Agenda ESG: Transição energética ganha maturidade em 2024 e mostra que não se trata de troca de lâmpadas

Segundo especialistas, há várias frentes de descarbonização em andamento e muitas oportunidades para o Brasil nos próximos anos

A agenda climática parece ter entrado de vez na estratégia de negócios. Com a regulação em alguns mercados apertando o cerco contra empresas que poluem muito, desmatam e não têm um plano de descarbonização, reforçada por a uma pressão de investidores e clientes na mesma direção, muitas companhias – inclusive brasileiras – já anunciaram mudanças em suas operações.

Uma pesquisa feita pela consultoria Deloitte em 2023 com executivos C-level revelou que o assunto “Mudanças Climáticas” está entre os três focos prioritários da alta administração. O assunto também aparece na lista de prioridades dos conselhos de administração para 2024 na pesquisa anual publicada pela consultoria EY. A transição energética – como tem sido chamada a mudança de uma economia baseada em combustíveis de origem fóssil para opções renováveis e mais limpas – é onde boa parte dos esforços dos planos de descarbonização está concentrado.

E não são apenas intenções. O investimento global na transição energética de baixo carbono aumentou 17% em 2023, atingindo US$ 1,77 trilhão, de acordo com o relatório Energy Transition Investment Trends 2024, recém-publicado pela fornecedora de pesquisas BloombergNEF (BNEF). O montante é recorde e, segundo os autores do documento, demonstra a resiliência da transição para energias limpas num ano de turbulência geopolítica, taxas de juro elevadas e inflação de custos.

Contudo, especialistas da BNEF destacam que o atual nível de investimentos em tecnologias de energia limpa não é “nem de longe” suficiente para que o mundo atinja o patamar de carbono neutro até 2050. De acordo com o relatório, seria necessário triplicar esse volume para US$ 4,8 trilhões por ano entre 2024 e 2030, para chegar ao combinado no Acordo de Paris. “Só uma ação determinada por parte de quem toma decisões políticas pode desbloquear este tipo de mudança radical”, diz Albert Cheung, vice-CEO da BNEF, no documento.

O Brasil era, em 2023, a sexta maior economia do mundo em investimentos em transição energética, com US$ 34,8 bilhões aplicados, segundo a Bloomberg. Foi o país, entre os emergentes, que mais recebeu investimentos para projetos de energia sustentável – 11% do total entre 2015 e 2022, de acordo com dados do relatório de investimentos da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

Investimento Global em Transição Energética por setor — Foto: BloombergNEF

Mas, segundo especialistas, dadas as características únicas do país – matriz mais limpa que a média global, vocação natural para hidrogênio verde, mercado de etanol desenvolvido e alto volume de resíduos agropecuários que podem servir de insumo energético – o potencial é atrair bem mais capital nos próximos anos.

“Todos os temas de energia – renováveis, biogás, biometano, biomassa, eletrificação – estão acelerando. A energia está ficando mais barata e, com isso, as empresas estão conseguindo unir o útil ao agradável, ou seja, reduzem emissões a um custo menor de produção”, comenta Henrique Ceotto, sócio da consultoria McKinsey.

Em relatório publicado em novembro de 2022, a McKinsey mapeou três avenidas associadas à economia verde nas quais o Brasil pode assumir o protagonismo: energia renovável, energia e materiais de base biológica, e mercados de carbono. Juntas, essas avenidas representam um mercado de mais de US$ 125 bilhões – US$ 31 bilhões em energia renovável, US$ 59 bilhões nos projetos de energia e materiais de base biológica, e US$ 35 bilhões com mercados de carbono.

No caso de energias renováveis, Ceotto acredita que, com os juros da economia caindo, e ofertas mais interessantes no setor financeiro, a geração eólica e solar tende a acelerar. “Alguns bancos oferecem até kit para instalar uma mini usina solar em fazendas e telhados de casa com a condição do cliente pagar com o diferencial da conta de energia. Este tipo de produto incentiva o mercado”, diz.

Em 2023, o Brasil bateu recorde de energia limpa, com 93% vindo de fontes renováveis, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Mais da metade da energia gerada no ano passado (50 mil megawatts médios – MWm) vem de hidrelétricas, mas as usinas solares e eólicas têm acelerado o ritmo, com alta de 24% em relação a 2022, somando 13 mil MWm. Segundo projeção da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), só a energia vinda do sol deve atrair R$ 39 bilhões em novos investimentos em 2024.

Empresas de energia, como Eneva, EDP, AES, Brookfield, Cemig e outras já estão expandindo seu portfólio de renováveis, enquanto as petroleiras também buscam alternativas para diminuir sua dependência de receita de combustíveis fósseis. Só a Petrobras pretende investir US$ 5,2 bilhões em eólica e solar até 2028, como apresentou no final do ano passado.

“Dentro do universo de combustíveis fósseis, uma busca pela eficiência deve ser prioridade, com captura de carbono, uso de biocombustíveis, otimização na produção e no refino. Tudo isso é parte essencial da estratégia de sobrevida da indústria”, diz Rodrigo Sluminsky, sócio da área de Sustentabilidade Corporativa do Gaia, Silva, Gaede Advogados.

