A reforma tributária e o Imposto Seletivo: potencial ameaça à conta de luz

A reforma tributária é pauta conhecida no Congresso Nacional há décadas. Dentre as propostas em tramitação, a PEC nº 45/2019, aprovada recentemente na Câmara dos Deputados e que segue para apreciação pelo Senado Federal, tem sido a mais debatida pelos parlamentares neste ano de 2023.

Atualmente, propõe-se a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União. Esses tributos substituirão o ICMS, o ISS, o PIS e a Cofins.

Além disso, prevê-se a criação do Imposto Seletivo (IS), de competência da União, que substituirá o IPI. De acordo com o texto atual das propostas, o IS incidirá sobre a produção, importação ou comercialização de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Trata-se, em essência, de um tributo de natureza extrafiscal, cujo objetivo é desestimular o consumo desses bens e serviços.

Assim, a primeira dúvida que surge é: quais critérios serão adotados para se definir o que é prejudicial à saúde ou ao meio ambiente? Operações com cigarros e bebidas alcóolicas são exemplos comumente citados de bens que podem ser tributados pelo IS. Contudo, cabe questionar: sobre quais outros bens e serviços incidirá esse tributo?

Durante as audiências públicas e reuniões setoriais realizadas pelo Grupo de Trabalho destinado a debater a PEC nº 45/2019 na Câmara de Deputados, surgiram diversas demandas para restringir o uso do IS. No entanto, optou-se por manter a redação ampla e transferir a definição de suas especificidades para a discussão infraconstitucional, ou seja, a incidência do IS poderá ser estabelecida por meio de lei.

A análise mais técnica e mais lógica da matéria nos leva à firme conclusão de que não há risco de incidência do Imposto Seletivo sobre a energia elétrica. Afinal, além dela ser essencial à economia, como inclusive reconheceu o STF no julgamento do Tema 745 de Repercussão Geral, temos no Brasil um grande e inequívoco exemplo mundial na produção de energia limpa proveniente de fontes hidráulica, eólica, biomassa e solar. Mas,…

Por estarmos no Brasil e calejados por tantos tributos cobrados ao completo arrepio do bom-senso, não podemos deixar de mencionar que, da forma como está a nossa PEC nº 45/2019, a porta está sim, e infelizmente, aberta a essa cobrança do IS sobre a energia elétrica.

E por que fazemos essa afirmação? A resposta é simples. Vejam que o art. 155 da CF, já com a redação proposta pela PEC nº 45/2019, em seu §3º, diz expressamente que à exceção do ICMS, do Imposto de Importação, do Imposto de Exportação, do Imposto Seletivo e do IBS, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas à energia elétrica. Ora, se nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas à energia elétrica, significa dizer, a contrário senso, que o IS poderá incidir sobre energia elétrica, nos termos da lei que o instituir e regulamentar.

Mesmo sendo louvável a iniciativa do Congresso Nacional de tentar reduzir o nosso Carnaval Tributário, como já nos dizia Alfredo Augusto Becker, não podemos fechar os olhos para as inúmeras situações esdrúxulas que já vivenciamos em nosso sistema de tributação ao longo das últimas três décadas. Basta apertar o caixa público para surgirem as ideias criativas de geração de receitas tributárias, mesmo que, em sua maioria, essas ideias contrariem de forma clara a intenção do nosso legislador constituinte.

Sendo a energia elétrica um recurso essencial e de inegável importância para a economia de qualquer país, cujo preço impacta em todos os produtos e serviços, visto que não há atividade econômica sem energia elétrica, é hora de convocarmos o Senado Federal a impedir que essa torneira permaneça aberta. Sabemos que hoje a intenção do Congresso Nacional não é tributar, pelo Imposto Seletivo, a energia elétrica, mas não podemos deixar de evitar que uma futura composição do Congresso venha a querer aproveitar essa porta que ficará aberta.

Que o nosso Senado Federal perceba a importância que esse tema tem para a economia nacional em todos os seus setores, de forma a bloquear qualquer possibilidade de cobrança do Imposto Seletivo sobre a energia elétrica. Isso porque, ao contrário de outras brigas setoriais, lutar pela não tributação da energia elétrica é lutar, igualmente, por toda a economia brasileira, pois o encarecimento da energia elétrica traz nocivas consequências para todos os produtos e serviços que são vendidos no Brasil.

Assim, é de extrema importância que o novo Texto Constitucional afaste expressamente qualquer hipótese de incidência do Imposto Seletivo sobre a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, para garantir o acesso mais barato a um recurso tão essencial para a população e impedir o efeito nocivo de sua repercussão nos preços dos nossos produtos e serviços.

 

*Artigo publicado originalmente no Estadão.

Não incidência do ISS na antecipação de recebíveis no caso da Prefeitura de SP

A Prefeitura Municipal de São Paulo tem se movimentado para cobrar o ISS que, supostamente, incidiria sobre a receita decorrente da antecipação de recebíveis feitas pelas empresas credenciadoras e subcredenciadoras de estabelecimentos comerciais, que recebem o pagamento dos seus clientes, por meio de cartão de crédito e débito.

A atividade das credenciadoras e subcredenciadoras é prevista na Lei 12.865/13, a qual é regulamentada pela Resolução da CVM n° 4.282/13.

De acordo com essa legislação, a instituição financeira emissora do cartão é o banco no qual o cliente possui conta bancária; o instituidor do arranjo de pagamento corresponde à “bandeira” do cartão, responsável por todo o arranjo de pagamento; o estabelecimento comercial é denominado pela legislação como “recebedor”, destinatário final dos recursos da transação de pagamento e; a instituição de pagamento é aquela que, aderindo a um ou mais arranjos de pagamento, tem como atividade, dentre outras, credenciar a aceitação de instrumento de pagamento.

