Em um cenário de normalidade sanitária, órgão pretende julgar casos acima de R$ 36 milhões em sessões presenciais
Em meio a informações que indicavam melhora na situação sanitária no fim do ano passado, alguns tribunais anunciaram o retorno dos julgamentos presenciais em 2022. Embora o cenário tenha voltado a ser de incertezas com a chegada da variante Ômicron, a perspectiva de retomada das sessões presenciais levantou entre advogados a discussão sobre a continuidade da transmissão das sessões.
Alguns tribunais, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), já anunciaram que manterão a transmissão das sessões mesmo com a volta à sistemática presencial. Outros, como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), definiram que assim que os julgamentos voltarem ao sistema anterior à pandemia as transmissões serão interrompidas.
Advogados, porém, ressaltam a importância da manutenção das transmissões e da possibilidade de participação remota como ferramentas de transparência e diminuição de custos com deslocamento.
om as restrições impostas pela pandemia, tribunais como o STJ, o Carf, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) passaram a realizar sessões remotas e transmiti-las ao vivo.
No caso do Carf, em 2020, as sessões eram gravadas e disponibilizadas na internet alguns dias após a realização. No entanto, a partir de agosto de 2021, passaram a ser transmitidas ao vivo pelo canal do órgão no YouTube.
Na avaliação de advogados consultados pelo JOTA, a transmissão de julgamentos representa um ganho em termos de transparência. “O fato de [o julgamento] ser televisionado ou transmitido pela internet, no geral, é positivo. Traz uma transparência para toda a sociedade. Você tem acesso aos debates, às intervenções, a todo o raciocínio que foi traçado durante o julgamento”, afirma Thiago Barbosa Wanderley, sócio da área de Tributário do Ogawa Lazzerotti & Baraldi Advogados.
Cassio Sztokfisz, sócio do Schneider, Pugliese Advogados, afirma que a transmissão ao vivo possibilita um controle maior da sociedade sobre os agentes públicos. “Quando há um controle maior, isso implica em decisões mais cuidadosas. Existe o princípio da publicidade da prestação jurisdicional, é sempre bom para uma sociedade democrática”, diz.
No entanto, dos tribunais mencionados, somente o STJ e o Cade confirmaram a continuidade das transmissões mesmo com o retorno presencial. O STJ, por enquanto, tem o retorno presencial definido para fevereiro. O Cade, que havia retornado às sessões presenciais em outubro do ano passado, publicou despacho em 18 de janeiro anunciando a volta ao modelo remoto.
A assessoria de imprensa do TJDFT disse que não há definição sobre a continuidade das transmissões ao vivo com o retorno presencial. O órgão passou a transmitir as sessões remotas pelo YouTube em março de 2020 e, em novembro do ano passado, liberou a realização de audiências e julgamentos presenciais a partir de janeiro de 2022, a critério dos magistrados e sem prejuízo das sessões telepresenciais.
Já o Carf havia agendado o retorno presencial para 10 de janeiro, mas suspendeu as sessões do primeiro mês do ano devido à paralisação dos auditores da Receita e à Covid-19. Com o agravamento da situação sanitária, decidiu que as sessões de fevereiro e março serão virtuais.
O órgão já informou, no entanto, que em um cenário de normalidade sanitária pretende julgar casos acima de R$ 36 milhões em sessões presenciais, mantendo as sessões virtuais para casos envolvendo valores abaixo desse limite. Segundo o Carf, a transmissão ao vivo será mantida apenas para os julgamentos virtuais.
Sessões virtuais
Assim como as transmissões ao vivo, as sessões virtuais são consideradas uma inovação positiva por advogados. Os profissionais destacam que a possibilidade de participar de julgamentos à distância democratizou o acesso aos tribunais, reduzindo custos para advogados.
Thiago Barbosa Wanderley afirma que no caso do Carf, por exemplo, a possibilidade de sustentação oral remota e a transmissão das sessões possibilitaram a participação e acompanhamento por contribuintes e advogados sem necessidade de deslocamento para Brasília, onde o órgão funciona.
“Essas medidas [sessões remotas e transmissão ao vivo] garantem o acesso a advogados que não têm possibilidade de se deslocar ao Carf. Antes, ele [advogado] tinha que procurar outro colega para saber o que se julgou, o que foi decidido naquela sessão”, comenta.
