Relatora no STJ vota pela exclusão do ICMS do cálculo do IR

Tema é considerado uma “tese filhote” da exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins

Os contribuintes saíram na frente no julgamento em que a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai definir se é válida a inclusão de ICMS no cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL apurados por meio do regime do lucro presumido. O tema é considerado uma “tese filhote” da exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins, discussão bilionária definida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017.

O julgamento, por meio de recursos repetitivos (REsp 1767631 e REsp 1772470), começou ontem com o voto da relatora, ministra Regina Helena Costa, pela exclusão do imposto estadual. Na sequência, foi suspenso por pedido de vista do ministro Gurgel de Faria. A 1ªSeção é composta por 11 ministros, mas o presidente só vota em caso de empate.

O regime do lucro presumido é uma forma de tributação simplificada do Imposto de Renda e da CSLL. O recolhimento é sobre a receita bruta. A maioria das empresas opta por essa modalidade, segundo advogados. Para quem fatura acima de R$ 78 milhões, porém, é obrigatória a adoção do regime do lucro real.

O lucro presumido não é um benefício fiscal, segundo a tributarista Anete Mair Medeiros, sócia do escritório Gaia Silva Gaede Advogados. Ela destaca que esse ponto foi citado no voto da ministra Regina Helena Costa e é relevante para a tese.

No julgamento, a procuradora Caroline Marinho, da Fazenda Nacional, alegou que, em 2017, o STF não retirou da receita bruta qualquer tributo pago pelo contribuinte. Acrescentou que o tema em julgamento pela 1ª Seção não tem contornos constitucionais e citou o entendimento do próprio Supremo nesse sentido.

Já o advogado Rodrigo Nogueira de Souza, que defende um dos contribuintes, afirmou que não se discute se ICMS é custo e deve ser deduzido da receita bruta, mas se trata-se da mesma base de cálculo do PIS e da Cofins.

Em seu voto, a relatora, ministra Regina Helena Costa, destacou que valores pertencentes a terceiros não podem ser oferecidos à tributação. Citando voto do ministro Gurgel de Faria em outro julgamento tributário, acrescentou que não se trata de excluir algo que pertença à base de cálculo, mas compreender que valores repassados a terceiros não integram a receita do contribuinte.

Para ela, o ingresso definitivo do valor no patrimônio da empresa é requisito indispensável à caracterização da receita bruta, conforme decidido pelos ministros do Supremo na “tese do século”.

“Receita não pode ser uma coisa para um tema e ter outro conteúdo para outro tema”, afirmou a relatora, destacando que o STF já decidiu o que é receita e que o ICMS não pode ser incluído na base do PIS e da Cofins porque não é acréscimo patrimonial. “Não podemos criar outro conceito de receita.”

A ministra sugeriu a seguinte tese: “O valor do ICMS destacado na nota fiscal não integra as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL quando apuradas pelo regime de lucro presumido, em consonância com o que foi decidido pelo STF na tese do século”.

Sobre a modulação de efeitos (limite temporal), a relatora afirmou que desde 2013 há jurisprudência da 2ª Turma do STJ admitindo a inclusão. Mas que a 1ª Turma não enfrentou o tema. Ainda assim, pela mudança de entendimento, ela se mostrou favorável à modulação, com a produção de efeitos a partir da publicação do acórdão.

 

POR BEATRIZ OLIVON

FONTE:  Valor Econômico – 26/10/2022

Vitória no STJ pode reduzir carga tributária de multinacionais

A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) invalidou uma norma da Receita Federal — bastante contestada pelos contribuintes — sobre a fórmula de cálculo do preço de transferência. Essa decisão impacta os valores de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL que têm de ser recolhidos por empresas multinacionais. A decisão foi unânime.

As regras de preço de transferência se aplicam quando operações de exportação e importação são feitas entre partes relacionadas, ou seja, empresas do mesmo grupo econômico, mas localizadas em países diferentes.

Trata-se de um meio de controle previsto na Lei nº 9.430, de 1996, para evitar concorrência desleal no mercado interno e impedir que resultados sejam transferidos deforma indevida para o exterior, o que reduziria o pagamento de impostos.

Existem métodos para fixar o preço do produto que vem de fora. O Preço de Revenda menos Lucro (PLR) é um dos mais utilizados. Aplica-se quando o produto é importado para revenda e não passa por nenhum processo de transformação no Brasil. O contribuinte tem que diminuir do preço da revenda uma margem de lucro presumida em lei.

O julgamento na 1ª Turma do STJ trata desse método. Mas tem um período específico: de2002 a 2012. Isso porque a norma da Receita Federal em discussão —  Instrução Normativa nº 243 — foi editada no ano de 2002 e deixou de valer em 2012 porque foram feitas alterações na lei.

O julgamento é importante, ainda assim, porque foi o primeiro sobre o tema no STJ. A decisão, apesar de não ter efeito vinculante, serve como precedente para outros casos. Muitas empresas recorreram à Justiça para contestar a norma e os valores envolvidos geralmente são altos.

Advogados de contribuintes dizem que houve aumento de imposto com a fórmula instituída pela Receita Federal. Sustentam que a legislação da época estabelecia uma margem que se iniciava em 60% e cairia conforme se agregasse valor no país. Quanto maior o índice de nacionalização do produto, portanto, menor seria a margem de lucro exigida e tributada.

