GESTÃO TRIBUTÁRIA EM TEMPOS DE CRISE

A crise sanitária provocada pelo Covid, cujos desfecho e consequências na área da saúde ainda são incertos neste momento, está levando o mundo a uma crise econômica de grandes dimensões, talvez mais acentuada, até mesmo, que a crise de 2008. Os reflexos disso já são sentidos por muitas empresas, que de uma hora para outra tiveram pedidos de compras cancelados, dilação dos prazos de pagamentos por parte de clientes, inadimplência e queda geral do consumo de seus produtos e serviços.

Em tempos como esse, embora o governo tenha adotado algumas medidas para facilitar a vida das empresas no tocante ao recolhimento de tributos, a necessidade de caixa imediato faz com que muitas revisitem os procedimentos fiscais internos, com vistas a (1) recuperar créditos não aproveitados ou tributos pagos a maior no passado, e/ou (2) utilizar estoques de saldos credores dos tributos não cumulativos.

Um exemplo é a apuração de créditos de PIS e Cofins. Como a crise sanitária exigiu que as empresas reinventassem os seus processos internos, com forte destaque para a digitalização de atividades que antes eram desempenhadas fisicamente, muitas despesas até então irrelevantes ou praticamente inexistentes passaram a ter grande relevância, como é o caso das despesas decorrentes de implantação e manutenção do trabalho remoto (softwares para videoconferências e instalação nas máquinas dos colaboradores, aluguel de aparato de informática e tecnologia etc.).

Também o movimento de estados e municípios para tornar obrigatório o fornecimento de EPIs (principalmente máscaras e itens de higiene) aos colaboradores e funcionários das empresas, tanto no atual cenário quanto após o fim da quarentena, tornam tais despesas obrigatórias e, portanto, passíveis de creditamento para algumas empresas.

Sem prejuízo das despesas diretamente relacionadas à covid, é recomendável ainda que as empresas revejam também os critérios de creditamento de PIS e Cofins adotados nos últimos anos, com o intuito de verificar se existem oportunidades ainda não aproveitadas. Essa revisão é indicada também por conta da jurisprudência bastante favorável aos contribuintes que se consolidou nos últimos anos, sobretudo pela posição do STJ no leading case que determinou o conceito de insumos de forma bem positiva ao interesse das empresas.

Outro ponto de destaque é a recuperação de saldos credores de ICMS, PIS e Cofins. Empresas que convivem com o problema têm revisto procedimentos e estruturas de negócios para dar vazão a esses ativos adormecidos, bem como buscado amparo do judiciário para poder escoar esses créditos em situações não permitidas ou extremamente dificultadas pelo governo.

A situação é grave e demanda uma gestão tributária adequada por parte das empresas, com a devida cautela para que as oportunidades não se tornem pesadelos futuramente. Conhecer profundamente os processos internos e as alternativas legais disponíveis, portanto, é fundamental.

 

Fonte: ITALCAM em 06/05/2020

Contribuintes Poderão Alterar Regime de Tributação das Variações Cambiais em Abril de 2020

A legislação tributária estabelece que os contribuintes podem optar pela tributação de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre as variações cambiais pelo regime de competência, sendo que esta opção é feita no mês de janeiro de cada ano, de forma irretratável.

Contudo, se em determinado mês do ano ocorrer uma oscilação cambial positiva ou negativa do dólar superior a 10%, o contribuinte que optou pela tributação pelo regime de competência poderá retornar à tributação pelo regime de caixa, com efeitos aplicáveis desde janeiro do ano corrente.

Neste contexto, informamos que a oscilação cambial do dólar em março de 2020 foi positiva em mais de 10%, motivo pelo qual os contribuintes que adotaram a tributação pelo regime de competência poderão rever esta opção no mês seguinte ao da referida oscilação, ou seja, em abril de 2020.

Em vista disto, recomendamos que as empresas que possuem ativos ou passivos sujeitos a oscilação cambial avaliem as eventuais vantagens em se alterar o correspondente regime de tributação, aproveitando-se desta oportunidade para buscar uma maior eficiência em sua gestão tributária e financeira.

