As empresas industriais incorrem em vultosas despesas com o oferecimento de garantias de seus produtos, principalmente com a prestação de assistência técnica, troca de bens defeituosos e fornecimento de partes e peças de reposição.
Há que se notar que as autoridades fiscais, por meio do Parecer Normativo Cosit nº 5/2018, expressaram o entendimento de que tais gastos não se enquadrariam no conceito de insumos para fins de tomada dos créditos da não cumulatividade de PIS e Cofins, por supostamente ocorrerem em momento posterior à venda dos produtos comercializados.
Em que pese o entendimento das autoridades fiscais, mesmo que se entendesse que tais encargos são posteriores à venda dos produtos, ainda assim os custos de garantia se enquadrariam como insumos para fins de tomada dos créditos de PIS e Cofins sob o critério da “relevância”.
Neste sentido, o STJ, por meio do Recurso Especial nº 1.221.170/PR, firmou a tese de que o conceito de insumo deve ser aferido: 1) à luz da “relevância”, para os casos em que o gasto, embora não seja indispensável à produção ou prestação de serviço, integre a atividade econômica ou a cadeia produtiva por força de imposição legal; ou 2) à luz da “pertinência”, com base nos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item — bem ou serviço — para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.
Posto isto, para o enquadramento do dispêndio como insumo à luz da “relevância”, por se tratar de imposição legal, não há como requisito a obrigatoriedade de que o gasto seja aplicado no processo fabril. Diferentemente, para o seu enquadramento como insumo, basta que o gasto decorra de uma imposição legal, que, caso não seja atendida, inviabilize a operação do contribuinte (vide acórdão do Carf nº 3301005.605, por exemplo).
Dessa maneira, quando se trata de garantia legal prevista no artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor para proteger os clientes do risco de se adquirir produtos defeituosos, impondo ao fabricante a obrigatoriedade de oferecer a manutenção ou troca do produto com defeito, sob pena de devolução do bem e reembolso ao comprador, resta claro o enquadramento do dispêndio como insumo para fins de tomada dos créditos de PIS e Cofins à luz da “relevância”.
Sob outro prisma, é importante observar, ainda, que os gastos com garantias sequer ocorrem em momento posterior à venda. Isso porque, diferentemente do que entendem as autoridades fiscais, a entrega da mercadoria (tradição) resulta em uma venda perfeita e acabada, mas sob condição resolutiva.
Assim, enquanto não transcorrido o prazo de garantia, a venda poderá ser desfeita ou o fabricante deverá trocar ou consertar o produto, caso a mercadoria apresente algum defeito. Ou seja, somente depois de transcorrido o prazo da garantia é que a condição resolutiva na venda deixará de existir.
Vale observar que a Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf já decidiu em diversas ocasiões (acórdão nº 9303-008.259, por exemplo) que o frete das peças de reposição de produtos em garantia gera créditos de PIS e Cofins, por se tratar de “frete na venda”, na medida em que o frete de tais produtos “deve ser vinculado a operação de venda, pois o serviço de assistência, bem como a troca do produto são itens que efetivamente finalizam a venda do produto ao cliente”.
Neste mesmo sentido, os Pronunciamentos Técnicos CPC nº 25 e 47 dispõem que os gastos esperados com as garantias devem ser registrados contabilmente como custo da operação, no momento da venda, sob a forma de provisão, o que demonstra a relação intrínseca da obrigação de oferecer garantia com a formação do preço de venda do produto. Assim, embora o desembolso financeiro ocorra somente em momento posterior, os encargos com as garantias são registrados no momento do reconhecimento da receita da venda como custo da operação, e não como “despesas comerciais”.
Verifica-se, assim, que os gastos com as garantias se enquadram como insumos para fins de tomada dos créditos de PIS e Cofins não só à luz da “relevância” (obrigatoriedade legal), mas também da “pertinência” (tese da subtração), porque se trata precipuamente de bens (peças de reposição e mercadorias em substituição) e serviços (assistência técnica e consertos) fornecidos ao adquirente da mercadoria, que são essenciais para que a venda se torne perfeita e acabada.
Adicionalmente, quando o fabricante oferecer uma garantia maior que aquela decorrente de obrigação legal, seja por política da empresa ou acordo comercial, os gastos correlatos também se enquadram como insumos para fins de tomada dos créditos de PIS e Cofins; porém, para este caso, somente sob o critério da “pertinência”, e não da “relevância”.
Note-se que o Pronunciamento Técnico CPC 47 — Receita de Contrato com Cliente prevê que a garantia adicional oferecida pelo fabricante, além daquela que busca garantir o funcionamento do produto nas especificações pactuadas, é um serviço distinto do fornecimento do produto. Por este motivo, o fabricante deve contabilizar a garantia prometida como obrigação de performance e deve alocar parte do preço da venda da mercadoria como receita decorrente deste serviço.
Assim, por mais que o fabricante não fature a prestação do serviço de garantia, as receitas decorrentes dessa operação estariam embutidas no valor das mercadorias e deveriam ser identificadas destacadamente do valor do bem vendido. Dessa forma, os gastos incorridos pelo fabricante para o cumprimento dessa obrigação (prestação de assistência técnica, troca de produtos ou reposição de partes e peças) são custos da operação de garantia.
Frise-se que tais custos são essenciais para a prestação da garantia e, por este motivo, também se enquadram como insumos na prestação deste serviço pelo critério da “pertinência”, gerando-se créditos de PIS e Cofins.
Sendo assim, não nos resta dúvida de que os gastos com garantias, sejam eles decorrentes de obrigação legal, política da empresa ou acordo comercial, enquadram-se como insumo nos termos dos conceitos fixados pelo STJ no Recurso Especial nº 1.221.170/PR, de maneira que o posicionamento desfavorável ao contribuinte emitido pela Receita Federal do Brasil não possui qualquer fundamento legítimo e pode ser questionado junto aos tribunais administrativos e judiciais.
Por este motivo, faz-se necessário que as empresas industriais revisitem o tratamento tributário que está sendo adotado nos gastos com as garantias oferecidas aos clientes, de maneira a evitar um incremento de custo em suas atividades pela falta de tomada de créditos tributários legítimos.
* Artigo publicado originalmente no ConJur.