Para que os referidos agentes (banco, bandeira do cartão e instituição de pagamento credenciadora) sejam devidamente remunerados pelo serviço que prestam, há a cobrança de uma taxa de desconto sobre o valor da transação (Taxa MDR).

O cliente da loja faz a autorização do pagamento, a qual é recepcionada pelo banco emissor do cartão, que retem a taxa de desconto que lhe é devida. O valor remanescente é enviado à instituição de pagamento credenciadora, que deduz o montante relativo à taxa a ser remetida por ela à bandeira do cartão e o valor correspondente a sua parcela, sendo o montante residual entregue ao lojista (recebedor).

A instituição de pagamento credenciadora dos pagamentos presta serviços de administração de cartão de crédito e débito, devendo sujeitar as suas receitas (sua parcela da Taxa MDR) à incidência do ISS, conforme previsto no item 15.01 da LC 116/03.

A Instrução Normativa SF/Surem 13/2011 da Prefeitura de São Paulo é ainda mais específica ao prever a incidência do ISS sobre a atividade desempenhada pelas credenciadoras: “Administração de cartão de crédito ou débito e congêneres, inclusive os serviços de credenciamento, de administração da rede de estabelecimentos e de captura e transmissão das transações”. Neste sentido, não há dúvidas de que a referida prestação de serviços de credenciamento está sujeita à incidência do ISS.

Dentro do referido arranjo de pagamento, os lojistas são os clientes e tomadores dos serviços prestados pelas empresas credenciadoras. Ou seja, são eles que contratam essas empresas para que possam receber os pagamentos por meio dos cartões de crédito e débito. É bastante comum os lojistas receberem os valores do pagamento realizado por seus clientes após um período de, aproximadamente, 30 dias, ou de alguns meses, nos casos em que as compras são parceladas no cartão.

Neste cenário, por conta da necessidade de fluxo de caixa, muitas vezes os estabelecimentos comerciais necessitam receber os valores que lhes são devidos antes do prazo previsto para tanto, razão pela qual recorrem à antecipação do recebimento dos valores, antes do seu vencimento.

Nessa operação de antecipação de recebíveis, a instituição credenciadora celebra contrato com os lojistas obrigando-se a entregar-lhes o valor decorrente do pagamento antes do vencimento e, em contrapartida, os lojistas autorizam a empresa a descontar uma parcela do valor da transação.

Diferentemente dos contratos de empréstimo ou de cessão de crédito, na antecipação de recebíveis, ocorre a liquidação de uma obrigação própria da credenciadora em momento anterior ao contratualmente previsto, mediante a entrega de valores com um deságio acordado entre as partes.

O deságio cobrado pelas credenciadoras em razão da antecipação dos recebíveis não se confunde com a parcela da Taxa MDR cobrada por estas empresas, em razão da prestação dos serviços de administração de cartão de crédito ou débito.

Apesar disso, o município de São Paulo tem entendido que tais valores devem ser tributados pelo ISS por consistir em serviços de cobranças, recebimentos ou pagamentos em geral, conforme previsto no item 15.10, da lista anexa a LC 116/03. No entendimento das autoridades fiscais municipais, ao receber um valor para antecipar as transações realizadas com cartões de crédito e débito, há prestação de serviço descrito no item 15.10.

Neste sentido, as questões a serem respondidas no presente artigo são: as receitas decorrentes do deságio na antecipação de recebíveis possuem natureza financeira? Poderia o município de São Paulo enquadrar as referidas receitas como prestação de serviços de cobrança, recebimento ou pagamentos em geral, para cobrar o ISS?

Todas as vezes em que determinado capital é colocado à disposição de outra pessoa, mediante a cobrança de determinada taxa de desconto ou deságio, estamos diante de uma operação de crédito, que gera uma receita financeira. No julgamento da ADI 1.763, o STF definiu as operações de crédito como: “negócios ou transações realizados com a finalidade de se obterem imediatamente recursos que, de outro modo, só poderiam ser alcançados no futuro, possuindo, como regra, elementos relevantes como a confiança, o tempo, o interesse e o risco”.

O Decreto-Lei 1.598/77 trata de forma ampla as receitas financeiras como os juros, o desconto, a correção monetária pré-fixada, ganhos pelo contribuinte, determinando a sua inclusão no lucro operacional.

Por qual motivo a credenciadora é remunerada? A sua remuneração não decorre da prestação de um serviço de cobrança, de pagamento e de recebimento, mas sim da colocação à disposição do lojista de um crédito que ele não teria acesso.

O fato de a disponibilização do montante ser feita pela credenciadora como uma antecipação de um valor que será devido no futuro ao cliente, não altera em nada a natureza de receita financeira. Da mesma maneira, o fato de aquele valor ser antecipado pela mesma empresa que presta os serviços de administração de cartão de crédito e débito, também não altera a natureza da receita financeira, que decorre do fato de determinado valor ser colocado à disposição de terceiros mediante a cobrança de uma taxa de desconto.

No recente julgamento da ADI 1.763, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a antecipação de recebíveis caracteriza operação de crédito por dar ao empresário acesso a crédito que ele, em condições normais, só obteria no futuro, enfatizando que o elemento mais relevante para a caracterização das operações de crédito é a antecipação dos recursos no tempo, assim como ocorre na antecipação de recebíveis aqui abordada. Assim, inegável a natureza de financeira a receita decorrente da antecipação de recebíveis.