Convém mencionar que, para se implementar referida alteração de regime de tributação, são necessários alguns procedimentos específicos, tais como a adequação de memórias de cálculo e a retificação de determinadas obrigações acessórias.

 

Clique aqui para outros temas recentes.

Desafios na implementação da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins

Em março de 2017, o famigerado Recurso Extraordinário 574.706 foi julgado, pela nossa Corte Suprema, de forma favorável ao contribuinte, no sentido de ser juridicamente possível a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.

De lá para cá, muito tem ocorrido em relação a este tema: a apresentação de Embargos de Declaração pela União em outubro de 2017, a emissão de Soluções de Consulta (SCI 13/18 e SC COSIT 177/19) e Instrução Normativa (1.911/19) pela Receita Federal e a emissão de um parecer pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em junho de 2019 solicitando a modulação dos efeitos da decisão a partir do julgamento dos Embargos – sem, contudo, que tenha havido o tão aguardado desfecho deste caso, o que infelizmente apenas aumenta a sensação de insegurança jurídica que tanto afugenta investimentos e retarda a retomada do crescimento da economia de nosso país.

Não obstante, fato é que o atual presidente do Supremo Tribunal Federal liberou os Embargos de Declaração em questão para inclusão na pauta do plenário de 5 de dezembro de 2019, o que, apesar de não ser uma garantia de julgamento, enche de esperanças os meios empresarial e jurídico que tanto anseiam pelo desfecho do caso.

Neste julgamento, esperamos que várias questões objeto de embates entre fisco e contribuintes sejam definitivamente sanadas, tais como: (i) a questão do valor do ICMS a ser excluído (o destacado, conforme o voto da Ministra Carmen Lúcia e o defendido pelos contribuintes, ou o pago, tal qual sustentado pela Receita Federal); (ii) o impacto da decisão sobre os créditos das contribuições apropriados nas aquisições (definição legal dos créditos como o “valor da aquisição” versus a posição da RFB na IN 1.911/19, deixando de prever expressamente a inclusão do ICMS na base dos créditos); e (iii) a questão da modulação dos efeitos da decisão (efeitos retroativos para todos os contribuintes – respeitado o prazo prescricional de cinco anos, apenas para os que ingressaram com ações judiciais ou efeitos apenas futuros, em detrimento dos direitos eventualmente já adquiridos e da coisa julgada).

Não bastassem estas questões, que esperamos ansiosamente sejam dirimidas por ocasião do julgamento dos Embargos, outras de não menos complexidade se impõem, como, por exemplo, (i) o momento de tributação dos créditos de pagamentos a maior decorrentes das ações judiciais sobre este tema pelo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS (se quando do momento da contabilização ou à medida das compensações); (ii) os documentos suporte em que deve se basear a quantificação dos créditos (balancetes versus Escriturações Fiscais Digitais); bem como (iii) os registros da EFD-Contribuições em que deve ser lançada a exclusão do ICMS para períodos posteriores ao trânsito em julgado da ação (Registro C170, C181/185 ou M210/610).

Além disso, outros cuidados devem ser tomados pelos contribuintes, tais como a correta apuração dos valores pagos a maior (alíquotas aplicáveis de PIS/COFINS à época, possíveis estornos de débitos de ICMS, possíveis parcelamentos, possíveis duplicidades, aumento de saldo credor, etc.), a habilitação do crédito (conforme formulário específico da Receita Federal), a atualização do crédito (competência por competência), a entrega das declarações de compensação (PER/DCOMP) e a guarda de documentos (para o caso de questionamentos das compensações pelas autoridades fiscais nos cinco anos seguintes).

Estes são apenas alguns desafios a serem enfrentados pelos contribuintes que buscaram, pela via judicial, os seus direitos relacionados à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, direitos estes já confirmados e chancelados por nossa Corte Suprema.

