdão nº 9303-008.742 da 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, que reconheceu o direito do contribuinte à tomada dos créditos não cumulativos de PIS e COFINS sobre as despesas com royalties pelo licenciamento de know-how.

O entendimento do CARF foi baseado no conceito de insumos definido pelo STJ no REsp 1.221.170, que afasta a aplicação do conceito de insumos da legislação do IPI e faz prevalecer o critério da pertinência, relevância e essencialidade do bem ou serviço para o processo produtivo do contribuinte (tese da subtração).

No caso concreto, ficou claramente demonstrado que o know-how fornecido ao contribuinte se consubstancia na transferência de toda a tecnologia, suporte, experiência e conhecimento necessários ao seu processo produtivo, constituindo-se, segundo a decisão, insumo para a sua produção.

Verifica-se, nesse cenário, que o CARF vem adotando corretamente o alargamento do conceito de insumos para fins de apuração dos créditos de PIS e COFINS na forma definida pelo STJ, gerando-se mais segurança jurídica e, consequentemente, uma aplicação mais justa da legislação tributária.