Respondida a primeira pergunta, passamos para a segunda: poderia o município de São Paulo enquadrar as referidas receitas financeiras como prestação de serviços de cobrança, recebimento ou pagamentos em geral, para efeito de incidência do ISS? Entendemos que a resposta seja negativa, já que as receitas financeiras decorrem de uma operação de crédito, que não pode ser objeto de incidência do ISS.

Caso fosse possível a incidência do ISS, os municípios automaticamente invadiriam a competência tributária da União, a quem cabe a cobrança do IOF.

Ao dispor sobre a incidência do ISS sobre os serviços relacionados ao setor bancário ou financeiro (Item 15 da lista), em nenhum momento a LC 116/03 previu a possibilidade de cobrança do ISS sobre as receitas financeiras decorrentes das referidas atividades. Todos os subitens do Item 15 da lista anexa a LC 116/03 constituem atividades que geram receita de prestação de serviços, mas que não possuem natureza financeira, ou seja, não decorrem da intermediação ou disponibilização de determinado valor a terceiros mediante a cobrança de determinada taxa de juros ou de desconto.

Assim, por exemplo, é passível de incidência pelo ISS a taxa cobrada pelos bacos em razão da abertura de contas em geral, mas não os juros cobrados em razão de empréstimos pré-aprovados para os titulares dessas contas bancárias.

Da mesma maneira, é passível de incidência pelo ISS a emissão, reemissão, alteração, cessão, substituição, cancelamento e registro de contrato de crédito e o estudo, análise e avaliação de operações de crédito, mas não os juros cobrados em razão desses contratos.

A Súmula 588 do STF foi editada seguindo justamente essa linha de raciocínio: “O imposto sobre serviços não incide sobre os depósitos, as comissões e taxas de desconto, cobrados pelos estabelecimentos bancários”.

Nota-se que os serviços relacionados ao setor bancário e financeiro previstos na lista anexa a LC 116/03, são prestados, como regra, como atividade-meio de operações de crédito, câmbio, seguro, não gerando o recebimento de receitas financeiras.

Apesar de não constar do Item 15, da lista anexa à LC 116/03, o serviço de factoring (Item 10.04) é outro exemplo de que o ISS não pode recair sobre as receitas financeiras. Apesar de a LC 116/03 prever a incidência do ISS sobre os serviços de factoring, não se admite a sua incidência sobre as receitas financeiras decorrentes da compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços.

A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, nos serviços de factoring, a base de cálculo do ISS corresponde ao preço do serviço cobrado, sem inclusão da receita financeira obtida em decorrência da diferença de compra do título e do valor recebido do devedor.

Em todos estes casos em que há o recebimento de receita financeira, mesmo que esteja relacionada a serviços bancários, a Lei Complementar nem poderia prever a cobrança do ISS, uma vez que a competência para tributar estas receitas é da União, por meio do IOF, por se tratar de operações de crédito, câmbio e seguro.

Em resumo, resta claro que, tratando-se de receitas financeiras decorrentes de qualquer atividade, seja ela de administração de fundos, administração de cartão de crédito ou débito, de abertura de contas, de factoring, etc, não há que se falar na incidência do ISS.

Dessa forma, conclui-se que as receitas financeiras decorrentes da antecipação de recebíveis auferidas pelas credenciadoras têm nítida natureza de receita financeira, decorrente de operação de crédito e, portanto, não são passíveis de incidência pelo ISS.

 

*Artigo publicado originalmente no ConJur.

Solução de Consulta Cosit nº 36/2023: Percentual de presunção para a “venda” de softwares de prateleira

Foi publicada, em 15/02/2023, a Solução de Consulta Cosit nº 36/2023, que altera o entendimento da Receita Federal do Brasil (RFB) sobre os percentuais de presunção de lucro a serem aplicados sobre as receitas de licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador padronizados ou customizados em pequena extensão.

De acordo com o entendimento manifestado na mencionada Solução de Consulta, a determinação das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL sobre essas receitas, que historicamente era calculada com o uso dos percentuais de presunção de 8% e 12% (aplicáveis à venda de mercadorias), respectivamente, passa a ser realizada utilizando o percentual de presunção de 32% (aplicável, em regra, à prestação de serviços).

Essa alteração afeta principalmente as empresas tributadas pelo Lucro Presumido, mas também modifica o cálculo das estimativas com base na receita bruta de pessoas jurídicas enquadradas no Lucro Real Anual. E, apesar de a Solução de Consulta não mencionar expressamente, também deve modificar a classificação dessas receitas (de venda/revenda para serviços) por empresas enquadradas no Simples Nacional.

O novo entendimento reflete o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 1.945/MT e nº 5.659/MG, finalizado no início de 2021, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, sobre o licenciamento ou cessão de softwares, ainda que não customizados (conhecidos como softwares de prateleira), deve incidir o ISS e não ICMS, em consonância com o item 1.05 da lista de serviços da Lei Complementar nº 116/2003.

Apesar de concordarmos com o resultado do julgamento das ADIs acima mencionadas pelo STF, entendemos que a abrangência daquelas decisões está delimitada ao conflito de competência no tocante à cobrança do ISS e do ICMS, com todas as suas particularidades, não consistindo, por outro lado, em uma conceituação genérica da caracterização jurídica dos softwares  para todo e qualquer fim, mesmo porque, nos termos da lei do software (Lei nº 9.609/98), os programas de computador são qualificados como direitos autorais, e não prestações de serviço em seu sentido estrito.