O que podemos esperar é que tais desafios, por um lado, não sirvam como inibidores dos contribuintes na busca por seus direitos, mas que, por outro lado, prestem-se a demonstrar aos cidadãos, às empresas, à sociedade em geral e aos Poderes da República, em especial ao Legislativo, que já está mais do que na hora de reformarmos e simplificarmos o nosso sistema tributário de modo a reduzir os contenciosos, conferir segurança jurídica às relações negociais e auxiliar no crescimento do investimento e do emprego, essencial à retomada econômica de que tanto precisamos.

 

*Artigo originalmente postado no Jornal O Estado de S. Paulo

IN RFB n° 1.911/19 – Nova afronta da receita à decisão do STF sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS

No dia 11 de outubro, a Receita Federal do Brasil – RFB publicou a Instrução Normativa n° 1.911/19, por meio da qual regulamentou a cobrança, a fiscalização, a arrecadação e a administração do PIS, da COFINS, do PIS-Importação e da COFINS-Importação.

A IN, contudo, acabou tratando de outros assuntos, dentre os quais se destaca o reflexo do julgamento pelo STF da tese de “Exclusão do ICMS da Base de Cálculo do PIS e da COFINS” (Tema n°69).

Naquele julgamento de 2017, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, fixou a tese de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS“.

Apesar da clareza do julgado do STF, no sentido de que todo o ICMS não está incluído na base de cálculo das contribuições, sendo evidente que é o ICMS destacado em Nota Fiscal que deve ser excluído do cálculo das contribuições, até porque nem poderia ser diferente haja vista ser este o único ICMS que compõe a base de cálculo dessas contribuições, a União opôs Embargos de Declaração visando suposto esclarecimento da questão e pleiteando que o tribunal defina que é o ICMS “recolhido” que não deve ser considerado na apuração das contribuições. Referidos Embargos de Declaração estão pautados para julgamento no dia 05/12/2019.

Não bastasse a manobra processual acima, em afronta ao julgado do STF, em 2018 a RFB publicou a Solução de Consulta Interna COSIT nº 13, na qual consignou que o Plenário do STF teria supostamente decidido que “o montante a ser excluído da base de cálculo mensal da contribuição é o valor mensal do ICMS a recolher”, e não o que foi destacado na nota fiscal de venda.

Agora, por meio do art. 27, parágrafo único, da recém editada IN n° 1.911/19, a Receita Federal realiza nova afronta ao julgamento do STF, pretendendo estabelecer quais os procedimentos que deveriam ser observados “para fins de cumprimento das decisões judiciais transitadas em julgado que versem sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins”, e afirmando que “o montante a ser excluído da base de cálculo mensal das contribuições é o valor mensal do ICMS a recolher”.

Embora a Receita Federal tenha distorcido o entendimento do STF ao editar a Solução de Consulta COSIT nº 13, com uma análise falha e tendenciosa dos votos vencidos, não há dúvidas de que o STF, ao julgar o RE nº 574.706 (Tema nº 69), definiu que o ICMS destacado em nota fiscal é o que deve ser excluído da base de cálculo das contribuições.

E, como já mencionado, nem poderia ser diferente, pois, do ponto de vista contábil e jurídico, o único “ICMS” que poderia se cogitar estar inserido no conceito de faturamento/receita, como sempre defendeu a União, inclusive, é o “destacado”. É o valor do ICMS “destacado” que compõe o valor da nota fiscal.

Corroborando isto, tem-se que no julgamento do RE nº 574.706, após longa digressão, a Relatora Min. Cármen Lúcia, consignou no voto vencedor que “conquanto nem todo o montante de ICMS seja imediatamente recolhido pelo contribuinte posicionado no meio da cadeia (distribuidor e comerciante), ou seja, parte do valor do ICMS destacado na ‘fatura’ é aproveitado pelo contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior, em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não constitui receita do contribuinte, logo, ainda que, contabilmente, seja escriturado, não guarda relação com a definição constitucional de faturamento”, concluindo que “embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal”.