Ele lembra que, para indústrias de difícil abatimento de emissões, como mineração, siderurgia, construção civil e logística, além de soluções inovadoras, o mercado de carbono deve ser mais um dos instrumentos para reforçar a busca por eficiência. “Na COP 28, em Dubai, falou-se muito de que o mundo precisa, até 2030, triplicar os esforços em renováveis e duplicar em eficiência, ambos igualmente difíceis”, diz.

A estimativa da McKinsey é de crescimento de 47% para energias solar e eólica até 2040, um potencial de US$ 11 bilhões em receitas. Além do interesse do capital, os custos decrescentes da tecnologia e infraestrutura de geração devem ajudar. A projeção é de diminuição de 46% no custo nivelado de energia (LCOE) para geração de energia solar e 27% de redução para geração de energia eólica durante este período.

Para Rodrigo Sluminsky, sócio da área de Sustentabilidade Corporativa do Gaia, Silva, Gaede Advogados, geração de energia renovável é um pilar essencial da transição e deve ser liderado por eólica e solar – com muita folga. “Fontes alternativas adicionais como hidrogênio devem ser essenciais para o longo prazo, 2050, mas, pensando nas metas até 2030, o foco deve ser em escalar o que já existe”, comenta, citando posicionamentos da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) e da Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena). Ele lembra que já é “bem difícil” passar de 40% para 77% da matriz energética (que inclui elétrica) renovável no Brasil até 2030, visto como ideal para o Brasil.

“A necessidade de transição energética global vai muito além da energia renovável somente. Claro que é preciso aumentar a oferta de energia renovável, mas também é necessário, em paralelo, melhorar o uso da energia, trabalhar na eficiência energética”, comenta Sluminsky, do Gaia, Silva, Gaede Advogados.

Ele cita como um dos exemplos a busca por eficiência e redução do uso de energia. Isso pode ser feito desde troca de maquinários para equipamentos mais modernos, implantação de tecnologias para gestão de perdas e controle de consumo desnecessário substituição de combustíveis renováveis para seus fornos, até repensar a forma como se faz negócio.

“A transição energética vai muito além de trocar lâmpada”, diz Sluminsky. “Vai além também da geração de energia renovável. Trata-se de integrar toda a cadeia de suprimento para o conceito amplo de eficiência energética”, comenta.

Na prática, defende, uma empresa deveria passar a observar de forma holística se as matérias-primas que utiliza, a forma com que produz, embala, transporta e entrega ao cliente, assim como o pós-venda, são as opções menos poluentes. Mas, o advogado mesmo pontua que se já é difícil para empresas descarbonizar suas operações próprias, garantir que a cadeia faça o mesmo é um grande desafio, um dos principais gargalos hoje na agenda e dá como exemplo a mobilidade elétrica.

“A expectativa é que haja, nos próximos anos, um salto enorme em eletrificação de frota, especialmente com o programa MOVER. Isso gera um enorme desafio de cadeia de suprimentos, baterias, eletropostos, mudança de cultura em oficinas etc.”, pondera Sluminsky.

O MOVER é um programa anunciado pelo governo federal no ano passado e que prevê incentivos de até R$ 19 bilhões em cinco anos para promover, entre outros objetivos, investimento em pesquisa e desenvolvimento ou produção tecnológica no país, associados à eletrificação e redução da pegada de carbono.

Energia vinda do campo

Outra forte tendência, segundo especialistas, para 2024 são os investimentos em matérias-primas de origem vegetal com potencial de gerar energia elétrica e térmica. O etanol se destaca como fonte para o crescente mercado de carros híbridos, movidos a etanol e energia elétrica, enquanto também pode servir de insumo para a produção de combustível sustentável de aviação (SAF).

A estimativa da consultoria Oliver Wyman é que o aumento da produção de etanol, biodiesel, diesel renovável, combustível de aviação sustentável (SAF) e gás natural comprimido pode reduzir entre 27,4 milhões e 71,3 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (MtCO2 eq) até 2030.

Dentre os biocombustíveis, o SAF vem se destacando por seu potencial. A Roundtable on Sustainable Biomaterials (RSB) e a fabricante de aviões Boeing calculam, em um levantamento recente, que o Brasil pode gerar 9 bilhões de litros, sendo 6,5 bilhões vindos de resíduos do agro, especialmente cana-de-açúcar (palha e bagaço). Resíduos madeireiros (1,9 bilhão), gordura animal (0,36 bilhão), gases de escape de processos industriais (0,23 bilhão) e óleo de cozinha usado (0,23 bilhão) completam a lista.