Considerando que o regime do lucro presumido é alicerçado em percentuais de presunção de lucro levando em conta rentabilidades presumidas das atividades e setores econômicos dos contribuintes, entendemos que é defensável a manutenção dos percentuais de 8% e 12% especialmente para as atividades de subseção e sublicenciamento de programas de computador, em que há mera “revenda” de software, sem qualquer obrigação de fazer a ser desempenhada pelo distribuidor, e, deste modo, com uma margem de lucro efetiva muito mais próxima da venda de mercadorias do que da prestação de serviços propriamente dita, o que, portanto, parece-nos fazer mais sentido tanto do ponto de vista jurídico como econômico.

 

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(Não) incidência de IRPJ e CSLL sobre benefícios fiscais de ISS

Afinal, é possível aplicar para o ISS o mesmo entendimento da exclusão dos créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do IRPJ e CSLL?

A LC 116/03 é atualmente a norma federal que institui as diretrizes gerais para a aplicação e cobrança de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), de competência dos Municípios e do Distrito Federal. Dentre as suas disposições, além das balizas quanto às alíquotas mínimas e máximas aplicáveis ao ISS e as hipóteses de incidência ou não incidência do imposto, a Lei Complementar também faz referência as concessões de benefícios e renúncias fiscais¹.

Sobre as hipóteses de concessões de benefícios fiscais, quaisquer que sejam as suas modalidades, a legislação trata como exceção, permitindo apenas em situações específicas. Nessa esteira, alguns Municípios já concedem benefícios, a exemplo de Florianópolis e Curitiba, sendo que a Capital Paranaense concede redução de 20% a 50% do ISS devido para os contribuintes que fazem jus ao Programa Curitiba Tecnológica².

Acerca da temática envolvendo o crédito presumido de ICMS, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do EREsp 1.517.492/PR³, firmou entendimento de que “a incidência de tributo federal sobre o incentivo fiscal de ICMS ofenderia o princípio federativo”.

Posteriormente, a mesma 1ª Seção⁴ entendeu que a LC 160/17 “que determina a qualificação do incentivo fiscal estadual como subvenção de investimentos não tem o condão de alterar a conclusão de que a tributação federal do crédito presumido de ICMS representa violação do princípio federativo”, confirmando a premissa da não incidência da tributação independentemente da observância dos requisitos da LC 160/17.

Segundo a Corte, a interferência da União esvaziaria um incentivo concedido pelos Estados, o que violaria o pacto federativo.

Seguindo essa mesma lógica, a incidência de IRPJ e de CSLL sobre as demais espécies de benefícios fiscais, tais como as reduções de base de cálculo, reduções de alíquota, isenções, imunidades e diferimentos, dentre outros, também são igualmente objeto de controvérsia em curso no judiciário.

Em recentes decisões, a 1ª Turma do STJ vem entendendo por “reconhecer a ilegalidade da inclusão de parcelas impactadas por benefícios fiscais (isenção, redução de base de cálculo ou diferimento)” na base de cálculo do IRPJ e da CSLL⁵.

A Capital Catarinense, dentro do escopo desse debate, em prol do incentivo à inovação e ao empreendedorismo, isenta o ISS em 50% nos três primeiros anos das empresas enquadradas como “startup“⁶.

Aplicando a mesma ratio decidendi dos julgados da 1ª Turma do STJ, entende-se que os benefícios fiscais de ISS não poderão sofrer a incidência do IRPJ e da CSLL, independentemente de se tratar de subvenção para custeio ou investimento, tampouco registrados em conta de reserva de lucros, sob pena de mitigação dos benefícios concedidos pelos Municípios.

Tanto é possível a aplicação analógica, que a Justiça Federal do Estado de Santa Catarina, quando se debruçou sobre os autos 5013463-15.2019.4.04.7208/SC⁷, reconheceu “a ilegalidade da exigência de IRPJ e CSLL sobre os tributos municipais isentados pelo Município de Penha (decreto 023/97) e condenar a requerida a restituir os valores pagos a maior a título de IRPJ e CSLL”. No mesmo passo, quando do julgamento do Recurso de Apelação, o TRF4 manteve a sentença a quo em sua integralidade, cuja decisão já transitou em julgado.

Primando pela coerência dos entendimentos consolidados, entendemos que os benefícios fiscais de ISS não podem compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, independentemente da observância ou não aos requisitos exigidos pela LC 160/17 e pela lei 12.973/14, sob pena de violação ao pacto federativo, em linha com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

___

¹ Art. 8º-A.  A alíquota mínima do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza é de 2% (dois por cento). § 1º – O imposto não será objeto de concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros, inclusive de redução de base de cálculo ou de crédito presumido ou outorgado, ou sob qualquer outra forma que resulte, direta ou indiretamente, em carga tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima estabelecida no caput, exceto para os serviços a que se referem os subitens 7.02, 7.05 e 16.01 da lista anexa a esta Lei Complementar.

² Lei Complementar nº 39, de 18 de dezembro de 2001. Art. 5º. Após a aprovação do projeto, o contribuinte poderá deduzir, no máximo, mensalmente do Imposto Sobre Serviços – ISS devido os seguintes percentuais: I – até 20% (vinte por cento) na hipótese dos contribuintes enquadrados no inciso I do artigo anterior, e II – até 50% (cinqüenta por cento) para os demais.

³ EREsp n. 1.517.492/PR, Rel. Min. Og Fernandes, Rel. para acórdão Min. Regina Helena Costa, 1ª Seção, J. 08/11/17, P. 01/02/18.

⁴ AgInt nos EREsp n. 1.462.237/SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª Seção, J. 27/02/19, P. 21/03/19

⁵ REsp n. 2.041.872, Rel. Min. Benedito Gonçalves, J. 20/12/22. No mesmo sentido: AgInt no REsp n. 1.975.874/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª T., J. 03/10/22.