O voto vencedor (acompanhado pela maioria dos Ministros) demonstra claramente que o entendimento que prevaleceu no STF é pela exclusão de todo o ICMS destacado nas faturas da base de cálculo do PIS e da COFINS, ainda que o recolhimento do tributo estadual não ocorra de imediato por conta da sistemática não-cumulativa do tributo. E essa questão consta claramente afirmada nos itens 3 e 4 da Ementa do acórdão do STF.

O Novo CPC/15, já vigente quando proferida a decisão do STF, reforça ainda mais a conclusão acima. Isso porque, conforme se extrai da previsão contida no art. 489, §3º, do CPC/15, “a decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos, em conformidade com o princípio da boa-fé”.

Sendo o único ICMS passível de exclusão da base de cálculo do PIS e da COFINS o destacado em nota fiscal; e considerando que ao longo das últimas décadas a discussão que se travou no judiciário foi sobre o ICMS que compõe o faturamento/receita (ICMS destacado na nota fiscal); a única interpretação possível, a partir dos elementos da discussão judicial e do acórdão proferido no RE nº 574.706, é a de que todo o ICMS (destacado em nota fiscal) é que deve ser excluído da base de cálculo das contribuições.

Conclui-se, assim, que o art. 27, parágrafo único, desconsidera que as decisões judiciais estão determinando expressamente que o ICMS a ser excluído na apuração do PIS e da COFINS é o destacado, e não o recolhido.

A Instrução Normativa está deliberadamente desrespeitando as decisões judiciais e a coisa julgada.

Feitas as considerações acima, conclui-se que o art. 27, parágrafo único, da IN nº 1.911/19 não subsiste sob nenhum aspecto, sendo que seu afastamento pelo CARF e pelo Poder Judiciário deve ocorrer de imediato caso a RFB venha a aplicá-lo.

Aproveitando esse ensejo, é relevante destacar que essa IN reforça a importância de que o STF, de fato, resolva a questão no dia 05 de dezembro, para que a segurança jurídica dos contribuintes possa ser restaurada.

Por fim, ainda sobre a temática, destaca-se que além da afronta ao julgado do STF pelo art. 27 da IN n° 1.911/19, a Receita revogou a Instrução Normativa n° 404/04, vigente desde a instituição da não-cumulatividade do PIS e da COFINS, que em seu art. 8°, §3°, II, previa expressamente que o ICMS integra o custo de aquisição para fins de apropriação de crédito das contribuições sobre bens e serviços, e o fez sem qualquer alteração legal.

De forma ilegal, segundo nosso entendimento, o art. 167 da IN n° 1.911/19 prevê que integram o custo de aquisição apenas (i) o seguro e o frete pagos na aquisição e (ii) o IPI, quando não recuperável; suprimindo a antiga – e desde sempre vigente – previsão de inclusão do ICMS no custo de aquisição.

Não bastasse o ilegal art. 27, a Receita Federal utiliza o julgamento do Tema n° 69 para limitar os créditos da não-cumulatividade, inovando o ordenamento jurídico.

Isso reforça a ilegalidade da IN 1.911/19, pois ao mesmo tempo em que limita a exclusão, das bases de cálculo do PIS e da COFINS, apenas ao ICMS recolhido, veda a apropriação de crédito sobre o valor do ICMS destacado nas aquisições.

 

Clique aqui para outros temas recentes.

CARF Admite Créditos de PIS e COFINS sobre Despesas com Marketing

Em recente julgamento, o CARF reconheceu o direito de uma administradora de cartões de crédito de apropriar créditos da não cumulatividade de PIS e COFINS sobre as despesas com marketing.

Novamente, o CARF utilizou os conceitos de essencialidade e relevância do STJ para analisar se os serviços em questão se enquadram como insumos para fins da legislação de PIS e COFINS.

No caso concreto, as autoridades fiscais haviam autuado a empresa pela tomada dos créditos, sob o argumento de que as despesas com marketing são gastos gerais e não insumos.