Otávio Domit, sócio da área de Resolução de Conflitos do Souto Correa, afirma que, embora a participação remota em julgamentos seja regulamentada há algum tempo, nem todos os tribunais utilizavam o recurso, que se tornou disseminado com a chegada da pandemia.
“O novo Código de Processo Civil, de 2015, prevê normativamente a possibilidade de participação remota. Mas, na prática, até então era uma exceção. O TRF4 [Tribunal Regional da 4ª Região] já tinha implementado o acompanhamento remoto mesmo para sessões presenciais”, exemplifica.
Caminho natural
As sessões remotas envolvem um custo menor para viabilizar a transmissão ao público. Em entrevista no ano passado, a presidente do Carf, Adriana Gomes Rêgo, disse que o órgão não dispõe da estrutura necessária para manter as transmissões ao vivo no caso de sessões presenciais.
Conselheiros do tribunal disseram ao JOTA que há maior facilidade de transmissão das sessões remotas porque cada participante acessa uma sala de reuniões no Zoom de seu próprio computador. Já no caso das sessões presenciais, para viabilizar a transmissão seria necessário adquirir equipamentos e contratar uma equipe para operá-los.
No entanto, para advogados, não é provável que sessões virtuais substituam as presenciais. Um dos motivos é que a classe advocatícia prefere despachar presencialmente com magistrados para discutir os detalhes dos casos.
“O acompanhamento presencial, sem dúvida, é melhor do que o remoto. Os grandes escritórios, que têm unidade em Brasília, preferem o retorno presencial pois têm um corpo técnico para fazer um tête-à-tête que não tem comparação”, comenta Anete Mair Maciel Medeiros, sócia do Gaia Silva Gaede Advogados.
A advogada destaca que o caminho para os escritórios que preferem a participação a distância seria permitir a sustentação remota em sessões presenciais. Ela defende, ainda, que os tribunais que atualmente não têm condições de transmitir as sessões presenciais se adequem para fazê-lo. “Hoje, a tecnologia permite e os tribunais deveriam se adaptar, de maneira a tornar mais efetivas, mais plenas a transparência e a publicidade”, afirma.
Para Thiago Barbosa Wanderley, a transmissão de sessões, incluindo as presenciais, é o caminho natural a ser seguido e será cada vez mais adotado pelos tribunais. “Para montar algo como ocorre no STF [Supremo Tribunal Federal], tem um custo para ser implementado. Mas o caminho natural é que as sessões, no futuro, sejam transmitidas”.
STF e TRFs
Pioneiro na transmissão ao vivo, o STF passou a transmitir as sessões do Plenário com o surgimento da TV Justiça, emissora inaugurada em 2002. Há ainda a transmissão em tempo real pela Rádio Justiça. Mais tarde, o Supremo passaria a transmitir os julgamentos também por meio de seu canal no YouTube.
Durante a pandemia, o STF ampliou o conteúdo exibido, passando a transmitir as sessões das turmas pelo YouTube. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, ainda não está definido se a transmissão dos julgamentos dos colegiados seguirá no pós-pandemia.
Outros tribunais que já realizavam a transmissão antes da pandemia são o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que transmite desde 2004, e o Tribunal Federal da 4ª Região (TRF4), que desde 2013 transmite as sessões de todas as turmas, exceto as criminais. Ambos os órgãos iniciaram a transmissão em seus próprios sites e depois migraram para o YouTube.
Embora não transmita ao vivo as sessões das câmaras, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) informou que grava as sessões do Órgão Especial para e posteriormente as disponibiliza em seu site.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) informou que realiza sessões por videoconferência por meio da plataforma Microsoft Teams. Contudo, não há transmissões abertas online. Segundo a assessoria de imprensa do tribunal, para acompanhar um julgamento o interessado pode fazer uma solicitação por e-mail.
Já o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) informou que, embora atualmente não transmita os julgamentos, está em curso uma licitação para aquisição de equipamentos destinados a permitir a transmissão das sessões do Órgão Especial e do Tribunal Pleno.
POR MARIANA BRANCO
FONTE: JOTA – 24/01/2022