⁶ Lei Complementar nº 686, de 10 de janeiro de 2020. Art. 3º os benefícios fiscais serão: III – isenção de cinquenta por cento do Imposto Sobre Serviços sobre Qualquer Natureza (ISSQN), nos três primeiros anos.

⁷ TRIBUTÁRIO. BENEFÍCIOS FISCAIS. EXIGÊNCIA DE IRPJ E CSLL SOBRE OS TRIBUTOS MUNICIPAIS. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL. NATUREZA JURÍDICA DIVERSA DE RECEITA OU FATURAMENTO.  1. As receitas decorrentes de benefícios fiscais concedidos pelos Estados em relação ao ICMS, independentemente de sua natureza (crédito presumido, redução de alíquota ou redução da base de cálculo, por exemplo), devem ser afastadas da base de cálculo da CSLL e do IRPJ, pouco importando sua destinação. 2. Reconhecida a ilegalidade da exigência de IRPJ e CSLL sobre os tributos municipais isentados pelo Município em tela. (TRF4, AC 5013463-15.2019.4.04.7208, Rel. Alexandre Gonçalves Lippel, 1ª T, j. 11/02/21).

 

*Artigo publicado originalmente no Migalhas.

Reforma Tributária no novo governo eleito: o que esperar para os próximos 4 anos

Pelas movimentações do novo governo, a Reforma Tributária será um dos primeiros temas a ser discutido

O tema reforma tributária é pauta conhecida no Congresso Nacional há mais de 15 anos. Mais recentemente, a partir de 2019, foram apresentadas algumas propostas relacionadas ao tema: PEC nº 45/19; PEC nº 110/19; PL nº 3.887/20 (CBS); PL nº 2.337/21 (Imposto de Renda); entre outras.

Em resumo, as propostas de emenda à Constituição (PEC) apresentam uma reforma tributária mais profunda, unificando tributos federais, estaduais e municipais (PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISS e outros) e criando um imposto seletivo (IS). Isso significa um impacto direto na simplificação do recolhimento de tributos e potencial redução de controvérsias tributárias. No entanto, a sua aprovação se torna complexa, visto que depende de acordo entre a União, Estados, Municípios e o próprio Congresso Nacional.

Vale observar, mais uma vez, que, em um primeiro momento, essas propostas de reforma tributária não objetivam a redução da carga tributária, o que a propósito seria muito bem-vinda, mas, sim, a simplificação do sistema, garantindo maior segurança jurídica aos contribuintes.

Mas, por que simplificar o sistema é tão necessário? A resposta é simples! Segundo relatório divulgado recentemente pelo Banco Mundial, o empresariado brasileiro dedica, aproximadamente, 1.500 horas por ano para preparar, declarar e pagar tributos. Nesse sentido, a reforma tributária, se aprovada, tende a beneficiar tanto pequenas quanto grandes empresas, reduzindo o chamado “custo Brasil”.

Apesar de a PEC nº 110/19 ter sido bastante discutida em 2021 e 2022 no Senado Federal, o novo presidente eleito acenou recentemente para a PEC nº 45/19, que tramita na Câmara dos Deputados. Inclusive, um dos idealizadores da PEC nº 45/19, o economista Bernard Appy, é um dos nomes que têm se destacado nas últimas semanas. De qualquer forma, independentemente da PEC que avance, o que se espera, no momento, é que caminhemos rumo à simplificação do sistema tributário.

A atualização da tabela progressiva do IRPF é outra pauta conhecida pelo Congresso Nacional há tempos. Vale mencionar, inclusive, que o Governo Federal, em 2021, enviou à Câmara dos Deputados o PL nº 2.337. Este PL, já aprovado pela Câmara dos Deputados, encontra-se em tramitação no Senado Federal. Para os próximos quatro anos, caberá ao Congresso Nacional e ao novo governo eleito, cientes da renúncia fiscal que essa medida representa, avançar nesse assunto que tanto interessa aos brasileiros.

No contexto atual, considerando o resultado do pleito eleitoral que acabou de ser definido, a chapa vencedora terá um grande desafio para pavimentar apoio dentro do Congresso Nacional — vale mencionar que o governo eleito elegeu cerca de 130 parlamentares, o que não reúne, sequer, o quórum necessário para a instalação e votação de um projeto de lei ordinária. Além disso, por envolver reforma de tributos estaduais e municipais, também se mostra necessária a colaboração dos representantes eleitos de tais poderes, o que também pode ser uma complicação extra.

Um sistema tributário transparente e simplificado tende a fomentar maior investimento, não só por parte do empresariado brasileiro, mas também por investidores estrangeiros, o que não ocorre com a aprovação de pequenas alterações na legislação tributária.

Por fim, caso o governo eleito tenha êxito na aglutinação de novos partidos para compor sua base governamental no parlamento e consiga apoio dos governos estaduais e municipais, as chances de aprovação de seus projetos aumentam. Como a maioria das propostas na agenda tributária do governo eleito depende de emendas à constituição, há um desafiador caminho a ser percorrido para que seus projetos sejam aprovados.

 

*Artigo publicado originalmente na Gazeta do Povo.

ISS: Prazo para a Disponibilização do Sistema Eletrônico de Padrão Unificado (DEPISS) encerrado em 13/11/2022

Conforme noticiamos em 30/05/2022, os prestadores dos serviços descritos nos subitens 4.22, 4.23, 5.09, 10.04, 15.01 e 15.09 deveriam disponibilizar, até o dia 13/08/2022, o sistema eletrônico de padrão unificado desenvolvido individualmente ou em conjunto para homologação do CGOA – Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do ISSQN.