Já a norma editada pela Receita Federal estabeleceu uma técnica de proporcionalização. Segundo os advogados, passou a exigir que as empresas tivessem margem de 60%também sobre o que agregassem no país.

“Os números são completamente díspares entre o cálculo da forma da lei e o da IN”, disse aos ministros, durante sustentação oral, o advogado Luís Eduardo Schoueri, que atua no caso em discussão na 1ª Turma. Ele representa a Janssen-Cilag Farmacêutica (AREsp 511736).

O advogado fez a defesa oral em outubro de 2021, quando o caso começou a ser julgado na 1ª Turma. Naquela ocasião, só o relator, ministro Benedito Gonçalves, votou, a favor da validade da norma. Na sessão de ontem, contudo, reformou o voto.

Seguiu o entendimento do ministro Gurgel de Faria, que apresentou ontem seu voto-vista. Ele afirmou que preços de transferência são preços de mercadorias vendidas a outras empresas que pertencem aos mesmos sócios ou acionistas, praticados como forma de reduzir o ônus tributário e, por isso, a legislação estabelece critérios para definir valores similares aos praticados entre partes independentes.

O ministro destacou que a IN, ao invés de apenas disciplinar a norma primária, inovou. Disse comungar do pensamento de que a fórmula de cálculo da instrução normativa seria mais adequada e eficiente para evitar manipulação de preços. Mas ponderou que o aperfeiçoamento dessa metodologia de cálculo não poderia ser feito por meio de instrução normativa.

“Tal tarefa compete ao legislador ordinário. Em atenção à separação de poderes não me parece possível que prevaleça regra criada pelo próprio credor, a Receita Federal”, afirmou. Na sequência, o relator, ministro Benedito Gonçalves reformou o voto e acompanhou o voto de Faria. A decisão foi unânime.

Embora não se trate de julgamento de recurso repetitivo, segundo Luciana Rosanova Galhardo, sócia do escritório Pinheiro Neto, a decisão é importante e deve influenciar os processos de contribuintes. “Essa foi a primeira manifestação do STJ sobre o tema”, diz.

Jorge Facure, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados, afirma que, apesar de ser uma discussão datada (2002-2012), muitas empresas foram autuadas e os valores são expressivos. “Se a gente compara a metodologia de cálculo da lei com a da instrução normativa, a diferença chega a mais de 700%. Eram cifras milionárias em jogo e muitas empresas estavam de olho nesse julgamento”, diz o tributarista.

No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) prevaleciam decisões contrárias aos contribuintes, segundo Caio Cesar Nader Quintella, advogado e ex-conselheiro. Ele lembra que há súmula do Carf em sentido oposto à decisão do STJ.

De acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a matéria é nova no STJ e não está pacificada. O órgão aguarda a publicação do acórdão para analisar melhoro recurso cabível.

 

 

POR BEATRIZ OLIVON E JOICE BACELO

FONTE: VALOR ECONÔMICO – 04/10/2022

PLV 21/22 – Os vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade das restrições para dedutibilidade de despesas com PAT

Desde a edição da Lei nº 6.321/76, que assegura aos contribuintes o direito de deduzir a integralidade das despesas do PAT na apuração da base de cálculo do IRPJ, o Poder Executivo busca limitar e trazer novos requisitos para o aproveitamento do benefício.

Exemplo dessas restrições são as previsões da Instrução Normativa nº 267/02 e dos Decretos nos 78.676/76, 5/91, 349/91, 9.580/18. Mais recentemente, tivemos as restrições do Decreto nº 10.854/21, vigente desde 11/12/21, e da Medida Provisória nº 1.108/22, que foi convertida no PLV 21/22 e aguarda sanção presidencial para produzir efeitos desde 03/08/22.

Dentre as mudanças no cenário atual, o Decreto nº 10.854/21 prevê que apenas poderão ser deduzidas as despesas com vale-refeição/alimentação: (1) de empregados que recebam até cinco salários-mínimos; e (2) estando limitada a dedução ao valor de, no máximo, um salário-mínimo por empregado, além de (3) condicionar que o benefício do PAT deve ser idêntico para todos os trabalhadores.

O PLV 21/22, por sua vez, em uma tentativa de validar as restrições acima dispostas, dispõe que as deduções do PAT podem ser estabelecidas de acordo com os limites dispostos nos atos infralegais que regulamentam a lei.

Apesar de ainda não ter sido objeto de sanção presidencial, entendemos que o PLV 21/22 não valida os vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade dos atos infralegais mencionados, pois:

(i) Tais atos não podem extrapolar o que está previsto em Lei (ofensa aos Princípios da Hierarquia das Normas e da Estrita Legalidade);

(ii) Não se pode delegar a aptidão para instituição e majoração de tributos (ofensa ao Princípio da Indelegabilidade da Competência Tributária); e

(iii) A concessão de incentivos fiscais – como o PAT – somente pode ser feita mediante lei específica (art. 150, §6º, da CF). Via de consequência, a respectiva redução ou extinção também deve estar prevista em lei (art. 2º, §1º, da LINDB).

Vale destacar que o Poder Judiciário já reconheceu como ilegais restrições ao benefício do PAT, como no caso das limitações de “custos máximos por refeição” para dedução de despesas da base de cálculo do IRPJ.