Alguns países signatários do Corsia, acordo da aviação civil internacional para chegar a 2050 com emissões líquidas zero, já adotaram percentuais obrigatórios de uso de SAF, misturado à querosene de aviação. No Reino Unido, por exemplo, até 2030, as companhias aéreas precisam viajar com pelo menos 10% de SAF. A meta imposta pelo Corsia é que os operadores aéreos reduzam em 1% sua pegada de carbono a cada ano, a partir de 2027, até chegar em corte de 10% em 2037. O Brasil é signatário do Corsia, mas ainda não determinou percentuais. No ano passado foi lançado um projeto de lei que cria o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), que prevê aumento gradual da mistura de SAF ao querosene de aviação fóssil a partir de 2027.

Para o engenheiro Athos Rache Filho, consultor e empreendedor na área de energia, a grande virada de chave para o SAF e também outros biocombustíveis será na produção de 2ª geração, como é chamada aquela feita a partir de resíduos.

Ele destaca a Raízen como pioneira do tipo – foi a primeira a ter, no mundo, etanol certificado pela ISCC CORSIA Plus (Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation), programa da Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO), agência da ONU dedicada a descarbonizar o setor.

“A RBS analisou positivamente a utilização de biomassa como sendo a rota ideal para o Brasil e a boa notícia é que há diversas fontes de biomassa, de casca de arroz a cavaco de madeira proveniente de florestas industriais e resíduos urbanos”, afirma Rache Filho.

O consultor aponta ainda que só o Estado de São Paulo tem 170 das 400 usinas sucroalcooleiras no Brasil e é um dos maiores consumidores de combustíveis, o que torna ainda mais atrativa esta rota. “O Brasil como grande produtor agrícola se insere de forma importante neste conceito e, mais do que isso, é o maior produtor de açúcar e álcool de cana do mundo, o que resulta em um volume de biomassa de resíduo colossal”, diz.

A geração de gás a partir de lixo urbano, não reciclável, é, para ele, uma das principais oportunidades, dado que todos os municípios do país têm esse desafio com que lidar. “Só o aterro sanitário de Caieiras em São Paulo poderia produzir seguramente mais de 300 mil toneladas por ano do ‘petróleo verde’”, diz Rache Filho, se referindo a uma fala do presidente Lula na conferência do clima da ONU em dezembro passado, sobre o Brasil ser chamado, daqui a 10 anos, de “a Arábia Saudita da energia verde, da energia renovável”.

Empurrão da legislação

A política de promoção de biocombustíveis décadas atrás é vista, hoje, como uma aposta acertada e um grande diferencial competitivo do Brasil na economia verde. Porém, com a evolução da agenda de sustentabilidade, outras necessidades regulatórias são importantes para destravar investimentos, como uma taxonomia verde que coloque “os pingos nos is” do que é, de fato, um produto, um insumo, uma prática sustentável do que é parte da transição.

Outra questão, ainda ligada a classificação, é sobre o uso de áreas agricultáveis para produção de energia e não alimentos. “Pelo visto, podemos esperar que a concorrência entre a produção de alimentos e a produção de combustíveis deverá ser considerada nas análises e avaliações futuras de certificação”, acredita Rache Filho. Esse debate está levando, diz, à discussão sobre qual o “tom de verde” que pode ser atribuído a combustíveis combustíveis produzidos com esses insumos, como os óleos vegetais, a exemplo do de soja.

Para Ceotto, da McKinsey, a regulação não é fonte apenas de pressão para que essas agendas andem, mas, acima de tudo, dá segurança jurídica e institucional que pode destravar investimentos. “A geração distribuída de energia solar e biomassa para caldeiras de indústrias, por exemplo, são conhecidos e regulados. Para o mercado de créditos de carbono, biogás e biometano, está mais nebuloso; o de hidrogênio verde estámais nebuloso ainda”, diz. “O setor financeiro e os investidores esperam clareza regulatória. Ou seja, quando visualizarem isso, o dinheiro vai vir.”

Apesar de ser uma rota para o longo prazo, o hidrogênio verde pode ganhar um impulso este ano, segundo o executivo, se for aprovado o framework regulatório. Está em tramitação no Congresso um projeto de lei que detalha o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono e cria o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC). “Não me surpreende se for aprovado”, comenta Ceotto, citando o forte interesse de empresas e países pelo tema.

Especialistas destacam que a mensagem que o governo brasileiro tem dado é de que a descarbonização será um dos focos de políticas e incentivos. Além do Plano de Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda, o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), lançado em dezembro de 2023, também abrange investimentos em infraestrutura de energia e transporte sustentáveis. A recém-lançada Nova Indústria Brasil (NIB), política industrial que, entre outros pontos, buscará promover projetos de inovação e sustentabilidade da indústria (chamado de Mais Verde).

 

 

Programa Acordo Paulista da PGE-SP para transação tributária

A Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP) anunciou a publicação do primeiro edital do programa Acordo Paulista, instituído pela Lei Estadual 17.843/2023, com o objetivo de fomentar a regularização dos contribuintes e incrementar a arrecadação estadual.

O programa propõe transação tributária para débitos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que estejam inscritos em dívida ativa.