Entretanto, em decorrência de pleito apresentado pelos contribuintes ao Comitê houve a prorrogação do prazo, via Resolução CGOA n° 5,  por mais três meses. O prazo anterior se encerrou em 13/11/2022.

Relembramos que a declaração padronizada do ISSQN (DEPISS) e o sistema eletrônico foram regulamentados pela Resolução CGOA n° 04 e deverão observar os leiautes e padrões definidos no Anexo I.

Após a entrega, o CGOA realizará a homologação do sistema no prazo de um mês, contado da data de sua disponibilização pelo contribuinte. A legislação determina prazo de igual período, contado a partir da comunicação feita pelo CGOA, para retificação do sistema em caso de necessidade.

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ISS: Regulamentação de nova obrigação acessória

Como é sabido, a Lei Complementar (LC) nº 157/2016 alterou a competência municipal para exigência do ISS nos serviços descritos nos subitens 4.22, 4.23, 5.09, 10.04, 15.01 e 15.09 de modo que o imposto passou a ser devido no local de domicílio do tomador dos serviços.

A obrigação abrange as atividades de: (i) planos de medicina de grupo ou individual e outros (subitens 4.22, 4.23 e 5.09); (ii) agenciamento de arrendamento mercantil, franquia e “factoring” (subitem 10.04); (iii) administração de fundos quaisquer e de carteira de cliente (subitem 15.01); (iv) administração de consórcios (subitem 15.01); (v) administração de cartão de crédito ou débito e congêneres (subitem 15.01); e (vi) arrendamento mercantil  (subitem 15.09).

A constitucionalidade desta alteração foi contestada no STF através da ADI nº 5.835, sendo que, em março de 2018, a Suprema Corte sustou, por liminar, os efeitos da referida modificação de competência promovida por intermédio de Lei Complementar em função da ausência de definição clara do conceito de “tomador dos serviços” por parte da LC nº 157/2016, o que impossibilitaria a determinação do local de recolhimento do ISS.

Considerou-se, ainda, a existência de diversos atos normativos municipais antagônicos já vigentes ou prestes a entrar em vigência. Estes fatores culminariam, segundo entendimento do Poder Judiciário, em um cenário de total insegurança jurídica e dificuldade de aplicação da Lei Complementar.

Diante deste panorama, foi editada a LC nº 175/2020, com o intuito de superar as irregularidades que embasaram a decisão liminar do STF. O novo diploma legal definiu o conceito de tomador dos serviços para os casos em que a incidência tributária se dá no local de seu domicílio. Além disso, estabeleceu a necessidade de apuração e declaração do ISS devido em função dos serviços prestados sob os referidos códigos, em sistema eletrônico padronizado nacionalmente.

Nesse contexto, foi publicada recentemente a Resolução nº 04, do Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do ISSQN – CGOA, a qual regulamenta a Declaração Patronizada do ISSQN (“DEPISS”), que deverá ser apresentada pelos prestadores de serviços cujo ISS seja devido ao Município de domicílio do tomador, nos termos das Leis Complementares nº 157/2016 e 175/2020.

Para os serviços em referência, a Resolução CGOA nº 04/2022, em seu artigo 14, determina que o contribuinte terá o prazo de até 13/08/2022 para desenvolver o sistema eletrônico de padrão unificado (DEPISS), individualmente ou em conjunto com outros, e disponibilizá-lo para homologação do CGOA. Portanto, a responsabilidade fica a cargo do próprio contribuinte.

Mediante justificativa aceita pelo CGOA, o prazo em referência poderá ser prorrogado, uma única vez, em até 3 meses.

Caso desenvolvido em conjunto, cada contribuinte terá acesso às suas informações de maneira individualizada. O responsável pelo desenvolvimento do sistema deverá franquear aos Municípios e ao Distrito Federal o acesso livre e gratuito ao DEPISS; em contrapartida, os Fiscos municipais deverão cadastrar-se previamente no sistema e fornecer os seguintes dados: (i) alíquotas do ISS; (ii) acréscimos moratórios; (iii) o arquivo da legislação tributária vigente; (iv) os dados bancários para pagamento do ISS; (v) os dados dos usuários do fisco que acessarão ao sistema.

O CGOA realizará a homologação do sistema no prazo de um mês, contado da data de sua disponibilização pelo contribuinte, com vistas a validar se o desenvolvimento foi realizado em consonância com os leiautes e padrões do Anexo I da Resolução em comento. A legislação determina prazo de igual período, contado a partir da comunicação feita pelo CGOA, para retificação do sistema em caso de necessidade.

Os contribuintes deverão entregar a DEPISS até o 25º dia do segundo mês subsequente ao da homologação definitiva do sistema, fornecendo as informações referentes ao mês anterior. Além disso, terão até o 15º dia do mês subsequente ao do fato gerador para realizar o recolhimento do ISS, observando-se, ainda, período de transição com recolhimento proporcional aos municípios do prestador e do tomador, até que o ISS seja recolhido inteiramente ao município do tomador, na forma como prevê o artigo 15, da LC nº 175/2020.

Por fim, será importante observar a postura dos Fiscos Municipais, considerando a possibilidade de cobranças em caso de não cumprimento desta legislação, bem como do próprio STF, que poderá se manifestar especificamente em relação à não aplicabilidade dessa obrigação acessória, seja no mesmo ou em novos pedidos.

 

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Aplicação do Tema 962 ao PIS/Cofins sobre juros de mora: dois pesos, duas medidas?