Em razão dos vícios acima mencionados, dentre os quais damos hoje destaque à ilegal exigência de que o benefício do PAT seja idêntico para todos os trabalhadores, vez que referida limitação não tem sido muito percebida pelas empresas, é possível pleitear judicialmente o afastamento da aplicação das limitações trazidas pelos referidos atos infralegais, de forma a observar exclusivamente os requisitos previstos na Lei.

 

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Fim do voto de qualidade no Carf favorece contribuinte

Desde a entrada em vigor da lei que extinguiu o voto de qualidade nos julgamentos do CARF, estabelecendo que, em caso de empate, nos votos dos Conselheiros, a decisão se resolve favoravelmente aos contribuintes, temos visto uma série de matérias então pacificadas no sentido da manutenção da exigência tributária serem decididas, agora, de acordo com os interesses dos contribuintes.

Uma dessas matérias refere-se à possibilidade de se deduzir os Juros sobre o Capital Próprio (JCP) distribuídos em período posterior àquele em que foram incorridos, da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

É sabido que os JCP foram introduzidos na legislação Brasileira pela Lei nº. 9.249/95 como uma forma de contrabalancear a extinção da correção monetária de balanço, ocorrida com a entrada em vigor do Plano Real, em 1994 e, sendo considerados despesa, são dedutíveis na apuração do IRPJ e CSLL.

O grande benefício, para as empresas, ao seu utilizarem dos JCP para remunerar o acionista, em comparação à distribuição de dividendos, reside justamente na sua caracterização como despesa dedutível na determinação do lucro real, enquanto os dividendos somente são pagos após a apuração do IRPJ e CSLL devidos, ou seja, a escolha pela utilização dos JCP conduz a uma carga tributária inferior para a pessoa jurídica.

Caso os JCP sejam distribuídos no mesmo período de apuração em que foram incorridos, não há questionamentos quanto a sua dedutibilidade na apuração do lucro Real. De outro lado, porém, quando se pretende a distribuição desses juros em períodos posteriores àqueles em que foram incorridos, a Receita Federal entende pela indedutibilidade da despesa, conforme previsto no artigo 75, §4º, da Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017.

Diante do cenário jurisprudencial até então desfavorável no CARF, muitas empresas que não distribuíram os JCP no mesmo período de apuração em que os juros foram incorridos, eram desencorajadas de considerar como dedutíveis a despesa caso viessem a distribuí-los posteriormente, já que haveria risco de autuações fiscais para a cobrança de IRPJ e CSLL com o acréscimo de multa de, no mínimo, 75%.

Muito embora o Poder Judiciário já tivesse, como ainda tem, diversos e recentes precedentes no sentido de que a Lei nº. 9.249/95 não estabelece marcos temporais para a distribuição dos Juros ao acionista, para que a despesa seja considerada dedutível, fato é que a equação do custo-benefício de se tomar a dedutibilidade quando os JCP são distribuídos de maneira retroativa nem sempre se revelava favorável ao contribuinte, eis que, para tanto, seria necessário enfrentar, por vezes, um longo e custoso caminho pelas instâncias da Justiça Federal, após a quase certa derrota na esfera administrativa.

Com o fim do voto de qualidade no CARF, a dedutibilidade dos JCP, mesmo quando pagos de maneira retroativa, passa a ser factível para contribuintes com perfil mais conservador, pois, mesmo que venham a ser autuados pela Receita, as perspectivas de vitória são consideravelmente melhores do que há alguns anos, ainda na esfera administrativa, em que não se exige a oferta de garantia para o débito e a simples apresentação de defesa ou recurso suspende a exigibilidade da cobrança.

Desde que a Lei nº. 13.988/20 entrou em vigor, em abril de 2020, o CARF, pela sua Câmara Superior, já proferiu, ao menos, 3 decisões sobre a matéria, sendo a mais recente no último dia 11/08/2022, todas favoráveis à dedutibilidade mesmo quando os JCP são pagos de maneira retroativa.

Na medida em que os JCP podem estar prestes a ser extintos, conforme projetos de reforma tributária em trâmite no Congresso Nacional, a alteração do cenário jurisprudencial no CARF pode representar um bom motivo para aquelas empresas que não distribuíram JCP em anos anteriores, venham a fazê-lo enquanto ainda o benefício fiscal existe.

 

*Artigo publicado originalmente no Estadão.

Brasil atualiza tratados internacionais para evitar dupla tributação

Os tratados internacionais para evitar a dupla tributação estão ganhando um novo desenho. Os acordos mais recentes firmados pelo Brasil, com Singapura, Suíça e Emirados Árabes Unidos, trazem alterações que, segundo especialistas, alinham o país ao BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), plano da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com apoio do G20 para evitar a transferência de lucros para países de baixa tributação. Ao JOTA, tributaristas disseram que as mudanças adequam o Brasil à cooperação fiscal internacional e aumentam a previsibilidade e segurança jurídica para investidores.

As alterações incluem a classificação dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), definidos como juros e não dividendos, além de quem tem direito aos benefícios previstos no tratado, prevendo a exclusão de empresas caso seja concluído que o principal objetivo de um arranjo negocial ou transação foi a obtenção de um benefício fiscal.

Por outro lado, outra mudança, que é a definição do que pode ser classificado como serviço técnico, não segue a Convenção Modelo da OCDE, mas a Convenção Modelo da ONU para tratados internacionais para evitar a bitributação. Segundo os especialistas, a alteração tende a diminuir o contencioso tributário no Brasil, mas não aproxima o país das regras adotadas pela OCDE, já que os países-membros do grupo não tributam os serviços técnicos.