Atualmente, a dívida ativa paulista totaliza aproximadamente R$ 408 bilhões. Com a implementação do Acordo Paulista, estima-se que até R$ 160 bilhões possam ser regularizados.

Principais pontos do Edital do ICMS

  1. Inclusão de todos os débitos de ICMS inscritos em dívida ativa ou sob responsabilidade do devedor;
  2. Desconto de 100% nos juros de mora e 50% nas multas;
  3. Possibilidade de pagamento em parcela única ou em até 120 parcelas, com entrada de 5%; e
  4. Utilização de precatórios, créditos acumulados de ICMS e créditos do produtor rural para quitar até 75% do saldo total.


Vedações

Não poderão usufruir do Acordo Paulista:

  1. Débitos garantidos por depósito, seguro garantia ou fiança bancária, com decisão transitada em julgado desfavorável ao contribuinte;
  2. Débitos que envolvam o adicional do ICMS destinado ao FECOEP;
  3. Débitos objeto de transação anterior nos últimos dois anos; e
  4. Contribuintes considerados “inadimplentes sistemáticos”.


Perspectivas Futuras

Projeção de aumento na arrecadação de até R$ 700 milhões em 2024 e até R$ 2,2 bilhões em 2026.

Novos editais para transação de outros débitos serão publicados nos próximos meses.


Prazo de Adesão

Os interessados podem aderir até as 23h59 do dia 29 de abril de 2024, utilizando o sistema eletrônico de transação disponível em http://www.dividaativa.pge.sp.gov.br/transacao, preferencialmente com o login e a senha do Posto Fiscal Eletrônico – PFE ou do Portal Gov.br.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Tributária do GSGA.

STJ decide que nova regra para liberação de garantia vale para execução fiscal em andamento

Lei nº 14.689/2023 estabeleceu que resgate só pode ser feito após o fim do processo

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a nova legislação que impede a Fazenda Nacional de levantar antecipadamente garantia apresentada pelo contribuinte, antes do fim de ação de cobrança (execução fiscal), deve ser aplicada mesmo nos processos em curso. O entendimento foi adotado pela ministra Regina Helena Costa ao rejeitar pedido de julgamento do tema por meio de recurso repetitivo.

Na época em que o assunto foi apontado para possível julgamento com efeito repetitivo – o que poderia provocar a suspensão de todos os processos a respeito -, havia, segundo a ministra Assusete Magalhães, ao menos 15 acórdãos e 449 decisões monocráticas do STJ sobre a questão.

Na prática, a decisão é favorável aos contribuintes porque, em geral, eles contratam seguro ou fiança para garantir o pagamento à Fazenda Nacional, em caso de derrota judicial. Mas muitas vezes, a pedido dos procuradores, antes da decisão final (trânsito em julgado), eles também precisavam fazer um depósito prévio, para a chamada “liquidação antecipada”. Esses valores iam direto para o caixa do Tesouro Nacional.

Em setembro do ano passado, porém, foi editada a Lei nº 14.689, proibindo a liquidação antecipada. Mas então nasceu a dúvida se a norma seria válida apenas para as execuções fiscais propostas dali em diante. A ministra Regina Helena Costa se posicionou com base nessa legislação e no Código de Processo Civil (CPC).

Ela analisou três processos apontados como “representativos de controvérsia” para definir se o assunto seria julgado por meio de recurso repetitivo. Um dos casos é da indústria de alimentos Seara, outro da fábrica de vestuário Hering e o terceiro da Nec Latin America, de redes e segurança na internet (REsp 2077314, REsp 2093036 e REsp 2093033).

De acordo com a magistrada, após a edição da Lei nº 14.689 não haveria mais motivo para julgamento com efeito repetitivo. Essa norma incluiu o parágrafo 7º no artigo 9º da Lei de Execuções Fiscais para proibir a satisfação prévia do seguro garantia: “As garantias apresentadas na forma do inciso II do caput deste artigo só serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada”.

A ministra destacou que, por tratar-se de uma norma processual, a Lei nº 14.689 é aplicável imediatamente a todos os processos em curso, conforme dispõe o artigo 14 do CPC. “A questão ora controvertida recebeu disciplina legislativa específica e exauriente, prejudicando, assim, o prosseguimento da afetação”, diz Regina. “Ademais, cuida-se de norma de caráter claramente processual, a autorizar, portanto, sua aplicação aos feitos em curso (CPC/2015, artigo 14).”

Segundo a advogada tributarista Fernanda Secco, sócia do Velloza Advogados, os contribuintes começaram a questionar no Judiciário a liquidação antecipada porque apresentavam garantia no processo e, no decorrer da execução fiscal, eram surpreendidos com o pedido da Fazenda. “Os contribuintes tinham que pagar duas vezes, primeiro para a seguradora e, depois, ao fazer o depósito [do valor em discussão], antes do trânsito em julgado”, afirma.