Com o julgamento do Tema n° 962, o STF chancelou um entendimento que há muito vinha sendo defendido pelos contribuintes, reconhecendo a inconstitucionalidade da incidência do IRPJ e da CSLL sobre os juros de mora na recuperação de tributos. Todavia, para além da fixação da tese, o julgamento trouxe consigo fundamentos que devem ser aplicados também para afastar a tributação dos referidos juros moratórios pelo PIS e pela Cofins.

A conclusão adotada pelo STF fixou a premissa de que os juros de mora na recuperação dos tributos possuem natureza de reparação de danos emergentes. Não se tratam, portanto, de uma receita nova, mas sim de valores que visam a recompor um ilícito causado pela tributação indevida.

Há importantes trechos do voto do relator, ministro Dias Toffoli, que comprovam que os juros Selic não decorrem da exploração econômica do capital, pois a causa que gera o direito a esses juros de mora decorre de um ato ilícito imputado ao devedor, decorrente de uma cobrança tributária indevida. Os juros de mora legais visam, portanto, recompor a perda gerada em razão da exigência indevida.

A própria União Federal, ao opor seus embargos de declaração contra o acórdão proferido, reconhece que “o fundamento determinante que justifica a caracterização da Taxa Selic como compensação por danos emergentes é a mora no pagamento do indébito tributário. O dano emergente a ser indenizado seria em face de toda sorte de dissabores sofrido pelo credor (…)”.

Ora, se a própria União esclarece que, nas hipóteses em que houver o pagamento indevido de tributo, os juros de mora aplicados, que no caso é a Taxa Selic, caracterizam-se como reparação de danos emergentes, não há como não aplicar o mesmo raciocínio à tributação do PIS e da Cofin.

Isso porque, a premissa fixada pelo STF independe do tributo analisado. Seja renda/lucro, no caso de IRPJ e CSLL, ou receita bruta, para os casos de PIS e Cofins, a natureza reparatória de ilícito dos juros de mora, por óbvio, não se altera. Em ambos os casos houve a cobrança indevida de tributo pela Fazenda Pública.

Se os juros de mora apenas recompõem um ilícito, tais valores não podem ser considerados ingresso tributável tanto para o IRPJ e a CSLL como para o PIS e a Cofin, sob pena de se tributar a reparação de danos emergentes que não representa a base de cálculo de nenhum dos tributos mencionados.

O STF já entendeu que receita bruta, para fins de incidência do PIS e da COFINS, pode ser definida como “o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições”¹.

Assim, forçoso concluir que o mesmo entendimento fixado no Tema n° 962 deve ser aplicado também ao PIS e à Cofins, sob pena de atribuir injustamente entendimentos divergentes a uma mesma situação.

Como não poderia deixar de ser, já há decisões dos Tribunais Regionais Federias aplicando corretamente o entendimento do Tema n° 962 para os casos de PIS e Cofins².

Todavia, surpreendentemente, o STJ ainda não está aplicando referido entendimento, de forma que é extremamente importante o reconhecimento de que se trata da mesma situação jurídica — aplicação de juros de mora na repetição de indébito de tributo cobrado indevidamente —, de forma a rever o posicionamento adotado, tal como fez após o julgamento do tema 808 pelo STF, para se curvar ao que foi definido pelo STF.

Se o STJ não se adaptar ao posicionamento do STF, esperamos que a Suprema Corte em breve se manifeste sobre a violação ao conceito constitucional de receita bruta (artigos 195, I, “b”, e 239 da CF/88) e ao princípio da capacidade contributiva (artigo 145, §1º, da CF/88), já que não há receita nova. Oportuno lembrar que em outras ocasiões o STF já se dispôs a analisar se valores como o ICMS, ISS e créditos presumidos de ICMS respeitam a matriz de incidência das contribuições ao PIS e à Cofins³.

Com os juros de mora não poderá ser diferente. Dessa forma, em caso de não reversão do entendimento no STJ, a análise da presente questão pelo STF se mostrará novamente necessária para a manutenção da coerência do entendimento exarado pela Corte no Tema n° 962.

__________

¹ STF — RE nº 606.107 (RS), relatora ministra Rosa Weber. Tribunal Pleno, j. 22/05/13.

² TRF3: 5024123-20.2021.4.03.0000, 5020081-25.2021.4.03.0000; TRF4: 5048527-11.2021.4.04.0000, 5034452-64.2021.4.04.0000, 5000072-31.2021.4.04.7205; TRF5: 0820114-13.2019.4.05.8300, 0810447-03.2021.4.05.0000, 0807014-11.2021.4.05.8400, 0807021-03.2021.4.05.8400, 0805275-30.2021.4.05.8100, 0816316-73.2021.4.05.8300

³ RE n° 574.706; RE n° 592.616; e RE n° 835.818

 

*Artigo publicado originalmente no ConJur.

Programa de Incentivo à Regularização Fiscal do Distrito Federal

Informamos que o Programa de Incentivo à Regularização Fiscal do Distrito Federal – REFIS DF, regido pela Lei Complementar nº 996/2021, ainda está em vigor. As empresas que tiverem interesse em parcelar seus débitos relativos aos tributos distritais terão até o dia 31/03/2022 para aderir ao programa.

É possível incluir os débitos declarados ou com lançamento de ofício efetuado até 31/12/2020, bem como os saldos de parcelamentos que tenham sido homologados até essa data.

Segundo a lei, é possível obter descontos de até 50% do valor principal devido (limitada a débitos tributários até o montante de R$ 100.000.000,00) e, ainda, de até 95% do valor referente aos juros e multa. Também é possível realizar a compensação de precatórios judiciais com os débitos, como forma de pagamento.