Os três acordos foram assinados em 2018. Os tratados com os Emirados Árabes Unidos e com a Suíça foram internalizados (incorporados à legislação brasileira) em 2021, e com Singapura, em 2022, após aprovação pelo Senado e sanção pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.

Segundo Daniel Franco Clarke, da área tributária do Mannrich e Vasconcelos, há uma tendência de revisão dos tratados pelo Brasil para adequação ao BEPS. “[O Brasil] está efetivamente renegociando [tratados] para revisar os pontos dentro desse contexto do BEPS”, afirma. Além dos acordos com Emirados Árabes, Suíça e Singapura, ele diz que o tratado com o Uruguai, assinado em 2019, mas ainda não internalizado, seguiu a mesma orientação.

Para Marcos Matsunaga, sócio do Ferraz de Camargo e Matsunaga, as atualizações têm relação com a adequação do Brasil a medidas de cooperação fiscal internacional. “O Brasil tem uma rede de tratados relativamente pequena e antiga. Podemos inserir esses últimos três dentro de uma mudança nos últimos 10, 15 anos, em que o país está tentando se inserir cada vez mais nesse movimento de cooperação entre as autoridades fiscais mundiais”.

O advogado observa que o Brasil deve promover mais alterações na rede de tratados, devido à pretensão de se tornar membro da OCDE, e, ainda, ao BEPS 2.0, nova fase de discussões do projeto BEPS. “O BEPS 2.0 tem dois pilares. O primeiro é sobre como tributar a economia digital, especialmente as big techs, e o segundo, sobre a questão do mínimo de 15%, ou seja, nenhuma empresa terá uma carga tributária sobre a renda superior a 15%”, comenta.

JCP e direito aos benefícios

Segundo Georgios Theodoros Anastassiadis, sócio da área tributária do Gaia Silva Gaede, as mudanças relacionadas ao JCP e a quem pode ser contemplado pelos benefícios do tratado buscam coibir a evasão fiscal por meio de planejamentos tributários agressivos. No caso dos JCP, segundo ele, ao deixar claro que se trata de juros, os tratados buscam evitar uma situação de double no-taxation, ou seja, que os valores escapem à tributação no Brasil e no exterior.

“O Brasil considera juros e deduz [da base de cálculo do IRPJ], mas, lá fora, se considerava dividendo e também não pagava [imposto]. A controladora que investe na subsidiária brasileira e recebe JCP poderia dar tratamento de dividendo, mas, com o tratado, deve tratar como juros também. [O outro país] está vinculado, o tratado é lei para os dois países”, observa.

Marcos Matsunaga faz avaliação semelhante. “O JCP trata do que o pessoal chama de instrumentos híbridos. Seria aquela figura em que um país trata de um jeito e outro, de outro. O Brasil trata como juros e muitos países como dividendos. Poderia levar a situações tanto de dupla não-tributação, na maioria das vezes, quanto eventualmente de dupla tributação”, diz.

No caso da definição de quem tem direito aos benefícios previstos no tratado, com possibilidade de exclusão das empresas caso se conclua que determinado arranjo ou transação têm como objetivo usufruir do benefício fiscal, Georgios Anastassiadis diz se tratar de um instrumento de compliance. “Está falando quem tem direito ao benefício para ninguém usar o tratado de maneira irregular”, comenta.

Já Daniel Clarke diz que a alteração aproxima o Brasil dos requisitos do BEPS. “É uma cláusula de limitação de benefícios. Basicamente, dá uma margem de discricionariedade para a autoridade fiscal analisar e concluir se a transação só foi feita para se beneficiar de determinado artigo do tratado. Está em conformidade com as regras mínimas do BEPS. O Brasil está se enquadrando a um ambiente de investimentos internacionais menos distorcidos”.

Serviços técnicos

Os especialistas apontam ainda que a definição do que se enquadraria na categoria de serviços técnicos, presente nos novos tratados, busca acabar com a disputa entre fisco e contribuintes sobre quais despesas seriam dedutíveis do lucro das empresas, cuja tributação é regulada no artigo 7 dos tratados internacionais. Assim, na prática, a definição é desfavorável aos contribuintes, que discutem a tributação dos serviços técnicos nos tribunais e no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Daniel Clarke observa que a inclusão de um dispositivo específico sobre a tributação de serviços técnicos está em linha com o artigo 12-A da Convenção Modelo da ONU sobre tratados internacionais para evitar a bitributação.

Segundo o advogado, a definição incorporada aos tratados está em linha com o entendimento da Receita Federal sobre o tema. “É uma definição bastante ampla, que abrange qualquer pagamento por serviço de natureza gerencial, técnica e de consultoria. A gente não tem uma definição do que são serviços técnicos em lei. Os contribuintes sustentam que, se o tratado não fala o que é serviço técnico, ainda que haja uma equiparação [dos serviços] a royalties, só deveria haver tributação se acontecer transferência de tecnologia”, diz.

Georgios Anastassiadis, do Gaia Silva Gaede, também considera a definição ampla. “Nos [tratados] antigos havia um protocolo equiparando serviços técnicos a royalties. Os mais novos estão trazendo esse artigo 13, falando que, quando um país paga por um serviço técnico, pode-se reter no Brasil até o limite de 10% [referente ao Imposto de Renda]. A alíquota brasileira é de 15%. Praticamente todo serviço que você pagar vai cair nesse artigo 13”, diz.