Já em seu recurso administrativo, o contribuinte defendeu a tese de que, por se tratar de uma bandeira de cartões, a sua atividade-fim é promover a sua marca para que os seus clientes – bancos e máquinas de cartão – vendam mais os seus produtos. Foi demonstrado, inclusive, que os clientes pagavam ações de marketing para que a empresa autuada se promovesse.

Assim, o CARF considerou os gastos com publicidade como essencial para que a ocorrência da atividade econômica do contribuinte ocorresse, admitindo-se, assim, os créditos de PIS e COFINS.

 

Clique aqui para outros temas recentes.

CARF admite créditos de PIS e COFINS sobre despesas com Royalties

Em 13 de agosto de 2019, foi publicado o acórdão nº 9303-008.742 da 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, que reconheceu o direito do contribuinte à tomada dos créditos não cumulativos de PIS e COFINS sobre as despesas com royalties pelo licenciamento de know-how.

O entendimento do CARF foi baseado no conceito de insumos definido pelo STJ no REsp 1.221.170, que afasta a aplicação do conceito de insumos da legislação do IPI e faz prevalecer o critério da pertinência, relevância e essencialidade do bem ou serviço para o processo produtivo do contribuinte (tese da subtração).

No caso concreto, ficou claramente demonstrado que o know-how fornecido ao contribuinte se consubstancia na transferência de toda a tecnologia, suporte, experiência e conhecimento necessários ao seu processo produtivo, constituindo-se, segundo a decisão, insumo para a sua produção.

Verifica-se, nesse cenário, que o CARF vem adotando corretamente o alargamento do conceito de insumos para fins de apuração dos créditos de PIS e COFINS na forma definida pelo STJ, gerando-se mais segurança jurídica e, consequentemente, uma aplicação mais justa da legislação tributária.

PERDÃO DE DÍVIDA: NÃO INCIDÊNCIA DO PIS E DA COFINS

Intensificaram-se debates sobre efeitos tributários do perdão de dívida obtido por empresas devedoras

Nos últimos anos, as renegociações de dívidas bateram recordes, especialmente em razão da necessidade de bancos e fornecedores ajustarem os seus fluxos financeiros esperados à capacidade de pagamento das famílias e empresas, que sofreu significativa deterioração em meio ao cenário adverso da economia brasileira.

Nesse contexto, intensificaram-se nos meios especializados os debates sobre os efeitos tributários do perdão de dívida obtido por empresas devedoras.

No que diz respeito à natureza jurídica, o perdão (ou remissão) de dívida, nos termos do artigo 385 do Código Civil, consiste em ato de liberalidade do credor, que decide exonerar o devedor, sem obter qualquer contrapartida, extinguindo-se a obrigação então existente entre eles.

Sob o ponto de vista contábil, o perdão de dívida implica um ganho econômico e gera uma receita para a empresa beneficiada, tendo em vista que a extinção do passivo não tem como contrapartida um crédito de valor igual ou superior em seu ativo, o que gera um aumento do patrimônio líquido da entidade. (1)

Instada a se manifestar a respeito do assunto, a Receita Federal do Brasil emitiu, em março de 2019, a Solução de Consulta COSIT nº 65, por meio da qual sustentou que a natureza da receita decorrente do perdão depende da natureza da dívida que a gerou. De acordo com o raciocínio empreendido pelo fisco, o perdão de empréstimos e financiamentos geraria uma receita financeira tributada pelo PIS e pela COFINS à alíquota conjunta de 4,65% no regime de não cumulatividade. (2)

Por outro lado, na hipótese de dívidas com fornecedores, o perdão geraria uma receita de recuperação de custos ou despesas a ser computada no “resultado não operacional” (3), sobre a qual incidiriam o PIS e a COFINS à alíquota conjunta de 9,25% na sistemática não cumulativa.

No âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), a jurisprudência dominante é desfavorável aos contribuintes, havendo precedentes recentes no sentido de que a receita gerada com o perdão de dívida deve ser tributada pelo PIS e pela COFINS, uma vez que as Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03 não autorizam expressamente a exclusão dessa receita na apuração das referidas contribuições. (4)

Ocorre que, o posicionamento adotado pelo fisco e acolhido pela atual jurisprudência do CARF não encontra respaldo no conceito constitucional de receita fixado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em maio de 2013, no julgamento do RE nº 606.107, em regime de repercussão geral. Nesse julgado, o STF definiu receita como “o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo”, afastando, com isso, a incidência das referidas contribuições sobre valores auferidos em decorrência da cessão de créditos acumulados de ICMS. (5)

Em linha com o entendimento do STF, a receita obtida pela empresa beneficiada com o perdão de dívida não deve, a nosso ver, ser submetida à tributação do PIS e da COFINS, tendo em vista que a receita contábil decorrente do perdão não representa um ingresso financeiro e tampouco um novo direito para o patrimônio da empresa.

De fato, o perdão de dívida não dá origem a um ingresso financeiro para a empresa beneficiada, uma vez que a receita por ela registrada tem como contrapartida o passivo extinto, e não o seu ativo.

Além disso, o perdão de dívida não gera um novo direito que incrementa positivamente o patrimônio da empresa devedora. Isso porque, em termos jurídicos, o patrimônio corresponde a uma universalidade de direitos dotados de valor econômico, conforme prevê o artigo 91 do Código Civil. No entanto, o instituto do perdão (ou remissão) de dívida previsto no Código Civil não implica um novo direito que se agrega ao patrimônio da empresa beneficiada, mas equivale sim à extinção de uma obrigação anteriormente existente.

Diante dessas considerações, a questão que se coloca é a seguinte: os efeitos tributários do perdão de dívida estão subordinados aos contornos delineados para esse instituto de direito privado no Código Civil? A resposta, em nossa opinião, é positiva.

Quando a Constituição utiliza institutos de direito privado para definir ou limitar competências tributárias, o legislador tributário não pode alterar a sua definição, conteúdo e alcance (artigo 110 do CTN). Por outro lado, quando não for esse o caso, o legislador tributário está livre para atribuir sentidos diversos aos institutos típicos de direito privado, a fim de modificar as suas características e definir os seus efeitos tributários (art. 109 do CTN).

O perdão de dívida enquadra-se nessa última hipótese e, por esse motivo, o legislador tributário poderia alterar, para fins de incidência do PIS e da COFINS, as características previstas no Código Civil para esse instituto. No entanto, fato é que a lei tributária é silente em relação a isso, não havendo qualquer dispositivo na legislação de regência das referidas contribuições que faça referência, expressa ou implícita, ao perdão de dívida. Em razão disso, pode-se afirmar que há uma equivalência entre a definição, o conteúdo e o alcance do instituto do perdão de dívida no âmbito do Direito Civil e do Direto Tributário.

Pelo exposto, concluímos que, embora acarrete um ganho econômico e gere uma receita contábil, o perdão de dívida não implica uma receita sujeita à tributação do PIS e da COFINS. (6)

  1. Conforme item 4.25, do CPC 00 (R1) – Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro. Disponível em: http://www.cpc.org.br/CPC.
  2. Na Solução de Consulta COSIT nº 176, de outubro de 2018, a Receita Federal já havia se manifestado nesse mesmo sentido.
  3. Com a convergência das normas contábeis brasileiras ao padrão internacional, o antigo “resultado não operacional” deixou de existir, passando a ser denominado como “outros resultados abrangentes”, nos termos do Pronunciamento Técnico CPC nº 26.
  4. Nesse sentido, vide: Acórdão nº 3302-006.474, de 2019; Acórdão nº 1401-001.041, de 2013; e Acórdão nº 3201-002.117, de 2016.
  5. Íntegra em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4919271.
  6. Pelos mesmos argumentos, o perdão de dívida obtido por empresas sujeitas ao regime cumulativo do PIS e da COFINS também não deve ser tributado. Além disso, mesmo que se acolha o entendimento do fisco e se considere que o perdão gera uma receita financeira ou uma receita não operacional, ainda assim essa receita não deve ser tributada na sistemática cumulativa, cuja base de cálculo se limita ao faturamento.