“Mesmo se a liquidação antecipada foi determinada, mas não depositada, vale a lei”

— Leonardo Furtado

Agora, para Fernanda, provavelmente, os magistrados do país vão replicar o entendimento da ministra Regina Helena Costa em todos os processos em andamento. “Desde a edição da Lei nº 14.689, já temos apontado nos processos individuais essa alteração legislativa de vedação da liquidação antecipada”, diz. “ Como o posicionamento da ministra oficializa que o que está nessa legislação vale para todos os processos em curso, nosso argumento é reforçado”, acrescenta.

A advogada Anete Mair Maciel, sócia do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, que representa a Cia Hering em um dos processos, concorda que o posicionamento do STJ corrobora com os argumentos dos contribuintes. Mas em relação aos casos já julgados de maneira desfavorável, ela entende que não deve ser aplicada a Lei nº 14.689. “Isso porque norma processual não se aplica a atos pretéritos”, afirma. Na decisão, a ministra não falou nada sobre atos consolidados.

Apenas no caso de haver no processo a determinação de liquidação antecipada, mas que ainda não aconteceu na prática, acrescenta Anete, seria possível tentar pedir ao magistrado a aplicação da nova legislação. “Via de regra, a seguradora tem um prazo de 30 dias para operar a liquidação. Nesse período, pode ser feita esta tentativa.”

A Fazenda Nacional, que antigamente defendia a liquidação antecipada, afirma não ter interesse em recorrer da decisão do STJ. “Lutávamos bastante no Judiciário contra a vedação da liquidação antecipada, mas, como ela foi incorporada na lei, não tem mais como a gente se opor”, afirma Leonardo Furtado, procurador da Fazenda Nacional.

Segundo Furtado, mesmo se a liquidação antecipada foi determinada, mas não depositada, vale a legislação nova. “Poderá, nesse caso, ser necessário apresentar carta fiança”, diz. Contudo, o procurador alerta que o depósito prévio feito no passado não é afetado pela nova lei ou pela decisão do STJ.

 

POR LAURA IGNACIO

FONTE: VALOR ECONÔMICO – 08/02/2024

TCU questiona fragmentação de centrais geradoras e veda a concessão automática de desconto na TUST e TUSD

Na última quarta-feira, dia 31 de janeiro de 2024, o Tribunal de Contas da União (“TCU” ou “Tribunal”), por meio do Acórdão nº 129/2024, determinou que novas outorgas de projetos com base em fontes solar, eólica, biomassa, com capacidade entre 30 MW e 300 MW, poderão ser concedidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), sem que, contudo, contemplem os subsídios na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão Distribuição (TUSD), previstos no § 1º-A do art. 26 da Lei 9.427/1996, até a devida regulamentação.

Trata-se de decisão prolatada no âmbito da Representação nº 017.027/2022-5, em trâmite no Tribunal, formulada pela então Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura de Energia Elétrica, tendo em vista a ocorrência de fracionamento de projetos com o objetivo de alcançar o limite de potência 300 MW para obtenção dos subsídios correspondentes à redução de no mínimo 50% a ser aplicado à TUST e à TUSD.

Nesse sentido, segundo a decisão do TCU, além de se abster de conceder novos descontos, a ANEEL deve apresentar um plano de ação para o aprimoramento da regulamentação concernente ao desconto na TUSD e TUST.

A decisão afeta diretamente os projetos que aguardam concessão de outorga, cujos agentes, para usufruir do desconto no acesso à rede, deverão realizar a implantação dentro do prazo previsto no § 1º-C do art. 26 da Lei 9.427/1996, e requerer, perante a ANEEL, o respectivo enquadramento para obtenção de tais subsídios uma vez publicada a regulamentação dos novos critérios de enquadramento. Tal entendimento, apesar de transferir o risco de eventual não concessão de subsídios ao empreendedor, encontraria respaldo no § 1º do art. 2º da Resolução Normativa ANEEL nº 1.031/2023.

O Tribunal não foi claro quanto à aplicabilidade da decisão em relação aos projetos já outorgados, que consideram os subsídios para a respectiva sua implantação, o que deve causar bastante insegurança jurídica no setor.

Conforme o caso, caberia às companhias impactadas avaliar a adoção de medidas administrativas ou judiciais cabíveis de forma a viabilizar a obtenção da referida outorga e, a depender do resultado de tais medidas e conforme estágio do projeto, requerer indenização pelos danos eventualmente causados.

Para mais informações e análise do caso concreto, consulte os profissionais do time de Sustentabilidade Corporativa do GSGA.

Cessão de direito de imagem na indústria do entretenimento: atores de novela vencem disputa no STF

Supremo aponta um futuro promissor sobre a matéria, indicando não apenas uma correta interpretação legislativa, como também demonstra a necessidade da pacificação do tema em âmbito administrativo no CARF.

Em um cenário contemporâneo, onde as telas de celulares se tornaram verdadeiras vitrines para a venda de serviços e produtos, a exploração do direito de imagem de personalidades públicas por pessoas jurídicas, vestiu o “manequim” de mais destaque no jogo legal.