 

POR MARIANA BRANCO

FONTE: JOTA – 26/07/2022

A Lei Nº 14.148/21 e os benefícios para o setor de eventos (PERSE)

Foram publicados, no Diário Oficial da União (DOU) de 18/03/2022, determinados artigos da Lei nº 14.148/21, os quais tinham sido inicialmente vetados.

Tal Lei, promulgada em 03/05/2021, dentre outras providências, instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE).

O referido Programa visa trazer condições para o setor de eventos reduzir as perdas decorrentes da pandemia de COVID 19.

São consideradas empresas do setor de eventos, nos termos da mencionada Lei, aquelas que realizam ou comercializam congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows etc. Também estão abrangidas, pelo Programa, as que exercem hotelaria, administração de salas de cinema e prestação de serviços turísticos.

Visando regulamentar o Programa, a Portaria ME nº 7.163/21 listou dezenas de códigos de Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se consideram setor de eventos; bem como trouxe às empresas, para fins de enquadramento ao PERSE, em suma, o requisito de já estar exercendo atividade listada anteriormente à Lei e o requisito de se ter situação regular no Cadastur na data da publicação da Lei.

O PERSE possui dois grandes benefícios, sendo o principal deles a inédita e completa desoneração de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, das empresas do setor de eventos pelos próximos 5 anos.

Isto mesmo! O art. 4º da Lei em questão reduz a 0% (zero por cento), por 60 (sessenta) meses, as alíquotas dos supracitados tributos das empresas enquadradas como do setor de eventos. E, pode-se dizer, muitas empresas do setor ainda não se conscientizaram dessa benesse.

Entendemos que a vigência de tais alíquotas 0% (zero por cento) se dá a partir de 18/03/2022 (data da promulgação em definitivo do mencionado art. 4º), não obstante a Lei ter sido promulgada em 2021. Neste sentido, quem soube da desoneração só agora, pode já ter pagamento indevido a recuperar, entre outras providências fiscais.

O outro benefício é a possibilidade de se renegociar dívidas tributárias e não tributárias, inclusive de FGTS, com descontos de até 70% e prazo de pagamento de até 145 meses. O prazo para adesão a esta renegociação foi prorrogado para 30/06/2022 (art. 8º da Portaria PGFN nº 11.946/21); portanto, as empresas elegíveis a esse benefício devem se apressar.

Há também aspectos por se avaliar e esclarecer, a exemplo de empresas que exercem atividades enquadradas e atividades não enquadradas como setor de eventos ou empresas com CNAES listados na Portaria supracitada, mas que não estão inseridas no setor de eventos.

Enfim, é recomendável a apreciação atenta ao PERSE pelas empresas do setor de eventos para que possam compreendê-lo e utilizá-lo adequadamente, alcançando, de fato, o objetivo da norma que é promover a franca recuperação deste importante setor.

 

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Em defesa dos juros sobre o capital próprio

Embora os JCP tenham sido muito criticados internacionalmente, finalmente foi reconhecido o seu fundamento como instrumento de busca pela neutralidade fiscal, e não de mera benesse concedida pelo Estado ao contribuinte.

Atualmente, existem duas formas de remuneração dos sócios – dividendos e os JCP – Juros sobre o Capital Próprio – que geram efeitos tributários bastantes distintos.

Os dividendos são parcelas de lucros de uma empresa distribuídos aos acionistas como remuneração do capital investido. Vale observar que os lucros passíveis de distribuição são os líquidos de tributos incidentes sobre o lucro (IRPJ e CSLL) devidos depois de destinadas as parcelas para reservas específicas. Portanto, a distribuição de dividendos não afeta o resultado tributável, não gerando qualquer dedução fiscal. Os dividendos são isentos de tributação quando da distribuição para todo investidor.

Já os JCP são tidos como instrumento híbrido, uma forma de remuneração do acionista que gera dedução fiscal. Para fins tributários, os JCP possuem natureza de despesa financeira, possibilitando dedução nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL e, por outro lado, são tributados no beneficiário do rendimento.

É importante rememorar que os JCP foram instituídos no Brasil em 1995, na esteira da extinção da correção monetária de balanço patrimonial. Durante a vigência dessa indexação (1978 a 1995), as contas do ativo permanente e do patrimônio líquido das empresas eram submetidas à correção monetária. Quando o patrimônio líquido era superior ao ativo permanente, as empresas apuravam despesa de correção monetária, dedutíveis na determinação do IRPJ e CSLL. Quando, ao contrário, o patrimônio líquido era menor que o total das contas de AP, apurava-se saldo credor, cuja tributação podia ser diferida com base nas regras de lucro inflacionário.

Assim, nas discussões que antecederam a revogação da correção monetária, foi identificada uma iniquidade entre as empresas financiadas via capital e aquelas financiadas por meio de dívida. Enquanto as empresas financiadas com capital próprio não incorriam mais em despesas com a correção monetária do patrimônio líquido, as empresas financiadas por endividamento permaneciam se valendo da dedução fiscal da atualização monetária gerada pelos empréstimos.

