A Medida Provisória nº 905/19, que ganhou notoriedade por instituir o “Contrato de Trabalho Verde e Amarelo” e extinguir a contribuição social de 10% ao FGTS, também promoveu alterações nas regras relativas aos programas de participação nos lucros ou resultados (PLR).
Objetivamente, as principais previsões da MP nº 905/19 sobre o tema são as seguintes:
(i) Quando o PLR for definido em comissão paritária entre empregador e empregado, fica dispensada a presença de um representante do sindicato da categoria;
(ii) O PLR poderá ser negociado, cumulativamente, em comissão paritária e convenção ou acordo coletivo;
(iii) O PLR poderá ser negociado diretamente entre o empregador e o empregado, quando este for portador de diploma de nível superior e receber salário mensal igual ou superior a 2 vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (atualmente, o limite é de R$ 5.839,45);
(iv) As partes poderão negociar múltiplos programas de PLR, desde que respeitada a periodicidade máxima de pagamentos;
(v) A autonomia da vontade das partes na fixação do PLR será respeitada e prevalecerá em face do interesse de terceiros;
(vi) Consideram-se previamente estabelecidas as regras previstas em instrumento assinado (a) antes do pagamento da antecipação, se prevista; e (b) com antecedência de no mínimo 90 dias da data do pagamento da parcela única ou da parcela final;
(vii) Caso os pagamentos de PLR excedam a periodicidade prevista na lei (limite máximo de 2 pagamentos no mesmo ano civil, sendo no máximo 1 pagamento por trimestre civil), apenas os pagamentos que extrapolarem o limite ficarão maculados, sendo preservada a validade dos demais pagamentos.
A Exposição de Motivos da MP nº 905/19 informa que tais alterações buscam “gerar maior segurança jurídica em termos de verbas de participação nos lucros”. Nota-se que várias das previsões acima estão alinhadas com recentes medidas editadas pelo Governo Federal, como a Lei de Liberdade Econômica, que amplia a proteção da liberdade contratual e da vontade das partes.
Embora não conste da Exposição de Motivos, é possível que a dispensa de um membro do sindicato da categoria quando o PLR for definido em comissão paritária tenha sido motivada pela dificuldade que muitos empregadores relatam para contar com a presença de representantes sindicais nessas comissões. O atual entendimento da CSRF é de que a ausência do representante sindical não provoca nulidade do PLR, desde que a empresa comprove o convite para participar da comissão[1], mas, de todo modo, a retirada dessa exigência afasta o risco de questionamentos por parte da Receita Federal.
Algumas das previsões buscam, aparentemente, afastar entendimentos que a Receita Federal defende a respeito da descaracterização de planos de PLR – alguns deles acolhidos pelo CARF e, recentemente, pela CSRF. Cita-se, por exemplo, o entendimento de que o pagamento de participações em periodicidade superior à prevista em lei é causa de incidência de contribuições previdenciárias sobre todos os pagamentos realizados no PLR, e não apenas os pagamentos que extrapolarem o limite[2].
Pelo texto da MP nº 905/19, em situações assim, devem ser considerados irregulares apenas os pagamentos que excederem a periodicidade legal, mantendo-se a validade dos demais pagamentos. Neste ponto, a alteração vem em boa hora, pois o entendimento defendido pela Receita Federal representava uma medida nada razoável, que resultava na descaracterização total do programa de PLR por conta de vícios pontuais.
É possível apontar outros entendimentos atualmente prevalentes no CARF sobre PLR que poderiam ter sido tratados na MP nº 905/19, mas que não foram. Um exemplo é o pagamento de PLR a diretores estatutários, que, segundo o atual entendimento do CSRF, deve integrar a base de cálculo das contribuições previdenciárias, “por inexistir norma específica que preveja sua exclusão do salário-de-contribuição” (Acórdão 9202-007.698, de 27/03/19). Uma alteração legal neste sentido seria muito oportuna, a fim de adequar a legislação às práticas empresariais.
Ressalta-se que as previsões da Medida Provisória sobre PLR não estão em vigor ainda. Segundo o artigo 53 da MP, as disposições relativas a PLR só produzirão efeitos quando for editado um ato do Ministério da Economia validando tais normas, o que não ocorreu ainda.
Por fim, um debate já iniciado diz respeito à “natureza interpretativa” de tais previsões sobre PLR, que, se reconhecido, permitiria a sua aplicação a planos já autuados pela Receita Federal no passado (conforme art. 106, I, do CTN). Na sessão de julgamento do dia 20/11, um contribuinte sustentou perante a 2ª Turma da CSRF o caráter interpretativo das disposições da MP nº 905/19. A Turma, porém, rejeitou a aplicação das novas previsões ao caso concreto sob o argumento de que, nesta parte, a MP não entrou em vigor ainda. Contudo, assim que a MP nº 905/19 começar a produzir efeitos, novas discussões sobre o tema deverão ocorrer.
[1] Cita-se, como exemplo, o recente Acórdão nº 9202-008.333, de 19/11/2019.
[2] Cita-se, como exemplo, o Acórdão nº 9202-008.187, no PAF nº 16327.720723/2011-47, de 25/09/19.