Apesar do ano de 2023 ter levado os contribuintes a vivenciarem uma montanha russa de emoções, cercada de altos e baixos diante da infinidade de decisões em matéria tributária, o ano encerrou-se de maneira favorável quando o assunto é direito de imagem, a subsequente transmissão desse direito e a tributação destes valores.

Sobre este tema, a disputa, afinal, cinge-se entre a (in)disponibilidade de um direito personalíssimo e as perspectivas de sua flexibilização. Significa dizer, o direito de imagem está no epicentro da colisão entre a privacidade pessoal e o interesse comercial, surgindo a controvérsia sobre como se daria a tributação dos valores.

Neste cenário, conforme abordado em oportunidade anterior¹, o CARF tende a adotar o entendimento de que a exploração do direito de imagem é intransferível, bem como pela (quase) exclusividade do tomador deste serviço, o que resulta no entendimento fiscalista pela necessidade de tributação dos rendimentos auferidos decorrentes do uso da imagem na pessoa física.

Por outro viés, o Poder Judiciário² demonstra uma tendência mais previsível em suas decisões e protecionista ao contribuinte em relação ao CARF, assumindo um papel crucial na salvaguarda da integridade e coesão do arcabouço legal. No âmbito judicial, o entendimento majoritário estava se formando pela validade da cessão do direito de imagem de pessoa física para pessoa jurídica e, consequentemente, pela tributação dos valores na pessoa jurídica.

Seguindo essa toada, no apagar das luzes de 2023, em caso envolvendo atores da indústria brasileira de entretenimento, a 1ª Turma do STF, por unanimidade, chancelou a possibilidade de ceder a pessoas jurídicas o direito à exploração da imagem por meio de contratos “pejotizados”, garantindo uma tributação mais favorecida em relação a pessoa física.  O STF, em controle difuso de constitucionalidade, tem se debruçado de forma frequente sobre o tema.

Trata-se de precedente³ de Relatoria do Min. Cristiano Zanin, cuja exposição do seu voto consignou que “de acordo com a legislação, as autoridades fiscais não têm permissão para afastar o regime tributário mais favorável das pessoas jurídicas que prestam serviços intelectuais, “em especial os de natureza artística, científica ou cultural, ainda que a prestação de serviços seja realizada em caráter personalíssimo”.

Embora a natureza sigilosa da causa iniba a divulgação de detalhes do caso concreto, revela-se inequívoca a análise interpretativa do artigo 129da Lei do Bem (lei 11.196/05) como fundamento para a proteção dos interesses dos contribuintes.

Este importante precedente não apenas valida a cessão de exploração da imagem para empresas por meio de contratos específicos, como também reafirma as vantagens tributárias às entidades que oferecem serviços intelectuais de natureza artística, científica ou cultural.

Portanto, esta última análise do STF aponta um futuro promissor sobre a matéria, indicando não apenas uma correta interpretação legislativa, a qual é mais protecionista aos interesses dos contribuintes, como também demonstra a necessidade da pacificação do tema em âmbito administrativo no CARF, que se espera seguir o mesmo entendimento firmado pelo STF.

—————————–

¹ Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/virada-no-carf-tributacao-da-cessao-do-direito-de imagem-07062023

² Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-out-02/telles-daru-cessao-imagem-jogo-tributario-justica/

³  RCL nº 52723. Número único nº 0117403-32.2022.1.00.0000.

Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.    (Vide ADC 66)

 

*Artigo publicado originalmente no Migalhas.

Relativização da aplicação do regime de separação obrigatória de bens para maiores de 70 anos

Na última semana, ao julgar o Tema 1.236 da repercussão geral, o STF fixou a seguinte tese: “Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública”.

A limitação da escolha do regime de bens para casamento envolvendo pessoas “idosas” já existia desde o Código Civil de 1916, com base no qual se aplicava obrigatoriamente o da separação de bens no caso de homens maiores de 60 anos e de mulheres maiores de 50 anos.

Referida previsão foi importada para o Código Civil de 2002, contudo, elevando para 60 anos essa idade mínima e independentemente de gênero. Após alteração legislativa em 2010, o limite foi majorado para 70 anos – sendo esta a previsão legal até hoje.

Pautado no atual contexto da sociedade e em fundamentos como respeito à autonomia, à dignidade humana, à proibição de discriminação contra idosos (etariasmo), o STF relativizou a obrigatoriedade da restrição legislativa para possibilitar aos maiores de 70 anos escolher livremente o regime de bens.

Levou-se em conta também que a idade cronológica não pode ser utilizada como base para definir sobre eventual incapacidade de dispor sobre o regime de bens. E que, apesar de agravamento de risco relacionado aos idosos, eventual erro pode acontecer em qualquer idade da vida.

Assim, no atual cenário, pessoa maior de setenta anos poderá optar livremente pelo regime de bens, desde que haja manifestação expressa de vontade por meio de escritura pública.

Destaca-se que o acórdão está pendente de disponibilização pelo STF. Portanto, ainda não é possível conhecer todos os efeitos desse julgamento, especialmente a eventual possibilidade de alteração do regime de bens após essa flexibilização.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Cível do GSGA.