 

Artigo originalmente postado no Jota

AS TAXAS DE CARTÕES DE CRÉDITO À LUZ DO PIS E DA COFINS

PIS e Cofins e as comissões às operadoras de cartões

Os pagamentos por meio de cartões de crédito e débito ocupam papel cada vez maior no cotidiano das pessoas. Desde o comércio ambulante até concessionárias de automóveis, a substituição do papel-moeda pelos cartões só avança. No centro deste processo, uma controvérsia tributária ganha força: as comissões pagas às empresas administradoras de cartões de crédito e débito geram direito a crédito de PIS e Cofins, ou podem ser excluídas da base de cálculo dessas contribuições?

Esta matéria comporta duas discussões tributárias, com fundamentos e efeitos práticos diferentes.

A primeira delas é que, como o pagamento por cartões é essencial à atividade econômica das empresas, a despesa com o pagamento de comissões às administradoras de cartões deve ser considerada um insumo da venda de bens ou da prestação de serviços – permitindo, dessa forma, a apropriação de créditos de PIS e Cofins no regime não cumulativo dessas contribuições.

É claro que a relevância dos cartões de crédito e débito pode variar conforme a atividade de cada empresa. Contudo, não faltam exemplos de atividades em que os cartões respondem pela quase totalidade das receitas. Nestes casos, entendemos que as despesas com comissões devem gerar direito a créditos de PIS e Cofins, por serem indispensáveis à atividade econômica.

Recentemente, essa controvérsia teve um novo capítulo com o julgamento do REsp n.º 1.221.270, no regime de recurso repetitivo, no qual o STJ decidiu que “o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”. No mesmo julgamento, o Tribunal fixou que a “relevância” da despesa deve ser aferida por meio do “teste de subtração”, isto é, avaliando-se qual impacto a eliminação do insumo provocaria na atividade do contribuinte.

À luz desses critérios, nos parece ainda mais claro o direito a crédito de PIS e Cofins sobre essas comissões. Os cartões de crédito não apenas são a porta de entrada de receitas do contribuinte, como também, se eliminados, tornariam inviáveis diversos segmentos da economia.

Uma segunda discussão tributária sobre esse tema diz respeito à exclusão dessas comissões da receita (base de cálculo do PIS e da Cofins) da empresa que recebe pagamentos por esse meio.

O argumento central dessa tese é que as comissões – geralmente já retidas no pagamento – constituem receita das administradoras, e não da empresa que vendeu os produtos ou serviços. Embora componham o faturamento e não estejam destacados nas notas fiscais, tais valores nem sequer transitam pelas contas da empresa vendedora. Por isso, é possível apontar semelhanças entre este debate e a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, embora as situações não sejam idênticas.

Em janeiro de 2019, o STF afetou o tema acima para julgamento em regime de Repercussão Geral, no RE n.º 1.049.811, no qual a Suprema Corte julgará em definitivo a “inclusão do valor descontado por administradora de cartão de crédito e débito a título de remuneração na base de cálculo da Cofins e da contribuição ao PIS”.

Por fim, acrescentamos que o tema da tributação das receitas de terceiros tem provocado debates no Carf e na própria na própria Coordenação de Tributação (Cosit) da Receita Federal, em Soluções de Consulta. Há decisões reconhecendo que a receita da empresa intermediadora corresponde apenas à comissão por ela recebida, excluindo o valor repassado à empresa intermediada. Entendimento assim já foi firmado em casos concretos envolvendo empresas de intermediação de venda de ingressos (1), cooperativas de táxi (2), agências de turismo (3) e agências de publicidade (4). A essência desse entendimento, se aplicada à situação dos cartões de crédito, resultaria na não incidência de PIS e Cofins sobre as comissões retidas pelas administradoras.