É possível incluir no parcelamento os débitos de origem tributária, referente ao ICMS, ISS, IPTU, IPVA, ITBI, ITCD, TLP, débitos do Regime Tributário Simplificado – Simples Candango, e os débitos devidos de origem não tributária. Apenas empresas optantes do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições não poderão aderir ao parcelamento.

 

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A reforma do IR: projeto natimorto

Ao longo de 2021, em evidente atropelo às propostas de reforma da tributação sobre o consumo, foi apresentado, pelo governo federal, o Projeto de Lei 2.337, que visa alterar “a legislação do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza das Pessoas Físicas e das Pessoas Jurídicas e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido”.

E quando dizemos atropelo, não nos referimos apenas à questão temporal, já que as Propostas de Emenda Constitucional 45 e 110, que visam à modificação do sistema constitucional da tributação sobre o consumo, bem como o Projeto de Lei 3.887/2020, que propõe a substituição do PIS e da Cofins pela CBS, são cronologicamente anteriores.

Referimo-nos também ao aspecto de urgência e relevância, na medida em que a tributação sobre o consumo é um dos grandes entraves à retomada do crescimento econômico no Brasil.

O atual sistema de tributação indireta, calcado em pelo menos cinco tributos – ICMS, ISS, IPI, PIS e COFINS – gera, apenas a título exemplificativo, os seguintes efeitos: “injustiça fiscal”, já que as camadas mais baixas acabam pagando proporcionalmente mais tributos; guerra fiscal entre os Estados e entre os Municípios; seletividade perversa, da maneira como implementada; complexidade para apuração dos tributos; milhares de horas por ano com vistas à conformidade fiscal, mediante cumprimento forçado de obrigações acessórias volumosas e que, por vezes, induzem o contribuinte a erro; contencioso administrativo e judicial, muitas vezes, indesejável.

Daí a surpresa de um projeto de “reforma do imposto de renda” que, aparentemente, vem acompanhado de um capital político superior àquele relativo à reforma do sistema tributário sobre o consumo, bem mais importante.

De todo modo, convém nos explicarmos.

Com exceção da necessidade de atualização da tabela de imposto de renda das pessoas físicas, fundamental em tempos de inflação, os demais pontos da “reforma do IR”, não preenchem os critérios de urgência e importância tal qual defendidos.

O PL 2.337/2021 foi redigido por representantes da Receita Federal, com um caráter claramente arrecadatório, razão pela qual, foi fortemente criticado pelo mercado e sofreu alterações. Adicionalmente, o sistema do imposto de renda brasileiro é relativamente simplificado, se comparado aos tributos indiretos, que demanda bem menos custo de conformidade, além de gerar, comparativamente, menos contencioso nos tribunais.

Neste último aspecto, importante mencionar que, desde 1996, encontra-se praticamente em desuso a Distribuição Disfarçada de Lucros – DDL, que certamente ressuscitaria, se a reforma viesse a ser aprovada, e cujos conceitos subjetivos contêm o ingrediente perfeito para reinaugurar todo um universo de discussões contenciosas.

No que tange à questão da não tributação dos dividendos, fala-se, por um lado, que gera injustiça fiscal, já que os mais ricos deixam de pagar imposto. Aí cabe uma observação: a concentração da tributação da renda na pessoa jurídica, ou a sua divisão entre pessoa jurídica e pessoa física, é uma questão de política fiscal. Tendo o Brasil optado pela primeira possibilidade, é fato que o lucro líquido, ao ser distribuído aos sócios, já estará reduzido por uma alíquota corporativa majorada, o que desmantela esta falsa sensação de injustiça social.

Nos países que tributam os dividendos, as alíquotas corporativas são bem menores que as do Brasil, sem falar na possibilidade de não arrecadação caso as empresas decidam não distribuir lucros, destinando-os, por exemplo, a reinvestimento, ao passo que, no sistema brasileiro, a arrecadação não está sujeita a esta casualidade, sendo imediata no momento da geração do lucro.

Outra falácia que se tem ouvido é que o Brasil é um dos únicos países que não tributa os dividendos; porém, o que se esquece de observar é que, entre os países que os tributam, grande parte prevê uma considerável faixa de isenção o que, na prática, gera uma não tributação dos dividendos.

Por fim, em se tratando da extinção dos juros sobre o capital próprio, esquece-se que este instituto tem atraído e mantido investimentos estrangeiros no Brasil, podendo sua eliminação acarretar consequências bastante negativas, além do fato de estar sendo, ou já ter sido instituído, mutatis mutandis, em vários outros países (como, por exemplo, Itália, Chipre, Bélgica, entre outros – em relação ao ACE – Allowance for Corporate Equity).

A intenção não é, por um lado, esgotar as críticas a cada ponto da reforma do imposto de renda, senão demonstrar que ele não é dos mais urgentes, bem como carrega componentes absolutamente questionáveis. Por outro lado, sanados gargalos mais nefastos como a reforma da tributação sobre o consumo, nada nos impede de reformarmos nosso sistema de tributação sobre a renda, desde que com o devido tempo, e ouvindo-se o mercado e os setores econômicos que o compõem e a sociedade em geral.

Já encerrando, o projeto carece de viço, portanto, provável e igualmente natimorto, também sob a ótica jurídico-tributária. Isso pelos pontos questionáveis que contém e que, caso aprovados, certamente serão objeto de forte questionamento judicial, por parte dos contribuintes. Estes últimos já exaustos da sanha fiscal, que insiste em apostar na conhecida e malfadada fórmula de aumentar as fontes de custeio estatal, ao arrepio da sensação de crescente pressão fiscal. Um verdadeiro torniquete que drena a energia de nossa economia como um todo, e a dos pagadores de tributos, individualmente.

*Artigo publicado originalmente no Estadão.