Grandes teses tributárias pendentes de julgamento somam R$ 694,4 bilhões no STF e STJ

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) podem julgar uma pauta com impacto bilionário para os cofres da União em 2024. O JOTA PRO Tributos elencou 55 processos com temas relevantes, e cujo julgamento é esperado por contribuintes.

Em apenas 15 deles, a União pode perder R$ 694,4 bilhões em receita em cinco anos, de acordo com números da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024. O julgamento de controvérsias envolvendo o PIS e a Cofins está entre as principais expectativas dos contribuintes para o próximo ano. São as “teses filhotes” da decisão que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Com base neste caso, que ficou conhecido como a “tese do século” (Tema 69), os contribuintes pedem a exclusão de uma série de tributos ou valores que não consideram faturamento da base de cálculo das contribuições.

Em sete temas sobre PIS e Cofins elencados pelo JOTA , o impacto estimado é de R$ 164,2 bilhões em cinco anos. Entre eles estão a inclusão do PIS e da Cofins em suas próprias bases de cálculo e do ISS na base de cálculo das contribuições.

Para a tributarista Anete Mair Maciel Medeiros, sócia do Gaia, Silva, Gaede Advogados, em linha com o entendimento do Supremo na “tese do século”, a expectativa na maioria dos casos é de resultado favorável aos contribuintes. Como precedente favorável às empresas, a advogada ressalta a decisão recente em que a Corte excluiu os créditos presumidos de IPI da base de cálculo do PIS e da Cofins (Tema 504) justamente sob o argumento de que esses créditos não caracterizam faturamento para as empresas.

Medeiros aposta também em um resultado favorável aos contribuintes na discussão envolvendo a constitucionalidade da cobrança da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre remessas ao exterior (Tema 914). “A Cide, originalmente, incidia no caso de remessas ao exterior envolvendo transferência de tecnologia. O Supremo pode entender pela inconstitucionalidade da Cide sobre todas as remessas, uma vez que o objetivo da contribuição é fomentar o desenvolvimento tecnológico”, afirma a advogada.

No STJ, o deslinde da controvérsia envolvendo a inclusão das Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (Tust) e do Sistema de Distribuição (Tusd) de energia elétrica na base de cálculo do ICMS é bastante aguardado pelos contribuintes. O julgamento está na pauta da 1ª Seção de 22 de fevereiro, quando ocorrerá a primeira reunião do colegiado em 2024.

 

POR CRISTIANE BONFANTI E MARIANA BRANCO

FONTE: JOTA – 05/02/2024

Prazo em curso no Estado do RJ para indústrias solicitarem incentivo fiscal de ICMS

A Lei nº 10.203/2023 alterou a conhecida Lei nº 6.979/2015, que prevê incentivos fiscais de ICMS voltados a estabelecimentos industriais localizados em determinados Municípios do Estado do Rio de Janeiro (Rio Interior).

Como principal ponto, estipulou que os novos pedidos de enquadramento no referido incentivo fiscal deverão ser apresentados até o dia 4 de junho de 2024.

A nova lei alterou o enquadramento tácito no programa de incentivo fiscal, que antes ocorria no prazo de 60 dias e agora passou a ser 90 dias, contados do protocolo da Carta-Consulta endereçada à CODIN.

Outra novidade foi a exclusão do enquadramento ao incentivo em relação aos contribuintes que exerçam a atividade de extração e beneficiamento mineral e de fabricação de cimento de qualquer espécie.

A nova lei também detalhou a condicionante de recolhimento médio mínimo de ICMS para a fruição do benefício.

Para fazer jus ao tratamento especial, o estabelecimento beneficiário deverá assegurar o recolhimento mínimo equivalente ao valor recolhido a título de ICMS sobre operações próprias, adicionado do ICMS devido por substituição tributária (ICMS-ST) e do ICMS devido por importação, nos 12 meses imediatamente anteriores ao enquadramento.

O contribuinte beneficiário que não cumprir a meta de recolhimento estabelecida fica automaticamente desenquadrado do tratamento tributário especial, devendo arcar com a diferença do imposto não recolhido.

Além disso, a nova lei veda expressamente a desativação de um estabelecimento beneficiado, que realize negócios no mesmo ramo de atividade industrial, com o intuito de efetuar um novo enquadramento no programa em um outro Município.

Também fica vedada qualquer tipo de operação comercial ou mudança societária que se caracterize como sucessão e que venha a resultar em redução da arrecadação de estabelecimento já instalado e beneficiado, sob pena de exclusão do benefício.

Por fim, manteve o enquadramento automático dos beneficiários da Lei revogada nº 5.636/2010 – sobre a Política de Recuperação Industrial Regionalizada – e estendeu o programa de incentivos fiscais da Lei nº 6.979/2015 até 31 de dezembro de 2032.

 

Para mais informações, consulte os profissionais da área Tributária do GSGA.