Diante disso, o tema das comissões a administradoras de cartões de crédito e débito permanece muito atual e, em nosso entendimento, conta com bons argumentos para permitir a apropriação de créditos de PIS e Cofins ou, pelo menos, ser excluída da base de cálculo dessas contribuições.

(1) Solução de Consulta Cosit n.º 171/18.

(2) Solução de Consulta Cosit n.º 239/17.

(3) Carf, Acórdão 9101-002.359.

(4) Carf, Acórdão n.º 3402-002.314.

 

*Artigo originalmente postado no Jornal O Estado de S. Paulo

Participação nos lucros pode ter percentual diferente em sociedade, diz Receita

Existe a possibilidade de o contrato de sociedade em conta de participação (SCPs) estipular percentual distinto da proporção das contribuições de sócios ostensivos e ocultos na participação nos lucros. O entendimento é da Receita Federal que respondeu a uma consulta feita pelo escritório Gaia Silva Gaede Advogados.

O escritório questionou sobre a possibilidade de as sociedades aderirem o regime especial de tributação das incorporadoras de imóveis, previsto na Lei 10.931/04. O artigo 4º da norma define que a incorporadora ficará sujeita ao pagamento de 4% da receita mensal recebida, que corresponderá ao pagamento mensal de IRPJ, a CSLL, Pis e Cofins.

Segundo o Fisco, o sócio ostensivo que tiver em seu patrimônio especial incorporação sujeita ao regime especial tributário “deverá cumprir com todas as formalidades relativas ao regime e responder em nome da SCP para todos os fins”.

A consulta estipula ainda que a isenção dos lucros distribuídos aos sócios pode ser feita de forma desproporcional desde que não seja usada para “fins de dissimulação da ocorrência de fato gerador de tributo”.

Clique aqui para ler a solução de consulta 56.

Por Fernanda Valente
Fonte: ConJur – 09/04/2019 às 10h55

Lucro Real Trimestral: Uma alternativa à restrição de compensação das estimativas de IRPJ e CSLL imposta pela Lei nº 13.670/18

Como já é de amplo conhecimento, a Lei nº 13.670/18 passou a vedar a compensação de débitos de estimativa mensal de IRPJ e CSLL (Lucro Real Anual).

Vale ressaltar que este tema é especialmente relevante e importante para os contribuintes que discutem judicialmente a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, visto que, pelo atual panorama da jurisprudência, é grande a chance de que a maioria das ações que discutem este tema transite em julgado ainda durante o ano de 2019 e, neste caso, os créditos recuperados possivelmente serão tributados pelo PIS e pela COFINS (juros) e pelo IRPJ e pela CSLL (principal e juros), sendo que estes últimos tributos, se apurados pelo Lucro Real Anual, como já demonstrado, não poderão ser objeto de compensação da estimativa mensal.

Destaque-se que este mesmo racional vale para todos os casos que implicam reconhecimento de resultado tributável por parte de contribuinte sujeito ao Lucro Real Anual.

A partir deste contexto, para os contribuintes obrigados ao Lucro Real, é recomendável a análise da viabilidade de adoção, já para o ano de 2019, da sistemática de apuração trimestral, visto que, por este regime, os débitos de IRPJ e CSLL são apurados trimestralmente de forma definitiva, podendo, portanto, ser objeto de compensação, inclusive com os créditos eventualmente recuperados que forem reconhecidos no mesmo trimestre.

Vale lembrar, entretanto, que um reflexo negativo decorrente da opção pelo Lucro Real Trimestral é que o aproveitamento, nos trimestres subsequentes, do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da CSLL está limitado a 30% do lucro apurado nos trimestres subsequentes (arts. 15 e 16 da Lei nº 9.065/95), sendo que, pela sistemática de apuração anual, os prejuízos apurados durante o ano podem ser integralmente compensados com os lucros auferidos no mesmo período, de forma que esta limitação é aplicável apenas de um ano para o outro.