Por Joice Bacelo | Fonte: Valor
Empresas têm conseguido na Justiça a dispensa do recolhimento da taxa única criada pelo governo do Rio de Janeiro para custear serviços da Receita Estadual – como emissão de certidões ou impugnação de autos de infração. Pelo menos quatro liminares foram concedidas recentemente pela 11ª Vara de Fazenda Pública da capital fluminense. Uma delas foi dada em um processo apresentado pelo Centro Industrial do Rio de Janeiro (Cirj), entidade ligada à Federação da Indústria do Rio de Janeiro (Firjan), e beneficia cerca de sete mil associados.
Na decisão, o juiz João Luiz Amorim Franco considera que há ilegalidade e inconstitucionalidade na cobrança. Segundo o magistrado, tanto a Constituição Federal como o Código Tributário Nacional (CTN) estabelecem a possibilidade de cobrança periódica em apenas duas hipóteses: as relacionadas ao poder de polícia, que são as de fiscalização pelo Estado, e as de serviços potenciais – os considerados obrigatórios. As demandas à Fazenda, de acordo com o juiz, não se encaixam em nenhuma delas.
Além disso, Amorim Franco destaca na decisão que a taxa única – que começará a ser paga no fim deste mês – “irá sobrecarregar os contribuintes”. A cobrança foi criada pelo Executivo por meio de um projeto de lei aprovado no fim do ano passado pela Assembleia Legislativa.
A taxa, estabelecida pela Lei nº 7.176, substitui os pagamentos individuais, que eram feitos pelo contribuinte a cada serviço solicitado à Fazenda fluminense. A diferença, na prática, é que agora todos são obrigados a pagar a taxa, independentemente se usarem ou não tais serviços.
A lei determina o desembolso a cada trimestre de valor preestabelecido em uma tabela progressiva, que varia conforme o faturamento e a quantidade de notas fiscais eletrônicas emitidas em um período de 12 meses. Uma empresa que movimentou R$ 3,6 milhões e emitiu até seis mil notas, por exemplo, terá de pagar R$ 2.101,61 de taxa. Esse é o menor valor da tabela. O maior supera R$ 30 mil e deverá ser pago pelo contribuinte que faturou mais de R$ 50 milhões.
Pela tabela progressiva, até mesmo o contribuinte que não registrou faturamento e não emitiu notas terá que pagar a taxa única a cada três meses. A exigência é criticada por especialistas, que citam ainda as multas altíssimas cobradas em caso de atraso – 30% do valor da taxa não recolhida, além de acréscimos moratórios -, além do fato de que será cobrada por cada estabelecimento.
“Se uma empresa tiver dez estabelecimentos no Estado do Rio de Janeiro, terá de pagar a taxa por cada um deles. A lei fala em um máximo de R$ 30 mil por trimestre. Seriam pagos, neste caso, então R$ 300 mil”, afirma o advogado Maurício Faro, do escritório Barbosa Müssnich Aragão.
Consultor tributário da Firjan, o advogado Sandro Machado dos Reis compara a cobrança feita pelo governo fluminese à obrigatoriedade de, por exemplo, empresas e pessoas físicas pagarem antecipadamente por serviços judiciais. “É como se admitir o recolhimento de taxa mensal ou trimestral pelo simples fato de o Tribunal de Justiça estar ali à disposição. A ação só não será ajuizada se as pessoas não quiserem, o serviço está ali. É um exemplo para mostrar o quanto absurda é essa taxa”, afirma.
O advogado destaca ainda que foi ajuizada uma representação de inconstitucionalidade no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). A Firjan também formulou pedido à Confederação Nacional da Indústria (CNI) para que uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) seja protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF).
Pelo menos três decisões judiciais semelhantes a da Firjan foram conseguidas por clientes do escritório Gaia Silva Gaede & Associados. Todas proferidas pela 11ª Vara de Fazenda Pública da capital. O advogado Gustavo Damazio de Noronha chama a atenção que, nas liminares, há destaque para o artigo 79 do CTN. “O Estado está impondo que a empresa pague uma taxa presumindo que o serviço será prestado, mas isso só pode ser feito se esse serviço for essencial, o que não é o caso”, diz.
Especialistas classificam a taxa única como um instrumento de “mera arrecadação” do Estado do Rio. Criticam ainda o fato de o faturamento das empresas estar sendo usado como critério pelo governo para a fixação dos valores devidos.
“Se cria uma base prévia que não tem qualquer relação com os serviços prestados pelo poder público”, afirma a tributarista Valdirene Lopes Franhani, do escritório Braga e Moreno Consultores e Advogados. “Estamos falando de uma taxa que, para as grandes empresas, custará R$ 120 mil por ano e por serviços que podem nem ser utilizados. É notória a intenção arrecadatória do governo do Rio de Janeiro”, completa a advogada.
As liminares em favor dos contribuintes mostram, segundo especialistas, que o governo do Rio de Janeiro pode ter “dado um tiro do próprio pé”. Isso porque o Estado deixará de receber a taxa de empresas beneficiadas pelas decisões judiciais e também não conseguirá cobrar por serviços individuais, caso sejam solicitados – porque com a nova lei a tabela antiga deixou de existir.
Por meio de nota, a Secretaria da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro informa que “está estudando como proceder nestes casos” e defendeu a constitucionalidade da taxa. De acordo com o texto, visa garantir os investimentos necessários para que a Receita possa atuar com eficiência da prestação dos serviços aos contribuintes, “mesmo em meio à grave crise financeira enfrentada pelo Estado”.
Na nota, afirma ainda que o papel desempenhado pela Receita Estadual vai “além da mera cobrança de tributos e inclui uma orientação fiscal para os contribuintes”. Finalizando que na semana passada representantes da Receita estiveram reunidos na Assembleia, com parlamentares e representantes de entidades empresariais, para discutir a cobrança da taxa. “Foi aberto o diálogo e um novo encontro entre representantes da Receita e empresários deverá ocorrer nos próximos dias”, conclui a nota.