Foi neste contexto que o legislador brasileiro, consciente desta desigualdade nascida com o fim da correção monetária, mas não podendo permitir qualquer forma de indexação de balanços no contexto do plano real, produziu a inovadora ideia de se instituir os JCP.

Dessa maneira, buscava-se com os JCP uma maior neutralidade fiscal na tributação da renda, na medida em que a decisão em se financiar as empresas via investimento dos sócios ou endividamento se basearia unicamente em estratégias empresariais e disponibilidade de capital, e não na busca de uma estrutura tributária mais vantajosa. Além disso, evitar-se-ia uma fuga de investimentos via capital próprio por motivos estritamente tributários.

Ocorre que, tratados como um instituto tipicamente brasileiro e sem referência similar no sistema tributário internacional, os JCP sempre foram objeto de críticas e incompreensões. No ano passado, o projeto lei 2.337/21, em uma tentativa de estabelecer uma reforma na tributação sobre a renda, pretendia revogar integralmente este instituto. Após muito alarde, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e se encontra pendente de análise no Senado Federal.

Na contramão das discussões sobre a reforma tributária no Brasil, os países membros da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico estão cada vez mais adotando estruturas semelhantes aos JCP, também chamados de ACE – Allowance for Corporate Equity.

O relatório “Corporate Effective Tax Rates” emitido pela OCDE em 2018 constata que a indedutibilidade dos dividendos na apuração do imposto de renda corporativo induz as decisões de financiamento empresarial para a dívida e contra o financiamento de capital. Neste contexto, a criação da possibilidade de pagamento de ACEs pelas legislações dos países seria uma maneira de lidar com este potencial viés de dívida.

Em 2020, a OCDE emitiu uma segunda edição do relatório, no qual já constava uma lista de nove países que passaram a adotar ACEs em seus sistemas tributários, sendo eles Bélgica, Brasil, Chipre, Itália, Liechtenstein, Malta, Polônia, Portugal e Turquia.

Assim, a OCDE passou a incentivar a implementação de ACEs nos sistemas tributários dos países membros pelos mesmos motivos que levaram o Brasil a adotar pioneiramente os JCP. Embora os JCP tenham sido muito criticados pela comunidade internacional, finalmente foi reconhecido o seu fundamento como instrumento de busca pela neutralidade fiscal, e não de mera benesse concedida pelo Estado ao contribuinte.

Verifica-se, assim, que ao instituir a inovadora figura dos JCP, o Brasil agregou importante instrumento para o planejamento tributário corporativo, mitigando os problemas trazidos pela extinção da correção monetária dos balanços e estabelecendo nova (e mais vantajosa) forma de remuneração dos sócios.

Apesar de os JCP terem se mantido por mais de duas décadas sem referência semelhante no sistema tributário internacional, pôde-se observar, nos últimos anos, a adoção de estruturas comparáveis ao instituto que, anteriormente era, por assim dizer, inédito.

Nessa esteira, a eventual extinção dos JCP em razão da possível aprovação do projeto de lei 2.337/21 não somente prejudicaria o cenário tributário das empresas brasileiras, como desprivilegiaria instituto no qual o Brasil foi precursor, indo em sentido contrário à tendência atualmente observada em âmbito internacional em estruturas similares.

A insatisfação causada com a proposta de extinção dos JCP e com diversas outras alterações previstas no referido Projeto de Lei desacelerou a priorização da sua análise pelo Senado Federal, mas ainda não é suficiente para afastar a necessidade de acompanhamento da sua inclusão em pauta.

Por fim, a possibilidade de extinção dos JCP, combinada com o momento em que a inflação volta com força no cenário brasileiro, demonstra ser totalmente impertinente e, acima de tudo, perversa, porque não permitirá às empresas utilizarem-se de uma estrutura que mitiga o impacto nefasto da correção monetária para as empresas capitalizadas e ainda continuar-se-á sem um mecanismo (o da correção monetária de balanço) que evita o recolhimento do IRPJ e CSLL sobre patrimônio (e não sobre a renda).

 

*Artigo postado originalmente no Migalhas.

 

Aplicação do Tema 962 ao PIS/Cofins sobre juros de mora: dois pesos, duas medidas?

Com o julgamento do Tema n° 962, o STF chancelou um entendimento que há muito vinha sendo defendido pelos contribuintes, reconhecendo a inconstitucionalidade da incidência do IRPJ e da CSLL sobre os juros de mora na recuperação de tributos. Todavia, para além da fixação da tese, o julgamento trouxe consigo fundamentos que devem ser aplicados também para afastar a tributação dos referidos juros moratórios pelo PIS e pela Cofins.

A conclusão adotada pelo STF fixou a premissa de que os juros de mora na recuperação dos tributos possuem natureza de reparação de danos emergentes. Não se tratam, portanto, de uma receita nova, mas sim de valores que visam a recompor um ilícito causado pela tributação indevida.

Há importantes trechos do voto do relator, ministro Dias Toffoli, que comprovam que os juros Selic não decorrem da exploração econômica do capital, pois a causa que gera o direito a esses juros de mora decorre de um ato ilícito imputado ao devedor, decorrente de uma cobrança tributária indevida. Os juros de mora legais visam, portanto, recompor a perda gerada em razão da exigência indevida.

A própria União Federal, ao opor seus embargos de declaração contra o acórdão proferido, reconhece que “o fundamento determinante que justifica a caracterização da Taxa Selic como compensação por danos emergentes é a mora no pagamento do indébito tributário. O dano emergente a ser indenizado seria em face de toda sorte de dissabores sofrido pelo credor (…)”.