Programa Mover: Sustentabilidade no Setor Automotivo

Dentre várias iniciativas na pauta de sustentabilidade e com vistas ao cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil para a descarbonização da economia, o Governo Federal lançou o “Programa de Mobilidade Verde e Inovação” (“Programa MOVER”), por meio da edição da Medida Provisória nº 1.205/23 (“MP 1.205/23”), por meio do qual busca alinhar objetivos ligados ao desenvolvimento da indústria nacional automotiva à implementação de alternativas sustentáveis nos processos produtivos e atividades praticadas no setor de mobilidade e logística.

O Programa MOVER traz a sustentabilidade como um de seus principais pilares, estabelecendo diretrizes ligadas à pauta que devem impactar todos os integrantes do setor automotivo, além dos consumidores em geral, uma vez que também alteram a cadeia de valor dos produtos, inclusive com consequências positivas (assim esperamos) para a sociedade de modo geral.

Muito do que consta no Programa MOVER já existia durante a vigência do Programa Rota 2030 (“Rota 2030”), previsto na Lei nº 13.755/18. Podemos destacar algumas novidades, em especial ligadas à implementação de critérios destinados ao cumprimento de requisitos em sustentabilidade. Por conta disso, entendemos que o principal destaque da MP 1.205/23 – que se encontra pendente de apreciação pelo Congresso Nacional – refere-se ao estabelecimento de diretrizes relacionadas ao incremento de eficiência energética do setor, ao incentivo da inovação tecnológica e ao fortalecimento da indústria nacional.

Outro tema relevante contido no Rota 2030 sofreu algumas alterações com a nova regulamentação. O Ato de Registro de Compromissos, exigido das empresas que realizam a importação e comercialização de veículos, está condicionado agora ao cumprimento de requisitos ligados à reciclabilidade veicular e, a partir de 2027, à observância de metas de redução da pegada de carbono em determinado ciclo de vida do veículo. Mantiveram-se no Programa MOVER os requisitos de eficiência energética, rotulagem veicular integrada e desempenho estrutural e tecnologias assistivas à direção, já previstos no Rota 2030.

Também merece destaque a substancial alteração do chamado “Regime de Autopeças Não Produzidas”. Durante a vigência do Rota 2030, as autopeças que não possuíssem similar nacional e que fossem importadas para a utilização no processo produtivo, possuíam isenção do imposto de importação. Com o Programa MOVER, tais produtos não teriam mais esse benefício, embora possam ser importados com uma redução da alíquota do imposto de importação para 2%¹, com a premissa de que haja investimentos em projetos de P&D, no montante correspondente a 2% do valor aduaneiro dos produtos importados.

Uma outra importante novidade trazida pelo Programa MOVER, talvez a mais relevante financeiramente às empresas integrantes do setor, refere-se ao benefício decorrente do chamado “Regime de Incentivos à Realização de Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento e de Produção Tecnológica”. No Rota 2030, permitia-se às empresas habilitadas deduzir parte dos dispêndios incorridos com pesquisa e inovação das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Pelo Programa MOVER, o Poder Executivo passa a conferir às empresas beneficiadas um crédito financeiro² a ser utilizado para compensar quaisquer tributos administrados pela Receita Federal.

A questão do crédito financeiro ainda tem causado certas dúvidas, por conta da sua categorização dentro da MP nº 1.205/23 e pelo fator multiplicador eventualmente aplicável. De qualquer modo, em linha com as diretrizes de sustentabilidade aplicáveis, os incentivos previstos no Programa MOVER estão condicionados ao cumprimento de uma série de requisitos exigidos para habilitação, bem como à efetiva realização dos projetos a serem apresentados previamente pelas empresas e aprovados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

É imprescindível às empresas do setor que já estejam usufruindo benefícios do Rota 2030, assim como demais empresas do setor e da cadeia de suprimentos que eventualmente tenham interesse nos diversos incentivos do Programa MOVER, procurar profissionais especializados, com conhecimento multidisciplinar em benefícios fiscais e sustentabilidade corporativa, para auxiliá-las na correta interpretação da nova regra e respectiva regulamentação.

Ainda que a MP nº 1.205/23 se encontre em tramitação no Congresso Nacional, com possíveis alterações na sua sistemática, todos já entendemos que é interesse do Governo Federal fomentar o setor de mobilidade e logística. E bem na verdade, trata-se de fomentar toda uma indústria voltada à descarbonização da economia, com a promoção de soluções alternativas para o setor de mobilidade e logística. Devemos, então, ficar atentos à superação de lacunas existentes no texto apresentado, assim como a regulamentação dos procedimentos necessários ao efetivo início do Programa MOVER.

—————————-

¹  Condicionada à adesão do importador ao regime especial previsto no art. 6º do Acordo sobre Política Automotiva Comum firmado entre Brasil e Argentina, anexo ao 38º protocolo adicional ao Acordo de Complementação Econômica nº 14.

²  O montante do crédito poderá chegar a até 320% do valor investido (a depender do atendimento a indicadores de acréscimo).