Ora, se a própria União esclarece que, nas hipóteses em que houver o pagamento indevido de tributo, os juros de mora aplicados, que no caso é a Taxa Selic, caracterizam-se como reparação de danos emergentes, não há como não aplicar o mesmo raciocínio à tributação do PIS e da Cofin.

Isso porque, a premissa fixada pelo STF independe do tributo analisado. Seja renda/lucro, no caso de IRPJ e CSLL, ou receita bruta, para os casos de PIS e Cofins, a natureza reparatória de ilícito dos juros de mora, por óbvio, não se altera. Em ambos os casos houve a cobrança indevida de tributo pela Fazenda Pública.

Se os juros de mora apenas recompõem um ilícito, tais valores não podem ser considerados ingresso tributável tanto para o IRPJ e a CSLL como para o PIS e a Cofin, sob pena de se tributar a reparação de danos emergentes que não representa a base de cálculo de nenhum dos tributos mencionados.

O STF já entendeu que receita bruta, para fins de incidência do PIS e da COFINS, pode ser definida como “o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições”¹.

Assim, forçoso concluir que o mesmo entendimento fixado no Tema n° 962 deve ser aplicado também ao PIS e à Cofins, sob pena de atribuir injustamente entendimentos divergentes a uma mesma situação.

Como não poderia deixar de ser, já há decisões dos Tribunais Regionais Federias aplicando corretamente o entendimento do Tema n° 962 para os casos de PIS e Cofins².

Todavia, surpreendentemente, o STJ ainda não está aplicando referido entendimento, de forma que é extremamente importante o reconhecimento de que se trata da mesma situação jurídica — aplicação de juros de mora na repetição de indébito de tributo cobrado indevidamente —, de forma a rever o posicionamento adotado, tal como fez após o julgamento do tema 808 pelo STF, para se curvar ao que foi definido pelo STF.

Se o STJ não se adaptar ao posicionamento do STF, esperamos que a Suprema Corte em breve se manifeste sobre a violação ao conceito constitucional de receita bruta (artigos 195, I, “b”, e 239 da CF/88) e ao princípio da capacidade contributiva (artigo 145, §1º, da CF/88), já que não há receita nova. Oportuno lembrar que em outras ocasiões o STF já se dispôs a analisar se valores como o ICMS, ISS e créditos presumidos de ICMS respeitam a matriz de incidência das contribuições ao PIS e à Cofins³.

Com os juros de mora não poderá ser diferente. Dessa forma, em caso de não reversão do entendimento no STJ, a análise da presente questão pelo STF se mostrará novamente necessária para a manutenção da coerência do entendimento exarado pela Corte no Tema n° 962.

__________

¹ STF — RE nº 606.107 (RS), relatora ministra Rosa Weber. Tribunal Pleno, j. 22/05/13.

² TRF3: 5024123-20.2021.4.03.0000, 5020081-25.2021.4.03.0000; TRF4: 5048527-11.2021.4.04.0000, 5034452-64.2021.4.04.0000, 5000072-31.2021.4.04.7205; TRF5: 0820114-13.2019.4.05.8300, 0810447-03.2021.4.05.0000, 0807014-11.2021.4.05.8400, 0807021-03.2021.4.05.8400, 0805275-30.2021.4.05.8100, 0816316-73.2021.4.05.8300

³ RE n° 574.706; RE n° 592.616; e RE n° 835.818

 

*Artigo publicado originalmente no ConJur.

Decreto 10.854/21 – Ilegalidade dos novos requisitos para dedutibilidade de despesas com PAT

Em 11/11/21, foi publicado o Decreto nº 10.854/21 que, dentre outras mudanças, alterou o art. 645 do RIR/2018 para limitar e trazer novos requisitos para dedutibilidade das despesas do PAT (Programa de Alimentação ao Trabalhador) da base de cálculo do IRPJ, para as empresas optantes do Lucro Real. Tais modificações começarão a valer 30 dias após a publicação do referido Decreto, ou seja, a partir de 11/12/21.

Dentre as mudanças, o Decreto prevê que apenas poderão ser deduzidas as despesas com vale-refeição/alimentação: (1) de empregados que recebam até cinco salários-mínimos; e (2) estando, limitada a dedução ao valor de, no máximo, um salário mínimo por empregado.

Entendemos que tal alteração é ilegal, pois contraria o disposto na Lei nº 6.321/76 que assegura aos contribuintes o direito de deduzir a integralidade das despesas do PAT na apuração da base de cálculo do IRPJ, sem os requisitos trazidos de forma inovadora pelo Decreto nº 10.854/21.

Em outras oportunidades, o Poder Judiciário já reconheceu como ilegais restrições impostas pela Portaria Interministerial MTB/MF/MS nº 326/77 e pela IN SRF nº 143/86, as quais, em descompasso com a Lei nº 6.321/76, inovaram no ordenamento jurídico para estabelecer limitações de “custos máximos por refeição” para dedução de despesas do PAT da base de cálculo do IRPJ.

O STJ possui jurisprudência pacífica de que tais atos são ilegais, tendo, inclusive, sido editado ato pela PGFN no qual dispensou a Fazenda Púbica de recorrer nestes casos (Parecer PGFN/CRJ/Nº 2623/08 e Ato Declaratório PGFN Nº 13/08).

Como o Decreto 10.854/21 também trouxe limitações a dedução do PAT não previstas em lei, entendemos que se aplica o mesmo entendimento fixado pelo STJ no julgamento do caso análogo acima indicado.

Em razão da clara ilegalidade é possível impetrar Mandado de Segurança para afastar, desde já, a aplicação das limitações trazidas pelo referido Decreto, observando exclusivamente os requisitos previstos na Lei.

 

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Brasil descarta importante ferramenta de auxílio à recuperação da economia

Os juros sobre capital próprio (JCP) foram instituídos no Brasil pelo artigo 9º da Lei nº 9.249/95 e são tidos como um instrumento híbrido, porque se trata de uma forma de remuneração do acionista que gera uma dedução fiscal.

Para fins fiscais, os JCP possuem natureza de despesa financeira, possibilitando, assim, uma dedução nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL (atualmente pela alíquota global de 34%). Por outro lado, os JCP são rendimentos tributáveis para os beneficiários, ocorrendo, em regra, retenção de 15% do valor na fonte.

Por conta de sua natureza híbrida, os JCP foram tratados, por muitos anos, como um instituto tipicamente brasileiro e sem referência similar no sistema tributário internacional.

Devido a essa contumaz crítica, o Projeto de Lei nº 2.337/2021, recém-aprovado na Câmara dos Deputados, e ainda pendente de aprovação no Senado, revogou integralmente esse instituto. Assim, não é mais possível que a pessoa jurídica que remunere com juros seus sócios aproveite a dedutibilidade dessa despesa financeira e, tampouco, distribua esses valores retendo apenas 15% de Imposto de Renda na fonte.

Ocorre que o artigo 397 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580/2018) dispõe que os juros pagos ou incorridos pelo contribuinte são dedutíveis como custo ou despesa operacional. Dessa forma, considerando que os juros são despesas dedutíveis, verifica-se que a reforma tributária não mais reconhecerá o pagamento de juros para sócios, mas, sim, classificará todo o pagamento de dividendo.

No entanto, importante observar que há uma evidente diferença entre o instituto do dividendo e o dos JCP, uma vez que o primeiro é obtido por meio do lucro líquido da empresa, sendo assim, uma fatia do lucro paga ao acionista, ao passo que os JCP, por sua vez, são uma remuneração ao acionista pelo capital financeiro disponibilizado.

Assim, cria-se uma diferenciação entre o contribuinte que busca financiamento em banco e o contribuinte que busca financiamento com investidores. Ocorre que, nessa nova sistemática, o financiamento efetuado pelo banco irá gerar uma despesa financeira dedutível na apuração do IRPJ e da CSLL, ao passo que o financiamento efetuado por demais investidores não será dedutível, gerando uma distorção no princípio da isonomia e, consequentemente, desestimulando investidores em um período tão crítico para a economia devastada pela pandemia da Covid-19.

Frise-se que, de fato, os países costumam privilegiar o financiamento por dívida e não o financiamento por capital, gerando um debt-bias, que aumenta a alavancagem da empresa e gera um impacto negativo na economia. Para corrigir essa distorção, diversos países [1], principalmente da Europa, começaram a adotar a Allowance for Corporate Equity (ACE).

Assim, a ACE, de forma semelhante aos JCP, permite a dedução de um retorno nocional (fictício) do capital investido, o qual fica atrelado a uma taxa de juros livre de riscos, como a taxa dos títulos da dívida pública, estimulando as empresas a buscarem financiamentos diretamente com seus sócios, ao invés de se endividarem com empréstimos bancários.

Ademais, entre os países que já utilizam esse sistema destaca-se a Itália, que, recentemente, editou o Decreto nº 73, de 25/05/2021 [2], chamado de Sostegni-bis decree. Referido decreto trouxe diversas medidas que buscam mitigar os danos econômicos causados pela pandemia da Covid-19. Um dos principais pontos do decreto foi a majoração da alíquota da ACE de 1,3% para 15%.

Nesse sentido, importante destacar que, em junho deste ano, a Comissão Europeia publicou uma iniciativa [3] com o intuito de equalizar o financiamento por dívida e por capital, propondo assim: 1) o fim da dedutibilidade das despesas financeiras; ou 2) a criação de uma ACE.

Destaca-se, inclusive, que, de acordo com um estudo preliminar realizado na União Europeia [4], a criação da ACE era a opção preferida.

Desse modo, podemos observar que não só existem institutos similares aos JCP em outros países, como existem países majorando o benefício com o intuito de estimular sua economia.

Portanto, verifica-se que o Brasil opta por seguir um caminho diferente de outros países, extinguindo um instituto que está sendo utilizado por outras economias para estimular a saída da crise gerada pela pandemia da Covid-19.

[1] Tais como, Chipre, Itália, Malta, Polonia, Portugal e Turquia.

[2] https://www.gazzettaufficiale.it/eli/id/2021/05/25/21G00084/sg.

[3] https://ec.europa.eu/info/law/better-regulation/have-your-say/initiatives/12995-Debt-equity-bias-reduction-allowance-DEBRA-_en.

[4] https://www.europeantax.blog/post/102h2ot/french-tax-allowance-for-corporate-equity-an-aborted-initiative.

 

*Artigo postado originalmente no ConJur.